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Análise histórica do sistema penitenciário

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Análise histórica do sistema penitenciário: subsídios para a busca de alternativas à humanização do sistema prisional
PorJeison- Postado em 26 novembro 2012
Autores: 
SILVA, Luzia Gomes da.
 
O Direito Penitenciário consiste num conjunto de normas jurídicas que regulam as relações entre o Estado e o condenado, desde que a sentença condenatória legitima a execução, até que dita execução se finde no mais amplo sentido da palavra (III Congresso Internacional de Direito Penal, Palermo, Itália, 1933).
 
SUMÁRIO: I - INTRODUÇÃO; II - SISTEMA PENITENCIÁRIO E DIREITOS FUNDAMENTAIS DO SENTENCIADO; A) Surgimento e Evolução do Sistema Penitenciário; B) Estado atual do Direito Penitenciário no Brasil; C) Direitos Fundamentais do Sentenciado; D) Crise da Pena Privativa de Liberdade; III - ALTERNATIVAS À HUMANIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO; A) Fatores que ensejam a Idéia Privatizante; 1) Privatização total das prisões; 1.1) Justificativas à privatização das prisões; 1.1.1) A crise do sistema penitenciário; 1.1.2) As experiências estrangeiras; 1.1.3) A ideologia da lei e da ordem; 1.2) Obstáculos à idéia privatizante; 1.2.1) Obstáculos éticos; 1.2.2) Obstáculos jurídicos; 1.2.3) Obstáculos políticos; B) Parcerias Público-Privadas; C) Gestões Compartilhadas dos Presídios como alternativa à Recuperação do Condenado; 1) O Método APAC; 2) O Método APAC e a Constituição Federal de 1988; IV - CONSIDERAÇÕES FINAIS; V - REFERÊNCIAS.
I - INTRODUÇÃO
Um dos grandes desafios que se apresenta para os governantes do Brasil na atualidade, e que vem se arrastando por décadas, é o sistema penitenciário. Não é nenhuma novidade que o sistema prisional brasileiro está em crise e que o nível de reincidência é bastante elevado, estima-se que passa de oitenta e seis por cento. A par dessa realidade está a prestação de serviços públicos fortemente atingida no que tange à qualidade do serviço carcerário.
Diante da insatisfatoriedade do sistema penitenciário atual, não se poderia deixar de aprofundar este tema, buscando, com o auxílio da doutrina principalmente por estar engajada na busca contínua para soluções efetivas aos problemas carcerários do Brasil, uma solução plausível e possível que respeite os direitos dos presos e, ao mesmo tempo, devolva a credibilidade da população à Justiça.
Com a certeza de que a prisão é uma “exigência amarga, mas imprescindível”, pelo menos em alguns casos, e acreditando que a história da prisão não leva à sua progressiva abolição, mas à urgente reforma (BITTENCOURT, 1993, p.11), escolheu-se pesquisar, usando o método indutivo e a técnica de pesquisa bibliográfica, as propostas concretas apresentadas que variam entre o projeto de privatização das prisões e a progressiva humanização e liberação interior, como via para uma permanente reforma da prisão, acompanhando a evolução da mente humana.
Tendo em vista a vastidão deste intrincado tema, delimitou-se escolher como objeto de estudo as alternativas contemporâneas à humanização do sistema prisional, assunto de extrema importância para a Administração da Justiça Penal. É que a sociedade brasileira, cada vez mais consciente de seus interesses, direitos e força política, vem cobrando do Estado, transformações que visem melhoria na qualidade do serviço carcerário e na recuperação dos presos. Com esse processo surgiram novos institutos na tentativa de viabilizar melhorias na prestação dos serviços públicos, como alternativas à humanização do sistema prisional, entre eles as Parcerias Público-Privadas - PPPs e as Gestões Compartilhadas - GCs, a exemplo dos Centros de Ressocialização de Presos - CRPs geridos pelas Associações de Proteção e Assistência aos Condenados - APACs. Nesse novo cenário, afasta-se a idéia de Estado prestador de todos os serviços públicos, para substituí-lo pelo Estado mínimo, aquele que atua em parceria com a iniciativa privada e a sociedade civil, sem deixar de lado a eficiência.
O principal objetivo deste estudo é apresentar os pontos positivos e negativos das principais alternativas à humanização do sistema prisional em desenvolvimento no Brasil. Para nortear a pesquisa, levantam-se alguns questionamentos: se a pena de prisão caminha para a falência, que benefícios traria a privatização dos presídios? como as parcerias público-privadas e os métodos de gestão compartilhada podem contribuir no processo de humanização do sistema prisional?
Na tentativa de respondê-los, divide-se o trabalho em três capítulos.
Primeiramente entendeu-se por bem apresentar, em considerações gerais, o surgimento e evolução do direito penitenciário até os moldes atuais, como funciona o sistema criminal brasileiro e quais são os direitos fundamentais do sentenciado, não só a nível nacional, como também em seu aspecto internacional, decorrente dos direitos humanos fundamentais. De forma um pouco mais específica, abordar-se a falência das prisões, dando ênfase ao poder punitivo do Estado e a crise da pena privativa de liberdade.
Num segundo momento, tratar-se da privatização das prisões como solução apresentada ao problema carcerário. Surge novamente uma questão simples e ao mesmo tempo polêmica: o problema carcerário cinde-se na falta de verbas? Tentando melhor solucionar este entrave, são apresentados os principais fatores que ensejam a idéia privatizante, como a crise do sistema penitenciário, o ideário neoliberal, as experiências estrangeiras e a ideologia da lei e da ordem. Em contrapartida, analisar os obstáculos éticos, jurídicos e políticos, levantados à idéia privatizante.
Por fim, analisam-se as propostas de alternativas à humanização do sistema prisional no Brasil, e quais as soluções realmente satisfatórias para o caos em que se encontra o sistema carcerário, não só no Brasil, como no mundo, trazendo como exemplos os modelos de parceria público privada e de gestão compartilhada existentes, ilustrando que é possível reverter o quadro do sistema penitenciário brasileiro, dependendo da boa vontade e interesse dos cidadãos em geral.
Propõe-se, assim, antes de eternizar com lucro pessoal, um modelo prisional superado e perverso, aperfeiçoar a pena privativa de liberdade, quando necessária, e substituí-la quando possível e recomendável. Defende-se a necessidade de, sem abandonar o sistema prisional tradicional, buscar soluções criativas capazes de romper com o paradigma cultural clássico de que o Poder Público se destina exclusivamente à construção de prédios prisionais. É possível implantar novos métodos de gestão capazes não só de ampliar e qualificar a rede prisional, como também oferecer ao preso a oportunidade de reinserção à sociedade.
Informar o leitor das ideias privatizantes que esquentam as mentes de alguns juristas, e apresentar os obstáculos que povoam os pensamentos dos opositores, despertando para novas leituras, fazendo surgir o interesse direcionado para a problemática que envolve o sistema carcerário brasileiro, certamente é o grande objetivo desta obra. Ao final, constarão as considerações finais do trabalho.
II - SISTEMA PENITENCIÁRIO E DIREITOS FUNDAMENTAIS DO SENTENCIADO
A) Surgimento e Evolução do Sistema Penitenciário
O direito penitenciário resultou, em certo sentido, do desenvolvimento da ciência penitenciária. A ciência penitenciária existente até a atualidade, é uma ciência naturalista, causal-explicativa, que, quando da sua origem, se preocupava com dados da realidade, limitando-se “àquilo que é”, à previsão dos efeitos de tais e quais causas e à indagação das causas que tinha produzido tais ou quais efeitos (MIOTTO, 1992, p.18).
Felizmente, aos poucos, seguindo a própria ordem natural das coisas, foram se acrescentando e pondo em paralelo, temas de caráter jurídico, próprios da ciência normativa, ou seja, da ciência que se preocupa com o “dever ser”. Passou-se a pensar mais nos direitos dos condenados, principalmente depois da Revolução Francesa (1789-1799), quando as preocupações com os direitos humanos em geral foram impulsionadas.
É importante para compreender o sistema penitenciário atual, a informação de que emsua origem, a prisão cautelar é anterior à existência da prisão-pena, a qual só veio a existir depois que a humanidade conheceu o instituto da privação da liberdade. Assim, antes de ser uma espécie de sanção, a prisão foi destinada a reter o condenado até a efetiva execução de sua punição, a qual era sempre corporal ou infamante (FOUCAULT, 1997, p 207).
Como na época da vingança privada o revide não guardava proporção com a ofensa, sucederam-se acirradas lutas entre grupos e famílias, que assim se iam debilitando, enfraquecendo e até extinguindo. Surgiu, então, como primeira conquista no terreno repressivo, o “talião”, conhecido pela máxima “olho por olho e dente por dente”. Por ele o castigo é delimitado e a vingança não mais seria arbitrária e desproporcional (NORONHA, 1991, p. 20). A lei do talião foi consagrada no direito escrito da época pelo Código de Hammurabi (por volta de 1700 a.C.) em suas regras e punições.
A vingança deixou de ser privada e passou a ser divina (direito penal religioso, teocrático e sacerdotal), pois a sociedade já concebia um poder social capaz de impor aos indivíduos normas e condutas de castigo. Nesta época, a punição era rigorosa, pois que o castigo deveria estar em relação com a grandeza da divindade ofendida (NORONHA, 1991, p.21). O caráter religioso predominava nas leis dos povos do Oriente Antigo, a exemplo do Código de Hammurabi, a Torah (a partir de Moisés, que viveu por volta de 1500 a.C.) e o Código de Manú (entre 200 a.C. e 200 d.C.). Tem-se conhecimento de um tipo de prisão, talvez o primeiro, no Código de Manú, onde o condenado era exposto em via pública e ali recebia sua punição através de suplício, porém não era tida como pena (FIGUEIREDO, 1892, p. VII).
A vingança divina que de certo modo também era pública foi generalizada com o uso de juizes e tribunais. O escopo era o de conter a criminalidade, mas por mais aterradores que fossem os castigos e os suplícios infligidos contra os delinqüentes, por mais ostensiva que tenha sido a pretensa exemplaridade das execuções das penas corporais e infamantes, nunca houve eficaz efeito inibitório ou frenador da criminalidade (FARIAS JÚNIOR, 1996, p.24).
Na fase da vingança pública, que tem início no Período Helênico (323 a.C. - 30 d.C.) e vai até o século XVIII, o objetivo transmuda-se para a segurança do príncipe ou soberano, através da pena, também severa e cruel, com a finalidade de intimidar (NORONHA, 1991, p.21).
Conforme E. Magalhães Noronha (1991, p.21), na Grécia, a princípio o crime e a pena ainda eram inspirados no sentimento religioso, pois o direito e o poder emanavam de Júpiter, considerado o deus criador e protetor do universo. Dessa divindade provinha o poder dos reis e em seu nome se procedia ao julgamento do litígio e à imposição do castigo.
No entanto, os filósofos e pensadores gregos e suas teorias influenciaram na concepção do crime e da pena. Por exemplo, a idéia de culpabilidade através do livre arbítrio de Aristóteles, acabou refletindo no campo jurídico, depois de se firmar no terreno filosófico e ético. Por sua vez, Platão contribuiu para a idéia da intimidação da pena. Também foram os gregos que classificaram o crime em público e privado, conforme a predominância do interesse do Estado ou do particular. Porém, ao lado da vingança pública ainda permaneciam as formas anteriores da vingança privada e da vindita divina. Não se concebia, ainda, um “direito penal”, embora a Grécia seja hoje considerada seu berço mais remoto (NORONHA, 1991, p. 22). As penas em geral eram castigos, multas, feridas, mutilações, morte (cuja forma dependia do delito cometido) e exílio.
Roma também não fugiu às imposições da vingança, consagrada através do talião e da composição, práticas adotadas pela Lei das XII Tábuas (450 a.C.). No período da realeza também teve caráter religioso. No entanto, não tardou muito para a religião se separar da lei, surgindo os crimina publica (perduellio, crime contra a segurança da cidade, e parricidium, primitivamente a morte do civis sui uris) e os delicta privata. A repressão dos crimes privados era entregue à iniciativa do ofendido, cabendo ao Estado a repressão aos crimes públicos. Mais tarde surgem os crimina extraordinaria, interpondo-se entre aquelas duas categorias e absorvendo diversas espécies ou figuras dos delicta privata. Finalmente, a pena se torna, em regra, pública (NORONHA, 1991, p.22).
Conforme Geraldo Nogueira Júnior (2006, p.1), “no direito romano, a custódia dos acusados se fazia pelo acorrentamento ou pela segregação, podendo estas ocorrer em estabelecimentos estatais ou em casas particulares, destinando-se a assegurar a presença do réu no processo”. Não se cogitava, ainda, da segregação como pena.
Já o direito medieval formado, basicamente, pelo direito canônico, pelo direito germânico e pelo direito romano, adotou a pena de morte, executada por meio de formas cruéis, como fogueira, afogamento, soterramento, enforcamento, e tinha finalidade intimidativa. As sanções penais eram desiguais, variando conforme a condição social e política do delinqüente, sendo prática comum o confisco, a mutilação, os açoites, a tortura e as penas infamantes. A par disso, o arbítrio judiciário criou em torno da sanção penal uma atmosfera de insegurança, incerteza e medo. “[...] assiste-se ao poder da Igreja em punir. A punição foi inspirada pelos Tribunais de Inquisição, período em que a pena ensejava o arrependimento do infrator” (NOGUEIRA JÚNIOR, 2006, p.1).
Os povos germânicos da época não conheceram a prisão cautelar, “tanto que o acusado se apresentava livre para defender-se perante a assembléia” (NOGUEIRA JÚNIOR, 2006, p.1). De forma diversa aconteceu com o direito canônico, quer se opondo à influência da força como prova judiciária, quer salientando o elemento subjetivo do crime. Também chamado de direito penal da Igreja, o direito canônico assimilou e adaptou o direito romano às condições sociais, contribuindo para a subseqüente humanização do direito penal. Tentou banir as ordálias e os duelos judiciários, sendo que as penas passaram a ter não só o fim da expiação, mas também a regeneração do criminoso pelo arrependimento e purgação da culpa, o que, paradoxalmente, levou à Inquisição. A legislação eclesiástica era contrária à pena de morte. O direito canônico criou, contra a vingança privada, o direito de asilo e as tréguas de Deus. Combatendo a vingança privada, em contrapartida fortaleceu o poder público (NORONHA, 1991, p.23).
Além do elemento voluntarístico do crime, o direito canônico empresta a finalidade à pena, objetivando a regeneração ou emenda do criminoso pelo arrependimento ou purgação da culpa. Tolerou punições rudes ou severas com o fim superior da salvação da alma do condenado. Sofreu influências do Cristianismo, trazendo o grande benefício da consagração do princípio da ordem moral, pois, até então predominava o princípio social do direito romano ou o individual do germânico.
Porém, a Igreja passou a punir quem não confessasse a fé católica. Criou-se o Santo Oficio da Inquisição no século XIII que se estendeu até o século XIX. Muitos meios cruéis de suplício foram empregados. Milhões de infiéis que eram chamados de “hereges” e “apóstatas” foram queimados vivos. As prisões destinadas aos suplícios eram, em geral, subterrâneas e chamadas de “penitenciárias”, com celas individuais, escuras, imundas, porque segundo os inquisidores, só assim seriam propícias à penitência, à expiação e à purgação. Conforme Nogueira Júnior (2006, p.1):
[...] a punição ganhou uma conotação de vingança e de castigo espiritual, acreditando-se que através dela poderia se reduzir à ira divina e regenerar ou purificar a alma do delinqüente, cometendo-se todas as atrocidades e violências em nome de Deus. No direito eclesiástico, a penitência era a melhor forma de punição, nesse sentido, conforme já salientado, a custódia do acusado antecede até mesmo a pena privativa de liberdade. Diante disso, foram então construídas prisões denominadas “penitenciários”, onde os acusados cumpririam penitênciae esperariam o momento em que seriam guiados para a fogueira. A denominação penitenciária é utilizada por nós até os dias de hoje, como o local onde o acusado ou condenado irá permanecer preso (grifo do original).
Portanto, foi somente, na sociedade cristã que a prisão tomou forma de sanção. Até então, a pena de morte era usada severamente contra os infratores. Com o surgimento da pena de reclusão, houve o enfraquecimento progressivo desse tipo de punição. Segundo Odete Maria de Oliveira (1996, p.45):
As penas mais graves foram as primeiras a serem atenuadas para depois desaparecerem. À medida que tais penas se retiram do campo da punibilidade, formas novas invadem os espaços livres. A pena privativa de liberdade durante muito tempo guardou um caráter misto e indeciso. Muitas vezes, era aplicada acessoriamente, até se desembaraçar, pouco a pouco, e atingir sua forma definitiva. De prisão preventiva, passou posteriormente para prisão, na forma de pena privativa de liberdade. Só no século XVIII é que foi reconhecida como pena definitiva em substituição à pena de morte.
Assim, o cárcere para castigar os seres humanos foi uma criação do direito canônico, no qual na “legislação da Igreja vigorava o cárcere de pena” (FUNES, 1953), com propósito de expiar suas culpas pelo sofrimento, pela penitência. Entendia-se que pela solidão, a alma do indivíduo se depurava do pecado e o remorso poderia trazer-lhe a consciência do crime, sendo obrigado a meditar, todo o tempo, sobre sua culpa.
Na síntese de E. Magalhães Noronha (1991, p.23), esses três direito-bases do direito romano (romano, germânico e canônico), não obstante seus fundamentos diversos, contribuíram para a formação do direito penal comum que predominou durante toda a Idade Média, e mesmo posteriormente, em vários países europeus. Porém, foi à influência do direito dos glosadores (Escola Interpretativista) através do comentário e da exegese dos velhos textos, que revigorou o direito romano[1]. Segundo o citado autor, aos glosadores se sucederam os “pós-glosadores” (Escola dos Comentaristas), cujos ensinamentos se inspiram nos deixados pelos precedentes[2]. Finalmente, os “Práticos” que embora presos à casuística, seus comentários, tendo por base o direito romano e sentindo a influência do germânico e do canônico, constituíram os primeiros delineamentos sólidos do direito penal[3].
No início da Idade Moderna, sobreveio o ciclo do terror, o período do absolutismo, do tiranismo, do autocratismo e de muito arbitrarismo, em que o rei era a lei e o Estado. Muitos inocentes foram condenados e muitos culpados ficaram impunes. Conforme João Farias Júnior (1996, p.25):
As execuções tinham que seguir um ritual de teatralismo e de ostentação do condenado à execração e à irrisão pública, as carnes eram cortadas e queimadas com líquidos ferventes, os membros eram quebrados ou arrebentados na roda, ou separados do corpo através tração de cavalos, o ventre era aberto para que as vísceras ficassem à mostra. Todos deveriam assistir as cenas horripilantes. O gritar, o gemer, as carnes cortadas e queimadas, a expressão de dor, enfim, todas as cenas horríveis deveriam ficar vivas na memória de todos.
Permanecia, porém, a fase da vingança pública, cuja preocupação maior voltava-se à defesa do soberano e dos favorecidos. Predominavam o arbítrio judicial, a desigualdade de classes perante a punição, a desumanidade das penas (principalmente a pena de morte e seus meios cruéis) o sigilo do processo, os meios inquisitoriais, tudo isso aliado a leis imprecisas, lacunosas e imperfeitas, favorecendo o absolutismo monárquico e postergando os direitos da criatura humana (NORONHA, 1991, p.24).
Vivenciava-se a paranóia do suplício do excesso de poder. Mesmo assim, não obstante as atrocidades e a barbárie dos suplícios impostos aos malfeitores, a criminalidade tornou-se insustentável na França, a tal ponto de intolerância, abominação e repúdio ao caótico regime, surgindo manifestações populares que acabaram resultando na Revolução Francesa, em 1789 e nas conseqüentes reformas institucionais. A Revolução Francesa, que deu início à Idade Contemporânea, concorreu para a abolição das atrocidades, da barbárie dos suplícios e da vingança pública e legou para a posteridade a institucionalização da pena de prisão (FARIAS JÚNIOR, 1996, p.25).
Contudo, ainda antes da Revolução Francesa começaram a aparecer na Europa prisões legais, destinadas a recolher mendigos, vagabundos, prostitutas e jovens delinqüentes, que se multiplicavam principalmente nas cidades, mercê de uma série de problemas na agricultura e de uma acentuada crise na vida feudal. Para César Barros Leal (2001, p.33;34) a prisão-pena mais antiga foi a House of Correction, construída em 1552 na cidade de Bridewell, na Inglaterra, com disciplina extremamente rígida para corrigir os criminosos. Tratava-se de uma construção simples com grandes dormitórios sem divisões e espaços abertos. Outro presídio foi construído na Holanda, em 1595, com duas alas, uma feminina e outra masculina. Em 1596 surge o modelo de Amsterdã, chamado Rasphuis, exclusivamente para homens. Nesta prisão, o trabalho era obrigatório e a cela individual era utilizada para promover o arrependimento do criminoso (penitência), através de leituras espirituais. Era destinada, a princípio, para prender mendigos e criminosos jovens. No ano de 1597 foi criada, também em Amsterdã, a Spinhis destinada às mulheres e uma seção especial para meninas adolescentes construída na mesma cidade em 1600.
Ressalte-se que os primeiros presídios voltavam-se mais para o trabalho que à correção propriamente dita. Abrigavam mendigos, prostitutas e vagabundos, maior problema social da época, com o intuito de corrigi-los através do trabalho forçado. Lembre-se que esse foi um período em que a industrialização estava em seu início, carente de operários e empregados para a maquinofatura, não havendo espaço para “vagabundos” - era preciso que todos trabalhassem e produzissem.
De acordo com Michel Foucault (1997, p.107), o modelo de prisão-pena que inspirou todos os demais foi o Rasphuis, Amsterdam, aberto em 1596. Informa que seu funcionamento obedecia a três grandes princípios: a) duração das penas podia, pelo menos dentro de certos limites, ser determinada pela própria administração, de acordo com o comportamento do prisioneiro (essa latitude podia, aliás, ser prevista pela sentença: em 1597 um detento era condenado a doze anos de prisão que podiam se reduzir a oito se seu comportamento fosse satisfatório); b) o trabalho era obrigatório, feito em comum (aliás, a cela individual só era utilizada a título de punição suplementar; os detentos dormiam de dois ou três em cada cama, em celas que continham de quatro a doze pessoas); e c) pelo trabalho feito, os prisioneiros recebiam um salário.
Em suma, os detentos eram enquadrados em um horário estrito, um sistema de proibições e de obrigações, uma vigilância contínua, exortações, leituras espirituais, todo um jogo de meios para “atrair para o bem” e “desviar do mal”. Essa prisão não tinha celas, a não ser para castigos provocados por alguma falta disciplinar cometida dentro da prisão. A administração tinha certa autonomia sobre a pena, pois o administrador do presídio podia regular a pena de acordo com o comportamento do interno. O trabalho era obrigatório e os detentos recebiam salários. As normas eram rígidas, tanto em relação à disciplina, quanto aos horários, os deveres. A vigilância era constante, bem como se promovia o estímulo à leitura religiosa e à prática do bem.
É esse modelo de prisão que, segundo Michel Foucault (1997, p.107), serve de exemplo de ligação entre a teoria de transformação pedagógica e espiritual dos indivíduos por um exercício contínuo (característica do século XVI), e as técnicas penitenciárias (idealizadas na segunda metade do século XVIII). Essa concepção de recuperação do criminoso ou vagabundo, através da reflexão espiritual e da penitência, determinou os princípios fundamentais que cada uma das três prisões implantadasna época desenvolveriam, numa direção particularizada. São elas: a Manson de Force de Gand na Bélgica; as casas de trabalho da Inglaterra, a Walnut Street Jail da Filadélfia e a Auburn dos Estados Unidos da América.
A Manson de Force, de Gand, fundada em 1627, foi inspirada na Rasphuis de Amsterdã e reformada em 1775 pelo Conde Hippolyte Vilain XIV. Sua organização serviria de modelo para a prisão norte-americana de Auburn, no Estado de Nova Iorque, iniciada em 1817[4]. O grande mérito da prisão de Gand, entretanto, foi o de ter, pela primeira vez, realizado a classificação dos presos por categorias jurídicas e morais (ANTUNES, 1958, cap.VII). A filosofia dessa prisão consistia no entendimento de que a ociosidade é a causa dos delitos.
A cadeia de Gand organizou o trabalho penal em torno, principalmente, de imperativos econômicos, tendo como fundamento, levantamentos prévios que constataram que os malfeitores não eram os trabalhadores (que não tinham tempo para pensar em atividades ilícitas), mas os vagabundos que se dedicavam à mendicância. A idéia foi de construir uma prisão que realizasse a pedagogia universal do trabalho, com os seguintes objetivos: a) diminuir o número de processos criminais dispendiosos para o Estado; b) não ser mais necessário adiar os impostos para os proprietários dos bosques arruinados pêlos vagabundos; c) formar uma quantidade de novos operários; e d) permitir aos verdadeiros pobres ter os benefícios paritários da caridade necessária (FOUCAULT, 1997, p.108).
Imaginava-se que, de acordo com Michel Foucault (1997, p.108):
Essa pedagogia [da reconstrução do homo economicus] reconstituirá no indivíduo preguiçoso o gosto pelo trabalho, recolocá-lo-á por força num sistema de interesses em que o trabalho será mais vantajoso que a preguiça, formará em torno dele uma pequena sociedade reduzida, simplificada e coercitiva onde aparecerá claramente à máxima: quem quer viver tem que trabalhar. Obrigação do trabalho, mas também retribuição que permite ao detento melhorar seu destino durante e depois da detenção.
Porém, esse processo de “reconstrução do indivíduo economicamente produtivo” exigia aprisionamentos longos, pois em curto prazo, como de seis meses, por exemplo, não era considerado tempo suficiente para corrigir os criminosos e levá-los ao espírito de trabalho. Concebia-se, assim, que “a duração da pena só tem sentido em relação a uma possível correção, e a uma utilização econômica dos criminosos corrigidos” (FOUCAULT, 1997, p.108). Além disso, o detento trabalhava e recebia salário para pagar os gastos de seu internamento na prisão, além de ter recursos quando sair para não voltar à mendicância.
O modelo inglês (casas de trabalho da Inglaterra em Worcester em 1697, em Lublin em 1707 e em Gloucester, sudoeste da Inglaterra), acrescentou, ao trabalho, o isolamento como condição essencial para a correção, visando uma transformação moral e religiosa, tendo como fundamentos os que seguem: a) sobre os “malefícios” da prisão conjunta: a promiscuidade dá maus exemplos e possibilidades de evasão no imediato, de chantagem ou de cumplicidade para o futuro; a prisão se pareceria demais com uma fábrica deixando-se os detentos trabalhar em comum; e b) sobre os “benefícios” do isolamento: o isolamento constitui um choque a partir do qual o condenado, escapando às más influências, pode fazer meia-volta e redescobrir no fundo de sua consciência a voz do bem; o trabalho solitário se tornará então tanto um exercício de conversão quanto de aprendizado; não reformará simplesmente o jogo de interesses próprios ao homo economicus, mas também os imperativos do indivíduo moral (FOUCAULT, 1997, p.109).
Porém, na prática, só parcialmente correspondeu ao esquema inicial, pois funcionava como confinamento apenas para os criminosos mais perigosos e para os outros, os demais trabalhavam juntos durante o dia e eram isolados à noite (FOUCAULT, 1997, p.119).
Já a prisão Walnut Street Jail construída em 1790 na Filadélfia (chamada de sistema pensilvânico, sistema filadelfiano, sistema celular ou solitary system) tinha como diretriz a disciplina, o trabalho e a leitura religiosa para recuperar o apenado, porém acrescia um tratamento individual até então inédito, no qual cada preso era observado, cujos resultados eram anotados em um relatório individual que continha detalhes de seu crime, as circunstâncias deste e seu comportamento enquanto detento. Os dados de cada relatório eram estudados com a intenção de identificar e adequar um tratamento que destruísse os antigos e maus hábitos. De acordo com Michel Foucault (1997, p.110), este foi o mais famoso modelo, porque “surgia ligado às inovações políticas do sistema americano e também porque não foi votado, como os outros, ao fracasso imediato e ao abandono; foi continuamente retomado e transformado até às grandes discussões dos anos 1830 sobre a reforma penitenciária”.
Ainda segundo Michel Foucault (1997, p.110), a prisão de Walnut Street Jail, em muitos pontos e sob a influência direta dos meios Quaker[5], retomava o modelo belga e inglês: trabalho obrigatório em oficinas, ocupação constante dos detentos e custeio das despesas da prisão com esse trabalho, além de receber salário para ter recursos quando saísse para não voltar à mendicância e ao crime.
Porém, ainda segundo Michel Foucault (1997, p.111-2), a Walnut Street Jail comporta alguns traços que lhe são específicos, “ou pelo menos que desenvolvem o que estava virtualmente presente nos outros modelos”, assim expostos pelo autor em comento: a) o princípio da não-publicidade da pena: a condenação e os motivou devem ser conhecidos por todos, mas a execução da pena deve ser feita em segredo; o público não deve intervir nem como testemunha, nem como abonador da punição; e a certeza de que, atrás dos muros, o detento cumpre sua pena de forma suficiente para constituir um exemplo; b) a solidão e o retorno sobre si mesmo não bastam, tampouco as exortações puramente religiosas: deve ser feito um trabalho também sobre a alma do detento e a administração do presídio tem a função de empreender essa transformação; e c) a elaboração de relatórios dos presos cujos elementos sejam utilizados na determinação dos cuidados necessários para destruir os antigos maus hábitos.
A prisão Walnut Street Jail tornou-se uma espécie de observatório permanente que permitir distribuir as variedades do vício ou da fraqueza. Assim, a partir de 1797, os prisioneiros estavam divididos em quatro classes, assim enumeradas por Michel Foucault (1997, p.112): a) a primeira era destinada aos explicitamente condenados ao confinamento solitário, ou que cometeram faltas graves na prisão (sistema solitário: permaneciam durante todo o cumprimento da pena enclausurados, sem comunicação com o mundo exterior, sendo-lhes permitido apenas a leitura de livros religiosos, passear diariamente por algumas horas em um pequeno pátio anexo à cela e só podiam se comunicar com o carcereiro); b) a segunda é a reservada aos que são bem conhecidos por serem velhos delinqüentes, ou cuja moral depravada, temperamento perigoso, disposições irregulares ou conduta desordenada é manifestada durante a prisão; c) a terceira para aqueles cujo comportamento antes de depois da prisão demonstram que não são delinqüentes comuns; e c) a quarta é especial, e funciona como uma classe de prova para aqueles cujo temperamento ainda não é conhecido, ou que, se conhecidos, não merecem entrar na categoria anterior.
Para essas três últimas classes era permitido o trabalho interno, mas em total silêncio. Nesse processo, a prisão funciona como um aparelho de saber, e toda essa atenção e vigilância visavam à correção interna do detento. Esse sistema foi elogiado porque a separação individual impedia a corrupção dos condenados, do conluio para fugas ou movimentos de rebeldes, comuns nos outros sistemas. Porém, esse sistema filadelfiano ou celular recebeu críticas porque, apesar de constituir um sistema progressivo se comparado com os sistemas até então vigentes, era severo em demasia e não levavaà readaptação social do condenado. Visava apenas à recuperação interna (FOUCAULT, 1997, p.112).
De acordo com Luiz Francisco Carvalho Filho (2002, p.25), contrapondo-se ao sistema prisional a Filadélfia surge à prisão de Auburn, modelo norte-americano implantado em 1820, na cidade de Auburn - Nova York, também conhecido como sistema norte-americano ou silent system. Trata-se de um sistema de confinamento noturno, com trabalho diurno e refeições em comum, mas o silêncio devia ser absoluto (os presos não podiam trocar palavras entre si, somente com os carcereiros, ainda assim em voz baixa e com a devida licença prévia). Ao detento, impunha-se um regime de rotina industrial com trabalho em oficinas que duravam de oito a dez horas diárias, cuja organização era de competência das empresas. Com o passar do tempo, a superlotação, a corrupção dos vigilantes e a crueldade da disciplina acabaram comprometendo a imposição do isolamento e do silêncio. Esse sistema pecou pela imposição do silêncio absoluto, que na prática não funcionou. Foi criticado, também, pela proibição de visita dos familiares, por não valorizar o lazer e exercícios físicos, bem como pelo desprezo à instrução dos internos. Porém, constitui o germe do sistema progressivo de cumprimento da pena, ainda adotado em muitos países.
A institucionalização efetiva do sistema progressivo chamado de mark system(marcas, pontuação pelo comportamento), conhecido como sistema progressivo inglêsfoi idealizado por Alexander Maconochie, então governador da Ilha Norfolk (1840), na Colônia Britânica da Austrália “no qual o detento, por méritos de trabalhos, adquiria vales e os perdia em caso de indisciplina, num sistema de ‘débito - crédito’. Tais créditos poderiam levá-lo até o mérito da liberdade condicional” (CARVALHO FILHO, 2002, p.27).
Esse sistema progressivo era dividido em três fases: a) período de prova: isolamento celular diurno e noturno, com o objetivo de forçar o preso a refletir sobre seu crime, sendo eu o trabalho era árduo e obrigatório e a alimentação mínima; b) trabalho em comum sob silêncio absoluto: durante o dia o preso era segregado em um estabelecimento de trabalho comum, com a regra do silêncio absoluto, mantendo o isolamento noturno; c) livramento condicional: quando o preso merecia o ticket of leave, ingressava no livramento condicional, última etapa desse regime. No livramento condicional, a liberdade era limitada e por um período determinado. Findo o período, desde que o preso não tivesse dado motivos para sua revogação, era concedida a liberdade de caráter definitivo.
De acordo com Luiz Francisco Carvalho Filho (2002, p.27), “esse modelo foi aperfeiçoado na Irlanda, onde se criou a prisão intermediária, no qual antes da liberdade condicional o preso trabalharia ao ar livre em estabelecimentos especiais, longe da prisão fechada”. O sistema progressivo irlandês foi idealizado por Walter Crofton e trazia quatro períodos de cumprimento da pena: a) período de prova: isolamento celular diurno e noturno, nos moldes do sistema progressivo inglês; b) reclusão celular noturna e trabalho diurno em comum, também de forma similar ao sistema inglês; c) período intermediário: trata-se da novidade desse sistema em relação ao inglês que ocorria entre a prisão comum e reclusão celular noturna e a liberdade condicional. É a prisão intermediária executada em estabelecimentos especiais, onde o preso trabalhava no exterior do presídio, ao ar livre, geralmente em atividade agrícola; e d) liberdade condicional: idêntico ao regime progressivo inglês.
Esse modelo se espalhou pelo mundo todo, tendo sido objeto constante de congressos internacionais. Em síntese, o sistema prisional atual continua a indicar o internamento em celas individuais e as oficinas de trabalho, primando pela segurança e disciplina.
Conforme Michel Foucault (1997, p.70) foi no século XVII que se desenvolveu a idéia de que “o castigo deve ter a humanidade como medida”. O direito de punir, então, deslocou-se da vingança do soberano à defesa da sociedade. Trata-se da fase da humanização das penas. Todavia:
[...] se encontra então recomposto com elementos tão fortes, que se torna quase mais temível. O malfeitor foi arrancado a uma ameaça, por natureza, excessiva, mas é exposto a uma pena que não se vê o que pudesse limitar. Volta de um terrível super-poder. E necessidade de colocar um princípio de moderação ao poder do castigo (FOUCAULT, 1997, p.83).
Foi apenas no século XVIII que se começou a cogitar de direito dos presos. Até então não ocorria pensar nisso. Com a evolução da mente humana e os debates internacionais cada vez mais acalorados sobre os direitos humanos, passou-se a reconhecer que os presos, provisórios e condenados, sempre têm direitos não atingidos pela situação vital de presos, nem pela situação jurídica, quer de presos provisórios, quer de condenados (MIOTTO, 1992, p.18).
Ao mesmo tempo em que foram reconhecidos direitos aos presos, eram elaborados e postos em prática regulamentos e tetos normativos, cujos termos significavam, já por si mesmos, o reconhecimento de direitos e deveres tanto para os presos como para o Estado, no exercício do direito de punir, na fase processual e na fase de execução das penas. Esta interação entre os regulamentos e normas referentes aos presos, com a consciência dos direitos humanos fundamentais e respectivas preocupações, foi sumamente relevante para o reconhecimento da autonomia do direito penitenciário, concretizado no Congresso Penitenciário Internacional, realizado em Praga, em 1930.
O direito penitenciário foi tomando forma com o desenvolvimento da instituição prisional. Destarte, antes do século XVII a prisão era apenas um estabelecimento de custódia em que ficavam detidas pessoas acusadas de crime, à espera da sentença, bem como doentes mentais e pessoas privadas do convívio social por condutas consideradas desviantes ou questões políticas. Foi notadamente no século XVIII que a pena privativa de liberdade institucionalizava-se como principal sanção penal e a prisão passa a ser, fundamentalmente, o local da execução das penas (MIRABETE, 1995, p.310).
Nascem então as primeiras reflexões sobre organizações das casas de detenção e sobre as condições de vida dos detentos. Apenas no porvir do século XX é que a Escola Positiva de Direito Penal, cujo principal representante foi Cesare Lombroso (1835-1909), apregoava a substituição da pena por tratamento, e pretendia pô-la em prática. Enquanto o tratamento substitutivo da pena atribuía sua aplicação a técnicos e especialistas, o direito penitenciário, reconhecendo direitos dos condenados, contribuía para o conceito ético-jurídico da pena, e demandava jurisdicionalização da execução penal (MIOTTO, 1992, p.45).
Neste contexto, quando a execução penal passou a adquirir destaque nos estudos da penalogia, dando relevância à execução da pena privativa de liberdade, não com finalidade meramente retributiva e preventiva, mas também, e principalmente, a reintegração do condenado na comunidade, é que surge na esfera científica a autonomia do direito penitenciário como o conjunto de normas jurídicas relativas ao tratamento do preso e ao modo de execução da pena privativa de liberdade, abrangendo, por conseguinte, o regulamento penitenciário, no entender de Armida Bergamini Miotto (1992, p.18), ou o conjunto de normas jurídicas reguladoras da execução das penas e medidas privativas de liberdade, como pontifica CarlosGarciaValdes (1982, p.17).
Contudo, o surgimento de um direito penitenciário e a consagração de direitos humanos dos presidiários não foi o suficiente para humanizar o sistema prisional. Já no tempo do penalista clássico Cesare Beccaria (1738-1794) a prisão era considerada “horrível mansão do desespero e da fome” (BECCARIA, 1993, p.24), conceito ainda aplicável, como se denota da síntese bastante realista da situação dos presídios brasileiros contemporâneos esposada por Cesar Roberto Bitencourt (1993, p.142-5):
De um modo geral, as deficiências prisionais apresentam muito mais característicassemelhantes aos tempos dos suplícios, é comum e corriqueiro se constatar nos presídios, maus tratos verbais ou de fato, superpopulação carcerária, o que também leva a uma drástica redução de desfrute de outras atividades que deve proporcionar o centro penal; falta de higiene; condições deficientes de trabalho, o que pode significar uma inaceitável exploração dos reclusos ou ócio completo; deficiências do serviço médico, que pode chegar em muitos casos, a sua absoluta inexistência; regime alimentar deficiente; elevado índice de consumo de drogas, muitas vezes originado pela venalidade e corrupção de alguns funcionários penitenciários que permitem e até realizam o tráfico; reiterados abusos sexuais; ambiente propício à violência, em que impera a utilização de meios brutais, onde sempre se impõe o mais forte.
Pelo que se vê, muito não mudou, haja vista que na atual conjuntura brasileira a situação do sistema carcerário também é dramática.
B) Estado atual do Direito Penitenciário no Brasil
Encontra-se em voga, na atualidade, as discussões relativas aos assuntos penitenciários, sejam eles pertinentes à aplicação da pena, à execução penal, à privatização das prisões, à majoração da pena, etc. Estes estudos e ponderações já não se limitam aos especialistas diretamente interessados, mas extrapolam a órbita técnica do direito, atingindo o público em geral, influenciado, principalmente, pelos meios de comunicação.
Apesar de estar em voga o tema, não são muitos os preocupados em estudar seriamente o direito penitenciário e a sua elaboração doutrinária. Como pontua Armida Bergamini Miotto (1992, p.46-7):
Com muita freqüência, lamentavelmente, questões penitenciárias e de execução penal são tratadas empiricamente [“eu acho”...] até mesmo por professores universitários e ocupantes de altos cargos no campo penitenciário. Entretanto, é pelo estudo em amplidão e profundidade dos diversos aspectos e temas das realidades e valores, pelo exame de uns e de outros, conforme os diversos pontos de vista, pela discussão bem fundada, que a elaboração de uma ciência progride, e que se constrói sua doutrina. Para isso, fundamentais são, a par de congressos e reuniões análogas, as publicações - artigos, ensaios, monografias, livros [...]. Pouco é, sem dúvida, o que tem sido feito nesse sentido.
O que se deve ter em mente, todavia, é que a prisão está em crise, que abrange também o objeto ressocializador da pena privativa de liberdade, visto que grande parte dos questionamentos e críticas que é feita à prisão refere-se à impossibilidade relativa ou absoluta de obter algum efeito positivo sobre o apenado.
Mas o emblema que hoje é vivenciado no sistema penitenciário brasileiro não é novo, embora peculiar, pelo fato de que na cultura brasileira uma crise não é entendida como resultado do contexto histórico de uma época, ou seja, de contradições latentes que se tornam manifestas, nem como produto de lutas e conflitos entre interesses contraditórios, tampouco como expressão do jogo interno entre a lógica à continência da história. “Ao contrário, não se lida com o conceito nem com a realidade da crise, mas com sua imagem e seu fantasma” (CHAUÍ apud ARAÚJO JÚNIOR; et alli, 1995, p.27).
A problemática que aflige o sistema penitenciário brasileiro é estrutural e deve ser assim enfrentada sob pena de se criar expectativas vãs. Trata-se de um problema que urge por soluções concretas, que só poderão ser alcançadas se partir de estudos científicos de toda a realidade, numa ótica conjuntural da sociedade. O “achismo” precisa ser urgentemente substituído pelo estudo científico da conjuntura social dos tempos modernos, como legado do desenvolvimento histórico.
Ao se analisar o direito penal clássico brasileiro, denota-se que este possui caráter fragmentário que o conduz à intervenção mínima e subsidiária, cedendo às outras disciplinas legais a tutela imediata dos valores primordiais da convivência humana e atuando somente em último caso. De acordo com a doutrina tradicional, a norma penal incriminadora visa proteger os bens jurídicos fundamentais da sociedade. Certamente que nem todos serão plenamente resguardados, não de forma absoluta, o que seria impossível, mas dos considerados mais graves. Além disso, o direito penal “só deve agir quando os demais ramos do direito, os controles formais e sociais, tenham perdido a eficácia e não sejam capazes de exercer essa tutela” (BATISTA, 1990, p.84).
Hodiernamente, um movimento doutrinário e correntista, chamado de “Movimento da Lei e da Ordem”, tende a um novo direito penal brasileiro, mais preventivo, intervencionista, com fundamentos na infusão do medo na população e na sugestão de uma garantia de tranqüilidade social. A população encontra-se insegura frente a tantos fatos aterradores. Os legisladores estão, de certa forma, atentos a estes acontecimentos e, cientes do problema social que os homicídios, estupros, chacinas, etc. acarretam à estruturação da sociedade, passaram a editar normas sancionadoras. Indiferentemente da natureza do fato, quer seja criminal, ambiental, de consumo, lá está a norma, impondo sanções a cada infração. O direito penal adquire a natureza de um conjunto de normas de atuação primária e imediata. A sanção penal, por força disso, passa a ser considerada pelo legislador como indispensável para a solução de todos os conflitos sociais (E. de JESUS, 1996, p.2).
Esta nova fisiologia da legislação penal brasileira, como pondera Damásio Evangelista de Jesus (1996, p.2), produz efeitos negativos, extremamente ameaçadores do sistema penal enquanto tal. A natureza simbólica e promocional das normas penais incriminadoras, num primeiro plano, causa a funcionalização do direito penal, transformando-o na mão avançada de correntes extremistas de política criminal. No Brasil, na ânsia de se resolver com urgência os problemas de violência e crime, pressiona-se os congressistas à elaboração de leis penais cada vez mais severas e iníquas. Esse movimento desmedido faz com que se perca a forma do direito penal e processual penal. Os tipos incriminadores passam a ser descritos de forma generalizada, para abranger o maior número de crimes. Esta inclusão de normas elásticas e genéricas estão enfraquecendo os princípios da legalidade e da tipicidade. Um ordenamento firmado em experiência, analisado, ponderado, legado de muitos anos de experiência, está sendo rapidamente substituído por um modelo dispensado e até infundado. Na ânsia de combater e extinguir o delito novas leis são incessantemente editadas. É notório que não são penas mais rígidas que irão extinguir a prática de crimes.
O “Movimento de Lei e Ordem”, já atuante em outros países, e que a cada dia consegue mais adeptos no Brasil, separa a sociedade em dois grupos: o primeiro deles composto de pessoas boas, de homens de bem e, portanto, merecedores de proteção legal; o segundo, formado pelos homens maus, os criminosos aos quais se endereça toda a rudeza e severidade da lei penal. Nesta linha de pensamento:
Se parte, pues, de un maniqueismo de “buenos” y “malos” en el que claramente se califica de malo al delincuente recluso, que es al único a quien hay que tratar, dejando intacto todo lo demás. Todo ello con uma casi fastuosa visión clínica o médica del tratamiento que recuerde los mejores tiempos de la Criminología Lomhrosiana y de sus tesis del “delincuente nato”. “El delincuente como ser enfermo que hay que tratar”; ésta es, pues, la imagen y casi el estereotipo de la ideologia medicamentosa del tratamiento, de ia que, con razón, se apartan cada vez más los penitenciaristas más modernos (grifos do original) (HASSEMER; CONDE, 1989, p.154-5).
Neste sentido pontua Cesar Roberto Bitencourt (1993, p.11-2):
A prisão é uma exigência amarga, mas imprescindível. A história da prisão não é a de sua progressiva abolição, mas de sua reforma. A prisão é concebida modernamente como um mal necessário, sem esquecer que guarda em sua essência contradições insolúveis. O Projeto Alternativo Alemão orientou-se nesse sentido ao afirmar que “a pena é umaamarga necessidade de uma comunidade de seres imperfeitos como são os homens” (grifo do original).
É o que está acontecendo no Brasil. Cristalizou-se a idéia de que o direito penal pode resolver todos os males que afligem os homens bons, exigindo-se a definição de novos delitos e o agravamento das penas cominadas aos já descritos, tendo como destinatários os homens maus (delinqüentes).
Para que o Brasil chegasse a este ponto, os meios de comunicação tiveram grande influência. A violência sempre foi atrativa, ensejando maior publicidade aos delitos de maior gravidade. A insistência do noticiário nos crimes como homicídio, assaltos, latrocínios, seqüestros e estupros, criou a síndrome da vitimização. A população começou a crer que a qualquer momento o cidadão pode ser vítima de um ataque criminoso, gerando a idéia da urgente necessidade da agravação das penas e da definição de novos tipos penais, garantindo-lhe a tranqüilidade, e essa pressão chegou aos legisladores, eleitos pelo povo.
Percebe-se que, o que existe na verdade, é a falsa crença do povo brasileiro que somente se reduz a criminalidade com a edição de novas leis, ou seja, com a definição de novos tipos penais, com o agravamento das penas, com a supressão de garantias do réu durante o processo e a acentuação da severidade da execução das sanções. Nas palavras de Luiz Flávio Gomes e Raúl Cervini (1995, p.28), “duas vêm sendo as premissas básicas dessa política puramente repressiva no Brasil: incremento de penas (penalização) e restrição ou supressão de garantias do acusado”.
A sanção detentiva é cominada para delitos de grande e de pequeno poder ofensivo, sendo de pouca aplicação às penas alternativas. Deste modo, é comum se encontrar cumprindo pena privativa de liberdade, muitas vezes sem separação celular, infratores de intensa periculosidade e condenados que poderiam estar submetidos a medidas sancionatórias não-detentivas. Não se faz à distinção devida entre a criminalidade de alta reprovação e a criminalidade pequena ou média. Como se pretende fazer justiça se as atitudes dos legisladores e juristas são totalmente injustas? Parece que estas pessoas encontram-se em outro mundo, criando normas e decidindo sobre a vida humana, de seres humanos, sem qualquer critério, com regras totalmente divorciadas da realidade.
Não se pensa o delinqüente como ser humano, nem o delito como uma atitude anormal do indivíduo. O crime é considerado um comportamento normal, que atinge toda a humanidade, sendo que o delinqüente, pessoa má por excelência, precisa ser punida impiedosamente. Esta atitude, além de não baixar a criminalidade a níveis razoáveis, gerou a sensação popular de impunidade, a morosidade da justiça criminal e o grave problema penitenciário.
Está mais do que discutido e comprovado, tanto cientificamente, através da cognose da sociedade, dos tratados e escritos doutrinários firmados por renomados juristas, como também pela prática cotidiana, que a pena privativa de liberdade, como sanção principal e de aplicação genérica está falida, porque além de não readaptar o delinqüente, ela perverte, corrompe, deforma, avilta, embrutece, é uma fábrica de reincidência, é uma universidade às avessas, onde se diploma o profissional do crime. Resta a conscientização de que, se não é possível eliminar a prisão de uma vez, deve ser conservada de forma limitada, ou seja, para os casos em que ela é indispensável.
O Brasil é um país vasto, com uma imensidão de problemas sociais e de carência de pessoal disponível para trabalhar pelo conjunto. Não faltam presídios no Brasil, mas formas alternativas de se punir os delinqüentes que os tire da ociosidade e coloque-os em atividade junto à comunidade, diminuindo os elevados índices de reincidência. A prisão só deve ser imposta em relação a crimes graves de delinqüentes de intensa periculosidade, depois de atendidas todas as fases de proteção aos direitos do indivíduo, principalmente no que consiste a defesa, para que não se restrinja a liberdade de pessoas inocentes. Nos casos menos graves, deve ser substituída pelas medidas e penas alternativas e restritivas de direito, como a multa, e principalmente a prestação de serviços à comunidade, dentre outras.
A aplicação desmedida, de forma irrestrita da pena de prisão e seu agravamento, como vem acontecendo no Brasil, não reduz a criminalidade. Em outro plano, a imposição da pena privativa de liberdade sem um sistema penitenciário adequado gera a superpopulação carcerária, de gravíssimas conseqüências, como se tem visto nas sucessivas rebeliões de presos, fenômenos que vem ocorrendo em todos os países (E. de JESUS, 1996, p.7).
A pena privativa de liberdade, quando aplicada genericamente a crimes graves e leves só aumenta o drama carcerário e não reduz a criminalidade. Mais do que isso é agravada pela precariedade dos estabelecimentos prisionais no Brasil, que propicia o convívio indistinto de pessoas de periculosidade diversa, constituindo-se numa autêntica universidade do crime organizado, onde os detentos assimilam as sofisticadas condições e técnicas voltadas para a prática criminosa. Nas palavras de Raul Eugênio Zaffaroni (1982, p.29), “devemos estar convencidos de que a pena privativa de liberdade é o recurso extremo com que conta o Estado para defender seus habitantes das condutas antijurídicas de outro”.
Para que a execução da sanção penal tenha efeitos satisfatórios, tanto para o condenado, como para a sociedade, deve-se desenvolver um movimento global, que inclua medidas sociais, econômicas e legais. O direito penal está inserido no grande contexto social. O indivíduo delinqüente é oriundo da sociedade, cujas atitudes anormais são decorrentes principalmente dos fatores econômicos e sociais da comunidade onde este ser foi gerado, educado e preparado para a vida. A legislação clássica pertinente a este ramo do direito ainda pode ser usada, desde que devidamente interpretada e adequada ao fato concreto. Ademais, já estão previstas no Código Penal brasileiro, medidas e penas alternativas visando à redução da criminalidade, a agilização da Justiça e a diminuição da população carcerária. Não são, entretanto, aplicadas.
O que atrasa a evolução do sistema penitenciário não só no Brasil, como também em outros lugares do mundo, são os mecanismos ideológicos legitimadores do poder punitivo do Estado que propagam a idéia de que a imposição deste sofrimento irracional aos autores das condutas conflituosas ou socialmente negativas, que a lei define como crimes, poderá trazer proteção, segurança e tranqüilidade. Trata-se de falsas crenças, partindo fundamentalmente da equivocada identificação da ação individualizada da criminalidade convencional como tradução da idéia de violência, identificação que se constrói basicamente através da ocultação de dados essenciais e da manipulação de sentimentos de medo e insegurança, de emoções provocadas por uns crimes mais cruéis, por uns poucos fatos que comovem e assustam, especialmente roubos, seqüestros e estupros.
Para Maria Lúcia Karam (1994, p.118), este ideário generalizado na reação punitiva é fruto de uma perversa fantasia. Quando se fala em combate à impunidade, quando se pedem penas mais rigorosas, quando se apela para a necessidade de maior aparelhamento, de maior eficiência do sistema penal, esquece-se e se oculta que tal sistema só opera, e só pode operar marginalmente, em um número reduzidíssimo de casos. A quantidade infinita de crimes que permanece desconhecida ou impune, não é resultado de questões conjunturais ou de uma eventual deficiência operacional. A excepcionalidade da concretização da reação punitiva é, ao contrário, uma das regras básicas da atuação do sistema penal, baseando-se a lógica de seu funcionamento na seleção de um ou outro autor de condutas conflituosas ou socialmente negativas, definidas como crimes, para que, preso, processado ou condenado, seja identificado e, assim, passe a desempenhar o papel de criminoso, enquanto os demais seguem desempenhando seus papéis de cidadãos respeitadores da lei.
Areação punitiva do sistema atual, ao reverso do que se espera, acaba por produzir um maior número de violência. Provocando o isolamento, a estigmatização e a submissão ao inútil, profundo e desumano sofrimento da prisão daqueles que vão cumprir o papel de criminosos, o sistema penal faz destes poucos selecionados pessoas mais desadaptadas ao convívio social e, conseqüentemente, mais aptas a cometer novos crimes e agressões à sociedade, funcionando, assim, como um poderoso realimentador da criminalidade, isto quando não é a própria reação punitiva a criadora da criminalidade e da violência por ela gerada, como ocorre em relação à chamada criminalidade de negócios ilícitos, como, por exemplo, o tráfico ilícito de drogas, que muitas vezes continua nos presídios, onde os detentos por crimes mais leves aprendem a comercializar, saindo dos presídios formados em comercialização de objetos ilícitos.
É muito cômodo taxar as pessoas de boas ou más, encarcerando-as e abandonando-as ao deslinde do sistema. Mesmo no cotidiano, existem pessoas que, por características semelhantes à clientela do sistema penal, são vistos por supostos criminosos ou suspeitos. Esta violência contra o ser humano se acentua quando se vive em um clima de pânico e de alarme social em torno da criminalidade, como no Brasil de hoje, a provocar um generalizado desejo de punição, uma intensa busca de repressão, uma obsessão por segurança.
Este problema se agrava com o eterno processo de deterioração econômica e social que atravessam os países subdesenvolvidos. E, de fato, épocas de deterioração econômica caracterizam-se por uma maior repressão, maior castigo. Em nome do desejado maior rigor, permite-se e incentiva-se o desvio dos princípios inerentes ao Estado de Direito, produzem-se e aplicam-se leis totalmente divorciadas dos princípios penais, em claro desrespeito aos preceitos constitucionais.
Não é preciso relembrar que a punição sempre recai sobre os supostos ou propensos criminosos, sendo raras as vezes que se impõe pena a um ou outro membro das classes dominantes. Quando isso acontece, só serve para legitimar o sistema penal e ocultar seu papel de instrumento de manutenção e reprodução da sociedade. Sendo a pena, em essência, manifestação de poder, é necessária e prioritariamente dirigida aos excluídos, aos desprovidos deste poder.
Sobre o controle da violência punitiva, Maria Lúcia Karam (1994, p.121) enfatiza que neste quadro de apelo e aplauso à repressão penal, mais urgente se torna a necessidade de uma nova atuação da Justiça Criminal, para que vá de encontro ao discurso e à prática dominantes, partindo de uma compreensão crítica da função judiciária e da democratização do exercício de tal função, de forma a dar um conteúdo ético ao direito penal, fazendo-o um instrumento de limitação, controle e redução dos níveis de violência punitiva.
O momento decisivo é o da aplicação da pena, eis que a violência punitiva já se faz presente pela própria imposição desse instrumento de limitação do poder punitivo do Estado. Também é neste momento que se dá uma das mais significativas atuações do sistema penal, em sua função de manutenção e reprodução do poder de classe do Estado, de manutenção e reprodução das relações de dominação e exclusão.
Também é com a aplicação da pena que se distribui o status de criminoso, impostos àqueles indivíduos que, sendo condenados, passarão a ser oficialmente distinguidos dos demais. A aplicação política da Justiça Criminal, orientada no sentido de fazer do exercício do poder contido na função judiciária um instrumento de limitação, controle e redução à violência punitiva formal ou informal, no decisivo e inevitável momento da aplicação da pena, há que se direcionar fundamentalmente no sentido de dar aplicabilidade efetiva àquelas garantias penais, fazendo-as valer direta e indiretamente contra leis ordinárias e mecanismos outros que as negam ou restringem.
C) Direitos Fundamentais do Sentenciado
Não tem como não criticar a situação do sistema penal e carcerário brasileiro. Contudo, não se pode permanecer nas críticas sem reconhecer os avanços. As experiências passadas devem ser estudadas para que sirvam de subsídios norteadores das práticas futuras. Embora ainda exista um grande abismo entre o reconhecimento de direitos e sua prática, há que se valorizar a consagração de direitos arduamente conseguidos. Se no passado acreditava-se que a condenação supria todos os direitos e deveres dos aprisionados, na atualidade o pensamento é outro. O espírito humano evoluiu e o direito acompanhou esta evolução. Já existe há algum tempo a solidificação dos direitos humanos, ou seja, é reconhecida a existência de valores que se agregam à organização jurídica da sociedade como direitos decorrentes da essência do ser humano. Assim, exige-se que o Estado forneça suficiente garantia de respeito a esses direitos no âmbito da própria eficácia normativa, respeito que se irradia, como discorre Sidnei Agostinho Beneti (1996, p.10), em “duas ordens harmônicas, ou seja, nas relações recíprocas dos integrantes da população do Estado e nas relações deste com a aludida população”.
Reconhece-se, assim, a existência de direitos fundamentais do condenado. Na expressão de Hans-Heinrich Jeschek (apud BENETI, 1996, p.10):
Um relevante princípio da execução da pena, em seguida, é o reconhecimento do preso como sujeito de direitos. Esses direitos a rigor devem conduzir, ao objetivo mais elevado da execução penal, a significar que o preso deve ser apto no futuro a levar vida socialmente responsável sem infrações penais.
Observa, no geral, José Frederico Marques (1960, p.53):
A justiça penal não pode ser instrumento de degradação dos direitos do homem. Mesmo o delinqüente tem garantido a tutela dos bens jurídicos que lhe são mais caros; e só depois que a viva fox iuris do magistrado o declara responsável criminalmente, é que seu statuslibertatis pode sofrer as limitações decorrentes da sanção penal.
É, portanto, natural que a proteção aos direitos do preso assuma especial destaque histórico e retórico em meio à proteção dos direitos das diversas espécies de sentenciados, ensejando, em conseqüência, a maior quantidade de proteção legal e de proclamação supranacional desse tipo de condenado.
Hodiernamente, existe uma série de direitos essenciais à garantia do sentenciado, alguns deles constam de documentos internacionais, que devem ser cumpridos por todas as nações em igual teor. Por exemplo, consta na Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, resumidamente, os seguintes direitos do sentenciado, dentre outros:
a) cada pessoa tem direito à vida, liberdade e segurança; ninguém será preso arbitrariamente ou mantido no cárcere ou conduzido a outra terra;
b) quem sofrer lesão a direitos e liberdades tem direito à concessão de um processo eficaz perante um juiz determinado pela lei;
c) a independência dos juízes e a atuação não partidária do Poder Judiciário devem ser eficazes;
d) toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança. A liberdade de uma pessoa somente pode ser suprimida nos casos seguintes e por meio das formas estabelecidas na lei: a) quando presa de acordo com o direito, pelo juiz competente; e
e) toda pessoa tem direito ao respeito e à integridade física, psíquica e moral; a condenação penal não pode recair em outra pessoa além do autor da infração; as penalidades privativas de liberdade têm o objetivo da reinserção social do preso.
Por fim, é importante salientar que o respeito mútuo dos direitos fundamentais entre os seres humanos deve ser garantido a todos e a cada um pelo Estado. Por isso é que não se concebe a realização da justiça privada, por intermédio de organismos pré-estatais, como os denominados “justiceiros”, “esquadrão da morte” ou “grupo de extermínio”, ainda que atuem contra reais autores de delitos de grande expressão penal. A pretensa aplicação de sanção penal à margem da atuação do Estado nega o ordenamento de garantia, inclusive o ordenamento penal, ante a configuração da ilegalidade sob o pretexto da puniçãode delinqüentes. De outro ponto de vista, contudo, dessa prática resultam conseqüências jurídicas, por intermédio das quais é reafirmada a ordem penal do Estado de Direito, pois tais ações se enquadram em tipos penais e passam a ser objeto de persecução penal.
Mas a preocupação dos estudiosos do sistema penitenciário da atualidade não se cinde apenas na prática da justiça privada, mas também aos presídios. Se for condenável a prática da “justiça pelas próprias mãos”, também não se pode admitir que, depois de legalmente processado e condenado, o preso venha a sofrer injustiças carcerárias. A preocupação com os direitos do apenado deve ultrapassar a condenação, e atingir, principalmente, o tempo em que este indivíduo é retirado da sociedade para se recuperar e depois ser reinserido nela. Talvez este seja o momento mais importante do processo penal para que se concretize a “justiça justa” e a pacificação que a sociedade tanto almeja.
Este é o ponto de análise desta pesquisa bibliográfica. De forma alguma se defende que todas as fases procedimentais de julgamento do acusado não sejam importantes. Sim, faz parte dos direitos humanos fundamentais, previstos na esfera internacional, constitucional e legal. Todavia, entende-se ser um contra-senso respeitarem-se os direitos do condenado até o momento da condenação, depois disso, “despejá-lo” em presídios que funcionam como verdadeiros depósitos de presos, com suas celas estreitas, com número excessivo de detentos, tratados de forma indigna e desumana, sem que nenhum dos direitos fundamentais seja devidamente respeitado.
Como este estudo pretende tratar, especificamente, das alternativas à humanização do sistema prisional, são de salutar importância que se abordem os principais pontos onde os estudiosos do direito se baseiam ao fundamentar suas posições. Já se falou do direito penitenciário, suas origens, como se apresenta na atualidade, principalmente no Brasil, e alguns dos direitos, internacionalmente reconhecidos para os condenados à prisão. Agora chegou o momento da análise sobre a eficácia do sistema de aplicação da pena de prisão, investigada enquanto parte integrante dos contextos: social, político e econômico.
D) Crise da Pena Privativa de Liberdade
Sempre que se institui uma norma penal, o Estado reveste-se do direito de punir em abstrato, ou seja, adquire o direito de exigir que os indivíduos não cometam o fato nela previsto. Ao cidadão, por sua vez, impõe a obrigação de não realizar a infração penal determinada. Cometida a infração penal, o direito de punir que era abstrato, passa a revestir-se de concreticidade. Significa dizer, no entendimento do penalista Damásio Evangelista de Jesus (1996, p.1-2), que anteriormente ao cometimento do delito o Estado tinha o direito de exigir a abstração da prática criminosa, mas após a realização do fato delituoso, a relação entre o Estado e o delinqüente, que era de simples obediência penal, galgada no preceito primário da lei incriminadora, passa a ter seu suporte no preceito secundário, que comina a sanção, denominada de jurídico-punitiva, passível de execução.
O direito concreto de punir estabelece uma relação real de natureza jurídico-penal, e consiste num poder-dever de o Estado punir o sujeito ativo do crime. Trata-se aqui do jus puniendi.
Após o trânsito em julgado da sentença condenatória, este poder-dever do Estado adquire a feição de jus executionis, ou seja, passa a ter o dever de executar a sanção imposta pelo julgador na sentença. Para isso possui o dever, e é revestido dos poderes necessários de coação para fazer valer este direito de executar a punição devida.
A propósito, pontua José Frederico Marques (1956, p.120) que “o direito de punir é um direito de coação indireta, pelo que a sanctio juris da norma penal só se aplica mediante o processo”. Significa dizer que o direito concreto de punir e o direito de execução da pena não podem ser exercidos diretamente pelo Estado, enquanto administração, porque não compete ao Poder Executivo aplicar a sanção penal e executá-la, por intermédio de coação direta. Prescinde da preexistência de um processo, através o qual, por intermédio da jurisdição, o Estado indiretamente coage o agente do delito a executar a pena determinada.
Vale dizer que, sendo o jus executionis um prolongamento do direito de punir concreto, decorrente de uma ordem judicial, a efetiva execução da sanção penal também depende de ordem judicial por autoridade competente (E. de JESUS, 1996, p.3).
O direito penal é formado por um sistema global, integrado por diversos sistemas parciais. Quando este direito é concretizado são acionados diversos institutos, como a cominação, a aplicação e a execução das penas. Acontece que são totalmente divergentes os processos de valoração da culpabilidade em cada um desses sistemas parciais. Por exemplo, a culpabilidade é o fundamento da aplicação da pena, já o regime de execução tem como fator determinante à periculosidade do agente. Se os critérios valorativos da culpabilidade são diferentes, e esta, por sua vez, é o fundamento jurídico para se submeter o condenado ao cumprimento da sanção, à fixação da pena, e a execução desta, dificilmente se conseguirá a eficácia da repreensão e a recuperação do condenado, sem violação de um ou outro direito.
Desta forma, o processo de execução penal, mais especificamente quando aplica medidas privativas de liberdade, passa a ser um procedimento totalmente afastado de muitos dos princípios e regras de individualização, personalidade, proporcionalidade etc., como acentua René Ariel Dotti (apud MIRABETE, 1995, p.37), ou seja, o aprisionamento acaba por modelar valores e interesses opostos àqueles cuja ofensa determinou a condenação. Existe uma disfunção do sistema penal global. O processo de execução precisa de autonomia em relação às ciências penais. Carece, destarte, do desenvolvimento de métodos e meios que, embora relacionados com o direito penal, direito processual penal, direito administrativo ou outros ramos do direito, sejam oriundos de outras disciplinas e técnicas de atuação humana, com medidas de informação, dissuasão e proteção destinadas a atenuar o sentimento de insegurança social, que se agrava a cada dia e, de outro lado, a preparação do preso para a vida social. Esta preparação do condenado tem que estar intimamente ligada com a preparação da sociedade para recebê-lo. Para isso, a comunidade precisa ter motivos para acreditar na eficácia da recuperação do preso, ou seja, na seriedade da justiça.
Necessita-se de uma definição legal de delito que restrinja o estudo e, em última instância, o controle dos criminosos assim definidos por esta lei. É imprescindível que se elabore uma definição de delito que reflita a realidade de um regime jurídico baseado no poder e no privilégio; admitir a definição legal do delito socialista e fundada em direitos humanos habilita para o exame do imperialismo, do racismo, do capitalismo, da discriminação e outros sistemas de exploração que contribuem para a miséria do homem e privam as pessoas de suas potencialidades humanas. Com uma definição radical, fundada nos direitos humanos, a solução dos crimes reside na transformação revolucionária dos sistemas econômicos e políticos de exploração.
Nos últimos tempos, mais especificamente a partir da década de sessenta, surgiu à idéia de substituir parcialmente o controle carcerário por um controle comunitário da criminologia, isto é, de passar de um controle segregativo para um controle integrador. Diversos juristas continuam defendendo este entendimento, já conseguiram algumas vitórias, mas está longe de um sistema punitivo satisfatório.
Uma das principais razões que de um modo imediato serviram de justificação para esse impulso foi à crise das prisões como instrumento de controle da criminalidade. A massificação da população penitenciária, com a seqüela de aumento da violência, difusão de doenças e ausência de garantias dos direitos fundamentais, não representava nada mais do que a exteriorização de um fracasso mais profundo:o fracasso da prisão em cumprir os objetivos de prevenção, retribuição e reinserção que historicamente havia proclamado.
Uma boa parte da sociedade perdeu a esperança nas possibilidades de reabilitação oferecidas pelas prisões, e fica observando horrorizada o não atendimento aos direitos humanos fundamentais dos presos; esta descredibilidade aumenta nos casos de penas privativas de liberdade, quando se percebe que os efeitos destruidores e dissocializadores produzidos pelos presídios são infinitamente maiores do que os hipotéticos benefícios ressocializadores.
Não existe a preocupação de se adaptar cada condenado à sua pena de forma individualizada. A “mistura prejudicial” estimula contatos nocivos, de condenados revoltados e/ou perigosos. O regime de privação da liberdade, nos moldes como se apresenta hoje, não no direito penal clássico, mas na prática nos presídios brasileiros, resulta numa verdadeira “escola de marginalização”.
Questiona-se muito sobre a validade da pena de prisão no campo da teoria, dos princípios, dos fins ideais ou abstratos da privação de liberdade, mas se deixa de lado o aspecto principal que é o da sua execução, momento em que a pena aplicada sai do papel para atingir corpo, tornar-se concreta. Como pondera Cesar Roberto Bitencourt (1993, 142-3):
Os problemas referentes à privação da liberdade devem ser abordados em função da pena tal e como hoje se cumpre e se executa, com os estabelecimentos penitenciários que temos, com a infra-estrutura e dotação orçamentária que dispomos, nas circunstâncias e na sociedade atuais. Definitivamente, deve-se mergulhar na realidade e abandonar, de uma vez por todas, o terreno dos dogmas, das teorias, do dever ser e da interpretação das normas.
Quando instituída e convertida em resposta penalógica principal, acreditou-se que a prisão poderia ser um meio adequado para se conseguir a reforma do delinqüente. O tempo e a prática trataram de derrubar esse otimismo, eis que atualmente predomina uma certa atitude pessimista, que já não tem muitas esperanças sobre os resultados que se possa conseguir com a prisão tradicional. Não só a prisão está em crise, como também o objeto ressocializador da pena privativa de liberdade, principalmente pela impossibilidade de obter algum efeito positivo sobre o apenado. Efeitos negativos, no entanto, é o que não faltam.
Segundo Cesar Roberto Bitencourt (1993, p.143), a conclusão de que o sistema penitenciário está em crise, se baseia, sinteticamente, em dois argumentos cabais:
a) considera-se que o ambiente carcerário, em razão de sua antítese com a comunidade livre, converte-se em meio artificial, antinatural, que não permite realizar nenhum trabalho reabilitador sobre o recluso:
Neste sentido, manifestam-se Garcia-Pablo e Molina afirmando que a pena não ressocializa, mas estigmatiza, que não limpa, mas macula, como tantas vezes se tem lembrado aos expiacionistas; que é mais difícil ressocializar a uma pessoa que sofreu uma pena do que outra que não teve essa amarga experiência; que a sociedade não pergunta porque uma pessoa esteve em um estabelecimento penitenciário, mas tão somente se lá esteve ou não (BITENCOURT, 1993, p.143).
Chegam, alguns autores, ao extremo de sugerir que a verdadeira solução ao problema da prisão é a sua extinção pura e simples (COHEN apud BITENCOURT, 1993, p.144). Outros, não tão radicais, entendem que, mesmo não existindo muitos pontos favoráveis à privação da liberdade, enquanto esta for uma realidade necessária, a sua execução, em médio prazo, continua sendo um problema jurídico. No entanto, renunciar atualmente as práticas terapêuticas e perder, sob ponto de vista criminológico, o tempo de reclusão é uma insensatez. A única solução, entendem, é a drástica redução da prisão àqueles casos em que não há outra resposta possível[6].
b) sob outro ponto de vista, menos radical, porém, igualmente importante, insiste-se que na maior parte das prisões do mundo, as condições materiais e humanas tornam inalcançáveis o objetivo reabilitador. Não se trata de uma objeção que se origina na natureza ou na essência da prisão, mas que se fundamenta no exame das condições reais em que se desenvolve a execução da pena privativa de liberdade.
A infeliz realidade é que as graves deficiências das prisões não se limitam a narrações de alguns países, ao contrário, existem centros penitenciários sem que a ofensa à dignidade humana é rotineira, tanto em nações desenvolvidas como em subdesenvolvidas.
As mazelas das prisões não são privilégios apenas de países do terceiro mundo. De um modo geral, as deficiências prisionais compendiadas na literatura especializada apresentam muitas características semelhantes: mau trato verbal ou de fato; superpopulação carcerária; falta de higiene e outras tantas já enumeradas no desenvolvimento deste estudo.
Sob esta perspectiva fala-se da crise da prisão como resultado de uma deficiente atenção que a sociedade e, principalmente, os governantes têm dispensado ao problema penitenciário, que leva a exigir uma série de reformas, mais ou menos radicais, que permitam converter a pena privativa de liberdade em um meio efetivamente reabilitador.
Como vimos, as deficiências da prisão, as causas que originam ou evidenciam sua crise podem ser analisadas em seus mais variados aspectos. Todavia, a conclusão leva à necessidade urgente de se fazer algo de concreto, em face da insatisfatoriedade deste instituto punitivo. Estando o sistema carcerário brasileiro em uma situação caótica, é natural que várias alternativas aflorem, na tentativa de solucionar o problema. As principais propostas são: privatização total dos presídios,parcerias público-privadas e gestões compartilhadas.
III ALTERNATIVAS À HUMANIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
A) Fatores que ensejam a Idéia Privatizante
A idéia da privatização das prisões foi tomando forma no Brasil na década de noventa. Recorde-se que o governo de José Sarney (1985-1990), “herdeiro de uma política econômica intervencionista”, contribuiu para o estrangulamento das possibilidades de investimento do Estado, aumentou a dívida externa e gerou mais inflação. A falência deste sistema extremamente intervencionista ocorreu quando se verificou que o Estado não conseguia mais suportar o nível de investimento necessário para gerar desenvolvimento. Com vistas a diminuir a dívida pública e fornecer algum tipo de liberdade econômica, a exploração de alguns serviços e obras, antes de funções exclusivas do Estado, foram sendo passadas às mãos da iniciativa privada.
É neste cenário de desestatização estatal que se começou a cogitar da privatização das prisões brasileiras, surgindo pelo menor cinco fórmulas: a) a entrega da direção da prisão à companhia privada; b) a entrega da construção à economia privada, que posteriormente a aluga ao Estado; c) a utilização do trabalho dos presos nas prisões industriais pelos particulares; d) a entrega de determinados serviços para o setor privado que hoje se chama de terceirização; e d) a transferência da gestão plena dos presídios à iniciativa privada (SILVA, 1992, p.11). Neste estudo enfatiza-se a privatização total, a terceirização e a gestão compartilhada com a sociedade civil.
1) Privatização total das prisões
Na definição de Bernardo del Rosal Blasco (1991, p.245), a privatização das prisões traduz-se na “gestão plena por parte de empresas privadas, que desenvolvem seu trabalho a título lucrativo, em centros ou estabelecimentos tutelares ou penitenciários, gestão que pode chegar a incluir a construção do centro ou habilitação do já existente”.
Em 1993, quando o governo declarado impedido tentou introduzir no sistema penal brasileiro a privatização das prisões, membros do Curso de Mestrado em Direito da Cidade, da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ[7], realizaram um amplo estudo científico sobre a privatização das prisões, na tentativa de encontrar pontos positivos, na ânsia de confirmar ser esta a solução para a crise das prisões modernas, contudo, depararam-se com inúmeros pontos

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