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Radiobiologia e Fotobiologia - Prof. Alvaro Leitão (IBCCF-UFRJ) CAPÍTULO VI FATORES QUE MODIFICAM A SENSIBILIDADE ÀS RADIAÇÕES IONIZANTES INTRODUÇÃO A exposição de uma população de células (ou de um organismos) às radiações ionizantes, traduz-se pelo aparecimento de determinados efeitos, cujas amplitudes dependem: a) das características físicas da radiação (TLE, dose única ou dose fracionada, taxa de dose, absorção, etc.); b) das condições da preparação durante a irradiação (temperatura, pH, teor de oxigênio, presença de aceptores de radicais livres, etc.); c) de parâmetros inerentes ao sistema biológico irradiado (existência de mecanismos de reparação, número de exemplares de cada cromossomo, fase do ciclo mitótico, frequência de divisões celulares, etc.). Alguns destes fatores atuam aumentando a radiossensibilidade, enquanto outros agem em sentido oposto. Na Figura VI.1 está mostrado, de forma esquemática o papel desempenhado por alguns dos fatores acima apontados na modificação da radiossensibilidade. Figura VI.1 - Representação esquemática do sentido da atuação, sobre a radiossensibilidade, de diversos fatores. VI-2 FATORES FÍSICOS QUE CONDICIONAM A RADIOSSENSIBILIDADE Qualidade da radiação As excitações e ionizações produzidas pelas radiações distribuem-se ao longo da trajetória, de forma essencialmente dependente da natureza da radiação e do material irradiado. Assim, fótons de radiação X ou promovem o arrancamento de elétrons orbitais, enquanto os de UV transferem sua energia para grupamentos de certas moléculas. Entre as radiações corpusculares, as formas de transferência de energia para a matéria também são distintas: os nêutrons podem provocar diversos tipos de reações nucleares, das quais resulta, por exemplo, a emissão de um próton, capaz de ionizar outros átomos que encontre em sua trajetória, ao passo que as partículas e ionizam diretamente. Doses iguais (iguais energias absorvidas) de diferentes radiações não produzem efeitos idênticos. Por isto, para comparar efeitos causados por dois tipos de radiação, é importante dispor de um padrão. Dada a facilidade de obtenção e o número de trabalhos realizados, foi adotada, com esta finalidade, a radiação X produzida por uma ampola funcionando sob uma diferença de potencial de 250 kV (produzindo raios X com uma energia máxima de 250 keV). Com base neste padrão torna-se possível definir a eficiência biológica relativa (EBR), que corresponde à relação entre a dose deste tipo de raios X necessária para produzir um determinado efeito e a dose de outra radiação que produza efeito igual. Se, certo efeito é obtido com 10 Gy de raios X de 250 kV ou com 1 Gy de partículas , a EBR das partículas, para este efeito, nestas condições experimentais, vale 10. Na Figura VI.2 podem ser vistas as curvas de inativação de uma preparação enzimática, irradiada com raios X ou com um feixe de nêutrons; é possível verificar que inativações idênticas são produzidas com 6 Gy de raios X ou com 2 Gy de nêutrons, o que significa dizer que a EBR dos nêutrons, para este efeito, é igual a 3. Quando, entretanto, as curvas de inativação não têm o mesmo formato, como também mostrado na Figura VI.2, a comparação se torna mais complexa, pois os valores obtidos diferem, conforme a região da curva considerada (patamar inicial ou porção retilínea). Os valores da EBR variam com a natureza da radiação, a faixa de doses considerada, a taxa de dose, as condições de irradiação, o sistema biológico empregado e o efeito medido. Para que uma determinada técnica radioterápica visando à destruição de um tumor seja exequível, é fundamental que o feixe de radiações produza efeitos mais intensos nas células tumorais que nas células normais, que as circundam; isto significa dizer que a EBR para inativação das primeiras deve ser maior que para as últimas. Figura VI.2 - Determinação da EBR a partir das curvas de inativação (ou sobrevivência). A - curvas exponenciais de inativação de uma preparação enzimática irradiada com raios X ou com nêutrons; B - curva exponencial de uma população de células irradiadas com nêutrons e curva sigmóide obtida, para uma população idêntica, após irradiação com raios X. VI-3 Fracionamento de dose A irradiação de uma população celular pode ser feita em uma única exposição ou a dose ser aplicada de forma fracionada, ao longo do tempo. Na maior parte das situações, a dose fracionada produz efeitos menores que a aplicada de uma só vez, o que pode ser facilmente entendido, considerando a possibilidade de reparação de lesões durante o período decorrido entre as exposições. Por esta razão, quando a dose única inativa com a mesma eficiência que as fracionadas, pode ser suposta a inexistência de mecanismos de reparação atuantes. Na Figura VI.3 podem ser vistas as sobrevivências observadas após exposição de uma cultura a uma determinada dose, aplicada de uma só vez ou dividida em duas parcelas, a segunda ocorrendo em diferentes momentos após a primeira. Figura VI.3 - Influência do fracionamento de dose na sobrevivência. Uma população de células foi exposta a uma única dose de radiação ou à mesma dose dividida em duas exposições, separadas por diferentes tempos, durante os quais as células permaneceram à temperatura ambiente, para impedir sua evolução ao longo do ciclo mitótico. Efeito da temperatura A temperatura na qual seja processada a irradiação é capaz de modificar a amplitude dos efeitos induzidos. Assim, por exemplo, a difusão dos radicais livres é reduzida em baixas temperaturas, do que resulta diminuição dos danos radioinduzidos. Por outro lado, a irradiação de células mantidas em temperaturas mais elevadas que as fisiológicas pode amplificar a inativação radioinduzida, fenômeno de grande importância e que vem sendo objeto de diversos estudos nos últimos anos. Nestas condições de hipertermia ocorrem modificações da eficiência dos processos de reparação e aumento da irrigação, causando aumento do teor de oxigênio o que facilita a formação de ERO. Efeito oxigênio Um sistema biológico é mais radiossensível quando irradiado em presença de oxigênio que em sua ausência (anoxia), o que constitui o chamado efeito oxigênio. O primeiro trabalho relativo a este fenômeno data de 1909, tendo sido mostrado que a pele humana com reduzida irrigação sanguinea (isquemia), era mais resistente que a pele normal. Nos anos seguintes, fenômenos análogos foram verificados em diversos organismos, especialmente em relação à manutenção da capacidade de divisão celular. Hoje já é possível uma caracterização bem mais ampla, pois a sensibilidade é também verificada quando avaliados, por exemplo, os efeitos genéticos, as alterações metabólicas, a produção de aberrações cromossômicas, a inativação de macromoléculas, etc. VI-4 Curvas de sobrevivência de culturas de bactérias e de células de mamíferos, irradiadas em anoxia ou em presença de oxigênio, podem ser vistas na Figura VI.4. A sensibilização provocada pelo oxigênio permite incluir este gás entre os agentes modificadores de dose, como são genericamente conhecidos os compostos que alteram a radiossensibilidade. A relação entre as doses necessárias para produzir a mesma amplitude de efeito em anoxia ou em atmosfera oxigenada constitui a razão de sensibilização pelo oxigênio; esta grandeza assume valores compreendidos entre 2 e 3 para radiações X e , entre 1 e 2 para nêutrons e valores unitários para partículas (istoé, para radiações de elevada TLE, não ocorre radiossensibilização pelo oxigênio). Em condições de aumento da tensão de oxigênio a razão de sensibização ainda pode ser aumentada em relação às condições normais de oxigenação, como pode ser visto na Figura VI.5. A presença de oxigênio não altera a amplitude dos efeitos do UV germicida, mas o faz em relação ao UV longo, como foi visto anteriormente. O efeito oxigênio só é observado se este gás estiver presente durante a irradiação. A necessidade da presença de oxigênio durante a irradiação, para que seu efeito se expresse, sugere sua atuação em vários processos, provavelmente coexistentes, quais sejam: a) modificação da natureza e da quantidade de radicais livres formados; b) favorecimento do surgimento de ERO; c) peroxidação de extremidades livres de macromoléculas quebradas pela radiação, impedindo assim sua posterior regeneração. Estes mecanismos são compatíveis com o fato do oxigênio aumentar a sensibilidade de sistemas biológicos ao UV longo, que atua por meio de ERO. Figura VI.4 - Curvas de sobrevivência de células irradiadas em anoxia ou em presença de oxigênio. A - culturas de E. coli; B - culturas de células HeLa. Figura VI.5 – Efeito do aumento do oxigênio na sobrevivência de uma cultura de células VI-5 O efeito oxigênio desempenha importante papel na radioterapia de tumores. Em tecidos normais, a distância média entre capilares não ultrapassa 20 m, ordem de grandeza do diâmetro celular e, desta forma, todas as células encontram-se adequadamente irrigadas (oxigenadas); em massas tumorais, entretanto, a rápida proliferação celular pode fazer com que esta distância aumente substancialmente, chegando a ultrapassar 200 m, de tal forma que uma parte das células fica em hipoxia, enquanto outras em anoxia, inativando-se e constituindo um território de necrose, como mostrado na Figura VI.6. Figura VI.6 - Representação esquemática da difusão de oxigênio, a partir de um capilar, em uma massa tumoral. O oxigênio que difunde a partir do capilar dificilmente chega às células a mais de 100 m, distância a partir da qual surgem células hipóxicas, ainda viáveis, e células anóxicas, constituindo uma zona de necrose. Quando uma determinada dose de radiação é aplicada à massa tumoral, ela deve inativar, preferencialmente, as células oxigenadas, produzindo efeitos reduzidos nas células hipóxicas, uma vez que estas são mais radiorresistentes; a inativação das primeiras facilita a difusão do oxigênio (pois ele deixa de ser consumido nas proximidades do capilar) e, assim, as células hipóxicas sofrem reoxigenação. Na Figura VI.7 pode ser vista a variação da percentagem de células hipóxicas em um tumor, desde o aparecimento deste, quando, dada sua pequena dimensão, elas inexistem; em seguida, com o crescimento do tumor, surgem células hipóxicas, cujo percentual aumenta até atingir um patamar, mantendo-se então constante, pela ocorrência simultânea de divisão celular e inativação por anoxia. Quando a irradiação é feita, a inativação predominante é a de células bem oxigenadas, as hipóxicas passando então a constituir a maioria das células viáveis. Em consequência da inativação das células mais próximas aos capilares, muitas das hipóxicas passam a ser bem oxigenadas; se, quando seu percentual atinge um nível mínimo, é aplicada uma segunda dose de radiação, observa-se a repetição do ciclo, mas agora com um número total de células mais reduzido, o que constitui uma das justificativas para o fracionamento de doses em radioterapia, permitindo evitar que seja procedida nova irradiação quando as células hipóxicas (radiorresistentes) são majoritárias na população. A variação da pressão parcial de oxigênio nos tecidos também tem sido utilizada buscando aumentar a eficiência dos processos radioterápicos; para tal, várias técnicas costumam ser empregadas, tais como a injeção de vasodilatadores, o aumento da percentagem de oxigênio no ar inspirado ou o emprego de câmaras hiperbáricas, técnicas estas que, em alguns casos, podem ser úteis na prática médica. VI-6 Figura VI.7 - Representação esquemática da variação da percentagem de células hipóxicas em um tumor. A - enquanto a massa tumoral é muito reduzida, inexistem células anóxicas ou hipóxicas; B - o percentual de células hipóxicas cresce, até atingir um patamar, no qual o número de células inativadas pela falta de oxigênio é igual ao das que se tornam hipóxicas; C - após a irradiação, as células hipóxicas passam a representar a quase totalidade da população, assim permanecendo por algum tempo; D - a redução do consumo de oxigênio e sua melhor difusão pelas zonas de necrose asseguram a reoxigenação do tumor, que volta a apresentar células radiossensíveis. AGENTES QUÍMICOS MODIFICADORES DA RADIOSSENSIBILIDADE Aspectos gerais Diversos compostos químicos são capazes de modificar a resposta à irradiação de um sistema biológico, aumentando-a ou diminuindo-a, isto é, atuando como radiossensibilizadores ou como radioprotetores. A aplicação prática de compostos desta natureza pode ser facilmente ilustrada por meio de alguns exemplos, tais como: a) a radioterapia antitumoral poderia ser melhorada se fosse possível dispor de uma droga que aumentasse a sensibilidade das células neoplásicas ou, alternativamente, que reduzisse a das células normais; b) radioprotetores poderiam ser úteis a técnicos que lidassem com amostras radioativas e que, em situações de emergência, fossem expostos a doses elevadas de radiação; c) os radioprotetores poderiam ser igualmente úteis para tripulantes de vôos supersônicos ou de foguetes espaciais, situações nas quais ocorrem exposições a doses mais elevadas; d) na eventualidade de uma guerra nuclear localizada, ou de um acidente com um reator nuclear, os radioprotetores químicos poderiam aumentar a probabilidade de sobrevivência de integrantes da população. Estas aplicações, entretanto, ainda são de emprego muito limitado, por diversas razões, entre as quais podem ser apontadas: a) a atuação seletiva de um radiossensibilizador sobre células tumorais (ou de um radioprotetor sobre células normais) só foi conseguida em raras situações experimentais; b) os radioprotetores só atuam se estiverem presentes no momento da irradiação, tornando inviáveis algumas aplicações práticas na proteção contra as radiações; c) muitos radioprotetores são relativamente tóxicos, o que limita sua utilização; d) mesmo nas condições experimentais mais favoráveis, o grau de proteção conferido por um composto químico não é muito elevado. VI-7 Radioprotetores químicos A radioproteção química foi observada, há várias décadas, em experimentos nos quais uma solução contendo dois ou mais solutos era irradiada, sendo verificado que o efeito sobre um dos solutos era menor que se ele fosse irradiado isoladamente; o fenômeno foi interpretado como consequência da competição dos dois solutos pelos radicais livres radioinduzidos. Em 1949 foi constatado que um aminoácido, a cisteína, reduzia a mortalidade radioinduzida em ratos, se fosse neles injetada antes da irradiação. A partir de então, milhares de compostos foram testados, alguns dos quais tendo se mostrado capazes de proteger diversos sistemas biológicos, desde células em cultura até mamíferos. O grau de proteção conferido por um determinado composto químico varia de organismo para organismo, assim comodepende do efeito biológico medido, da natureza da radiação empregada e da dose utilizada. Este grau de proteção costuma ser expresso por meio do fator de redução de dose (FRD), definido pela relação entre a dose que produz um determinado efeito, em presença do radioprotetor, e a que produz efeito igual, na ausência do mesmo. Radioprotetores distintos podem atuar por diferentes mecanismos, o que dificulta a elaboração de modelos abrangentes ou de classificações mais lógicas. Alguns agem provocando vasoconstricção ou alterando o metabolismo celular, de tal forma que o teor de oxigênio se reduz; como exemplos de compostos desta natureza podem ser apontados o cianeto de sódio, o monóxido de carbono, a epinefrina, a histamina e a serotonina. Diversos compostos contendo grupamentos sulfidril (S-H) têm sido bastante estudados, entre os quais os aminotióis. Entre eles merecem especial menção a cisteína, a cisteamina (-mercaptoetilamina - MEA), que deriva da cisteína por descarboxilação, e a cistamina, um derivado da MEA contendo uma ponte S-S; as fórmulas estruturais destes compostos podem ser vistas na Figura VI.8, na qual também está mostrada a radioproteção conferida por um deles a camundongos irradiados. Outros aminotióis, como a glutationa (tripeptídeo formado de cisteína, ácido glutâmico e glicina), o S-2-aminoetilisotiorônio (AET, um derivado da MEA) e a 2-mercaptoetilguanidina (MEG) constituem exemplos adicionais de aminotióis dotados de capacidade de radioproteção. Estes compostos apresentam como característica comum, em termos de estrutura química, a presença de um grupamento sulfidril em uma de suas extremidades e um grupamento básico forte na outra (amina ou guanidina, por exemplo), separados por não mais de três átomos de carbono. Figura VI.7 - Fórmulas estruturais de aminotióis dotados de capacidade radioprotetora e efeito da cisteína na sobrevivência de camundongos irradiados com raios X. A tiouréia e alguns de seus derivados também protegem contra os efeitos das radiações ionizantes, embora esta propriedade não pareça depender da existência de um grupamento sulfidril. VI-8 A radioproteção química não é observada após exposição a radiações de elevada TLE, como as partículas , e é reduzida após irradiação com nêutrons. O radioprotetor só atua se estiver presente no momento da irradiação, não sendo detectadas modificações da amplitude dos efeitos se ele for adicionado após a mesma. Os mecanismos de ação dos radioprotetores químicos são ainda bastante controvertidos. Alguns parecem provocar hipoxia (por modificações metabólicas ou por consumo direto de oxigênio). Outros são aceptores de radicais livres (principalmente de ERO) ou do excesso de energia armazenada por uma molécula, o que os torna aptos a reduzir os efeitos indiretos das radiações ionizantes. Talvez alguns radioprotetores possam atuar simplesmente diminuindo a velocidade dos processos metabólicos intracelulares e da própria divisão celular, propiciando mais tempo para a reparação das lesões radioinduzidas. Apesar das limitações já apontadas, algumas aplicações práticas têm sido descritas para os radioprotetores químicos. Assim, a radioterapia de câncer de útero encontra, como uma de suas dificuldades, a ocorrência de graves efeitos em tecidos vizinhos, como os da bexiga e do reto; estes efeitos podem ser substancialmente reduzidos se, durante a irradiação, os órgãos adjacentes forem protegidos com soluções, por exemplo de AET. Radiossensibilizadores químicos Diversos compostos químicos são capazes de ampliar os efeitos biológicos das radiações, encontrando seu exemplo mais significativo no oxigênio. Mas nem todos os produtos que apresentam esta característica podem ser considerados como radiossensibilizadores verdadeiros, uma vez que: a) diversas drogas são tóxicas para as células e, assim, seus efeitos se somam aos da radiação; isto ocorre, por exemplo, com compostos alquilantes, com certos antibióticos (actinomicina D, bleomicina, adriamicina), com drogas que interferem no metabolismo celular (especialmente com as que atuam impedindo a replicação semiconservativa do DNA), etc; b) certas substâncias reduzem a capacidade de reparação das lesões produzidas pela radiação no DNA e, assim, aumentam a inativação, embora não modifiquem a quantidade ou a natureza das lesões radioinduzidas. Um exemplo de radiossensibilizador verdadeiro é dado por certos derivados halogenados de pirimidinas, como o 5-bromouracil, que pode substituir a timina na cadeia polinucleotídica. A exposição do DNA contendo este análogo estrutural ao UV conduz ao aparecimento de roturas da cadeia, das quais resulta a inativação celular, fenômeno análogo ocorrendo com radiações ionizantes. Algumas drogas, desde que presentes durante a irradiação, aumentam a inativação celular e a mutagênese radioinduzida, como ocorre com a N-etilmaleimida (NEM), o metilglioxal, o ácido iodoacético e a iodoacetamida; esta última, por exemplo, reduz a dose necessária para inativar 63% de uma cultura de Micrococcus radiodurans de 2700 para 30 Gy. Todos estes produtos apresentam, em comum, a propriedade de se combinarem com compostos sulfidrílicos, o que permite levantar a hipótese de atuarem mediante o bloqueio da ação de radioprotetores presentes no meio intracelular e formados em consequência dos processos metabólicos. É provável que alguns radiossensibilizadores possam ampliar a formação de radicais livres, principalmente de algumas ERO, o que poderia justificar seus papeis. Particular atenção tem sido dada, nas últimas décadas, a drogas capazes de sensibilizar células hipóxicas. Entre os compostos dotados desta propriedade podem ser apontados a triacetona-amina-N- oxil (TAN), o metronidazol ("Flagil") e diversos derivados nitroimidazólicos. Estes produtos parecem mimetizar os efeitos do oxigênio, o que justificaria o aumento das lesões provocadas pelas radiações ionizantes. RADIOSSENSIBILIDADE E CICLO CELULAR VI-9 A irradiação de culturas bacterianas em diferentes momentos ao longo de suas fases de crescimento permite comparar a radiossensibilidade e, de forma genérica, bactérias em fase estacionária são mais resistentes que em fase exponencial, como mostrado na Figura VI.9. Como já foi visto, as técnicas de sincronização permitem a análise da radiossensibilidade em cada uma das fases do ciclo mitótico de células eucarióticas. Embora os resultados obtidos sejam variáveis conforme a linhagem empregada, as variações de radiossensibilidade apresentam, frequentemente, o aspecto mostrado na Figura VI.10. Apesar das eventuais divergências observadas, é possível, para a maior parte das células de mamíferos, estabelecer algumas regras gerais sobre a variação de radiossensibilidade ao longo do ciclo mitótico, quais sejam: a) as células são bastante sensíveis na fase M, ou nas suas proximidades; b) a resistência é maior ao final da fase S c) quando a fase G1 é relativamente longa, ocorre um período de radiorresistência ao seu início, seguido de um período de maior sensibilidade; d) a fase G2 caracteriza-se por elevada sensibilidade, às vezes comparável à observada na fase M. Figura VI.9 - Variação da radiossensibilidade de uma cultura bacteriana em diferentes momentos do crescimento. Figura VI.10 - Representação esquemática da variação de radiossensibilidade ao longo do ciclo mitótico de células de mamíferos. A - células de hamster chinês; B - células HeLa. VI-10 Diversas explicações têm sidoapresentadas para justificar estas variações de radiossensibilidade, mas a interpretação do fenômeno ainda é controvertida. Entre as hipóteses mais difundidas, merecem especial menção: a) a condensação dos cromossomos nos instantes que precedem a mitose poderia torná-los mais susceptíveis a danos radioinduzidos; b) a duplicação do conteúdo informacional na fase S poderia tornar viável a atuação de mecanismos de reparo capazes de assegurar a manutenção da viabilidade celular; c) as modificações metabólicas observáveis durante o ciclo mitótico talvez levem ao acúmulo de determinadas substâncias, inclusive radioprotetores químicos, o que modificaria significativamente a amplitude dos efeitos das radiações. Na Figura VI.11 estão representadas as curvas de sobrevivência de células de hamster irradiadas durante as várias fases do ciclo celular. Figura VI.11 – Variação da radiossensibilidade celular em função da fase do ciclo. É possível que os fenômenos observados sejam, em realidade, consequência da ação simultânea de vários fatores, alguns dos quais acima apontados e outros ainda desconhecidos. A comparação da radiossensibilidade de diferentes linhagens celulares deixa claro que, em diversas situações, as células que se dividem mais rapidamente são mais radiossensíveis que as de reprodução mais lenta. Embora esta regra tenha exceções, ela deve ser considerada quando do estudo radiobiológico de cada tipo celular. Aliás, a existência de uma relação entre frequência de divisões e radiossensibilidade constitui uma das primeiras leis dos estudos dos efeitos biológicos das radiações, enunciada por Bergonnié e Tribondeau, estabelecendo serem mais sensíveis às radiações as células de maior atividade mitótica e as menos diferenciadas. RADIOSSENSIBILIDADE, ESTRUTURA DO DNA E PLOIDIA A composição de bases nitrogenadas do DNA é um dos determinantes da radiossensibilidade, embora sua importância seja "mascarada" por outros fatores, tais como a eficiência dos mecanismos de reparação, certamente mais importante. Utilizando fragmentos de DNA transformante com diferentes estruturas primárias, ou células bacterianas de diferentes gêneros, é possível constatar que a sensibilidade ao UV aumenta à medida que cresce o teor de adenina-timina na cadeia polinucleotídica. Para radiações ionizantes, entretanto, a conclusão é oposta, crescendo a radiossensibilidade em função do aumento de citosina-guanina. A interpretação deste fato é ainda bastante controvertida, não parecendo estar relacionada com os rendimentos radioquímicos para radiólise das diferentes bases nitrogenadas. VI-11 A sensibilidade do DNA em dupla hélice é distinta da observada quando esta macromolécula apresenta-se em fita única. Parte substancial desta diferença pode ser explicada pela possibilidade de preservação do conteúdo informacional, graças à dupla hélice, fator bastante importante para a atuação dos mecanismos de reparação. As interações do DNA com as proteínas intracelulares constituem outro fator capaz de modificar a radiossensibilidade, podendo atuar por diversos mecanismos, eventualmente antagônicos; assim, por exemplo, as proteínas podem proteger o DNA, funcionando como aceptoras de radicais livres, mas podem também propiciar condições para a formação de ERO, mais reativas e mais tóxicas para as células. O número de exemplares de cada cromossomo na célula, assegurando a existência de uma "duplicata" da informação genética, traduz-se frequentemente, por aumento da radiorresistência. Assim, leveduras haplóides são mais sensíveis que as diplóides e pode-se verificar o aumento da radiorresistência em outras situações, pela existência da redundância da informação genética. A reativação por multiplicidade corresponde a um aumento da resistência às radiações quando vários fagos irradiados infectam a mesma bactéria. Torna-se claro, desta forma, que a distinção entre o aumento real da resistência e a facilitarão de processos de reparação é relativamente complexa, especialmente quando da existência de várias réplicas de DNA.
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