Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
INSTITUTO PERNAMBUCANO DE ENSINO SUPERIOR FACULDADE PERNAMBUCANA RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO : Uma utopia? Priscila Fernanda da Silva Ferreira Recife 2009 INSTITUTO PERNAMBUCANO DE ENSINO SUPERIOR FACULDADE PERNAMBUCANA RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO : Uma utopia? Priscila Fernanda da Silva Ferreira Recife 2009 Monografia apresentada como requisito parcial de Conclusão de Curso para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob orientação do Prof° RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO : Uma utopia? Recife, ________________________ Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. “O homem é um ser social por natureza, pois só vivendo em sociedade torna-se humano” Della Torre AGRADECIMENTOS Com ternura e gratidão, ofereço este trabalho como um dos melhores frutos de uma árvore, que, com grande esforço foi plantada e cuidada pelos meus pais, Paulo e Lia. A eles e a Deus, agradeço por mais essa vitória. Agradeço à minha família, pelo apoio. Aos meus amigos, por compreenderem a ausência. Ao meu namorado, pela preocupação do andamento do trabalho. Isso não me deixava esquecer nem quando eu queria. Obrigada. RESUMO Com fugas, rebeliões e mortes noticiadas na imprensa, a sociedade recoloca em questão um grave problema brasileiro: a crise do sistema penitenciário.Celas superlotadas, a ociosidade dos presos e o desestímulo dos profissionais da área são apenas algumas das suscitações merecedoras de discussões e respostas, assim, um dos principais fins da pena privativa de liberdade é posto a prova, e propostas para sua efetivação são várias. Dessa forma, é objetivo desse trabalho demonstrar que a ressocialização do apenado, se ocorresse na prática, diminuiria a reincidência criminal. Assim como dissertar quais as relações entre ressocialização e a segregação do presos e os objetivos da pena. Para isso, foi feita uma síntese histórica e sobre as características gerais das penas, até a utilização contemporânea das penas privativas de liberdade. Posteriormente foi dada ênfase à prisão, sua historicidade, evolução e atual e predominante estado no território brasileiro. Por fim, explanará sobre ressocialização, sobre o conflito entre ressocialização, prisão e reincidêmcia e algumas propostas de reformas penitenciárias. PALAVRAS CHAVES: ressocialização, sistema criminal, reincidência ABSTRACT Leaking, riots and deaths reported in the press, the company replaces a serious issue in Brazilian problem: the crisis of the system penitenciário.Celas overcrowding, idleness of prisoners and discourages the professionals are just some of suscitações worthy of discussion and replies thus, one of the main purposes of deprivation of liberty is untried, and proposals for its effectiveness are many. Thus, it is objective of this study demonstrate that the rehabilitation of the convict, if it occurred in practice, would reduce criminal recidivism. Like which expound the relationship between rehabilitation and the segregation of prisoners and the objectives of the sentence. For this we have made a historical review and on the general characteristics of feathers to the use of contemporary imprisonment. Later he was placed to the prison, its history, evolution and current status, prevalent in Brazilian territory. Finally, for clarification on rehabilitation, on the conflict between rahebilitation, imprisonment and recidivism and some proposals for prison reform. KEY WORDS: rehabilitation, criminal justice system, recidivism. SUMÁRIO 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS 8 2. A PENA 10 2.1. CONCEITO 10 2.2. Evolução Histórica 10 2.2.1 Vingança Privada 11 2.2.2 Composição 11 2.2.3 Vingança Divina 12 2.2.4 Vingança Política 13 2.3 Características Gerais 13 2.4 Finalidades 14 3. PRISÃO: PUNIR, INTIMIDAR E RECUPERAR 17 3.1 Evolução Histórica 17 3.2 Sistemas Prisionais 18 3.3 A Prisão no Brasil 20 3.4 Atuais Problemas das Prisões Brasileiras 22 3.4.1 A Superlotação 23 3.4.2 A Estrutura Física 25 3.4.3 O Material Humano 27 3.4.3.1 O Agente Penitenciário 27 3.4.4 O Ócio 28 4.RESSOCIALIZAÇÃO: UMA UTOPIA? 32 4.1 Meios Ressocializadores Na Prisão 35 4.1.1 O trabalho 36 4.1.2 A educação 38 4.1.3 A religião 39 4.2 A relação ressocialição x reincidência 40 5. AS PENAS ALTERNATIVAS COMO SOLUÇÃO IMEDIATA 42 5.1 Benefícios das penas alternativas 43 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 45 RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO : Uma utopia? 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Os grupos sociais existem desde os tempos mais remotos da humanidade. Escolhendo viver em grupos, e não isolados, cada indivíduo deveria respeitar regras de comportamento social, que decorriam da rotina, hábitos do grupo, ou do temor de cunho religioso ou desconhecido para uma sobrevivência mais tranquila. Com a ausência de um órgão com poderes sobre a coletividade, cada grupo se formava e detinha o controle com a ausência do poder estatal. (SILVA, 2003) Nas sociedades primitivas, as primeiras regras criadas forem penais. As penas eram modeladas por totens e tabus que lhe davam contornos místicos, onde os castigos corporais, como mutilações, a perda de paz, quando o infrator era expulso da sua comunidade e era exposto às diversidades da natureza e de predadores; e as mortes, eram as expressões mais justas de vingança e defesa. Com a evolução política, transformando esses grupos em comunidades, posteriormente, cidades e Estados, e com a delegação da autoridade a um chefe, que tinha o poder de castigar em nome do grupo, as regras penais foram alteradas aos poucos. Começou a ser observado que, quando uma pessoa sofria uma agressão, não era tão justo que a ela própria exercesse o direito de vingança, visto que, a sociedade não participava da medida retributiva e a vingança ultrapassava a pessoa do agressor, atingido sua família e, normalmente, tinha maior proporção que a agressão sofrida. Assim, a pena de vingança satisfazia apenas o ego do ofendido. Nesse sentido, começaram a haver importantes conquistas, de diferentes sociedades, que vão desde o Talião, Tora, Alcorão, Código de Hamurabi, de Gortina, de Manu, entre outros, até a construção de estudos, como os Gregos, e até códigos penais, como o Romano, o Germânico, e o Canônico. Cada um trazendo contribuições significativas para suas sociedades, demonstrando a evolução do Direito penal com o tempo, servindo como exemplos e fundamentos, positivos ou não, para as sociedades atuais, influenciando, também, na pena, e seus fins, que, anteriormente era apenas a vingança, atualmente, com a garantia do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, ganhou outros relevos. THOMPSON (2002) expõe sobre a finalidade da pena: punição retributiva pelo mal causado; usar a intimidação para prevenir a prática de novas infrações e; a regeneração do preso, a fim de torná-lo um não criminoso. Esses objetivos estão de acordocom as premissas de um Estado Democrático de Direito, onde o Direito Penal tem um papel primordial de garantia dos direitos e a pena restritiva de liberdade é o instrumento da política criminal, usado para conter um mal já feito, evitar a reincidência e dar uma resposta à sociedade. Mas não isso não é o que acontece na prática. As condições humanas e ambientais do cárcere no Brasil configuram-se como a mola propulsora para a profissionalização criminal dos apenados. Com condições sub-humanas, deficiências estruturais no sistemas carcerário, sejam físicas e na mão de obra, e pouca ou nenhuma política de ressocialização adotada, os objetivos de da prevenção e regeneração do preso parecem ter se perdido no tempo, ocasionando um número maior de reincidência, superlotação, e péssimas condições da prisão. Observado isso, é objetivo desse trabalho demonstrar que a ressocialização do apenado, se ocorresse na prática, seria capaz de modificar benéfica e expressivamente a deplorável realidade das prisões, diminuindo a reincidência criminal. Assim como dissertar quais as relações entre ressocialização e a segregação do presos e os objetivos da pena. Para isso, será feito uma síntese histórica e sobre as características gerais das penas, até a utilização contemporânea das penas privativas de liberdade. Posteriormente será dada ênfase à prisão, sua historicidade, evolução e atual e predominante estado no território brasileiro. Por fim, explanará sobre ressocialização, sobre o conflito entre ressocialização e prisão, reincidência e algumas propostas de reformas penitenciárias. A metodologia adotada para este trabalho foi bibliográfica, em periódicos, livros e outros, além de pesquisa na Internet. O método adotado foi o histórico evolutivo. 2 A PENA (...) porque a reparação do crime, há de consistir, não em impor uma lesão igual ao dano, mas em sujeitar o delinquente a uma pena com estrutura e aptidão para reintegrá-lo na vida social. A pena não é intrinsecamente um mal. O mal com que se reage ao mal só pode duplicar o mal; não o repara nem o suprime. (FERREIRA, 2004). 2.1 CONCEITO A pena, pelo conceito dado pelo Direito Penal, é a “expiação ou castigo estabelecido pela lei, com o intuito de prevenir e de reprimir a prática de qualquer ato ou omissão de fato que atente contra a ordem social, o qual seja qualificado como crime ou contravenção” SILVA (2001, p. 596/597). Pode-se perceber, ainda latente, a ideia de castigo ainda associada à pena pela sociedade atual. Para COSTA (2008) pena “é a conseqüência natural para aquele que praticou um ato ilícito penal”. Para CAPEZ (2000) pena é a sanção penal de caráter aflitivo imposta pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é a de aplicar a retribuição punitiva ao delinqüente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade. Sobre o encarceramento, expressa DASSI (200-) que é “o instrumento disponível pelo Estado para proteger a sociedade de indivíduos que, pela prática infrações, possam colocar em risco o equilíbrio e a segurança da vida em comunidade”. 2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA 2.2.1 VINGANÇA PRIVADA Baseada na prevalência do mais forte sobre o mais fraco, onde a vingança privada, também conhecida como autocomposição, era o modo do ofendido resolver a lide. Existia até a chamada vingança de sangue definida por FROMM (2000) como “um dever sagrado que recai num membro de determinada família, de um clã ou de uma tribo, que tem de matar um membro de uma unidade correspondente, se um de seus companheiros tiver sido morto”. O princípio da proporcionalidade não existia, por isso, era comum a vingança atingir não só o acusado, mas também a sua família. Quando o criminoso e vítima pertenciam à mesma tribo, a sanção penal visava condenando-o à perda da paz ou banimento do membro do clã, perdendo, assim, a proteção do grupo, podendo ser agredido por qualquer pessoa, e à mercê das outras tribos e da força da natureza, o que ocasionava, quase sempre, a morte do agressor. Nessas tribos, já havia a crença no sobrenatural, num ser superior, havia a adoração e o culto a objetos (Totens), que exigiam respeito e obrigações para possibilitar a vida em comunidade. GARCIA (2004) afirma que “se que a paz era uma dádiva oferecida pelos deuses e, por isso, o infrator deveria ser punido em nome destes, como uma forma de sacrifício capaz de restaurar a paz violada”. 2.2.2 COMPOSIÇÃO Com a evolução social, observou-se que a com a vingança de sangue, muitas vidas eram ceifadas por uma única agressão, a força do grupo era enfraquecida, pois o número de pessoas para a mão de obra era menor, assim como o número de homens aptos à guerra perante um inimigo externo era diminuído. Assim, surgiu a Lei Mosaica ou de Talião, em que surgiu o primeiro indício de proporcionalidade entre pena e delito, restringindo a pena proporcionalmente ao mal causado. A prática da lei de Talião foi adotada pelo Código de Hamurabi (século XXIII a C.), na Babilônia, pela legislação hebraica (Êxodo) e pela Lei das XII Tábuas, em Roma. Com a composição era possível a substituição do cumprimento da pena pelo pagamento (moeda, gado, vestes etc) e conseqüente reparação do dano causado. Foi adotado pelo Código de Hamurábi, pelo Código de Manu, na Índia e pelo Pentateuco (DIAS, 2005). 2.2.3 VINGANÇA DIVINA Com a decadência do Império Romano, no século IV, e a conquista dos povos germânicos (bárbaros – estrangeiros) sobreveio o direito germânico, no entanto com forte influência da Igreja e o seu direito canônico, onde o pecado cometido contra Deus era quem determinava a proporcionalidade da vingança divina. Foi um período marcado pela intolerância, ódio, perseguições e torturas. Onde, freqüentemente, a pena de morte era aplicada e com requintes de crueldade. Era habitual séries de torturas antes da pena de morte: queimaduras de enxofre, óleo ou chumbo ferventes, açoites, mutilações, onde as provas para o “julgamento” eram irracionais, sendo os métodos de culpabilidade originados de uma revelação divina, e, por isso, inquestionáveis, já que o Poder Estatal e da Igreja se confundiam. Figura I: Pena no Direito Canônico FiguraII: Pena no Direito Canônico Além de visar acentuar a retribuição do mal praticado pelo acusado, essas penas objetivavam evitar que novos erros fossem praticados, devendo então, o agressor servir de exemplo para os demais componentes do grupo social. Nesta fase histórica, a privação de liberdade surgiu como pena. Apesar de haver indícios de Hamurabi já “encarcerava comerciantes que não honravam seus compromissos” (GARCIA, 2004), foi no direito canônico que a privação da liberdade foi utilizada para punir clérigos faltosos, com penas em "celas ou a internação em mosteiros" com a finalidade de fazer com que o recluso meditasse, refletisse e se arrependesse da infração cometida. A penitência e meditação do cárcere originou a palavra penitenciária. 2.2.4 VINGANÇA POLÍTICA Com a Idade Moderna, o Estado busca assumir sua função de heterocomposição, A pobreza e a delinqüência havia se generalizado na Europa. O Iluminismo trouxe a idéia de individualização da pena, mas foi o capitalismo foi a razão mais forte para a criação de prisões a fim de conter a grande massa de classe menos favorecida. Para cumprimento da pena privativa de liberdade, a prisão era utilizada com a finalidade de controlar, submeter a classe menos favorecida o novo regime econômico em desenvolvimento. Não havia caráter nenhum de ressocialização nessas penas, mas somente o aproveitamento da mão-de-obra gratuita imposta pelas prisões do século XVI,além de manter a prevenção geral. (DIAS, 2005) Em meados do século XVIII, as penas corporais foram substituídas pelas penas de prisão no mundo praticamente todo. A partir daí, o apogeu da pena privativa de liberdade começou a se desfazer, pois ela não estava atingindo seus objetivos de recuperação do preso. A busca por alternativas penais aumentou, evitando estimular a reincidência do apenado. 2.3 CARACTERÍSTICAS GERAIS A pena foi o meio escolhido pela sociedade para coibir os delitos, sendo eleita, por vários séculos, como a forma mais eficaz de reparação ao mal praticado. No entanto, por muito tempo também, o apenado não foi motivo de preocupação pelas legislações e autoridades competentes, em reflexo da nenhuma ou pouca importância que este tinha perante a sociedade. Dessa maneira, a sociedade se predispôs apenas a olhar a repressão e, em alguns momentos, a prevenção ao delito, sem conseguir, porém, reduzir a criminalidade. (MENDOÇA, 2008). Segundo DIETER (2008) a sanção jurídico penal só deve ser imposta pelo Estado quando não houver outros remédios jurídicos. Ou seja, “quando não bastarem as sanções jurídicas do direito privado”. O juiz estabelecerá a pena, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, fazendo com que os castigos sejam proporcionais à gravidade das condutas, o que remete à dedução que para os crimes de menor gravidade, a melhor solução consiste em impor restrições aos direitos do infrator, sem retirá-lo do convívio social. A ação criminosa não ficará impune, preservando- se a ordem social e o direito da vítima, sem o estigma da prisão. Considerando este contexto, se desenvolveram as penas restritivas de direitos ou simplesmente, como usualmente nomeadas: penas alternativas, que dentro da perspectiva de ressocialização, surgem como alternativas de punição às rupturas das normas de conduta social. (MONTEFUSCO, 2005, p. 6) Contudo, não é essa a realidade vivida. Na sociedade, dividida em virtude da criminalidade e violência crescentes, não é difícil encontrar quem seja a favor de penas perpétuas ou de morte, quem defenda uma penalização mais severa de prisão aos criminosos, ou, ainda, aqueles que acreditam que é possível recuperar o apenado, reintegrando-o à sociedade. São autores e estudiosos integrantes dessa última corrente, que estão pressionando o reconhecimento da falha da aplicação da pena quanto a esse fim restaurador e reintegrador. O cárcere pode funcionar contra a criminalidade. Em certas condições, a pena do cárcere pode ser útil na produção de menos criminalidade, de menos reincidência. Certamente não porque através da execução da pena privativa de liberdade se possa ressocializar os criminosos; ou mesmo porque a pena carcerária consiga intimidar os desviantes em potencial. O cárcere pode ser útil no governo da criminalidade e da reincidência se, e enquanto, for capaz de operar com finalidade de neutralização seletiva. (VASCONCELOS, 2009, pág. 361) 2.4 FINALIDADES: As finalidades da pena são diferenciadas de acordo com as teorias desta. Assim, teremos o castigo como fim para as teorias clássicas. Para essas, o crime era um ente jurídico e a pena é “o pagamento ao mal praticado” (MIRABETE, 2000, p. 22), tendo caráter expressamente retributivo, pois é além de retribuir e compensar o mal, ainda repararia a moral atingida. Essa teoria não se preocupava com o apenado, objetivando, somente, restabelecer a alteração feita à ordem pública. Já as teorias relativas ou utilitárias, davam excessiva praticidade ao fim da pena, com destaque à prevenção, seja de uma forma geral, alcançando a todos, ou especial, quando mal já havia sido praticado, direcionado especialmente ao condenado. Na Escola Positiva, a pena já era considerada como um meio de recuperar o delinqüente, e, devido a sua periculosidade à sociedade, a retirada deste do convívio social, era uma forma de proteção. As teorias mistas, ou ecléticas, a natureza da pena é retributiva, visando, além da prevenção, a educação e correção do preso. Essa é a teoria adotada pelo Brasil, que, conforme o artigo 58 do Código Penal: “O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime (...)”, dá à pena aqui aplicada, os fins da retribuição e prevenção expressamente. Contudo, atualmente, considera-se que as funções da pena restritiva de liberdade são: a) A retribuição: que é o castigo ao ato cometido, representando, na prática, mais do que a restrição da liberdade, visto que o condenado perde, naquele ambiente, valores individuais, capazes de enaltecer e valorizar o homem, como a intimidade, a identidade social, a capacidade de autopromoção, tornando-se subordinado aos comandos autoritários daqueles que detêm maior força, seja legal, como o diretor do presídio, ou não como outros presos, detentores de liderança no local. (LEAL, 2001). Para Immanuel Kant, o castigo era um imperativo categórico e, segundo alguns, é o único objetivo que realmente se atinge com as condições atuais das maioria das prisões com a superlotação, alta consumação de drogas, péssimos níveis de higiene e abusos sexuais; b) A intimidação: esse fim está ligado à premeditação do crime. No entanto, o FBI informou que 55% dos homicídios não são planejados com alguma antecedência, tornando a premeditação, condição de existência para a intimidação, ausente para o futuro criminoso (VAN NESS apud LEAL, 2001). Além dos problemas na prática para a elucidação do crime, crimes não denunciados ou não investigados, mandados de prisão não cumpridos, entre outros. A intimidação é um fim praticamente inutilizado, pois a pena, mesmo de morte, como ocorre em países como o estados Unidos, não é fator de diminuição de criminalidade e/ou reincidência criminal. c) A ressocialização: tem-se, teoricamente,como um dos fins da pena. Que seria a reintrodução do preso na sociedade, sendo capaz de não delinqüir novamente, pronto para reestruturar sua vida, tendo oportunidades. Embora a esperança de alcançar a ‘recuperação’, ‘ressocialização’, ‘reinserção’, ou reeducação social’ tenha penetrado formalmente nos sistemas normativos, questiona-se muito a intervenção estatal na esfera da consciência do presidiário, (...). O estado democrático não pode impor ao condenado os valores predominantes na sociedade, mas apenas propô-los ao recluso e este terá o direito de refutá-los se entender o caso, de não conformar-se ou de recusar adaptar-se ás regras fundamentais coletivas (MIRABETE, 2000) No entanto, THOMPSON (2002), LEAL (2001) afirmam que a ressocialização prisional não existem. O que se vê são índices alarmantes de criminalidade e violência, fora e dentro da prisão, reincidência criminal, entre outros graves problemas, afirmando que a política criminal adotada não está atingindo seu objetivo. 3 PRISÃO: PUNIR, INTIMIDAR, RECUPERAR No sentido penal, a prisão constitui instrumento coercitivo estatal decorrente da aplicação de uma sanção penal transitada em julgado. E no sentido processual, a prisão constitui instrumento cautelar de que se vale o juiz no processo para impedir novos delitos pelo acusado, aplicar a sanção penal ou para evitar a fuga do processado, além de outros motivos e circunstâncias ocorrentes em cada caso concreto. (CANTO, 2000 p. 12) 3.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA A idéia de prisão mais parecida com o que se tem hoje vem da Idade Média, quando a Igreja, ao castigar monges rebeldes ou infratores, os recolhiam em cubículos, para o cumprimento de penitencias em celas, visando,que esses se reconciliassem com Deus por meio de recolhimento e oração: quotes inter homines fui, minor homo redii. O fundamento da Igreja privava que, pelo sofrimento e na solidão, “a alma do homem se depura e purga o pecado” (FUNES apud DOTTI, 1998). Contra as manifestações da heresia, a prisão passou a ser aplicada com maior freqüência. Em virtude de uma série de problemas na agricultura e de uma notável crise no feudalismo, apareceram na Europa as prisões leigas, que tinham como objetivo recolher vagabundos, prostitutas, mendigos e delinqüentes jovens, perfis que se tornavam mais numerosos nas cidades. No fim do século XVII, a obra do monge beneditino Jean Mabilhon: Reflexions sur lês prisons dês ordres religieus, reagia contra o isolamento absoluto e propunha reformas em relação ao trabalho, à regulamentação de visitas e à higiene. Essa obra foi a principal responsável pela construção de estabelecimentos modelo na Europa e em vários estados católicos, a exemplo da casa construída pelo Papa Clemente XI em 1703, a fim de corrigir jovens infratores. Cesare Beccaria, autor de Dei delitti e dele pene, obra que criticava o Direito Penal vigente, expressando problemas habituais como a tortura, a desproporcionalidade entre o mal e a pena aplicada e o arbítrio dos juizes. Com obras como a de Beccaria e Mabilhon, dentre outros estudiosos e os avanços nas áreas penais, viu-se que muitas injustiças eram cometidas mesmo dentro da prisão. Observou-se que os meios utilizados não estavam correspondendo aos fins pretendidos, sobre isso, PASTANA (2009) expôs que “aprisionamento é útil apenas, para retirar da sociedade os indesejados, para gerar empregos e estimular uma recente e perversa política econômica”. 3.2 SISTEMAS PRISIONAIS O primeiro sistema prisional que se tem notícia é o panótico. Idealizado por Jeremias Bentham, era fundamentado num “modelo de prisão celular,(...), em um estabelecimento circular ou radial, no qual, uma só pessoa, desde uma torre, podia exercer controle total sobre os presos, vigiando no interior de seus aposentos”.(LEAL, 2001). Esse sistema, além ter um projeto arquitetônico, previa a separação, alimentação e higiene adequados, assim como, a caráter excepcional, os castigos disciplinares. Figura III. Sistema Panóptico. Figura VI. Visão do preso no sistema Panóptico Em 1790, a Assembléia da Pensilvânia autorizou a construção de uma prisão celular, que seria aperfeiçoado para ser o regime pensilvanico, também conhecido como filadélfico, celular, ou de confinamento solitário, que se baseava numa cela individual, isolada, de reduzido tamanho e sem visitas (com exceção do capelão, diretor ou membros da prisão). O arrependimento era guiado pela leitura da Bíblia, assim como ocorria com os monges em suas penitências (DOTTI, 1998). Esse regime era denominado por muitos como “morte em vida”, pois além de toda ordem e disciplina primada, impedia quase completamente alguma chance de fuga dos presos, “evitava o contágio moral, a interação perversiva, criminógena” (LEAL, 2001), no entanto, o sofrimento, e a integridade tanto à saúde física quanto psíquica dos apenados eram afetadas e não havia nenhum resquício de ressocialização e preparação para o retorno da vida em sociedade. Pelo contrário, esses apenados eram expostos a visitantes, como exemplos atemorizantes dentro das suas enxovias. Contudo, esse sistema foi adotado em alguns países da Europa e em prisões do Estados Unidos, existindo até o início deste século. Posteriormente, baseado nos sistema filadélfico, (que se tornou menos opressivo com o tempo), surgiu o sistema auburniano, ou do silencio. Sendo aplicado primeiramente na prisão de Auburn, Nova York, construída em 1816, tinha como principais características o isolamento celular noturno e a vida em comum durante o dia, mas regrado no absoluto silêncio, regra que, se descumprida por um apenado, o castigo corporal era aplicado neste imediatamente. Embora não deve ser negado o avanço que o sistema do silêncio trouxe à população carcerária, é imprescindível que destaque que esse sistema misto, permanecia com seu caráter extremamente lesivo à natureza social do preso, pois à medida que atenuava o encarceramento durante o dia, excluindo a contaminação moral do seu regime, causava ressentimentos e distúrbios emocionais nos apenados, em virtude do isolamento, do silêncio, da disciplina e castigos corporais severos. No sentido de diminuir falhas e limitações nos sistemas, começaram a surgir os modelos progressivos, que consistiam em três ou quatro etapas, de rigores decrescentes, onde a conduta e o trabalho eram utilizados como instrumentos de avaliação. Esses sistemas primavam por preparar, gradativamente, o recluso para a vida em liberdade. Esses modelos tiveram uma aceitação universal, sendo o empregado em dezenas de países, com modificações próprias de cada legislação penal e populações, mas o reingresso do condenado à vida social é o objetivo fim. Tendo a conduta e o trabalho como prerrequisitos para a passagem de uma fase para outra, os presos escolhiam as oficinas onde executariam suas tarefas, podendo se valorizar profissionalmente. 3.3 A PRISÃO NO BRASIL Não são atuais os problemas estruturais nas prisões brasileiras. Há menção da existência de uma prisão na Bahia, em 1551, que recolhia “desordeiros, escravos fugidos, e criminosos à espera de julgamento e punição. Não eram cercados, e os presos mantinham contato com transeuntes, através das grades; recebiam esmolas, alimentos, informações” (SALLA apud SILVA, 2003). Na época, as leis em teses eram a Afonsina e, posteriormente, as Manuelinas, essa confundia, religião, moral e direito, no entanto, não tiveram aplicação prática no Brasil, pois a justiça era feita pelos donatários. Tornou-se comum que as prisões fossem edifícios cedidos pela Igreja e outras autoridades para recolher prisioneiros, que eram mantidos em situações penosas, como a descrita por uma comissão de inspeção nomeada pela Câmara Municipal que teria afirmado que o aspecto dos presos teria feitos os inspetores tremer de horror. Foi descrito no Aljube, (antigo cárcere eclesiástico do Rio de Janeiro), que existiam 390 detentos, e cada um dispunha de uma área aproximada de 0,6 por 1,2 m², nessa época, a ordenação vigente era a Filipina, que, assim como as anteriores, primavam pela desigualdade social e terror nas penas, essas normas só foram revogadas, parcialmente, com a Constituição de 1824. Evoluções de diversos campos foram ocorrendo após a conquista da independência do Brasil de Portugal. Nestes passos foram as práticas do Direito Criminal. A Constituição Imperial de 1824 positivou a preocupação com a população carcerária quando afirmou: “as cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para a separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza dos seus crimes” (Constituição de 1824, p. 34). Os estudiosos do império passaram a ver a pena como remédio para os doentes (os criminosos), devendo então, serem tratados em hospitais (prisões). (SILVA, 2003) As penas de mortes e perpétuas ainda eram previstas na legislação brasileira, mas ganharam um caráter mais restrito de aplicação. O trabalho diário e obrigatório foi previsto legalmente com o Código Criminal de 1830. Esse, trouxe inovações bem pertinentes para a época, como a consagração do princípio da legalidade, a construção de novos estabelecimentos e a conversão da prisão em prisão simples com a execução do trabalho, com o acréscimo de mais um sexto na duração da pena, tornando-se, por motivos como esses, influência para o Código penal espanhol de 1848 e o Código penal Português de 1852. Nessa época, foram construídas alguns estabelecimentos, regidos pelo sistema prisional auburniano, que previa isolamento absoluto durante a noite, regimede completo silencio e trabalho em comum. Essas prisões possuíam oficinas de trabalho, pátios e celas individuais. Como a prisão de Ahu, em Curitiba. (Figura V) Com a república, desapareceram o trabalho forçado em obras públicas (ato conhecido como galés) e a forca. Também fora determinado a temporalidade das penas de reclusão, tendo o limite de trinta anos, o que prevalece até hoje. Contribuições prisionais também foram trazidas com a Constituição de 1934, como o banimento da pena de morte, do confisco e de caráter perpétuo, assim como a reafirmação de princípios que ainda regem o sistema processual atual, como o instituto do juiz natural, proibição de detenção e prisão arbitrárias, e outras, e com Código Penal Brasileiro de 1940. Este, adotou o regime de Maconochie, adaptado por Walter Crofton. Maconochie tinha como fases progressivas: o isolamento celular diurno e noturno por um curto período; o trabalho obrigatório durante o dia e o isolamento noturno, sob silêncio, que era composto de quatro subfases, cada uma, menos rigorosa que a outra e, por fim, o livramento condicional, obtido por meio do ticket of leave, um prêmio pela conduta apresentada pelo preso. Figura V: Alfaiataria na Penitenciária do Ahú. Curitiba, PR, em 1909. A adaptação de Crofton, que incluiu entre as segunda e terceira fases, uma outra, intermediária, que se fundamentava na transferência do recluso para prisões agrícolas, semi- abertas, que não impunha o uso do uniforme, permitia o diálogo e o trabalho no campo, e tinha, portanto, um caráter mais brando, obteve grande êxito no período. No Brasil, o regime foi recepcionado com outras modificações e sem o uso dos vales. (LEAL, 2001) Com a reforma parcial do Código Penal de 1977, que instituiu a prisão albergue, determinou os tipos de pena: aberta, semi-aberta e fechada, (ainda assim estabelecido), e ampliou as situações de sursis, estava disseminada entre os especialistas criminais que apenas crimes mais graves e delinqüentes perigosos deveriam estar na prisão, provavelmente porque já percebiam que a superlotação era um problema crescente nas instituições brasileiras. As penas alternativas foram outra conquista na legislação brasileira. Foram criadas com a outra reforma parcial do código, ocorrida em 1984. (SILVA, 2003) Atualmente, os presos podem cumprir suas penas em diferentes regimes (SOUZA, 2008): a) Regime fechado: onde o apenado tem que cumprir pelo menos um terço da pena em cadeias fechadas e não podem sair do estabelecimento. b) Regime semi-aberto: o detento pode sair durante o dia para trabalhar e deve voltar a noite para a cadeia. c) Regime aberto: depois de passar pelo regime semi-aberto e ter se comportado adequadamente (cumprindo as normas e obedecendo aos critérios objetivos e subjetivos para alcançar esse privilégio), o detento ganha o direito ao regime aberto e podem cumprir o fim de suas penas trabalhando de dia e indo para casa a noite. A principal restrição é que ele não pode ficar nas ruas após as 22 horas. E caso o detento não tenha família que o acolha, deverá ir para as Casas de Albergados à noite. Outras reformas penais foram feitas até hoje, com o intuito de diminuir a violência e a criminalidade, no entanto, é crescente a idéia de que se faz necessário mudanças mais assíduas já que o atual Direito Criminal e sua prisão não tem atendido aos fins a que se propôs. 3.4 ATUAIS PROBLEMAS DAS PRISÕES BRASILEIRAS A pena de prisão foi adotada como a principal resposta legal a um delito e conforme pode ser visto, desde suas construções que os estados prisionais mobilizam estudiosos à sua causa, seus fins ou dificuldades ao que se refere ao cumprimento efetivo dessa pena. No entanto, essas dificuldades são diversas e estão longe de serem de sanadas. A superlotação prisional, a estrutura física dos presídios, a incapacitação dos funcionários e o ócio predominante nas rotinas dos apenados são alguns desses problemas, que ultrapassam os muros dos presídios e irradiam no seio da sociedade. 3.4.1 A SUPERLOTAÇÃO A superlotação nas instituições prisionais é um desses problemas. Dados atualizados sobre a população carcerária (tanto no sistema quanto na polícia) demonstra que o Brasil é o oitavo no mundo em população carcerária por habitantes (DEPEN, 2009). A superlotação é um fator que contribui para a o desencadeamento de novas rebeliões e para a maioria dos problemas que podem ser encontrados numa instituição prisional. Figura VI: Charge ilustrando a superlotação Há uma proporção de 247,68 presos a cada 100.000 pessoas. Contabilizando um total de 469.546 presos no país, onde 232.857 desses tem uma faixa etária que varia de 18 a 29. Ou seja, quase cinqüenta por cento da população carcerária no Brasil é composta de adultos jovens, em idade e capacidade ativas. (Ministério da Justiça, 2009) Segundo dados da Secretaria Nacional de Segurança Pública, se os 500.000 expedidos e não cumpridos fossem efetivados, a população carcerária atual dobraria, e o país passaria de oitavo para terceiro na posição mundial de presos por habitantes. Não se pode esquecer que o princípio da Dignidade da pessoa humana é um dos basilares na Constituição brasileira. Esta, em seu artigo 5°, inciso XLIX, assegura aos presos, sua dignidade física e moral. SOUZA (2008) expôs que há celas em que o espaço disponível para cada preso é de 0,60 cm, o que, visivelmente, torna difícil até o ato de respirar. O artigo 38 do Código Penal expõe que o preso permanece com todos aqueles direitos não atingidos pela perda da liberdade, a exemplo da “alimentação suficiente e vestuário, proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, descanso e recreação, assistência à saúde, jurídica e à educação.” (DASSI, XXXX) Figura VII: A superlotação em presídios Figura VIII: A superlotação em presídios ANTONINI, (2002) afirma sobre essa questão: “Presídio superlotado é anomalia que não abranda a insegurança social, mas incrementa a criminalidade e desmoraliza as instituições.” O autor ainda completa pondo a superlotação, e suas conseqüências negativas para os detentos como a desatenção pessoal, o respeito à individualidade, as condições inadequadas de sobrevivência e os desrespeitos às normas jurídicas, físicas e às recomendações psicológicas representa um fatos criminológico, aumentando os índices de reincidência. O número de vagas criadas pelo Sistema Penitenciário não é proporcional ao crescimento do número de presos. Segundo Maurício Keuhne, diretor geral do DEPEN, para suprir o déficit das 200.000 vagas, seriam necessários R$ 6 bilhões. Devendo, portanto, o problema ser amenizado não somente com a viabilização de investimentos, assim como o aumento do número de vagas e o investimento em penas alternativas, sendo essas últimas uma maneira eficaz e de baixo custo para o Estado. Para LEMGRUBER (1999) a falta de vagas é a principal causa para a superlotação que caracteriza os presídios brasileiros. A lotação impede que haja socialização e atendimento correto da população carcerária, o que acaba criando tensão e violência. As constantes rebeliões nos presídios são o resultado final dessa falta de infra-estrutura para manter os condenados. 3.4.2 A ESTRUTURA FÍSICA Outro problema de grande repercussão no país são as precariedades em que se encontram a maioria dos presídios brasileiros. ”A situação é degradante; as penitenciárias encontram-se sucateadas, com instalações precárias, sujas, e com um número de presos por cela muito superior ao exigido e não condizente com o espaço exíguo oferecido”. (DE SOUZA, 2004) Dentre as deficiências encontradas nas instituições prisionais, PALMA (2003) destaca a “iluminação, circulação do ar, ocupação do espaço (relação entre a área dos alojamentos e o número de ocupantes), disponibilidade de águae outros recursos para o asseio pessoal, nível de umidade das superfícies, entre outros fatores.” Nesse sentido, SOUZA (2008) relata sobre a realidade das prisões brasileiras: Nós pátios, sem nada para fazer os detentos, andam de um lado para o outro durante horas. Alguns fumam maconha, outros falam ao celular. As paredes do pátio, descascadas e úmidas cheiram a bolor. Nas celas, também úmidas, as paredes são cobertas com fotos da namorada, da mulher ou de garotas nuas de revistas masculinas. São espaços pequenos onde fios descascados e goteiras são comuns porque a manutenção é raríssima. A “cama” em geral é feita de cimento e um colchão de cerca de 5 centímetros de espessura é colocado sobre ela. A autora ainda complementa falando acerca da ausência de iluminação adequada no local, que serve muitas vezes para os encontros conjugais, que, visando um pouco de http://pessoas.hsw.uol.com.br/maconha.htm privacidade, acontece entre paredes de lençóis, e é revezado, para que todos possam desfrutar desse momento. Os alimentos disponibilizados pelos presídios são insuficientes, muitas vezes chegam infestadas de insetos, baratas e excrementos de ratos, por estarem estocadas em locais impróprios. Estes são complementados pelos chamados “jumbos”, que são como os presos chamam as comidas trazidas por familiares e visitantes durante os fins de semana, tão esperados quanto as roupas limpas, já que muitas prisões não disponibilizam uniformes para os detentos. Além de necessárias reformas nas estruturas externas e internas dos presídios, devido ao tempo de uso sem as devidas manutenções, e a necessária seleção e separação dos presos, individualizando as penas, existem outras deficiências que dificultam a convivência dos apenados, como racionamento de comidas, objetos de higiene, que não são fornecidos pelo Estado, condições ideais de limpeza, o que torna o ambiente fétido, com roedores e insetos, tornando-se um local ideal para a propagação de doenças como hanseníase, tuberculose, AIDS, e outras. DE SOUZA, 2004 discorre sobre a deficiência de profissionais da saúde, principalmente médico e odontológico, tornando pior o quadro daqueles que se encontram doentes. LEAL (2001) afirmou que prisões onde estão enclausuradas milhares de pessoas, desprovidas de assistência, sem nenhuma separação, em absurda ociosidade, prisões infectas, úmidas, pó onde transitam livremente ratos e baratas e a falta de água e luz é rotineira; prisões onde vivem em celas coletivas, imundas e fétidas, dezenas de presos, senianos e aidéticos; prisões onde quadrilhas controlam o tráfico interno da maconha e da cocaína e firmam sua próprias leis; prisões onde vigora um código arbitrário de disciplina, com espancamentos freqüentes, prisões onde detentos promovem uma loteria sinistra, em que o preso ‘sorteado’ é morto, a pretexto de chamarem atenção para suas reivindicações, prisões onde muitos aguardam julgamento durante anos, enquanto outros são mantidos por tempo superior ao da sentença; prisões onde, por alegada inexistência de local próprio para triagem, os recém- ingressos, que deveriam submeter-se a uma observação científica, são trancafiados em celas de castigo, ao lado de presos extremamente perigos. WAUTERS (2003) suscita que “a superlotação desencadeia outra série de problemas, como a violência sexual, a transmissão de doenças, e a precariedade do atendimento das áreas técnicas, quando há. Uma das queixas mais freqüentes dos prisioneiros é a falta de atendimento jurídico”. Daí, a necessidade de investimentos também nesses aspectos, em respeito principalmente à Dignidade da pessoa humana. 3.4.3 O MATERIAL HUMANO Na rotina da prisão também são encontrados os funcionários do presídio. Uma equipe multidisciplinadora contendo agentes das áreas de psicologia, psiquiatria, pedagogia, terapia ocupacional, educação, enfermaria, tesouraria, controle de presos, segurança, jurídico e inspetoria, trabalhando em conjunto com os agentes penitenciários, formam o leque de servidores mais próximos à realidade prisional. No entanto, “a interdisciplinaridade no contexto do tratamento penal pressupõe a anulação dos aspectos subjetivos que constituem o conjunto de relações do pessoal envolvido no trabalho penitenciário, inclusive presos”, mas a busca de um “conhecimento único” gera conflitos entre os profissionais das áreas envolvidas, o que dificulta ainda mais a efetividade dessa interação.(DOS SANTOS, 2003) “Ocorre que, subitamente, a direção, chefias e coordenações, podem ser trocadas por conveniências políticas . Inúmeros outros fatores (...) concorrem para a alternância de poder nas administrações penitenciárias”, no entanto, as competências dos profissionais e as necessidades do estabelecimento não são importantes quando as relacionam com as alternâncias ocorridas nas administrações dos estabelecimentos prisionais. O que pode comprometer com os programas e políticas de melhorias nas prisões, incluindo a ênfase numa harmoniosa relação de trabalho e na interdisciplinaridade. Dentre os profissionais que tem maior contato com um preso, destaca-se o agente penitenciário. Devido à sua importância no processo de reintegração e recuperação do detento, essa categoria ganhará maior destaque nesse estudo. 3.4.3.1 O AGENTE PENITENCIÁRIO Esses profissionais são concursados, normalmente, sendo contratados em casos de necessidade de determinadas penitenciárias. geralmente são mal remunerados, vivem em constantes situações de estresses, sofrem pressões internas e externas, o que acarreta em problemas nas relações com os presos. Dentro do sistema prisional, ROCHA, (2003) considera os agente penitenciários como os principais atores para a efetiva reintegração do preso, considerando-os como a ligação entre os presos e a sociedade. “O agente Penitenciário é de suma importância, pois, o mesmo está, não só fazendo a segurança do interno, do estabelecimento penal e da sociedade, como também fazendo parte do processo de reeducação e reinserção social do apenado”. Mas o descrédito dos agentes é notório e foi documentado pelo autor em sua pesquisa nas penitenciárias, presídio e prisão agrícola do Paraná, constatou que: 72% dos agentes estão com pouca ou nenhuma motivação para o trabalho; 41% afirmam que é devido ao ambiente prisional; 38% afirmam que é por causa do salário; 64% afirmam que o salário que recebe como agente é pouco; 58% dos agentes não escolheriam novamente essa profissão; 64% afirmam trabalharem por necessidade ou e por não ter outra opção; 41% acreditam que o salário é o mais importante para motivar o agente; 38% dos agentes consideram que a valorização profissional é o mais importante em sua profissão; 73% dos agentes se preocupam com as terceirizações das novas Unidades; 67% dos agentes não acreditam na recuperação dos presos nas Unidades; 41% afirmam que a causa de stress é devido à desvalorização profissional; 17% dos agentes possuem o terceiro grau completo. Ou seja, a desvalorização da profissão pelo próprio agente é alta, que pode ser explicado pela “a não possibilidade de ascensão profissional com critérios estabelecidos, ocorrendo a subordinação a líderes, muitas vezes incompetentes e desqualificados, (...),pelo sucateamento do sistema, sem manutenção e reformas, tanto predial como de materiais de uso diário, (...)”, sobrecarregamento de serviços, entre outras questões. Esse descontentamento profissional afeta a relação com os presos. Corrupção, favorecimento, maus tratos, e até tortura podem ser feitos, não só pelos agentes, mas por outros profissionais das instituições. Em 22 de Novembro de 2007, o Comitê das Nações Unidas Contra a Tortura, da ONU Organização das Nações Unidas -, divulgou Relatório onde apontou que a prática de tortura nas cadeias brasileiras é fato comum e que, raramente, os policiaisque abusam dos presos são considerados culpados. A ONU concluiu que a ameaça constante de revoltas nos presídios é “resultado direto das condições precárias” As armas usadas pelos torturadores (agentes penitenciários, carcereiros, delegados, investigadores e monitores), vão desde cabos de vassoura até aparelhos de eletrochoque, muitos deles encontrados dentro de delegacias e centros de detenção provisórios. Choques, afogamentos e, principalmente, espancamentos são as formas mais comuns de tortura. O nome dado ao relatório das condições brasileiras nos presídios foi ‘Eles nos tratam como animais’, que foi a frase mais repetida pelos presos aos delegados da Anistia Internacional. Um dos casos citados no relatório é do Centro de Detenção Provisória de Santo André, em São Paulo, onde 60 detentos foram violentamente espancados durante horas por agentes penitenciários. (SOUZA, 2008) É necessário que haja iniciativas governamentais em pró desses trabalhadores, buscando melhorias no ambiente profissional, dando possibilidade de melhoria na qualidade de vida, para que isso afete positivamente a relação com os presos, tendo em vista alcançar a reinserção do apenado na sociedade. Pois, como afirma DE CASTRO (2004) “ora, se o objetivo é ressocializar o preso, é também preciso modificar o homem (...). Então, se o servidor não conhece bem a cultura penitenciária e os objetivos fixados pela execução penal, ele é inútil ao sistema”. 3.4.4 O ÓCIO O ócio é outro quesito determinante para as estruturas prisionais deploráveis. Pessoas pobres, onde 55% tem de 18 a 29 anos, que compõem a população prisional. Setenta por cento do total de presos não concluíram o ensino fundamental e 10,5% não são alfabetizadas. Setenta e dois por cento vivem na ociosidade, e apenas 18% participa ou desenvolve alguma atividade educativa. Sem nenhuma ocupação física ou mental, o preso se afasta ainda mais do seio da sociedade, o que fatalmente, colabora para a reincidência. (SOUZA, 2008) No entanto, “O sistema penitenciário é, há anos, um depósito de pessoas, fugindo de seu objetivo principal, que é recuperar o indivíduo (DALLARI apud DE SOUZA, 2004)”. Esse ócio próprio das prisões brasileiras faz com que a tese que afirma que os estabelecimentos prisionais é um meio criminógeno. Porque uma vez na prisão, o detento irá se deparar com uma realidade social diversa daquela anteriormente vivida, porque não há condições de estudo, trabalho e profissionalização. ZAFFARONI (1991), explicita: “A prisão ou cadeia é uma instituição que se comporta como uma verdadeira máquina deteriorante ; gera uma patologia cuja principal característica é a regressão. O preso ou prisioneiro é levado a condições de vida que nada tem a ver com as de adulto; se priva de tudo que usualmente faz o adulto ou que conhece. Por outro lado, se lesiona sua auto-estima de todas as formas imagináveis: perde a privacidade e seu próprio espaço, submetendo a tratamentos degradantes.” A lei de Execuções Penais (LEP) assevera que a finalidade da pena antes de se constituir em castigo ou em punição representa uma forma de submeter ao tratamento penal o indivíduo que cometeu um crime para que possa retornar ao convívio social. Essa mesma lei prevê o trabalho nos estabelecimentos prisionais brasileiros. De acordo com ela, o trabalho do condenado é obrigatório, se a pena for privativa de liberdade e terá finalidade educativa e produtiva. LEP, (1984) “Uma conclusão importante é que o trabalho prisional reduziu a reincidência média de 80% para 5% entre os presos que trabalham. Isto é um fator decisivo na política de melhoria da qualidade de vida dos internos, visto que a superlotação comum no sistema penitenciário do Brasil é crônica.” (COSTA, A. M. 1999,p.92) Mas os benefícios de um trabalho são vários. Alguns são enumerados nesse quadro: BENEFÍCIOS PARA OS PRESOS • A cada três dias de trabalho, ganha-se um dia de redução da pena. • Recebem cerca de até um salário mínimo. • 10 % dos salários do preso são automaticamente poupados. Assim, eles têm um fundo para quando saírem da prisão. • Os salários podem ser enviados à família ou usados para despesas pessoais, como compra de material de higiene. • A capacitação que os presos recebem será útil para conseguirem um emprego fora da prisão. BENEFÍCIOS PARA AS EMPRESAS • Os presos não são empregados no regime de CLT. Com isso, as empresas economizam até 60% dos custos de mão-de-obra ao não pagar benefícios, • como férias, 13º salário e Fundo de Garantia. • A empresa também poupa na instalação da unidade de produção, pois usa a infra- estrutura do presídio, como galpões, água e energia elétrica. • Os presos faltam menos ao trabalho do que um operário comum. BENEFÍCIOS PARA A SOCIEDADE • O trabalho aumenta a chance de ressocialização do preso. É uma forma de prevenir a reincidência quando ele ganha liberdade. • 10 % do salário dos presos alimenta um fundo que paga o trabalho de outros detentos na manutenção das unidades prisionais. • O trabalho ocupa os condenados, diminuindo as tensões na cadeia e os motivos para rebeliões ou fugas. • Os presos adquirem noções de hierarquia, cumprimento de horários e metas de produção. Quadro 1: Benefícios para os presos, empresas e sociedade com o trabalho dos presos. COTES (2005) apud SHIKIDA (2008). No entanto, a organização que deve gerir e organizar a capacitação profissional e disponibilizar o trabalho ou outras atividades de cunho educativo. Mas sem recursos, com o número de presos de três a 6 vezes maior que sua capacidade, com déficit no número e na qualificação dos profissionais, torna-se quase impossível ter um projeto que vise permitir a profissionalização dos detentos. Outro ponto que merece atenção na questão da ociosidade é que o condenado preso chega a custar ao Estado dez vezes mais que o condenado sujeito a um eficiente e proveitoso regime de pena restritiva de direitos ou de livramento condicional. ANTONINI (2002). 4 A RESSOCIALIZAÇÃO: UMA UTOPIA? E quando os gonzos do portão penitenciário giram, para restituir à vida social aquele que é tido como regenerado, o que em verdade sucede, é que sai da prisão o rebotalho de um homem, o fantasma de uma existência, que vai arrastar, para o resto de seus dias, as cadeias pesadas das enfermidades que adquiriu na enxovia, nessa enxovia para onde foi mandado para se corrigir e onde, ao invés disso, adestrou-se na delinqüência, encheu a alma de ódio e perverteu-se sexualmente. (Astor Guimarães Dias) Segundo FOUCAULT (2003), o conceito de ressocialização surgiu entre o século XVII e XVIII, assim como a resposta ao crime preconizada pelas penas privativas de liberdade. Na época, ressocializar era disciplinar, era sinônimo de trabalho, e obediência às relações de poder, objetivando a utilização econômica dos criminosos. Assim, a prisão era um modo de garantir a adequação dos indivíduos ao modelo da sociedade vigente. No entanto, desde aquela época até hoje, poucas coisas mudaram nesse sentido. A pena de prisão foi introduzida como castigo equivalente ao mal praticado pelo criminoso. Argumento contra a pena de morte, Beccaria sustentava que o efeito efêmero do suplícito era menos intimidativo do que a prisão perpétua. Logo, porém, surge a idéia de correção e emenda do preso, que remonta, à designação antiga de Bridewell, e que corresponde à inspiração religiosa de reformadores e pioneiros. Imaginou-se, assim, ser possível atuar sobre o espírito do preso, através do isolamento, do silêncio, do trabalho, da meditação e da concessão gradativa de favores, para alcançar a sua correção ou emenda. (FRAGOSO, 200-) Atualmente, a Lei de Execuções Penais, (LEP), n° 7210, editada em julho de 1984 é a base de todo o sistemaprisional. Elaborada no período da ditadura militar no Brasil, a LEP estabelece parâmetros para o tratamento penal ainda hoje, nos tempos de globalização, informática e culturas difundidas, de forma que diminui e ignora a individualidade social e psíquica humana, ao pensar que apenas saberes científicos e o rigor reformaria o homem encarcerado. (RICHTER, 2008) “A ressocialização do preso é consistente na modificação de seu comportamento, para que esse seja adequado aos parâmetros comuns e não nocivos à sociedade”. Para isso, é necessário que ocorra modificações nos valores pessoais, transformando os valores negativos e maléficos à sociedade em positivo à mesma. (BAZAN, 2008) “O sistema é de obediência cega, correspondendo ao estilo militar, no qual o respeito às regras se impõe não pela conscientização mas pela ameaça e, do outro lado, pelo temor ou pela ‘picardia’ que o universo do cárcere lhe transmitiu” (FALCONI, 1998) Esse fato é avesso ao que preconiza uma real ressocialização. Para ALVES (2003), “a reeducação, a ressocialização e a reinserção social do detento deverá passar por reciclagens no quadro funcional do presídio, devendo haver sincronização entre o trabalho sociocultural agregado aos labores próprios dos programas de ressocialização”, alcançando a reinserção social num trabalho de equipe. “No processo de ressocialização, o passado é reinterpretado para que seja harmonizado com a realidade presente, há uma tendência no individuo de retrojetar no passado vários dos elementos que não eram aceitos naquela época”. (DE VASCONCELLOS, 2007) A ressocialização deve objetivar a humanização do detento no período de encarceramento. Sob essa orientação humanizada, a pessoa que delinqüiu é vista como centro da reflexão científica, e não mais um ser que deve ser banido do convívio social. (SILVA, 2003) No entanto, esse fracasso na recuperação do preso tem levado a discussões acerca da manutenção funcional da pena privativa de prisão. Há uma vertente, chamada de funcionalismo, ainda vê a pena de prisão como o meio de conter os criminosos, privando-os de liberdade e do convívio familiar e social. Essa corrente combate a idéia da deslegitimação da prisão e defende que o importante é que o sistema penal possa ser convincente.Nesse lado, ainda está grande parte da sociedade, que, erroneamente acredita que, na prisão, o indivíduo estará inacessível, livrando-a de mais um criminoso. Há outra vertente que defende a extinção dessa pena: a corrente abolicionista. Estudiosos que defendem a mesma linha de Louk Hulsman. Para este ilustre e saudoso autor, o sistema penal nunca funciona como pretendem os princípios que os legitimaram, a não ser de uma forma excepcional. HOULSMAN, 1995 defende que é praticamente impossível sair uma sentença justa do sistema penal vigente. Pois para ele, “o sistema funciona de forma irracional e tem uma lógica própria, que não em nada a ver com a vida real das pessoas. Não costuma levar em conta, por exemplo, a perspectiva da vítima. Nunca se sabe nada sobre as vítimas”. O autor critica os corpos que formam o sistema. Para ele, a Polícia, o Ministério Público e o Judiciário, trabalham isolada e independentemente, sem harmonia entre eles, o que torna ainda mais complexa a realidade dos presos. Afirma ainda que a ninguém provou que o sistema protege as pessoas da violência, assim como, ninguém o comprovou como a única forma de garantir essa proteção, devendo, pois, buscar a realidade de outra maneira, abolir o sistema prisional, porém pensar numa alternativa distinta da que se pretende extinguir, uma maneira mais simples, que admita soluções informais, comunitárias e desinstitucionalizadas. A terceira corrente defende a substituição e alterações nas leis. A pena privativa de liberdade deveria ter âmbito de retribuição “ampliado”, uma vez que não repara os danos causados à sociedade, nem mesmo aos cidadãos, que se vêem obrigados, mesmo de forma indireta, a sustentar através do pagamento de impostos, quem lhe agrediu, o que é injusto. E a sociedade, além de conviver com a criminalidade, fica com o ônus de ver os condenados tornarem-se reincidentes, sustentando assim um sistema ineficaz. (MARÇAL, 2003) Essa tese fundamenta-se em admitir que mesmo numa sociedade igualitária, em que as relações de produção e câmbio sejam democratizadas, a fim de evitar males maiores se faz necessário um direito penal mínimo. Para PINTO (2008) o abolicionismo é utópico. Já que este já é praxe para os ricos, que revestidos de sua influência e prestígio são impunes ao sistema penal, visto que os pobres são clientes do encarceramento. Para o autor, o abolicionismo não diminuirá os conflitos sociais, mas apenas legitimá-los e mantê-los, servindo apenas como uma resolução falsa dos problemas sociais e prisionais. Como solução, “deve-se priorizar a queda da desigualdade e da seletividade estrutural, que somente privilegiam os interesses das classes dominantes, as quais ficam isentas dos processos de criminalização, que são desviados para as classes inferiores” Sob outra ótica menos radical, o entendimento é de que o objetivo ressocializador da pena de prisão tornou-se um fracasso devido às condições materiais e humanas do sistema prisional, necessitando, pois, de uma série de reformas que permitam o alcance de tal finalidade. (SOUZA, 2004) Para DURKHEIM, os delitos e a violência estão presentes em todas as sociedades, sendo inclusive esses considerados pelo sociólogo como sendo em determinados patamares, elemento de coesão da sociedade. “(...) uma sociedade isenta deles é completamente impossível”. Em consequencia a esse pensamento, pode-se afirmar que, para o renomado sociólogo, o movimento repressor aos delitos e à violência próprio dos instrumentos utilizados pela justiça criminal, são também elementos indispensáveis para a sociedade. Contrário a essa vertente, HULSMAN não vê necessidade na existência da Justiça criminal, e defende sua extinção e a criação de novos meios como solução para essa questão social. O estudioso afirma ainda que o abolicionismo dessa justiça não influenciaria no aumento da violência, e põe essa extinção tão certa quanto a da escravatura um dia. Já DAVID JR (2001) “coloca a prisão como um mal necessário”. Esse autor afirma a imprescindibilidade da prisão, defendendo a sua utilidade como instituição ressocializadora, mas ineficaz em função da crescente massa carcerária, que torna o sistema jurídico prisional decadencial e fere os princípios jurídico-sociológicos garantidos constitucionalmente. Como conseqüência da falência da prisão, se faz imprescindível a diminuição do seu uso. Pois quanto mais grave a pena e as medidas impostas aos criminosos, maior o índice de reincidência, ao passo que oferece uma proteção ilusória à sociedade, reforçando apenas os valores negativos aos presos. Deve-se, portanto, se utilizar da prisão em casos mais extremos, e, mesmo nesses, evitar encarceramentos demasiadamente longos. (FRAGOSO, 200-) Corroborando com essa idéia, não existiria pena mais cruel do que a castração de liberdade do sujeito jurídico, posto que a impossibilidade de realizar sua vontade produz como resultado a expropriação da existência daquele como pessoa, restando, exclusivamente, sua coisificação. Afinal, a partir da restrição de autonomia a que o indivíduo é submetido, subsiste apenas sua condição de objeto jurídico da sanção penal, que, após a condenação, não mais é cumulativa à condição de sujeito, posto que esta exige como requisito essencial ser livre. (PEREIRA, 200-) 4.1 MEIOS RESSOCIALIZADORES NA PRISÃO São fins de um tratamento penitenciário estabelecer um programa com um conjunto de atividades que devem visar proporcionar uma vida futura melhor, dissociada dos desvios de condutas sociais que deveriam ser recuperadas na instituição prisional.As ações de reintegração social podem ser definidas como um conjunto de intervenções técnicas, políticas e gerenciais levadas a efeito durante e após o cumprimento de penas ou medidas de segurança, no intuito de criar interfaces de aproximação entre Estado, Comunidade e as Pessoas Beneficiárias, como forma de lhes ampliar a resiliência e reduzir a vulnerabilidade frente ao sistema penal. Partindo-se desse entendimento, vê-se que um bom “tratamento penal” não pode residir apenas na abstenção da violência física ou na garantia de boas condições para a custódia do indivíduo, em se tratando de pena privativa de liberdade: deve, antes disso, consistir em um processo de superação de uma história de conflitos, por meio da promoção dos seus direitos e da recomposição dos seus vínculos com a sociedade, visando criar condições para a sua autodeterminação responsável. (Programa de Ressocialização no Sistema Penitenciário do Paraná) Baseando-se na LEP, os instrumentos de ressocialização utilizados pelas penitenciárias brasileiras são: a religião, o trabalho e a educação, dos quais os dois últimos tópicos serão explanados. 4.1.1 O TRABALHO Diversos autores defendem o trabalho como meio ressocializador. E pelo observado, realmente é. Tido como a característica central e definidora da vida da maioria dos indivíduos, dá- se ao trabalho um valor intrínseco e/ou instrumento. O intrínseco diz respeito à realização do trabalho em si e por si. Já o valor instrumental está em prover as necessidades da vida e intermediar com os talentos, as habilidades e os conhecimentos do indivíduo. Assim, desde que alguma doutrina religiosa ensinou que o trabalho era uma forma de punição do pecado original, trabalhar transformou-se numa forma de fortalecer o caráter do homem e desenvolve-lo pessoal e economicamente. (ROMÃO, 2004) Os meios necessários não diferem dos da sociedade externa à prisão. Assim, enfoca- se o trabalho como um fator determinante de segurança, de estabilidade, de estruturação individual e social; fator determinante de inclusão / exclusão (SILVA, 2003) TRISOTTO (2005) expressa a necessidade de pensar no trabalho prisional sobre uma característica diferente do trabalho na sociedade, ao passo de que dimensões como salários, qualificação e direitos trabalhistas têm seu valor reduzido em favor da positividade que sobressai do labor na prisão: pesos como a família, auto estima, ocupação, capacitação e benefícios institucionais se destacam. Para WAUTERS (2003) “o desemprego e o trabalho em condições injustas, tem um estreito liame com a criminalidade”. Um exemplo disso é o Projeto Recomeçar. Lançado em fevereiro deste ano, visa a colocação de internos no mercado de trabalho, já dá respostas positivas à sociedade e aos internos. Em cinco meses de funcionamento, nenhum dos internos que estavam cumprindo pena nos regimes semi-aberto e aberto na cidade haviam reincidido na prática de crimes. (SANTANA, 2009). Segundo MALLMANN (2008) que pesquisou sobre o Projeto Aldeia da Cidadania,em que os sentenciados participantes são enviados pra uma fazenda, onde trabalham durante a semana e, a cada quinze dias, passam o fim de semana com seus familiares, reinserindo-os na sociedade de forma progressiva. A autora entrevistou profissionais e sentenciados participantes e constatou que os profissionais percebiam o projeto como um meio eficaz de ressocialização, pois analises comparativas entre os perfis dos sentenciados antes e depois, surtiram respostas positivas. Para os condenados, a participação no projeto trazia esperanças de melhorias profissionais e de integração social, além de serem tratados na fazenda com humanidade e dignidade, diverso do que acontecia no cárcere comum. Segundo a coordenação do projeto, a desistência e o número de fugas são ínfimos. A autora ainda cita mais três exemplos bem sucedidos de projetos que envolvem o trabalho como meio ressocializador: a) Sistema Prisional de Guarabira, na Paraíba e a ressocialição através de atividades laborais: onde os sentenciados prestam serviços em obras públicas, alcançando até os condenados ao regime fechado; b) Penitenciária Industrial de Guarapuava, Paraná: nesse estabelecimento, os condenados trabalham oito horas por dia e percebem uma remuneração mensal equivalente a 75% do salário mínimo, relaciona-se com as empresas da cidade, visando garantir empregabilidade aos presos após o período na prisão, e consta com um índice exemplar de 6% de reincidência e; c) Ipaba, Minas Gerais: considerada uma penitenciária modelo, investido em profissionalização e educação, os detentos que lá se encontram estão envolvidos em com atividades que trarão benefícios tanto durante o próprio período de cumprimento de pena quanto após a sua saída do sistema prisional. No entanto, O sistema penitenciário, ainda que preocupado com a reintegração dos indivíduos na sociedade, exerce, segundo os autores, uma relação de total subordinação, tolhendo qualquer iniciativa, logo, massificando a condição do apenado. Os apenados percebem o trabalho prisional a partir de duas dimensões distintas: a da realidade e a formada por suas expectativas. Acreditam ser possível adquirir “uma nova postura em face ao mundo”, sendo assim mais fácil a reinserção na sociedade. Porém, por outro lado, percebem que o trabalho prisional não contribuirá para o seu convívio em sociedade, uma vez que têm a idéia de que ele é utilizado pela instituição para manter a ordem e a disciplina. (DE VASCONCELLOS, 2007) Assim, o sistema ainda utiliza o trabalho equivocadamente, como um meio disciplinar ao invés de recuperador. Além de outro problema: o direito garantido pela LEP não pode atingir a todos os presos, com isso, os não privilegiados pelas oficinas, projetos e convênios com as empresas privadas passam 22 horas nas suas celas, habitualmente superlotadas e em péssimas condições. Já os “privilegiados” são vistos com preconceitos pelos demais, tanto pela “liberdade” alcançada, tanto pelo convívio maior com os agentes penitenciários. (TRISOTTO, 2005) 4.1.2 A EDUCAÇÃO Ao lado do trabalho, a educação é um direito social previsto constitucionalmente e, consequentemente, garantias fundamentais. E dentre os direitos tolhidos pela sentença condenatória não consta o acesso à educação, devendo assim, o Estado asseverar também aos sentenciados. DELFIM (2009) defende a educação como uma forma, senão a melhor, de se garantir o principio basilar da Dignidade da Pessoa Humana, já que a educação formal é o instrumento mais eficaz de integrar o indivíduo à sociedade. A educação, no contexto sociocultural, que deveria significar o auxílio aos indivíduos para que pensem sobre a vida que levam; que deveria permitir uma visão do todo cultural onde estão, desvirtua-se na escola. (...) Com efeito, a educação precisa transmitir significados presentes na vida concreta de quem se pretende educar ou reeducar; de modo diverso, não produz resultado, aprendizagem. (DE CASTRO, 2004) “O Departamento Penitenciário (DEPEN) trata a educação do preso como um processo de desenvolvimento global para o exercício consciente da cidadania. Este processo se realiza em duas dimensões: educação formal e formação profissionalizante”. O formal consiste no ensino fundamental e médio. A educação na prisão deve buscar a reintegração do condenado na sociedade, devendo ressocializá-lo do ponto de vista moral, social e ético. Educação, qualificação e trabalho são os pilares da recuperação. É preciso elevar a escolaridade dos presos para que tenham uma visão de mundo diferente, além do conhecimento escolar. Paralelo a isso trabalhar a qualificação profissional para que possam ser inseridos no mercado de trabalho quando do cumprimento de sua pena. (ZANIN, 2006) Mas para se falar em educação no sistemaprisional, PEREIRA (2008) aponta como essencial que se eduque primeiramente o sistema prisional, tirando o fim da privação de liberdade que é tida como fim de muitas instituições e que afasta a assistência à educação ao preso e estigmatiza o sentenciado. 4.1.3 A RELIGIÃO A esperança é considerada a maior marca da religião. Trabalhada de forma a mudar a vida dos detentos e de apontar outros caminhos para um futuro melhor e lícito, a religião é um dos meios ressocializadores mais comuns dos estabelecimento prisionais. a experiência religiosa devolve o sentido da existência, conforma nas perdas, ensina a importância de se amar o próximo, de ser solidário, enfim, é capaz de resgatar os nossos valores humanitários e os nossos sonhos. O sentimento religioso nos dá a sensação de reconciliação com o universo, de comunhão com algo que nos transcende. TOMAS (200-) MADEIRA (2004) ressalta que o fenômeno da conversão religiosa nas populações mais pobres é crescente. E evidencia a distinção entre religiosidade e espiritualidade. Sobre isso, a autora explicita que a maioria, apesar de poucos egressos serem religiosos, remete-se a Deus, no sentido do arrependimento, da redenção e do perdão e toma estes parâmetros como significativos para o rompimento com a vida de crimes. No mais, se faz importante destacar que não se deve impor nenhuma crença aos presos, visto que este deverá se sentir bem com a religião ou espiritualidade escolhida, de forma que esta, em prol de sua ressocialização, leve à transformação moral do apenado. 4.2 A RELAÇÃO RESSOCIALIZAÇÃO X REINCIDÊNCIA Um dos fatores mais importantes numa eficaz ressocialização é a relação que esta tem com a reincidência criminal. O DEPEN, em 2003, estimou a reincidência criminal no Brasil em 82%. A reincidência criminal na cidade de São Paulo era de 58%, ou seja, a cada dois presos que saiam da cadeia, um retornava. (MORANA, 2003) DAVID JR (2001) ressalta que com as condições atuais das instituições brasileiras apenas colaboram para os altos índices de reincidência. Pois, além de não ressocializar no período de enclausuramento, ainda estigmatizavam o preso e, sua família, como conseqüência, fazendo que assim, a pena deixasse de atingir só o criminoso, mas alcançasse todo seu circulo familiar. SILVA (2003) afirma que, a pena atualmente, marginaliza ainda mais o condenado, o que resulta em crimes de maior gravidade, geralmente, do que aquele praticado em seu primeiro encarceramento. A prisão é um espaço onde as empresas e particulares podem exercer suas responsabilidades sociais de maneira decisiva para o futuro. Para tanto, é preciso assegurar aos presos, condições de efetiva reabilitação para que sejam reinseridos na sociedade e no mercado de trabalho. Sem essas condições, a prisão se reduz a mero castigo. Pior, torna-se um centro de formação de pessoas estigmatizadas e segregadas, para as quais muitas vezes a reincidência no crime é o caminho mais natural. É necessário romper esse ciclo vicioso para recuperar a qualidade de vida nas cidades e evitar o esgarceramento insustentável do tecido social. (FERREIRA apud ZENI DA SILVA, 2004) ZENI DA SILVA (2004) expõe que no Brasil é comum que os limites entre as políticas sociais básicas, a política de segurança pública e a política criminal e penitenciária se confundam e, mesmo reconhecendo a interrelações entre elas, as três possuem campos bem distintos. As políticas sociais básicas se referem à educação, habitação e à saúde, podem prevenir a criminalidade e a reincidência. Já a política de segurança pública age de forma mais direta, preventiva ou repressivamente na criminalidade e a penitenciária é a responsável pelo tratamento do preso e da prisão. Observa-se então, necessárias políticas públicas em que as três atuem em conjunto e possam dar respostas significativas no controle e redução da reincidência criminal. 5. AS PENAS ALTERNATIVAS COMO SOLUÇÃO IMEDIATA A punição tem a função de reintegrar o indivíduo na sociedade, não torná-lo nocivo e gerador de violência. Existem muitos caminhos a serem seguidos, é uma questão de escolhermos o melhor, temos as penas alternativas que muito podem contribuir para a regeneração do indivíduo à sociedade. (CALGARO, 2004) Em conseqüência de diversos fatores sociais, aliada à falência do sistema penitenciário e à inércia do Estado, a partir de 1984 com a reforma penal acontecida, foram incorporadas outros tipos de penas no ordenamento brasileiro. Em prol de uma política penitenciaria mais humanizada, especialmente aos delitos menos graves, cometidos por criminosos primários e não habituais, foram incorporadas no sistema penal as penal alternativas. Consistentes na prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, interdição temporária de direitos e na limitação de fim de semana, essas penas tem sido apontadas como soluções pelos estudiosos da área para os problemas mais gritantes e urgentes do sistema penitenciário brasileiro. (MENDONÇA, 2008) As penas alternativas, embora previstas na Lei de Execução Penal (Lei no 7.910, de 1984), e na Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, inciso XLVI, tinham eficácia limitada devido ausência de legislações infraconstitucionais e às dificuldades da estrutura judiciária. O que foi alterado com as leis: 9.099/95, que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais nos Estados, para aplicação de penas alternativas nos crimes de menor potencial ofensivo, em que a pena cominada fosse igual ou inferior a 1 ano de prisão; a 10.259/2001, que criou os Juizados Especiais Criminais na esfera Federal onde o crime de menor potencial ofensivo passou a ser aquele em que a pena aplicada seja igual ou inferior a 2 anos, a Lei Federal 9.714/1998 onde facultou-se ao juiz substituir a pena de prisão por uma restritiva de direitos, sempre que a pena fixada for igual ou inferior a 4 anos, desde que o crime cometido não tenha sido concretizado com violência ou grave ameaça, sendo o réu primário e de bons antecedentes criminais. Com essa lei foi possibilitado tanto a expansão de aplicação das penas alternativas pelo juiz quanto a criação de Varas de Execução de Penas Alternativas, que passaram a conduzir e fiscalizar o cumprimento da pena. (MONTEFUSCO, 2005) Pena alternativa é uma sanção decorrente de sentença proferida pelo juiz condenando o autor do fato pelo crime de menor potencial ofensivo ou em substituição à pena privativa de liberdade, desde que esta não ultrapasse a quatro anos e o crime não tenha sido cometido mediante violência e grave ameaça. (MENDONÇA, 2008) Conforme CALGARO (2004) sobre a utilização das penas alternativas permite-se a oportunização de que o condenado exerça ocupação lícita, aprendizado, lazer e, ao mesmo tempo, esteja em contato com a marginalidade. De outro lado, as penas alternativas não deixam no condenado, o estigma de ex- presidiário, o maior mal que o Estado pode causar à pessoa. Elas também demonstram que as penas reclusivas faliram enquanto instrumento reeducativo, de conformidade com os objetivos propostos pela política criminal moderna. 5.1 OS BENEFÍCIOS DAS PENAS ALTERNATIVAS Em virtude principalmente do caráter não ressocializador da pena privativa de liberdade, apontado como uma das principais causas de reincidência e de exclusão social, conforme exposto nos capítulos anteriores, a pena alternativa vem se mostrando meio viável de melhorias no sistema penitenciário por vários aspectos defendidos por um número cada vez maior de especialistas na área. O caráter humanitário que é presente nas penas alternativas é um dos grandes motivos de sua defesa, visto que o condenado é tratado como uma pessoa, que delinqüiu,
Compartilhar