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As sanções penais e o método APAC (2)

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CENTRO DE ESTUDOS SUPERIORES APRENDIZ
FACULDADE DE DIREITO
Wellington Magalhães
AS SANÇÕES PENAIS E O MÉTODO APAC
Barbacena
2014
RESUMO
Acompanhando a evolução das sociedades através dos tempos, nota-se também que houve uma mudança nas formas de punir os indivíduos anômicos, que não se adéquam às regras sociais e cometem os mais diversos crimes. Suplícios sangrentos, decapitações e enforcamentos em praça pública, outrora comumente utilizados, foram banidos e execrados, dando lugar às penas privativas de liberdade e à restrição de direitos.
Com o passar dos anos, o homem foi adquirindo a concepção de reeducar e ressocializar o criminoso, ao invés de apenas punir. Contudo, frente às péssimas condições da maioria das cadeias e presídios, esse objetivo se coloca a cada dia mais distante de ser alcançado. Diante das lacunas do tradicional sistema prisional e da premente opção pela mudança, foi idealizada a APAC (Associação de Proteção ao Condenado), que trabalha com uma metodologia de valorização e respeito da condição humana, com o intuito de realizar a difícil tarefa de devolver à comunidade pessoas totalmente curadas e recuperadas das feridas causadas pelo crime.
Palavras-chave: APAC, crime, ressocializar, condenado, liberdade
1 - INTRODUÇÃO
O assunto a ser abordado é a evolução dos castigos aplicados aos criminosos, culminando no método brasileiro conhecido como APAC (Associação de Proteção e Assistência ao Condenado), uma vez que esse é um tema de enorme relevância social.
O escopo desse trabalho científico é demonstrar que, ao longo da história, as sanções penais somente puniram os contraventores das leis, se mostrando ineficazes no tocante a um dos principais anseios da sociedade civil: reeducar e ressocializar aqueles que transgridem suas normas. Em contrapartida, aponta-se o Método APAC como solução para suprir tal deficiência.
A presente pesquisa se presta a analisar as várias formas de punições bem como divugar o ainda recente mecanismo de recuperação das pessoas desviadas do ordenamento jurídico proposto pela APAC, visando inflamar na sociedade o desejo de conhecer e participar de tão louvável iniciativa de interesse comum, que possui suma importância para toda a coletividade.
2 - DESENVOLVIMENTO
2.1 - AS SANÇÕES PENAIS
Ecoando através da história da humanidade e sendo parte integrante das sociedades mundiais, a criminalidade é fator intrínseco ao ser humano. Desde as civilizações mais remotas, o homem subtrai o que é do outro, viola o corpo alheio e até mesmo ceifa a vida de seu semelhante. Com o escopo de compelir essas condutas criminosas, os castigos aplicados evoluíram através dos tempos, passando por suplícios e penas de morte até chegar no que hoje em dia se torna mais comum: a privação da liberdade, anseiando pela ressocialização do indivíduo anômico. Mas será que existe hoje alguma sanção penal capaz de cumprir a difícil tarefa de ressocializar aqueles a ela submetidos?
Até o século XVIII punia-se o corpo através dos suplícios, bastante comuns na Europa e em países espalhados em outros continentes. Os condenados eram submetidos às mais horrendas torturas físicas que se puder imaginar, sendo em seguida esquartejados em praça pública. Uma efervescente multidão se aglomerava, na maioria das vezes, para presenciar aquele estranho “espetáculo” de sofrimento e dores inexprimíveis protagonizado pelo criminoso que, após ter seus membros separados, era queimado numa grande fogueira e tinha suas cinzas lançadas ao vento. Michel Foucault (1999, p. 09) nos relata o desfecho de um desses terríveis episódios, ocorrido na França em 1757:
Finalmente foi esquartejado, relata a Gazette d’Amsterdam. Essa última operação foi muito longa, porque os cavalos utilizados não estavam afeitos à tração; de modo que, em vez de quatro, foi preciso colocar seis; e como se isso não bastasse, foi necessário, para desmembrar as coxas do infeliz, cortar-lhe os nervos e retalhar-lhe as juntas.
Tempos mais tarde, percebeu-se que tal método era muito violento, chegando próximo à barbárie, e optou-se então pela decapitação por machado ou guilhotina. Em seguida o enforcamento passou a predominar, contudo todos estes métodos se davam de maneira inexorável, em público, sendo ainda concorridos pelas pessoas para assistirem, jogarem alimentos estragados e pronunciarem injúrias contra o condenado. O objetivo era, assim como nos suplícios, suscitar na população o medo da morte, decorrente da condenação por práticas delituosas.
Em meados do século XIX, em plena Revolução Industrial, a sociedade deparou-se com a escassez de operários para as emergentes fábricas e indústrias da época. Diante dessa nova realidade, boa parte dos doutrinadores acredita que tal fato levou os detentores do poder a repensar a questão das sanções penais, pois estavam eliminando aqueles que podiam, com o seu trabalho, contribuir para a melhoria da situação vigente. Destarte, a pena de morte foi substituída por privação de liberdade e imposição de trabalhos forçados, passando da punição sobre o corpo para o castigo da alma do apenado.
Com o passar dos anos as sanções penais foram afrouxando sua severidade, pautando por menos sofrimento e mais humanidade e respeito. O sangue e o corpo morto saíram de cena e os trabalhos forçados também foram abolidos. A busca pela ressocialização do condenado passou a ser o objetivo principal, não obstante, em uma minoria de países, a pena de morte resistiu e ainda está presente nos dias atuais.
2.2 - O MÉTODO APAC
O ser humano, ao se encontrar socialmente doente, deveria dispor de um local onde recuperasse sua condição saudável, uma espécie de hospital social; essa seria a função dos presídios que, diametralmente, acabam por adoecer ainda mais aqueles que neles adentram. Com seus espaços inóspitos e desumanos, têm reiteradamente demonstrado que não são capazes de efetivamente cumprir seu papel.
O Brasil não é uma exceção nesta triste realidade mundial. Diante dessa situação surgiu um novo modelo de prisão, na cidade de São José dos Campos, no ano de 1972, idealizado pelo advogado Mário Ottoboni e por um grupo de voluntários denominado APAC (Associação de Proteção e Assistência ao Condenado). Trata-se de uma entidade civil sem fins lucrativos, com supedâneo na Carta Magna Nacional, atuante na recuperação e reintegração social dos apenados, possuindo estatuto resguardado pelo Código Civil Brasileiro e pela LEP (Lei de Execução Penal). “Um método de valorização humana, para oferecer ao condenado condições de recuperar-se, logrando, dessa forma, o propósito de proteger a sociedade e promover a justiça” (OTTOBONI, 2001, p. 37).
A APAC foi criada para trabalhar como cooperada do Estado nas ocasiões de omissão, deficiência e ineficiência dos órgãos estatais, promovendo as atividades de execução penal e fazendo-se cumprir as determinações da LEP, visando levar o condenado a acreditar em sua valorização humana e reintegração à sociedade. Desta feita, Estado e comunidade unidos proporcionam aos presos a garantia de seus direitos, como assevera o artigo 4º da LEP: “O Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança”.
Defendendo a descentralização dos presídios, a APAC preconiza ser mister o “recuperando”, como é chamado aquele por ela assistido, cumprir a pena na comunidade onde vive ou próximo dela, situação que proporciona aos seus familiares a possibilidade de estar sempre por perto, haja vista que a família tem suma importância no sucesso ou fracasso do ser humano. Geralmente os condenados vêm de lares desestruturados, causa fundamental de seu início na criminalidade. Quando os parentes se dispõem a ajudar e a acompanhar o desenvolvimento do recuperando, transmitem a ele mais segurança e bem-estar. Por essa razão, o Método APAC atém-se a proporcionar cursos e dinâmicas com participação familiar, bem como permite visitas íntimas, ações estas que levam o apaquiano a sesentir totalmente amparado, causando uma sensação de incolumidade que ajuda em muito na sua recuperação.
Na incessante busca para se alcançar os objetivos propostos, é preciso que os recuperandos tenham atividades para evitar a ociosidade e promover a reflexão sobre seus próprios valores, demonstrando à sociedade sua capacidade de retorno sem riscos de reincidência criminal. Na APAC, pode-se estudar, aperfeiçoar um ofício ao qual se tenha aptidão ou até mesmo cursar universidades à distância. Outrossim, existem espaços para lazer, leitura, práticas religiosas e ainda são oferecidos cursos de informática, artes, música, teologia, entre outros.
O trabalho também se faz presente nos três regimes de detenção existentes na APAC (fechado, semiaberto e aberto), todavia a metodologia é específica e os locais são diferentes para cada um deles. Em consonância com o artigo 126 da LEP, três dias trabalhados proporcionam um dia remido na pena, e é esta remição que faz com que os apenados tenham motivação e bom comportamento.
O Método APAC, mesmo com suas dificuldades, presta aos recuperandos assistências jurídica e à saúde, ambas asseguradas pelas leis pátrias, porém não oferecidas na maioria dos presídios comuns. O trabalho de uma equipe formada por vários profissionais como advogados, médicos, dentistas, psicólogos, assistentes sociais entre outros, tem ajudado muito na reinserção social dos apaquianos.
Diversas funções que o Estado não cumpre, com toda a sua ineficiência, são desempenhadas na APAC. É sabido que no sistema convencional a possibilidade de ressocialização é mínima, devido ao péssimo tratamento imposto aos presos, como nos ensina a lição de Jason Albergaria (1996, p. 45):
O clima de opressão onipresente desvaloriza a autoestima, faz desaprender a comunicação autêntica com o outro, impede a construção das atitudes e comportamentos socialmente aceitáveis e necessários para quando chegar o dia da libertação. Na prisão, os homens são despersonalizados e dessocializados.
É imperativo ressaltar que, na esfera econômica, um preso no sistema comum custa três vezes mais aos cofres públicos do que no Método APAC, onde o índice de reincidência é muito menor (menos de 10%) e as fugas e rebeliões têm números pífios se comparados aos dos presídios tradicionais. O Método já é adotado por mais 23 países, o que causa uma mistura de satisfação e tristeza em seu fundador, conforme se pode constatar no próprio dizer de Mário Ottoboni (2001, p. 78):
A APAC vai ganhando força no exterior e nós, aqui, não contamos com o devido apoio das autoridades brasileiras. Daqui a pouco, o método apaquiano vai acabar sendo valorizado no Brasil porque pensarão que veio lá de fora, do Primeiro Mundo. Não vão se dar conta de que nasceu aqui e é coisa nossa.
Por conseguinte, tantos benefícios dão credibilidade e proporcionam a eficácia do Método, visto que a filosofia idealizada por seu criador é: “matar o criminoso e salvar o homem”. É preciso acabar com as práticas delituosas e recuperar o indivíduo, reinserindo-o na sociedade. A APAC surgiu não apenas para servir ao cumprimento das sanções penais, mas também para despertar na coletividade um espírito de solidariedade e de amor pelos menos favorecidos e necessitados. Urge a necessidade da população propugnar essa causa, pois assim estará assegurando a sua própria segurança.
3 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente trabalho, procedeu-se uma análise das várias formas de punição à condenados utilizadas ao longo dos tempos. Foi promovida também uma divulgação do mecanismo de recuperação das pessoas desviadas do ordenamento jurídico proposto pelo Método APAC.
Procurou-se atingir o objetivo de demonstrar que, percorrendo a história, as sanções penais somente puniram os contraventores das leis, se mostrando ineficazes no tocante a um dos principais anseios da sociedade civil: reeducar e ressocializar aqueles que transgridem suas normas. Em contrapartida, apontou-se a Apac como solução para suprir tal deficiência.
Todas as informações coletadas remetem à inequívoca ideia de que o Método apaquiano é viável e reúne os atributos necessários para ser amplamente disseminado no Brasil, bem como servir de exemplo a outras nações.
4 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
_______ Lei de Execução Penal. 9º ed. revisada e atualizada. São Paulo: Atlas, 2000.
ALBERGARIA, Jason. Das penas e da execução penal. 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.
BECARRIA, Cesare Marchese. Dos delitos e das penas. 11ª ed. São Paulo: Hemus, 1995.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 20ª ed. Petrópolis: Vozes, 1999.
OTTOBONI, Mário. Ninguém é irrecuperável – APAC, a revolução do sistema penitenciário. 1ª ed. São Paulo: Paulinas, 2001.
Secretaria de Justiça do Estado de Minas Gerais. Censo Criminológico – Conselho de Criminologia e Política Criminal. 2ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

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