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Direito como Fato Social

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4
DIREITO COMO FATO
SOCIAL"
-
o direito reflete a realidade, especialmente as formas de interação e
os valores predominantes. A sociedade identifica-se pelos valores focais e
pelos elementos que lhe norteiam a estrutura
Fazemos uma distinção entre causas e fontes do direito. Aquelas são
inatingíveis, enquanto estas podem ser identificadas.
Como controle social, o direito tem função determinada ao definir os
status e os papéis sociais. Ele define também a polarização do compor-
tamento esperado e os limites para determinar o comportamento desviado.
A legitimidade é invocada como garantia do que é correto e indis-
cutíveL Importa, porém, ressaltar-lhe a relatividade com referência às
características do momento histórico. (
4.1 FORMAS DE SOCIABILIDADE E DIREITO
o direito é função das formas de sociabilidade predominantes no grupo social.
Embora essas formas impliquem classificação - isto é, categorias a partir de crité-
rios voltados para o objetivo da análise ou da pesquisa, portanto arbitrários - veri-
fica-se correlação com o direito.
Por formas de sociabilidade entendem-se tipos de interação e, no caso pre-
sente, os que se apresentam predominantes. Podemos citar, por exemplo, as for-
mas conhecidas, conforme as classificações de Durkheim e Gurvitch.
DIREITO COMO FATO SOCIAL 81
Durkheim, em De la division du travail social, caracteriza duas principais for-
mas de sociabilidade: solidariedade mecânica e solidariedade orgânica. O direito
como símbolo visível da solidariedade encontra-se refletido nelas. A sociedade evo-
lui de um tipo de solidariedade original ou mecânica para a solidariedade orgânica.
Predominando a solidariedade mecânica, prevalece o direito penal. Com
efeito, nela o grupo sobrepõe-se aos indivíduos socialmente semelhantes, fundi-
dos no grupo. As sanções são fundamentalmente repressivas, a saber, censura, de-
sonra, privação da liberdade, punição corporal, pena de morte. Constitui crime
toda ação que coloque em risco as semelhanças sociais.
Predominando a solidariedade orgânica, prevalecem os tipos de direito: con-
tratual, familial, comercial, processual, administrativo e constitucional. A solida-
riedade orgânica caracteriza as sociedades diferenciadas. As sanções visam ao
restabelecimento da normalidade das relações - restauração da ordem - prote-
gendo'a diferenciação social em funções especializadas. O direito é do tipo "resti-
tutivo", isto é, assegura a livre divisão do trabalho social,
Gurvitch, em Sociologia jurídica, analisa três principais formas de sociabili-
dade: massa, comunhão e comunidade.
Massa. Caracteriza-se pelo grau mais fraco de fusão e o mais forte de pressão
social. Há exclusividade do direito objetivo de modo a predominar os direitos do
conjunto sobre os direitos individuais e, conseqüentemente, os deveres individuais
são maiores do que os deveres do conjunto para com os indivíduos.
Comunhão. Caracteriza-se pelo grau mais forte de fusão e o mais fraco de
pressão, com exclusividade do direito objetivo. É a forma de sociabilidade mais
propícia às crenças morais e mágico-religiosas do que às crenças jurídicas. Obser-
ve-se que a comunhão só encontra condições favoráveis a concretizar-se em pe-
quenos grupos, contando com líderes carismáticos.
Comunidade. Caracteriza-se pelo equilíbrio entre a pressão e a fusão social
e, também, entre direito objetivo e direito subjetivo, Nela, as crenças jurídicas dis-
tinguem-se das crenças mágico-religiosas.
Tanto a análise de Durkheim quanto a de Gurvitch são válidas como roteiro
de considerações sobre as transformações históricas da sociedade global. Esse
approach foi, de certa forma, substituído pelo estudo de grupos restritos. No en-
tanto, ressalve-se que aquele tipo de análise voltou a integrar de modo intenso a
preocupação sociológica com o processo de globahzação.
4.2 CONDICIONAMENTOS SOCIOCULTURAIS E
ECONÔMICOS DA NORMATIVIDADE
Georges Gurvitch considera que o direito representa uma tentativa para rea-
lizar, numa sociedade, a idéia de justiça, por meio de um normativismo multilate-
Gateway
Highlight
Gateway
Highlight
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Highlight
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Highlight
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Highlight
Gateway
Highlight
82 DIREITO: FATO E NORMA
ral imperativo-atributivo (direitos e deveres), cuja legitimidade se encontra nos
fatos normativos que garantem sua eficácia.
As diversas conceituações de justiça remetem-nos diretamente à etimologia,
considerando que justo é o que é certo. Ora, tal conceito é função do que determi-
nada sociedade - configurada geográfica e historicamente - conceba como "justo"
e "certo". Então, temos que ter presente que a sociedade, segundo Talcott Par-
sons, é um tipo de sistema social que conta como subsistemas a ação humana, o
organismo comportamental, a personalidade do indivíduo e a cultura.
Integrando o sistema social, o }lireito reflete a realidade, de modo especial o
embasamento axiológico e as formas de sociabilidade predominantes.
A base morfológica parece, segundo Halbwachs, exercer influência mais in-
tensa sobre o direito e a economia do que sobre a religião. O direito, mais do que a
religião, acha-se ligado à realidade externa, às próprias forças coletivas e às pessoas.
Verifica-se uma íntima ligação entre direito e economia. Marx identifica a so-
ciedade com a totalidade das relações de produção, considerando o direito uma
projeção dessa realidade. R. Stammler atribui precedência ao direito sobre a eco-
nomia. Enquanto Marx considera o direito como integrante da superestrutura,
Stammler confunde a realidade social com suas superestruturas. Ambos, entre-
tanto, identificam sociedade com economia. Gurvitch pondera que o direito regu-
la atividades que não são diretamente econômicas, e que só pode ser aceita a
posição que tem em conta ora a economia como fator da realidade jurídica, ora o
direito condicionando a realidade econômica.
É óbvio que a sociedade concreta e o direito influenciam-se mutuamente.
Assim, as diversas dimensões do social- morfológicas e funcionais - condicionam
o direito e são por ele condicionadas.
De modo mais preciso, importa-nos expor que o fenômeno jurídico assume
duas caracterizações distintas, mas correspondentes e complementares: norma e
conduta. A conduta é normada e normante. Anorma, por sua vez, quase sempre se
origina da conduta.
O direito reflete o estágio histórico-cultural e o complexo axiológico da so-
ciedade. Por isso, o direito não pode ser diferente da sociedade onde ele nasce e
sobre a qual exerce o controle. Considerando-se o direito objetivo como depen-
dente dos interesses das classes dominantes, a aceitação canoniza esses interes-
ses e define sua correspondência com a sociedade.
Permanecendo a contestação da sociedade simplesmente na reclamação, os
detentores do poder abafam-na, ignorando-a e exercendo a coerção para o cum-
primento das normas. A retração da sociedade fortalece o establishment.
Passando, porém, das palavras à contraposição de fato, dois caminhos apre-
sentam-se para sua efetivação. O primeiro é o caminho institucional: apresentar
aos poderes constituídos seus anseios e necessidades para a reformulação do con-
trole, ou, nas eleições seguintes, procurar eleger representantes que se identifi-
DIREITO COMO FATO SOCIAL 83
quem com a sociedade. O segundo é a via revolucionária: articular-se para a
tomada do poder. No Brasil, parece que ainda pontifica a contestação oral aliada
a um conformismo fatual.
os
4.3 FONTES DO DIREITO E FATORES DA EVOLUÇÃO
DO DIREITO
Tendo em vista os condicionamentos da normatividade e sem nos atermos às
discussões jurídicas quanto a se falar em fontes do direito, é possível identificar
quatro pilares que o embasam: costume, lei, doutrina e jurisprudência.
Costume: são práticas consideradas essenciais, indiscutíveis e sagradas pelos
) membros do grupo.
Lei: preceito formal ditado pela autoridadeestatal e tomado obrigatório
para manter a ordem e o bem comum de uma comunidade.
Doutrina: conjunto de princípios que servem de base a um sistema jurídico e
de meio para, em casos concretos, elucidar e complementar as normas positivas.
Jurisprudência: conjunto de interpretações de normas formuladas pelos tri-
bunais na solução de casos concretos.
Não podemos nos furtar de tecer considerações sobre a análise de Niklas
Luhmann. Escreve ele:
e.
''A diferenciação entre a ciência jurídica e a sociologia está relacionada
ao fato de que a concepção de uma 'fonte do direito' é inaceitável para a
sociologia. Essa concepção de uma fonte do direito só tem sentido se expressar
ao mesmo tempo a forma de surgimento e as bases da vigência do direito (e
freqüentemente também asformas e as bases de sua percepção). Para o sociólogo,
porém, osprocessos fatuais que levam, em termos causais, ao surgimento de
concepções normativas generalizadas são tão amplos e intrincados, ao ponto
de tornarem impossível a determinação 'das' causas do surgimento da lei"
(Luhmann, 1985, v. 2:7).
e
. e
se
°e
A busca das causas - com base na realidade empírica - "do surgimento de
concepções normativas generalizadas" r~:almente constitui um trabalho quase im-
possível. No entanto, surgimento e bases da vi~ência do direito - no caso, positivo -,
não nos impossibilitam sua identificação. E necessário, porém, não confundir
"fonte" com "causa". Fonte denota origem, embasamento, princípio. Causa é o que
faz com que alguma coisa exista ou, para tomarmos emprestada a precisão filosófi-
ca, "est illud cujus gratia alliquidfit". Então, costume, lei, doutrina e jurisprudên-
cia constituem fontes do direito, mas não sua causa. Como assevera o próprio
Luhmann, "o direito não se origina da pena do legislador" (Luhmann, 1985, v. 2:8).
os
e-
n-
84 DIREITO: FATO E NORMA
o legislador pretende consagrar um costume, reorientá-lo ou impor um tipo de
comportamento. Ternos, então, a lei, isto é, a fonte. O que determina que o com-
portamento se concretize na linha da lei são outros dispositivos de controle qUE
promovam sua eficácia: a consciência, a opinião pública, a polícia, aliadas, eví-
dentemente, à determinação da vontade do indivíduo. Aí emerge a impossibili-
dade de definir a causa.Tudo isso constitui a um tempo causa e efeito. A deter-
minação da vontade responde pela validade de norma e reforça-lhe a eficácia, en-
quanto essa validade e eficácia interferem na determinação da vontade. Um fato!"
depende do outro e, ao mesmo tempo, atua sobre o outro. Estampa-se urna curo-
poiesis. -,
"A decisão judicial, por sua vez, não cria o direito, mas o reconhece (ou não).
Pela imposição de quem dispõe de poder - mesmo que não tenha autoridade -
advém o comportamento que, pela educação, pelo inculcamento, pelas sanções
ou por quaisquer outros dispositivos de coação, acaba por difundir-se no grupo.
Esse tipo de comportamento, assimilado pelo grupo, gera o costume. Então, te-
rnos a impressão de que o consenso gerou esse tipo de comportamento, esse tipo
de direito. Perde-se a lembrança da origem, se é que ao presente histórico chegou
o conhecimento das razões primeiras. A causa é realmente inatingível. As fontes
não.
Assinala Parsons que a manutenção de urna ordem normativa condiciona-se
à interiorização e à imposição. A interiorização de valores e normas sociais, se-
gundo ele, encontra-se subjacente ao consenso, enquanto a imposição junge-se à
necessidade de interpretação oficial das obrigações normativas institucionaliza-
das (ver Parsons, 1969:29).
Há normas morais que se tomam direito positivo, assim corno usos são nor-
matizados. Acrescente-se também a introdução de normas técnicas corno o tipo
de declaração de imposto de renda, o recolhimento do popularmente denomina-
do "imposto do cheque".
Todas as considerações, porém, que se desenvolvam sobre fenômenos sociais
devem levar em conta a configuração espaço-tempo. Nesse particular, os aspec-
tos históricos fluem corno que naturalmente, enquanto os geográficos necessitam,
a cada passo, ser lembrados. Assim corno a ordem normativa não pode separar-se
do elemento geográfico, assim também, entre as funções do governo, inclui-se a
manutenção da integridade territorial. Parsons associa essa função a duas refe-
rências: interna e externa.
"A primeira refere-se às condições para a imposição de normas gerais e
a facilitação de realização de funções essenciais pelas várias unidades da
sociedade. A segunda refere-se à prevenção da interferência perturbadora de
não-membros da comunidade" (Parsons, 1969:30).
O caráter da sociedade deve-se aos valores focais e aos elementos polariza-
dores das condições estruturais. Quando determinada nação passa de urna estru-
de
zor-
~po
a-
. is
c-
-se
- a
refe-
a-
DIREITO COMO FATO SOCIAL 85
tura arcaica para a moderna, os elementos norteadores sofrem modificações e,
portanto, também o sistema de controle social. Atualmente, as transformações
ditas pós-modernas interferem no sistema jurídico, exigindo urna operação ho-
meostática para a nova realidade.
4.4 FUNÇÃO SOCIAL DO DIREITO
o direito é um fenômeno social pela origem, pelo desenvolvimento e pela
aplicação. Nasce da sociedade, desenvolve-se com ela e a ela se aplica. Encon-
tra-se o direito, outrossim, repetimos, configurado no tempo e no espaço.
"O direito é uma ordem que atribui a todo membro da comunidade seus
deveres e, desse modo, sua posição na comunidade, por meio de uma técnica
específica, prevendo um ato de coerção, uma sanção dirigida contra o membro
da comunidade que não cumpre seu dever" (Kelsen, 1995:34).
Integrando o controle social, o direito participa da definição dos status e pa-
péis sociais. Tanto as expectativas de comportamento quanto os limites para defi-
nir o comportamento desviado contam com o Direito.
A sociedade tem corno objetivo principal a paz na convivência dos indivíduos. Do
equilíbrio entre os direitos individuais - aliados ao direito do conjunto - é que
advém a eunomia (estrutura saudável). Logicamente, isso implica ver assegurados
direitos fundamentais, mas também a restrição a outros em benefício de todos.
"Do mesmo modo" - observa Hobbes - "que é necessário para todos os
homens que buscam a paz renunciar a certos direitos naturais, isto é, não ter
liberdade para fazer tudo aquilo que lhes apraza, é necessário também, por
outro lado, para a vida do homem, reter alguns desses direitos, como o de
governar os próprios corpos, o de desfrutar do ar, da água, do movimento,
dos caminhos para deslocar-se de um lugar a outro, e todas aquelas outras
coisas sem as quais um homem não pode viver ou pelo menos não pode viver
bem" (Hobbes, 1998:127).
4.5 DIREITO POSITIVO, LEGITIMIDADE E
LEGITIMAÇÃO '.
o conceito de legitimidade envolve-se hoje com urna aura que se associa ao
que é correto e indiscutível. No entanto, é indispensável lembrar que se trata de
conceito imerso em relatividade.
86 DIREITO: FATO E NORMA
Etimologicamente, legítimo provém do radical latino leg, que se refere à lei.
Historicamente, de acordo com o consenso dos estudiosos do ramo, junge-se à
Idade Média, quando se definia a propriedade como legal e se estabelecia uma
proteção contra tentativa de posse fraudulenta ou por meio da força.
MaxWeber associa legitimidade a garantia interna ou externa. A garantia in-
terna possui base religiosa, afetiva ou racional; a garantia externa baseia-se numa
situação de interesse devido à expectativa de determinadas conseqüências.
Assim, a legitimidade social é atribuída pela tradição, pela convicção afetiva, pela
convicção racional ou pela lei (validade positiva, aceitação da legalidade). No
Quadro 4.1, sintetizamos QS três tipos de legitimidade, segundo Weber.
Quadro 4.1 Tipos de legitimidade.
Legitimidade Características
Tradicional Baseia-se na crença do caráter sagrado das tradições,sendo legítimo o po-
der e os que a ele são convocados em razão do costume
Carismática Baseia-se no valor pessoal do indivíduo que se distingue por virtudes pes-
soais (heroísmo, santidade)
Burocrática ou legal Possui caráter racional e impessoal, baseando-se na validade das normas
estabelecidas racionalmente, sendo legítimo o poder e os que a ele são con-
vocados nos termos da lei
Evidentemente, a legitimação obedece às diversas dimensões da cultura, so-
bretudo distinguindo-se o valor no domínio do agir e do fazer.
Valor pode ser conceituado como o caráter do objeto material ou imaterial,
ou da conduta, a que se atribui uma estima (ou desejo) pela importância, previa-
mente estabelecida, de que se reveste em dada configuração.
Na relação entre o sujeito (individual ou grupal) e o objeto, estabelece-se
uma avaliação. Dessa relação advém o valor. Evidentemente, devemos ressaltar
que tal avaliação pode ser - e quase sempre é - induzida pela ação dos grupos do-
minantes. No contexto jurídico e político, faz-se presente o "arbitrário cultural" -
a que se refere Bourdieu - sem excluir a estereotipia determinada pela "indústria
cultural", para usarmos a expressão de Adorno.
Referindo-se o valor ao objeto, temos o domínio do fazer. Volvendo-se, po-
rém, para a conduta do sujeito, define-se o domínio do agir.
Fazer. Implica a utilidade ou a estética. O primeiro caso define a técnica; o
segundo, a arte. Em ambos os casos, o valor integra o objeto. As regras que se es-
tabelecem para o fazer definem-se como normas hipotético-condicionais: se fo-
rem seguidas, o resultado será técnica ou artisticamente objeto de avaliação
in-
DIREITO COMO FATO SOCIAL 87
positiva. Por exemplo, se o sujeito dispuser corretamente os circuitos, chips e ou-
tros componentes, o aparelho resultante será tecnicamente "bem feito", isto é, útil
para o fim a que se destina.
Agir. Implica o bem do sujeito. O valor volve-se para o sujeito. As regras que
se estabelecem para o agir definem-se como normas usuais, normas morais, nor-
mas jurídicas, dotadas de poder coercitivo. Conforme o grau de rigor das normas,
bem como a presença ou não de controle burocratizado, assim caracterizar-se-á a
natureza da conduta. Os usos e costumes distinguem-se pelo rigor das sanções às
condutas que os contrariam. A conduta contrária aos usos conta com sanções
mais leves do que em relação aos costumes. Com efeito, se aqueles são considera-
dos de grande importância para o grupo, estes assumem caráter de "sagrado". Já
as normas jurídicas prevêem sanções ditas racionais, aplicadas por meio de "espe-
cialistas" e de um ritual burocratizado.
A congruêncía do direito manifesta-se estruturalmente em dupla dimensão:
confirmatória e desviada. A estrutura pauta-sê por expectativas de comportamen-
to. Obviamente, essas expectativas são polarizadas pelo ideal- alicerçado em va-
lores e pragmatizado em modelos, padrões e normas - que nos permite identificar
o caráter da sociedade em causa. Entretanto, encontram-se comportamentos que
se desviam das expectativas. "A organização social considera a estrutura - eunô-
mica e disnômica, tradicional e nova - e a ação social funcional e/ou disfuncional
em relação à estrutura ou estruturas respectivas" (Castro, 2003:154). Tanto as-
sim que as expectativas de comportamento levam em conta tanto os comporta-
mentos convergentes para o ideal quanto os divergentes e os marginais. No
primeiro caso, temos o comportamento real correspondente ao comportamento
esperado. No segundo caso, temos o comportamento desviado permitido - respei-
tando os limites da lei e da moral- e sancionável- que ultrapassa esses limites.
Segundo Luhmann, "é necessário ver e pesquisar o direito como .estrutura e a
sociedade como sistema em uma relação de interdependência" (1983:15). Consi-
dera, outrossim, o direito, atualmente, como uma construção complexa, enten-
dendo por complexidade não apenas o que é legalmente permitido, mas também
o que é legalmente proibido. Envolve, assim, todas as possibilidades de ação como
relação de sentido.
Em razão disso, considera que o direito não é primariamente um ordena-
mento coativo, mas sim um alívio para Asexpectativas.'.
"O alívio consiste na disponibilidade de caminhos congruentemente
generalizados para as expectativas, significando uma eficiente indiferença
inofensiva contra outras possibilidades que reduz consideravelmente o risco
da expectativa contrafática. A coação relevante para o direito em termos
constitutivos reside na obrigatoriedade de selecionar expectativas, a qual,
por seu lado, em poucos mas importantes casos pode motivar a imposição de
determinados comportamentos" (1983:115).
88 DIREITO: FATO E NORMA
o sistema é confrangido pela limitação das possibilidades. Com efeito as nor-
mas se estabelecem tendo em vista determinado(s) objetivo(s), isto é, visando à
preservação de determinados valores individuais ou grupais. No entanto, a una-
nimidade para essa determinação inexiste, assim como o consenso não constitui
epifenômeno que brota da sociedade como fruto de participação e de contempla-
ção de todos os interesses particulares.
No entanto, se consenso é pressuposto doutrinário apresentado como interes-
se da coletividade, realmente define a imposição dos grupos dominantes. Então, o
comportamento desviado não está harmonicamente relacionado com as expecta-
tivas, mas participa delãs dialeticamente, como negação dos valores impostos
como nucleares, dos padrões estabelecidos ou da maneira como são estabelecidos
em normas. Observe-se que a negação dos valores implica a negação do complexo
estrutural em sua totalidade.
4.6 APLICAÇÃO
1. Analisar o texto de Thomas Hobbes.
"Domesmo modo que é necessáriopara todos os homens que buscam a
paz renunciar a certos direitos naturais, isto é, não ter liberdade para fazer
tudo aquilo que lhes apraza, é necessário também, por outro lado, para a
vida do homem, reter alguns desses direitos, como o de governar os próprios
corpos, o de desfrutar do ar, da água, do movimento, dos caminhos para
deslocar-se de um lugar a outro, e todas aquelas outras coisas sem as quais
um homem não pode viver ou pelo menos não pode viver bem" (1998: 127).
2. Relacionar direitos e formas de interação social.
3. Explicar por que a conduta é normada e normante.
4. Fazer uma distinção entre fontes e causas do direito.
5
CONTROLE SOCIAL E
DIREITO
Muito se repete que o domínio humano configura-se na história. Os
fenômenos encadeiam-se em determinado tempo e lugar.
Na história, colhemos o legado cultural que nos oferece condições de
entender o presente. Recorrendo, porém, à história temos a impressão
evolutiva de experiências passadas para a realidade atual. A reconstrução
não pode fazer-nos olvidar os momentos de conflitos.
O controle social apresenta-se de dois tipos: informal e formal.9 controle
informal exerce-se sem dispositivos burocráticos, enquanto o controle
formal conta com instituições especializadas para exercê-Io.
A coerção integra o direito de sorte que as normas jurídicas estabelecem
sanções se forem descumpridas.
Na sociedade em mudança estrutural, ocorre a anomia, isto é, os
comportamentos reais não se harmonizam com os valores considerados
básicos. É o momento crucial que exige atuação dos detentores do poder para
l<
inovar ou movimentos sociais. eficientes que exijam ou promovam as
mudanças necessárias visando à eunomia.
5.1 CONTROLE INFORMAL E CONTROLE FORMAL
A conduta humana, qualquer que seja, vincula-se a uma avaliação. Basica-
mente, o critério avaliador é o bem ou a satisfação do sujeito-agente. A ação hu-
90 DIREITO: FATO E NORMA
mana orienta-se por elementos polarizadores. MaxWeber, por exemplo, apresentou
quatro idealtipos de ação, conforme o elemento polarizador.! Não é incomum
ouvirmos a frase: "fiz isso à toa". Evidentemente ela não significa que a ação não
foi avaliada,mas que o elemento polarizador tem pouco significado ou que o sujei-
to não pretende divulgar o aludido elemento. Melhor identificável constata-se
quando ajustificativa é: "fiz porque quis". O "querer" pode traduzir-se por satisfa-
ção, vantagem, valor para o sujeito. De outra perspectiva encontra-se a cobrança
quanto a determinado procedimento ("por que você fez isso?") ou a exigência de
explicação para alguma atitude ("não é possível que você tenha-se comportado
dessa maneira!").
Tornemos, por exemplo, o paralelo assaz repetido entre a família e a nação.
A família - composta de pai, mãe e filhos solteiros - é um grupo cuja manutenção
se garante pelo controle informal. Vale dizer, o relacionamento familiar não exige
ritualização de controle para sua persistência. À nação, porém, não basta o con-
trole informal. Exige ela o controle formal.
Podemos conceituar controle social corno: "conjunto de dispositivos sociais-
usos, costumes, leis, instituições, sanções - que objetivam a interação social dos
indivíduos, o estabelecimento da ordem, a preservação da estrutura social, alicer-
çado nos valores e expresso na imposição de vontade dos líderes, da classe domi-
nante ou do consenso grupal" (Castro, 2003:93).
Na prática, o rigor da sanção decorrente da transgressão da norma é o que
nos permite identificar o grau do valor e seu significado para o grupo.
Considerando-se os grupos sociais, usos, costumes e leis embasam-se em va-
lores considerados importantes para a organização, manutenção da estrutura,
persistência do grupo. Diz-se que os usos se definem pela repetição de determina-
das práticas consideradas válidas para circunstâncias determinadas. Assim tam-
bém, quando algum valor é considerado fundamental para o grupo, a repetição
de condutas provoca o aparecimento do costume. Os usos pertencem a práticas
ditas superficiais, enquanto o costume volta-se para procedimentos que se referem
a valores considerados "sagrados". No que tange às leis, sua elaboração depende de
urna necessidade de preservar burocraticamente um costume ou de e~tabelecer
racionalmente um comportamento (base moral) ou prática (base técnica).
O controle informal- expresso em usos, costumes e opinião pública - é exercido
sem dispositivos burocráticos. As sanções - do tipo "desconsideração social" - variam
da reprovação à marginalização por parte do grupo. Um comportamento que se des-
vie dos usos provoca reprovação manifesta corno "malvisto'', "mal-educado".
Os costumes (mores) avaliam a retidão dos atos humanos. Os costumes com-
preendem normas de conduta relativas tanto à vida individual quanto à grupal,
tendo em vista os objetivos sociais e as expectativas de comportamento. "O domí-
1. Os quatro idealtipos de ação humana, segundo Max Weber, são: wertrational, zweckrational,
traditional e affektuel (racional por valor, racional por fim, tradicional e emocional).
al,
CONTROLE SOCIAL E DIREITO
nio interno pertence à consciência moral e filia-se ao individual (evidentemente
indivíduo socializado, indivíduo em um contexto sociocultural). Esse domínio in-
terno envolve três elementos: intelectual, polarizador e ativo. Por meio do ele-
mento intelectual formam-se os juízos de valor. A polarização junge-se ao bem
objetivado. O elemento ativo compreende a determinação da vontade" (Castro,
2003:96).
Nesse caso, as sanções ao desvio de comportamento são mais severas, che-
gando a excluir do grupo o indivíduo porque é um "mau caráter", "não merece
participar do meio".
Por sua vez, a opinião pública opera em nível de massa, mostrando-se favo-
rável ou desfavorável. É ela cortejada sobretudo pelos políticos que desejam
identificar-se sempre com o bem do povo. A opinião pública desfavorável leva à
marginalização da pessoa, do agrupamento ou do produto que é apresentado
para o consumo.
O controle formal, que se exerce com dispositivos burocráticos, é a lei. À pre-
visão do comportamento adicionam-se também os tipos de sanção que são aplica-
dos obedecendo a urna graduação. Para tanto, o controle formal conta com insti-
tuições especializadas em exercê-lo.
No Quadro 5.1, citamos exemplos da manifestação do controle exercido pe-
los usos, costumes e leis, mencionando, no último caso, embasamento de normas
formais.
Quadro 5.1 Exemplos de controle informal e formal.
Tipo de controle Exemplos
Usos Moda, procedimento à mesa nas refeições, cumprimentos
Costumes Respeito aos pais, solicitação de licença para entrar num domicílio
Leis Base (1) uso: dirigir os veículos pela direita
(2) costume:"casamento monogâmico
(3) técnica: imposto de renda na fonte
5.2 DIREITO COMO CONTROLE SOCIAL
Edward Alsworth Ross (1866 a 1951) - um dos pioneiros da Sociologia nos
Estados Unidos, ao lado de Small, Giddings, Park e Cooley - desenvolveu a teoria
do controle social a partir de dois princípios: (1) a distinção entre influências so-
ciais e controle social, e (2) a idéia de ordem.
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92 DIREITO: FATO E NORMA
1. Distinção entre influências sociais e controle social:
Influências sociais compreendem a pressão psicológica, a estimulação ou a
sugestão da sociedade sobre o indivíduo como manifestação de forças sociais. O
controle social envolve instituições normativas e ajustamentos coercitivos, desti-
nados a reprimir o comportamento indesejável e incentivar o comportamento de-
sejado.
2. A idéia de ordem: >t
A ordem na vida social não é instintiva e espontânea, porém o produto do
controle social, e nele se firma. Desde que é impossível sociedade sem ordem, o
controle social é o elemento constitutivo indispensável da realidade social.
Charles Abram El1wood (1873 a 1946) - seguidor das idéias de E. A. Ross-
insiste na idéia de que o controle social apóia-se no "idealismo social" e na com-
preensão dos aspectos espirituais da sociedade, representados pelos valores cul-
turais superiores, idéias e ideais, que disciplinam a conduta. As espécies de
controle social reduzem-se às que contribuem para criar a ordem social, ou seja, a
moral social, o direito, a religião e a educação.
Charles Horton Cooley (1867 a 1929) considera o controle social- cuja re-
gulamentação é dirigida por idéias e valorações - como um processo imanente à
própria constituição da sociedade e que a ela se impõe. O controle manifesta-se
tanto nas sociedades globais (inclusive society) quanto nos grupos parciais. Cooley
diverge de Ross, ressaltando a diferença entre o controle social implícito (incons-
ciente) e o controle social institucionalizado (racional).
Embora exista concordância quanto a constituir o direito um fenômeno de
controle social, a definição do que seja controle não exclui controvérsias.
O controle social leva em conta quatro fatores: valor, norma, vontade e ação.
Esses fatores definem-se, respectivamente, como fundamento, disposição, determi-
nação e ato correspondente ao controle. (
Considerando que a coerção é ínsita ao direito, Hans Kelsen conclui que
"as normas que formam uma ordem jurídica devem ser normas que estipulam
um ato coercitivo, i. é, uma sanção. Em particular, as normas gerais devem
ser normas nas quais certa sanção é tomada dependente de certas condições,
sendo essa dependência expressada pelo conceito de 'dever ser'" (Kelsen,
1995:48).
5.3 CONFLITO E ORDEM
Como reflexo natural ou como postura mental difundida, há uma tendência
de considerar as mudanças sociais como processo paulatino tendendo ao progres-
CONTROLE SOCIAL E DIREITO 93
so. Explicitamente sobrevive a idéia de na história o homem ter passado de uma
fase primitiva para uma civilizada ou, ainda, de uma passagem do simples para o
complexo.
Émile Durkheim levou em conta o direito primitivo e o atual como a passa-
gem da predominância da solidariedade mecânica e do direito penal para a da so-
lidariedade orgânica e do direito contratual.
Max Weber, sem associar-se ao evolucionismo, tipifica o direito e as socieda-des baseado em três princípios legitimadores: carisma, costume e lei. No entanto,
liga a sociedade atual à racionalidade embasada na lei e contando com institui-
ções especializadas (burocracia) de controle social.
Embora importante, a questão principal não se encontra na oposição entre
primitivo e civilizado, irracional e racional. O que tem que ser levado em conta é a
extensão do grupo. A formalização do controle - e concomitante racionalização
aliada à solidariedade orgânica - processa-se como função da eficácia do controle.
Comparando uma tribo indígena com uma nação politicamente organizada,
percebemos que a quantidade de indivíduos envolvidos na nação exige padrões
de organização formais para adequação dos comportamentos. Com efeito, na
vida tribal, tanto a organização, em geral, quanto o controle, em particular, têm
como suficiente a autoridade dos chefes, isto é, o controle informal baseado em
usos e costumes.
Na vida familiar, ainda hoje, temos essa preponderância. Evidentemente, a
lei e a burocracia jurídica são invocadas para solução de conflitos devido à con-
fiança na eficácia do direito mais do que na disputa pessoal (ainda sobrevivente).
Acontece que, atrelados à história, por ser concreta - uma vez que o futuro se
associa à utopia -, colhemos as experiências e buscamos condições de persistência
do grupo no legado cultural. Só então perseguimos novas experiências e tentati-
vas de equacionamento para os problemas presentes.
Esse recorrer à história projeta a impressão evolutiva de experiências passa-
das para a realidade atual. Aliás, a pretensão de associar simples a primitivo e
complexo a atual foi contestado por Malinowski. Com efeito, a estrutura de pa-
rentesco de sociedades ágrafas - ditas primitivas - expõe grande complexidade,
até maior que a hodierna.
Ressaltam-se, então, dois fatores: a extensão grupal e os conflitos.
Georg Simmel desenvolveu uma proposta de análise - a partir da díade -
que se difundiu na fórmula: o aumento quantitativo determina mudanças quali-
tativas.
Embora aborrecida a determinadas correntes filosóficas, a proposta de Sim-
mel demonstra validade prática. Imaginemos, por exemplo, um grupo de amigos
que se reúne para uma partida de futebol: decidido o local, em determinada hora
eles se encontram e praticam o esporte por algum tempo ou até atingir um núme-
ro de gols. Esse procedimento causaria tremenda confusão se envolvesse Corin-
94 DIREITO: FATO E NORMA
thians, Palmeiras, São Paulo, Flamengo, Grêmio, Atlético Mineiro; Náutico,
Vitória e outros clubes. Há necessidade - como de fato ocorre - de estabelecer um
calendário com regras bem estipuladas e assim por diante.
Práticas consuetudinárias - usuais e morais - podem ser suficientes para um
grupo de dimensões limitadas. No entanto, para uma nação politicamente organi-
zada é necessária a definição formal de direitos e deveres, bem como a consolida-
ção de usos e costumes.
Por outro lado, nos prupos sociais fazem-se presentes interesses individuais
conflitantes, o mesmo acontecendo entre grupos. A autoridade dos chefes e a dos
costumes, então, mostram-se insuficientes, exigindo-se a formalização jurídica.
Afirmar que o direito exerce mediação formalizante da práxis social lembra-nos
Proudhon (1805 a 1865), que o considerava um princípio regulador do equilíbrio
instável entre as antinomias irredutíveis, constitutivas da própria realidade social.
5.4 SENTIMENTOE IDÉIA DE JUSTIÇACOMO
CONTROLEINFO~
Considerando a consciência moral- como vimos atrás -"encontramo-nos no
domínio interno que envolve juízos de valor, a tendência aos valores e a ação de-
terminada pela vontade.
O sentimento e a idéia de justiça integram a consciência moral de modo ope-
rativo, isto é, constituem valores que não só polarizam, mas também movem à
ação correspondente.
Tratando-se, portanto, de valores interiorizados e reconhecidos como tais e,
por via da conseqüência, convertidos em convicção, exercem um controle sobre a
conduta de maneira também emocional, que se traduz por eficácia.
5.5 MUDANÇASOCIALE DIREITO
A configuração histórica do domínio humano compreende também uma di-
mensão geotemporal. Os fenômenos encadeiam-se em determinado tempo e lu-
gar (ou em determinados tempos e lugares). As características espaciais envolvem
condições geomorfológicas, climáticas, bem como suas variações no "momento
hístóricov.? Na realidade, o registro histórico imediato compõe-se apenas do pre-
sente. Análises ulteriores - muitas vezes provocadas pelas conseqüências - é que
2. Por "momento histórico" entendemos o fato em seu conjunto: antecedentes (causas, fatores,
circunstâncias), ocorrência do fenômeno e suas conseqüências.
CONTROLE SOCIAL E DIREITO
vão levantar as causas, fatores e circunstâncias que provocaram, facultaram ou
determinaram a ocorrência do fato.
Assim, o fato social é dinâmico. Um fenômeno presente não raro é conse-
qüência de um anterior, causa de um posterior e circunstância para outro presen-
te. Para analisá-lo, é necessário delimitar o que o constitui realmente, ou o que
possa interessar para o estudo em questão. Uma só preocupação deve acompa-
nhar o estudioso: cuidar para que a análise do fato não venha a distorcê-lo, transi-
gindo com o não real ou, mais precisamente, com a mentira.
Na Filosofia, desde Aristóteles, encontramos formas de configurar fatos e
idéias. Na teoria do conhecimento, o Estagirita define três graus de abstração: físi-
co, matemático e metafísico. No primeiro grau, o fenômeno encontra-se com to-
das as suas características individuais. Por exemplo, tratando-se de uma pessoa,
será ela levada em consideração com seu nome, família, profissão, documentos
identificadores, residência, religião, tudo enfim que lhe diz respeito. No segundo
grau, a mesma pessoa seria considerada apenas em sua dimensão quântica. No
terceiro grau, o interesse volta-se somente para o ser. Então, no primeiro grau en-
contramos todas as condições individualizadoras, enquanto, no terceiro, as condi-
ções "universais", o "ser enquanto ser".
Edmund Husserl, na análise fenomenológica, usa a expressão colocar entre
parênteses. Trata-se, segundo ele, de um seccionamento do fenômeno em seu pro-
cesso. Seria um congelamento da imagem para melhor possibilidade de análise.
Tomando-se um fato histórico, efetuaríamos tantos congelamentos quantos ne-
cessários para abrangê-lo exaustivamente.
Nas ciências sociais, os métodos de pesquisa também deambulam por essas
"restrições'" necessárias à fidedignidade em relação ao real, indispensáveis devi-
do à amplitude por demais imensa dos fatos. Podemos furtar-nos de repetir os
passos de métodos, como o mono gráfico (Le Play, Gusti), o tipológico (Weber), o
estatístico.
5.5.1 Conceitos
Mudança compreende toda e qlÍalquer passagem de determinado ponto para
outro. Por exemplo, um estudante é promovido de uma série para outra; uma pes-
soa vai de uma cidade para outra, um país colonial toma-se independente.
A mudança traz consigo alterações morfológicas e estruturais, ou somente
morfológicas, ou também estruturais. A substituição constitucional do Presidente
da República, por exemplo, normalmente é apenas uma mudança morfológica.
Com efeito, o país continua estruturalmente o mesmo, em que pesem as substitui-
ções de ministros e da política de governo. Já a mudança de regime político é uma
3. Delimitação metodológica do campo de estudo.
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96 DIREITO: FATO E NORMA
mudança estrutural. Na realidade, verifica-se a substituição nuclear dos valores.
Toda mudança estrutural compreende a mudança de valores básicos, assim corno
toda mudança dos valores básicos é urna mudança estrutural. Evidentemente, as
transformações estruturais envolvem mudanças morfológicas.
Tornando-se a realidade social em sua totalidade, podemos - para efeito de
análise ou corno recurso didático - distinguir graus de complexidade. Nesse senti-do, Georges Gurvitch, por exemplo, desenvolveu estudos de "sociologia de profun-
didade". A realidade social é una, mas, tratando-se de um complexo, sua unidade é
divisível em funções, o que torp.a possível urna análise mais pormenorizada.
Volvendo-nos para o social, importa observar que não existe fenômeno social
em geral. Apenas assim parecemos considerá-lo no início de estudos, quase num
"terceiro grau de abstração" ou num "colocar entre parênteses" para fins exclusi-
vos de conceituação básica.
O fato social é, simultaneamente, histórico, político, econômico, religioso ou
ainda de qualquer outra dimensão da natureza sociocultural do ser humano.
Não podemos excluir também fenômenos que, embora não sejam sociais, in-
terferem no comportamento social corno fatores, circunstâncias ou mesmo cená-
rio do social em si.
No presente estudo, tornando corno referencial o embasarnento normativo, fa-
zemos alguns comentários sobre a sociedade brasileira, regrada pelo direito positivo
e pelas alterações sofridas no curso histórico e em virtude de mudanças estruturais.
5.5.2 Observação e métodos
Ao se estudar a mudança social- em qualquer de suas dimensões - 'consta-
ta-se que ela parece ocorrer, por vezes, de maneira gradual; por outras, de modo
súbito e radical. Daí falar-se em evolução e revolução (ver Castro, 2003: Capítulos
3 e 13). Por outro lado, a distância entre a ocorrência do fenômeno e o momento
de seu estudo pode interferir na ótica. Se a observação se faz enquanto acontece o
fato, captamos-lhe as emoções geradas, nem sempre, porém, tendo claras suas
causas. As circunstâncias e motivos podem ser mais bem sentidos; no entanto, os
reais fatores nem sempre o são. Se a observação, contudo, processa-se depois de
acontecido o fato e, mais ainda, após se espraiarem suas conseqüências mais pró-
ximas, as emoções que o envolveram normalmente nos escapam, mas a identifica-
ção de causas e fatores pode ser mais bem-definida.
A situação é complexa. Participando do fato, o envolvimento do observador
é maior. Então, o preocupar-se com a objetividade tende a ser maior ainda, a fim
de evitar o comprometimento da ciência com um ângulo apenas ou com urna fac-
ção envolvida. Em análise ulterior, a reconstrução histórica não corre os riscos da
observação participante, mas pode transferir as emoções do momento do estudo
para o momento do fato.
CONTROLE SOCIAL E DIREITO 97
Certo é, porém, que, se o fenômeno pode ser "colocado entre parênteses", o
observador não. É possível o "congelamento da imagem" para analisar o fato; en-
tretanto, não se pode abstrair o observador de seus caracteres psicossomáticos e
de sua configuração sociocultural. É mais objetivo e científico reconhecer essa si-
tuação do que pretender mascará-Ia em nome de uma pseudociência.
Importa, pois, definir os conceitos para eliminar dúvidas quanto à interpre-
tação.
5.5.3 Direito na sociedade em mudança
o direito baseia-se no complexo sociocultural que compõe o ethos da socie-
dade a que se aplica. Em outras palavras, fundamenta-se ele no passado para re-
gular o comportamento presente na perspectiva do futuro. Enfrenta, no entanto,
a dinâmica social de fluir dialético que, atingindo os valores nucleares, provoca
mudanças estruturais. Exatamente quando temos a efervescência adveniente da
crise axiológica é que a sociedade mais aspira pelo direito como fator de definição
da estabilidade.
Ocorre que, mais do que em outras épocas, enfrentamos a violência como
signo dos nossos dias, aliada à inoperância dos governantes, à omissão das insti-
tuições no exercício do controle social.
"Defato" - escreve Alba Zaluar, no artigo A guerra privatizada da
juventude -, "um dos mais graves problemas a enfrentar é o nível altíssimo de
impunidade no país, especialmente no que se refere a esses assassinatos,
entre os quais apenas aproximadamente 1% dos casos tem seus autores
punidos. São os homens jovens, pobres e não brancos as principais vítimas
dessa cadeia de efeitos que colocam armas nas mãos de outros jovens
igualmente pobres e não brancos que as empunham para ganhar prestígio,
poder e dinheiro segundo regras que nãoforam aprendidas na escola, mas na
rua, espaço da liberdade individual em que os terceiros não são levados em
consideração, pedras a afastar do caminho com um simples apertar de
gatilho" (Folha de S. Paulo, 18-5-97).
Tomando por exemplo o problema da educação, ele assemelha-se ao da seca
ou ao das enchentes. É certo que os três exigem longo tempo para serem resolvi-
dos. No entanto, sem um trabalho inicial neste momento, eles permanecerão in-
solúveis. Surgem paliativos como equacionamento provisório que, pelo avolumar-
se das complexidades, assumem o caráter de permanente e perdem até a natureza
anódina. Outro exemplo estampa-se na Constituição brasileira. Para abolir res-
quícios de autoritarismo, dela não consta mais o Decreto-lei. Em compensação
criou-se a Medida Provisória. Suas sucessivas reedições, praticamente, transfor-
mam-nas em permanentes.
98 DIREITO: FATO E NORMA
Na sociedade em mudança estrutural, mais o direito salienta o estado de
anomia. Temos, com efeito, um embasamento axiológico que não corresponde ao
comportamento da sociedade real, uma vez que os status e papéis encontram-se
disfuncionalmente tendendo ao sistema.
O drama encontra-se em exigir do direito uma plasticidade que ele não pos-
sui. Além disso, seria necessária a atuação inovadora dos que detêm o poder - e,
portanto, alimentam-se do status quo e o defendem - e quiçá se disporiam a pôr
em risco a posição social de que desfrutam. Todavia, tendendo a desestruturar-se
a sociedade, o temor atingirá os dejentores do poder que tentarão um compromis-
so com classes mais baixas. É o caminho ínvio para a eunomia. .
Resta a mobilização social que poderá escolher as alamedas institucionais,
mas é mais fácil que promova uma revolução social.
5.6 APLICAÇÃO
1. Fazer uma distinção entre controle informal e controle formal.
2. Analisar o texto de Hermes Lima:
"O direito expressa-se através de normas que tomam a forma de impe-
rativos. O Direito não sugere nem aconselha; ordena. No dizer de Ihering, o
imperativo não se configura senão perante quem dispõe de força necessária
para impor a conduta. A norma jurídica é bilateral, pois, em seu mecanismo,
alguém dispõe, os demais obedecem. A obediência à ordem jurídica não está
condicionada à opinião ou à aquiescência do sujeito; lexjubet, aut vetat.
A relação entre norma e conduta é de subordinação, não de causalidade"
(1973:37).
3. Analisar o texto de Ralph Dahrendorf:
"A nação-Estado é apenas o arcabouço de uma sociedade aberta, não
sua forma ou colorido. Aristóteles tinha razão ao afirmar: "Onde todos são
inteiramente iguais, não pode surgir um Estado." Os próprios direitos civis
ganham significado a partir da convivência com a diferença, assegurando
direitos básicos para todos, inclusive a oportunidade de buscar as próprias
preferências culturais. Mas, como tais, eles não criam vínculos. E também é
verdade que direitos e vínculos simplesmente complementem-se mutuamente.
O mais freqüente é que os direitos civis entrem em choque com as poderosas
forças do sentimento de pertencer e,portanto, com as profundamente arraigadas
estruturas de vínculos que podem servir para negar os direitos alheios (e
direitos são sempre alheios)" (1997:41).

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