Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 A EDUCAÇÃO DA CRIANÇA NA IDADE ANTIGA E MÉDIA COSTA, Leila Pessôa da (UEM) SANTA BÁRBARA, Rubiana Brasilio (UEM) Introdução A intenção deste artigo é sistematizar informações a respeito de como era a educação das crianças na Antiguidade e Medievalidade. Períodos em que se pensava em formar a criança a partir dos sete anos de idade, mas há que se dizer que, antes dessa idade e a partir dela, a educação da criança sempre foi definida pelas expectativas dos adultos e para atender aos interesses, em diferentes épocas, de diversos povos. Contudo, inicialmente, negada às classes menos favorecidas. Por meio de estudo bibliográfico serão evidenciados alguns elementos que caracterizam a maneira de lidar com as crianças desde o século X a.C. até o século V da era cristã, passando pela educação clássica grega, sobretudo nas Cidades- Estados de Esparta e Atenas e por fim em Roma. Posteriormente, discorreremos, a partir do século V ao século XV, sobre a educação marcada pelo cristianismo. Entendida historicamente, a educação não é algo isolado, mas está relacionada intimamente com a sociedade e a cultura de cada época. No mundo antigo, a educação é diferenciada por papéis, funções sociais e pela tradição, enfim, é uma formação dividida por classes. Segundo Cambi (1999, p. 51) a educação revelava a imagem de uma sociedade nitidamente separada em dominantes e dominados, grupos sociais governantes e grupos subalternos. A educação tinha como centro a família. Tanto na antiguidade como na medievalidade, a família era o primeiro lugar de socialização da criança “[...] é o 2 primeiro regulador da identidade física, psicológica e cultural do indivíduo e age sobre ele por meio de uma fortíssima ação ideológica [...]” (CAMBI, 1999, p. 80). Com o interesse de entendermos a educação das crianças em diversos períodos da história, esse trabalho tem como enfoque dois períodos singulares e que em diversas vezes são negligenciados; são eles: a Antiguidade e a Medievalidade. Esparta e Atenas Na antiguidade observa-se a emergência de dois tipos diferenciados de educação que surgiram em dois modelos opostos, a pólis de Esparta e a de Atenas. Enquanto Esparta se deteve na fase guerreira e autoritária, Atenas chegou a um estágio de maior reconhecimento quanto a um tipo de educação formal, que se pautava na vida política democrática. Na sociedade espartana a educação era voltada para as virtudes guerreiras, dessa forma, aos sete anos de idade a criança ficava em poder do Estado “[...] o espartano vivia permanentemente com a espada em punho [...]” (PONCE, 1981, p. 40). Os meninos eram retirados da sua família e encaminhados para escolas- ginásios onde recebiam, até aos dezesseis anos, uma educação de tipo militar que defendia a obtenção da força e da coragem. A instrução para os espartanos se dava em um contexto peculiar que não focava a leitura e a alfabetização, observa-se que poucos nobres sabiam ler e contar. A valoração e o direcionamento dirigiam-se para a guerra. De acordo com E. Ponce (1981, p. 41), “Era tal o desprezo que votavam a tudo que não fossem “virtudes” guerreiras, que os jovens estavam proibidos de se interessarem por qualquer assunto que pudesse distraí-los dos exercícios militares [...]”. Já para Luzuriaga (1984, p. 38), a intervenção da educação espartana clássica, estava nas mãos do Estado, “Sua intervenção começa pelo nascimento do menino, sacrificado no caso de não ser robusto. Até os sete anos o Estado delega a 3 criação do menino à família, e a partir de então e até os vinte, a realiza diretamente.” Praticamente, todas as esferas educacionais dependiam da instrução militar que deveria favorecer a aquisição da força e da coragem. Quanto à cultura do ler e escrever, pouco espaço era dado na formação do espartano. Cambi (1999, p. 83) informa que Esparta, ao entrar em conflito com Atenas, na longa Guerra de Peloponeso (451-404 a.c), saiu enfraquecida e entrou em rápido declínio. Ainda que derrotada, Esparta manteve seus próprios costumes e ideais, mas, aos poucos, foi superada pela nova civilização, baseada no intercâmbio e na escrita. Atenas O reconhecimento da cultura ateniense tem seu início por meio da obra de Sólon. “... Sólon deu a Atenas uma constituição do tipo democrático: libertou os camponeses; instituiu o tribunal do povo; criou o Conselho dos Quatrocentos [...]” (CAMBI, 1999, p. 83). O Estado, em Atenas, regulamentava o tipo de educação que a criança deveria receber a educação no seio da família e nas escolas particulares. Segundo Ponce (1981, p. 50) desde que um homem cresce, e uma vez que as leis ensinam que existem deuses, não cometerá ele jamais qualquer ação ímpia, nem pronunciará discursos contrários às leis. Assim, a educação deveria formar as crianças para serem futuros governantes e imprimir neles, o amor à pátria, às instituições e aos deuses. De uma cultura de guerreiros a educação ateniense passou para uma cultura de escritas. Num primeiro momento percebe-se que a educação foi perdendo seu caráter militar. Os atenienses foram os primeiros gregos que abandonaram seus antigos costumes de andarem armados, para adotar um estilo de vida menos rústico e mais letrado. Um poderoso movimento se configura contra a “velha educação”, nesse momento a pedagogia ateniense orientava-se num sentido muito diferente. A 4 sociedade de Atenas protestava por uma educação menos rígida, mais alegre e humana. Adentrava-se assim no limiar da grande descoberta educativa ateniense, e também de toda a cultura grega: a paidéia que, da época dos sofistas, mestres em retórica, torna-se a noção-base da tradição pedagógica antiga. “Os sofistas, portanto, indicam uma dupla virada na cultura grega: uma atenção quase exclusiva para o homem e seus problemas [...]” (CAMBI, 1999, p.85). Nesse sentido, Paidéia (paidos-criança) anteriormente significava apenas criação de meninos, porém na sua compreensão, o nome Paidéia não indica exclusivamente o processo de preparar a criança para a vida adulta. Segundo Abbagnano, a palavra que os gregos denominaram Paidéia está relacionada à palavra cultura – no significado referente à formação da pessoa humana individual, e que os latinos, na época de Cícero e Varrão, “[...] indicavam com a palavra humanitas: educação do homem como tal, ou seja, educação devida às “boas artes” peculiares do homem, que o distinguem de todos os outros animais. As boas artes eram a poesia, a eloqüência, a filosofia etc.[...]” (ABBAGNANO, 1998, p. 225). A ampliação do conceito fez com que designasse o resultado do método educativo que se prolonga por toda vida, muito para além dos anos escolares. A pedagogia, com a noção de humanitas, passa a exercer um papel de núcleo central da cultura, como sua síntese viva e pessoal, mas também na formação do homem, que agora, na própria Roma, sente-se antes de tudo sujeito humano, portador de humanidade universal. Roma Antes de dirigirmos nosso enfoque propriamente a educação da criança, cabe fazer um breve histórico sobre a educação como um todo no mundo romano. Segundo Cambi (1999, p. 105), Roma teve como texto-base da educação as Doze Tábuas, escrito em bronze e exposto, publicamente no fórum no ano de em 451 a.C. Nela destacava-se o valor da tradição que compreende o espírito, os costumes, a disciplina dos pais. As tábuas traziam uma educação voltada para a dignidade, a 5 coragem, a firmeza como valores máximos. No centro deste processo Catão1 colocou a família, o papel prioritário do pai e sua função de guia e de exemplo. Na Romaarcaica a educação teve caráter prático, familiar e civil. Na vida familiar o papel central era do pai, responsável por formar o civis romanus. A mãe também participava dessa educação, ela tomava conta da criança tanto no aspecto espiritual como material. Em Roma, é a mãe quem educa seu filho, ela seria responsável pelo crescimento físico e moral da criança desde a nutrição à criação, à instrução, ao sustento. Marrou (1971, p. 362) explica que a educação da criança caberia à mãe até aos sete anos de idade, após a educação seria exclusividade do pai, por ele ser considerado o verdadeiro educador. Acrescenta, ainda, que, enquanto existirem mestres, a ação destes será sempre considerada semelhante à autoridade paterna. Apesar desse reconhecimento da mãe como mater familias o pai é o centro da família “...cuja auctoritas, destinada a formar o futuro cidadão, é colocada no centro da vida familiar e por ele exercida com dureza, abarcando cada aspecto da vida do filho (desde a moral até os estudos, as letras, a vida social), usando inclusive o ‘porrete’ [...]” CAMBI (1999, p. 106). Nessa mesma linha de pensamento, os Provérbios demonstram claramente o tipo de disciplina direcionado às crianças. O provérbio “Quem economiza o porrete, odeia o próprio filho” (CAMBI, 1999, p. 70). Roma possui uma forte constituição familiar, visto que, conforme Cambi (1999, p. 104), a estrutura da família tem forte apego à gens, o centro da vida social é a família. A antigüidade mostra que a vida dependia totalmente do desejo do pai. A antiga educação romana demonstrou, em primeiro plano, um ideal moral, “... o essencial é formar a consciência da criança ou do jovem, inculcar-lhe um sistema rígido de valores morais, reflexos seguros, um estilo de vida [...]” 1 Marco Pórcio Catão - também conhecido como Catão, o Velho ou o Censor, foi um político romano. Nasceu em Túsculo no ano 234 a.C., e foi cônsul de Roma em 195 a.C., e censor em 184 a.C. Seus escritos foram para a educação da juventude, principalmente de seu filho Marcus. 6 (MARROU, 1971, p. 365). Este ideal é o da cidade antiga, feito de sacrifício e de renúnica. Segundo Luzuriaga (1984, p. 65) há pensadores romanos que deram orientação ética, espiritual aos escritos. Entre eles destacamos Marco Túlio Cícero que representa o tipo mais puro da humanitas, da paidéia, da cultura espiritual, e o pensador Plutarco, que escreveu o tratado – A educação das crianças, que dava preferência à educação doméstica sobre a educação escolar. Ao longo do século V, a vida e a cultura em Roma transformaram-se radicalmente, como conseqüência, Roma adotou as formas e os métodos da educação helenística. “[...] Até o estilo de vida acabou helenizando-se: o grego torna-se a língua dos letrados, os debates culturais deram vida a círculos e grupos [...]” (CAMBI, 1999, p. 107). A mudança não ocorreu de maneira pacifica, especialmente para grupos sociais mais conservadores que reconheceram como ataque à ordem da sociedade e do Estados romanos. Roma, mesmo se contrapondo à conquista da Grécia, recebeu diversas influências do mundo grego em todos os aspectos: na religião que se fundia cada vez mais com a grega; na vida política, que se redefinia conforme os moldes gregos, na cultura, recebeu novas formas literárias, como a lírica, e, por conseguinte mudanças na filosofia e na retórica. O ideal de paidéia Grega, de formação humana pela cultura chega à cultura pedagógica romana. “[...] Tratava-se não de educação nacional, local, mas de ensino de tipo universal, humanístico, diríamos hoje, baseado em cultura alheia superior, a servir de inspiração. Conservaram-se ainda algumas das qualidades da antiga educação romana, mas em geral predomina espírito mais liberal, dentro, sempre, da estrutura do Estado” (LUZURIAGA, 1984, p. 62). A “escola primária” em Roma Destinada a oferecer alfabetização primária: ler, escrever e, calcular, a escola primária funcionava em locais alugados ou na casa dos ricos; as crianças chegavam até ao local acompanhadas do paedagogus “... escreviam com o estilete sobre 7 tabuletas de cera, aprendiam as letras do alfabeto e sua combinação, calculavam usando os dedos ou pedrinhas – calculi – passavam boa parte do dia na escola e eram submetidas à rígida disciplina do magister, que não excluía as punições físicas [...]” (CAMBI, 1999, p. 114). Para Marrou (1971, p. 417), a aprendizagem da escrita começava-se por se aprender o alfabeto e o nome das letras, de A a X, antes mesmo de lhes conhecer a forma, e posteriormente ao contrário, de X a A “[...] o Y e o Z, que só servem para grafar vocábulos gregos, são tidos como letras estrangeiras [...]”. Em seguida estudavam as letras em pares AX, BV, CT, DS, ER, depois misturando a ordem. Das letras passam às sílabas e, em seguida para nomes isolados. “Á leitura e à escrita está intimamenta associada a declamação: a criança aprende de cor os pequenos textos nos quais se exercitou, ao mesmo tempo para formar-se e enriquecer a memória (MARROU, 1971, p. 419). Os tipos de aprendizagem da escrita, citados acima, constituem as categorias sucessivas do abecedarii, syllabarii e nomirarri. A criança antes de passar à redação de textos, era treinada na escrita de pequenas frases, bem como máximas morais de um ou dois versos. Para a aprendizagem do cálculo, utilizava-se de pequenas pedras - calculi - bem como, à mímica simbólica dos dedos. A técnica do cálculo escapa, no entanto, à competência do primus magister, sendo ensinada mais tarde por um especialista, o calculator. Este distingue-se do primus magister na medida em que o seu papel está mais próximo a de um especialista, como os calígrafos ou os estenógrafos. Para chegar até a escola, as crianças romanas se faziam acompanhar por um escravo, designado, segundo a terminologia grega, por Paedagogus. Este seria responsável pela educação moral da criança. O Paedagogus conduzia o seu pequeno senhor à escola, designada por ludus litterarius, e aí permanecia até ao final da lição. O ensino era coletivo, as meninas também frequentavam a escola primária. Percebemos uma escola em tempo integral, as crianças não tinham tempo para exercícios físicos, como no início do período helenístico. O dia encerrava-se 8 com um banho. Segundo Marrou (1971, p. 420) a pedagogia romana seguia métodos passivos como a memória e a imitação que são qualidades entre as crianças. Apelavam para a emulação, que aos olhos de Quintiliano2, compensavam o perigo moral da educação coletiva. Para Quintiliano, a educação começava na primeira infância, no seio da família e, narra que nesta educação doméstica é preciso ter cuidado com o ambiente que rodeia a criança. Diz Quintiliano: “porque naturalmente conservamos o que aprendemos nos primeiros anos, como as vasilhas novas o primeiro perfume do licor que receberam” [...] (LUZURIAGA, 1984, p. 67). A pedagogia romana foi também marcada por reprimendas, castigos, pancadas. Marrou (1971, p. 420) informa que estender a mão à palmatória, manum ferulae subducere significa estudar. O mestre apóia sua autoridade na arma chamada de palmatória. Os teóricos começavam a por em dúvida a eficácia desse método brutal, preocupações estas que influenciaram a prática pedagógica “[...] sobretudo as crianças mais jovens, recorrem a pequenos artifícios; dão-lhes, como brinquedos, letras de marim ou de buxo, e, para comemorar seus primeiros progressos, algum bolinho, e em particular bolos em forma de letras, reproduzindo aquelas que a criança está estudando. [...]” (MARROU, 1971, p. 421). Uma educação mais amena ia surgindo,foram introduzidas novas práticas de ensino com menos violência. Os moralistas, em nome da antiga educação e a favor da férula, protestavam “[...] Nunc pueri in scolis ludunt, “agora as crianças estudam brincando!”exclama, desde o tempo de Nero, o satírico Petrônio (MARROU, 1971, p. 422). A educação da criança medieval Após rápida exposição feita sobre a educação das crianças do mundo antigo, resta abordar sobre algumas questões da formação das crianças na Idade 2 Escritor e retórico latino, conhecido por ter sido professor de retórica. Marcus Fabius Quintilianus nasceu em Caagurris (Calahorra, atual Espanha) e viveu de 30 a 95 DC. É contrário aos castigos físicos. Recomenda a emulação como incentivo para o estudo e sugere que o tempo escolar seja periodicamente interrompido por recreios, já que o descanso é, na sua opinião, favorável à aprendizagem. 9 Média. De acordo com a historiografia, o período medieval compreendido entre aproximadamente 476, ano do fim do Império Romano do Ocidente, e 1492, ano da descoberta da América, é caracterizado por uma nova organização da sociedade, estruturada em torno do feudo. Povo de mentalidade cristã, “[...] do mundo se procura ‘evasão’ e sua leitura é em vista de uma ‘catástrofe final’, já delineada no Apocalipse [...]” (CAMBI, 1999, p.156). A educação se desenvolve concomitamente com a forma de ser da Igreja. Sendo assim, as influências dos fatores culturais e sociais implicam na orientação da educação. De fato, o Cristianismo atravessou toda a sociedade medieval como sistema de doutrina, como costume de vida, como elaborador de mitos. Na Idade Média, encontramos uma sociedade feudal, com pouca mobilidade social e pouca harmonia; uma sociedade aonde os homens possuem papéis bem delimitados. A sociedade e o homem medieval são produtos da mentalidade cristã e com uma divisão bem clara de classes, existiam “[...] monges que se dedicavam ao culto e ao estudo de um lado, e do outro, os escravos, os servos e os conversos, destinados ao trabalho” (PONCE, 1981, p. 91). No período feudal, a criança, mais especificamente o menino, ficava na casa paterna até completar sete anos, depois, passava a viver com um nobre que lhe ensinava as artes da guerra a as maneiras da paz. “A tradição pretende que desde os tempos feudais os jovens nobres se reuniam junto do príncipe numa espécie de escola de pajens [...]” (LUZURIAGA, 1984, p. 21) Já as filhas dos nobres eram educadas também no início da vida, na casa materna, porém posteriormente passavam a viver em casa de família estranha. Naquela sociedade a menina aprendia a tarefas domésticas, tecer e fiar. Assim ficavam recolhidas até a época do matrimônio. A cultura da sociedade medieval era desenvolvida no castelo do feudatário ou nas igrejas sobretudo nos mosteiros. Segundo Luzuriaga (1984), a educação ocorria nos mosteiros com prioridade para o ensino religioso e, substancialmente, 10 para o ensino cultural e educacional. Assim o aspecto moral e espiritual era muito mais elevado do que o aspecto intelectual. A partir do século IV, começa a aparecer um tipo de escola cristã, voltada para a vida religiosa e que nada mais possuía de escola antiga “[...] esta escola, porém, de inspiração já totalmente medieval, permanece por longo tempo propriedade de um meio particular e pouco se irradia exteriormente. Trata-se da escola monástica” (MARROU, 1971, p. 502). Era perceptível a divisão entre o que era instrução para os monges e o que era destinada para a plebe. Por meio de monastérios, considerados como as primeiras escolas medievais e as únicas universidades, a Igreja tomou em suas mãos a instrução pública e dividiu o ensino em duas categorias “[...] umas, destinadas à instrução dos futuros monges, chamadas “escolas para oblatas”, em que se ministrava a instrução religiosa necessária para a época e outras, destinadas à “instrução” da plebe, que eram as verdadeiras “escolas monásticas” (PONCE, 1981, p. 91). Essas escolas formariam as massas campesinas com as doutrinas cristãs e seu intuito era tornar essas famílias dóceis e de fácil conformação. As escolas monásticas do oriente recebiam por meio dos Padres do deserto do Egito numerosas crianças. Quando as crianças estavam na escola, os monges tinham que arcar com a educação delas “[...] a criança, como todo noviço, é confiada a algum venerável ancião, cheio de experiência e de virtude, que lhe servirá de pai espiritual. Receberá dele, especificamente, uma formação ascética e moral, espiritual antes que intelectual” (MARROU, 1971, p. 502). As crianças, admitidas nos monastérios desde seus primeiros anos, eram apresentadas por seus pais, e educadas por um ancião, iniciadas nas letras com o objetivo de estudar a Bíblia. Há que se citar São Basílio de Cesaréia, que, durante seu episcopado, por volta do ano 370, organizou a vida monástica, e dentre outras coisas, deixou obras ascéticas e litúrgicas, destacando-se entre elas as Regras 11 Monásticas. Ele se preocupou com a educação e acenava para importância da seleção das leituras. Segundo Marrou (1971, p. 503), São Basílio possuía uma notável pedagogia, na qual determinava à criança que, uma vez que aprendido o silabário, ela aprenderia a ler nomes isolados, depois máximas, e em seguida pequenas anedotas: ao repertório mitológico da escola grega, a Regra substitui nomes dos personagens bíblicos, versículos dos provérbios e das histórias santas. Em meados do século VII, está posta uma educação que serve à Igreja, direcionando-a para o noviço ou oblato, que é o menino-monge. O ensino era por meio da leitura, memorização, do cálculo e do canto. A formação de monges começava muito cedo, aos seis ou sete anos e ia até os quatorze ou quinze anos. Nesse período as crianças que não fossem filhos de servos poderiam entrar para um convento para obter o lado intelectual, erguendo, desse modo, uma barreira entre a sua cultura e a cultura das massas. Diferentemente de São Basílio, temos São João Crisóstomo, o grande Doutor de Antioquia3, chamado o Boca de Ouro, ele não se preocupava com a educação e sim com a formação moral e religiosa dedicada aos pais, que são os primeiros e os principais educadores. Segundo Nunes (1978), grande parte dos ensinamentos de São João Crisóstomo destinava-se a preparar os jovens para a vida monástica só assim, segundo o santo, era possível compreender a forma como criticava a vida mundana e os prazeres dos sentidos. Na obra, os Sermões sobre Ana, São João Crisóstomo faz também grandes exposição sobre a educação dos filhos e adverte o cuidado que se deve tomar com a educação religiosa e precaução ante as ameaças da castidade. “[...] É preciso que evitem os espetáculos teatrais e as cantigas dissolutas e voluptuosas, para que não lhe fascinem a alma” (NUNES, 1978, p. 153). Nas homilias, o santo fez menção à educação de crianças, em que ele insiste sobre o dever dos pais quanto à educação cristã dos filhos, e conclama os pais a cuidarem da preservação da castidade das crianças. Na obra Homilia sobre viúvas - 3 Era uma cidade antiga erguida na margem esquerda do rio Orontes; é a moderna Antaquia, na Turquia). 12 In illud vidua eligatur-, ele trata sobre a questão da correção que os pais devem ter para com os filhos se não quiserem ter aborrecimentos futuros. Os pais deveriam se empenhar na educação dos seus filhos para que estes alcançassem a salvação eterna. A responsabilidade dessa má educação era dos pais que poderiam alimentar, neles, a vaidade, o orgulho e o amor pelo luxo.A educação começa desde bebê e as virtudes devem tornar-se hábitos antes da criança ter chance de ter contato com os vícios. “Por isso, diz o santo doutor, desprezemos tudo isso, e velemos pelos filhos, para que participem conosco da cidade celestial, educando-os, desde o mais tenros anos, na disciplina do céu [...].” (NUNES, 1978, p. 154) Ainda para Nunes (1978, p. 81), com o passar dos tempos, as escolas monásticas foram decaindo, a ponto de serem considerados anos obscuros da Idade Média, principalmente os que se referem entre os anos de 600 a 850. Preocupados com a educação, nos séculos VIII e IX, dois grandes monarcas: Carlos Magno em seu império e Alfredo, o Grande, na Inglaterra, pensaram numa escola voltada também para o povo, e uma educação que suprisse as deficiências nas escolas eclesiástica e secular. Essa educação seria palatina e estatal. Alfredo, o Grande, também preocupado com a educação, seguiu os passos de Carlos Magno e segundo Luzuriaga (1984, p. 82), criou uma escola palatina freqüentada pelos nobres e também por moços de origem humilde. Alfredo reconhecendo o estado precário da cultura dos eclesiásticos baixou Proclamações e Editos. Uma das Proclamações, em 789, ordenava que fossem criadas escolas em todas as paróquias para que as crianças pudessem aprender a ler. “[...] Nos mosteiros ensinar-se-iam os salmos, os sinais da escrita, os cânticos, a gramática e os livros sagrados.” (LUZURIAGA, 1984, p. 82). O autor segue informando que no ano de 802 outra proclamação, voltada para os senhores, tinha como ordem que todos mandassem os filhos à escola para estudar as letras e que o menino permanecesse até ser instruído nelas. Na Idade Média encontramos outro tipo de educação, a cavalheiresca, ainda no período de Carlos Magno. Esse tipo de educação era destinada ao 13 primogênito, deixando na pobreza e sem função social os filhos caçulas. A criança nobre ficava sob os cuidados maternos até aos sete anos, quando completasse a referida idade, poderia desenvolver por meio de iniciações sucessivas sua formação como cavaleiro. Aos quatorze anos era promovido a escudeiro, assim poderia acompanhar o seu cavaleiro às guerras, torneios e caçadas. Aos vinte e um anos era armado cavaleiro. Como podemos perceber a educação, para os jovens nobres, da época medieval, era direcionada para atividades como a caça, o arco, a equitação, o tiro, o xadrez. Luzuriaga (1984, p. 84) esclarece que a educação do menino cavaleiro, antes de seis ou sete anos, ocorria no seio da família, no próprio palácio. Ao atingir a idade já mencionada, o pequeno cavaleiro, iria para outro palácio servir como pajem a serviço das damas. O conteúdo da educação de cavaleiro era muito pobre do ponto de vista intelectual. Havia os que não sabiam nem ler e escrever que compensavam com destrezas físicas e corporais. Destaca Cambi (1999, p. 161) que a formação cavalheiresca demonstrou-se pautada na instrução religiosa e militar, voltada com mais intensidade para os valores cristãos em defesa dos fracos, de justiça, de idealização da mulher e do amor, mas também nos princípios da aventura, de honra e da coragem. Enfim, a Cavalaria se constituiu como instituição de iniciação com obrigação de formar a criança desde a sua moral até o desenvolvimento de sua identidade espiritual. O cavaleiro deveria reunir qualidades como: valor, honra, fidelidade, proteção, cortesia. Considerações finais Entende-se que a educação da criança está associada à cultura, ao momento histórico e aos papéis determinados pela sociedade. Estes papéis dependem da classe social-econômica em que ela e sua família estão inseridas. A análise da educação da criança deve ser vista como um todo considerando as relações sociais e de produção existentes na realidade. 14 No mundo antigo, a educação teve como centro a família. De forma rígida, o pai era o educador, agia severamente e com forte ação ideológica, tendo inclusive direito sobre a vida e a morte da criança. Na cidade de Esparta, a criança, no caso, o menino, ao atingir a idade de sete anos, tinha sua educação voltada para a guerra, sem preocupação com a alfabetização. Em Atenas, a família tinha participação na educação da criança, uma educação voltada ao amor à pátria e aos deuses. De uma instrução guerreira, com Esparta, agora em Atenas, iniciava-se uma instrução voltada para a escrita. Assim, aos poucos, de um ensino de caráter militar passava-se para o ensino das letras. Um ensino menos rígido, mais alegre e humano com a paidéia. Em Roma, na Antigüidade, o pai tinha o papel central na educação dos filhos, responsável por formar o civis romanus, porém a mãe também tinha o seu papel e participava da educação da criança para formá-la em seus aspectos espiritual e material. A educação da criança, a princípio, era de responsabilidade da mãe até aos sete anos e, a partir desta idade, o pai é quem conduziria a educação, que era de forma rígida e abarcava a moral até os estudos das letras. Quintiliano coloca a importância da educação da criança desde a tenra idade e aponta a família como responsável pelo início dos ensinamentos. A pedagogia de Roma foi marcada pela sua rigidez, as crianças apanhavam para aprender, elas estendiam a mão à palmatória. Com o passar dos tempos, uma educação mais amena foi surgindo e a brincadeira começou a fazer parte da educação das crianças. Na época medieval, os monastérios estavam reservados para um pequeno grupo de clérigos (sobretudo do sexo masculino), de todas as idades. Como a religiosidade era intensa na Idade Média, sua educação tinha como princípios ensinar com propriedade, respeitar as singularidades do processo de aprendizagem, incentivar as boas obras, buscar a evolução espiritual contínua e punir com rigor e rapidez os que cometessem infrações. As diretrizes eram muito claras entre os responsáveis pela educação disseminada nos mosteiros do período 15 medieval. As crianças eram educadas entre rezas, brincadeiras e trabalhos, sob a orientação dos pais, dos mestres, e particularmente das mulheres. Tanto na Antigüidade quanto no período medieval, podemos denotar a preocupação com a educação da criança, porque são mais fáceis de assimilar, de se tornarem dóceis quando ensinadas desde a mais tenra idade. REFERÊNCIAS ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1998. CAMBI, Franco. História da pedagogia. São Paulo: Editora da UNESP, 1999. LUZURIAGA, Lorenzo. História da educação e da pedagogia. 15ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1984. MARROU, Henri-Irénée. Historia da educação na antiguidade. 2ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1971. NUNES, R.A.C. História da educação na antiguidade cristã: o pensamento educacional dos mestres e escritores cristãos no fim do mundo antigo. São Paulo: 1978. PONCE, Aníbal. Educação e luta de classes. 2ed. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1981.
Compartilhar