Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
vouserserdelegado.blogspot.com 1 PROFESSOR: LÚCIO VALENTE TEORIA GERAL DO DIREITO PENAL AULA 01 1. Introdução Dois jovens rapazes saem do local onde moram na periferia de Brasília. Um deles, com 19 anos de idade, portando uma pistola; o outro, com 16 anos de idade, portando um revólver. Ambos se dirigem a um posto de combustíveis, localizado em Taguatinga-DF, com a intenção de assaltá-lo. É data próxima ao Natal, e os bandidos querem aproveitar o maior movimento da data. Quando chegam ao local, por fatídica coincidência, ali também chega outro rapaz, a quem vou dar o nome de José. José estava no Distrito Federal há três anos, e aqui estava a convite de um primo que era borracheiro no mesmo posto de combustíveis em que ocorrem os acontecimentos. José, assim como seu primo, veio de outra unidade da federação em busca de melhores condições de vida. José, já no Distrito Federal, frequentou um curso profissionalizante de instalador de sons automotivos e passou a trabalhar na área. Como seu trabalho era muito bom e como José era muito inventivo, começou a prestar serviços para pessoas que faziam competições desse tipo. José começou a ganhar algum dinheiro. Pelo menos, o suficiente para que ele comprasse uma pequena casa em um bairro periférico de Brasília. Pretendia, como comentara com amigos, trazer sua esposa e seu filho pequeno que estavam em seu estado de origem. Com o dinheiro que ganhava conseguiu, além disso, um financiamento bancário de um carro tipo pick up, no qual instalou vários acessórios. Montou, do mesmo modo, um equipamento de som digno de ganhar qualquer competição que eventualmente participasse. Por uma dessas coincidências da vida, José estava no posto de combustíveis ao mesmo tempo em que ali chegavam os dois assaltantes. José apenas queria mostrar o resultado da instalação dos equipamentos ao primo borracheiro. Ocorre que, quando os dois assaltantes viram o carro, mudaram o foco de sua empreitada criminosa. Decidiram, assim, assaltar José e levar o veículo. É o que os bandidos chamam de cavalo doido, quer dizer, fora do planejamento criminoso. Ao abordarem a vítima, sem que esta demonstrasse qualquer reação, um dos rapazes efetuou vários disparos que acabaram por atingi-la, levando-a à morte. Esse fato verídico tem se tornado comum no dia-a-dia das grandes cidades brasileiras. O crime, como se vê, não é primariamente um fenômeno jurídico. É, antes de tudo, um fenômeno social. O que a ciência do Direito faz é transformar esse fato social em um fato com relevância jurídica. Da mesma forma, o casamento é um fato da vida real, mas que o Direito regula, vouserserdelegado.blogspot.com 2 transformando aquilo que é apenas um fato social em um fato jurídico. O crime é, enfim, um fenômeno social que o Direito tratou de regular, ou seja, tratou de estabelecer um sistema científico para que seja possível a imputação jurídico- penal (atribuição da responsabilidade penal) a determinada pessoa. No entanto, nem sempre foi assim. Até a primeira teoria jurídica do crime, surgida por volta de 1900 na Alemanha (Sistema Liszt/Beling), não existiam métodos jurídicos para correta análise de um fato social danoso como esse que relatei acima. Então, o Juiz “A” poderia ter um entendimento sobre o caso completamente diferente de um Juiz “B”. Isso dependeria das convicções (filosóficas, sociológicas etc.) de cada um deles. Naquele tempo o Direito Penal (e o próprio Direito como um todo) não apresentava método próprio de estudo que o distinguisse de outras ciências. Não existia um ponto de vista puramente jurídico, ou seja, a análise do fato sempre levava em considerações ponderações do tipo: por que o autor matou? (consideração psicológica); quais são as circunstâncias sociais que levam um indivíduo a praticar o crime? (consideração sociológica); quais são as características inatas de um criminoso? (critério biológico) etc. Tais ponderações são muito importantes em determinados momentos do estudo do fenômeno infracional (no cálculo da pena, por exemplo), mas afasta o aplicador do Direito Penal de critérios lógicos e formais da solução do problema estudado. E qual é o problema a ser estudado pelo aplicador da lei penal? Simples assim: o agente praticou um fato típico (leia-se, é um fato descrito na lei penal)? Esse fato típico é contrário ao direito (leia-se, é ilícito)? Em sendo contrário ao direito, é culpável ao autor (leia-se, há reprovabilidade)? Achando respostas positivas para as questões acima, o aplicador da lei penal continua seu questionamento: considerando que estamos diante de um fato típico, ilícito e culpável, há possibilidade de se aplicar a punição respectiva ao autor (leia-se, é punível)? É possível que a pena já tenha sido prescrita (“caducada”), como exemplo, o que afastaria a punibilidade etc. O que vamos estudar são justamente as etapas que devem ser analisadas para que, ao final, possa-se afirmar que o indivíduo cometera uma infração penal. E, mais do que isso, se poderá ser punido pela infração cometida. Trata-se de um olhar jurídico (científico) e não apenas sociológico, filosófico ou biológico do fenômeno estudado. Antes de adentrarmos na teoria do crime, preciso que você entenda o que estamos estudando. Ou melhor, qual é o objeto do nosso estudo? 2. Conceito e objeto do Direito Penal Bom, nos propusemos a estudar o Direito Penal. O que seria isso então? O Direito Penal é a ciência jurídica que estuda as infrações penais. vouserserdelegado.blogspot.com 3 Podemos afirmar, dessa forma, que o Direito Penal é um campo da ciência que tem como objeto de estudo as infrações (violações) às leis penais. Resta-nos decifrar o que seria, exatamente, “infração penal”. 3. Infração Penal No Brasil, existem duas maneiras de se infringir uma lei penal (sistema dicotômico). Digo, existem duas possibilidades de se cometer uma infração penal. A primeira forma de se infringir a lei penal é através da prática de um Crime (sinônimo de Delito); a outra forma de infração penal é a Contravenção Penal. Resumindo, podemos dizer que Crime e Contravenção são espécies do gênero Infração Penal. 4. Diferenças entre Crime (Delito) e Contravenção Penal: Uma ótima forma de se estabelecer distinções entre dois objetos é, primeiramente, descobrindo-se o que há de comum em ambos. Se eu quiser distinguir “laranja” de “tangerina”, preciso saber, antes de qualquer coisa, que se trata de duas frutas. Sabemos, nesse passo, que o Crime e a Contravenção possuem algo em comum. Ambas são formas de infração penal. Sabendo que laranja é uma fruta e que tangerina também é uma fruta, posso distingui-las, basicamente, de duas formas: 1º aspecto visual: laranjas têm aparência diferente de tangerinas; 2º pelo sabor: ao provar, posso distinguir o gosto das duas frutas. Quando trato de Crime e Contravenção, posso usar processo semelhante. Inicialmente, aprendemos que ambas são espécies de infrações penais. Agora resta-nos apontar as diferenças existentes entre elas: 1º Diferença: legislativa Não há como saber se uma conduta é criminosa ou contravencional (contravenção penal) sem conhecer a “letra da lei”. A decisão sobre um fato ser considerado crime ou contravenção é de quem feza lei, leia-se, do legislador. Explico: a primeira grande diferença entre as duas infrações penais é o local onde estão documentadas. É fácil, veja só: Os Crimes estão previstos no Código Penal (Decreto-Lei n.o 2.848/1940), bem como nas Leis Penais Especiais ( também chamadas de Leis Penais Extravagantes). Como exemplos dessas últimas, temos: crimes de drogas (Lei 11.343/2006); crimes de arma de fogo (Lei 10.826/03); crimes ambientais (Lei 9.605/98); crimes de trânsito ( Lei 9.503/98), entre muitos outros. Infrações Penais Crimes (Delitos) Contraveções Penais vouserserdelegado.blogspot.com 4 As Contravenções Penais estão previstas em uma lei específica, o Decreto- Lei n.º 3.688/1941. Essa lei tem o nome de Lei de Contravenções Penais. O legislador, por meio de lei federal (princípio da legalidade), pode criar novos tipos penais (leiam-se, novos crimes), revogá-los, alterá-los. Pode, além disso, transformar uma Contravenção em Crime. É uma decisão meramente política. Existem situações que antes eram consideradas Contravenções, mas por decisão do legislador passaram a ser Crime. O porte de arma de fogo, por exemplo, era considerado contravenção e hoje, pelo Estatuto do Desarmamento, é considerado crime. Quero dizer com isso que não existe uma diferença conceitual entre crime e contravenção. Interessante que, falando da Lei de Contravenções, ela costuma tratar de situações muito menos graves do que o Código Penal. É por isso que o grande penalista brasileiro Nelson Hungria apelidava a Contravenção Penal de “crime anão”. 2ª Diferença: Crimes são, em regra, mais graves. Uma segunda diferença, então, entre crime e contravenção seria o fato de que os crimes costumam ser mais graves do que as contravenções e até por isso as penas dos crimes são, em regra, mais pesadas. Imagine que você esteja assistindo a uma peça de teatro. Uma peça de Shakespeare, por exemplo. No meio do espetáculo um sujeito começa a conversar ao celular atrapalhando a interpretação dos atores. Acreditem ou não, mas existe uma contravenção penal nessa conduta. Veja só: Art. 40. Provocar tumulto ou portar- se de modo inconveniente ou desrespeitoso, em solenidade ou ato oficial, em assembléia ou espetáculo público, se o fato não constitui infração penal mais grave. Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis. Seria um exagero considerar a situação acima criminosa. A reprimenda prevista para a Contravenção já é mais do que suficiente para prevenir e refrear a conduta. Muitos penalistas modernos, por isso, defendem que a Lei de Contravenções deveria ser revogada, uma vez que o Direito Penal não poderia se ocupar de situações de pequena monta, de pouca relevância para a vida em sociedade. 3ª Diferença: espécies de penas Em decorrência da segunda diferença acima, é natural que a qualidade das penas cominadas (atribuídas) a Crimes seja diferente da aplicada às Contravenções. Os Crimes são apenados com reclusão, CRIMES Código Penal Leis Penais Especiais CONTRAVENÇÕES Lei de Contraveçõ es Penais vouserserdelegado.blogspot.com 5 detenção e multa. As Contravenções com prisão simples e multa. Qual a diferença entre eles? a. Reclusão: o agente pode iniciar o cumprimento da pena em regime fechado, semi-aberto ou aberto, dependendo da pena concreta; b. Detenção: o agente pode iniciar o cumprimento em regime semi-aberto ou aberto. Caso descumpra as regras de tais regimes, pode regredir para o regime fechado, mas nunca iniciar nesse regime; c. Prisão Simples: Prisão simples é a pena cumprida sem rigor penitenciário em estabelecimento especial ou seção especial de prisão comum, em regime aberto ou semi-aberto. Trata-se de pena aplicada em face de contravenção penal (Lei das Contravenções Penais - Decreto Lei nº3.688/1941). Somente são admitidos os regimes aberto e semi-aberto. É vedado o emprego do regime fechado para o cumprimento de pena por contravenção penal, mesmo em caso de regressão. 4ª Diferença: não se admite tentativa nas Contravenções Penais A quarta diferença é que os crimes podem admitir tentativa, as contravenções nunca admitem tentativa. Eu digo que os crimes podem admitir tentativa porque existem situações que não se admite tentativa em crime. Vamos ter uma aula específica sobre o tema, então vou deixar para aprofundar assunto em momento oportuno. Por enquanto, é suficiente que você saiba que as contravenções penais nunca admitem a forma tentada, pois a Lei de Contravenções expressamente a proíbe (art. 4º). 5ª Diferença: princípio da extraterritorialidade O Código Penal prevê, como regra, o princípio da territorialidade (art. 5º, caput), determinando que os crimes praticados em território nacional devam aqui ser julgados. Permite, no entanto, que, em determinadas circunstâncias, crimes cometidos no estrangeiro sejam também julgados no Brasil (princípio da extraterritorialidade, art. 7º do CP) (ex.: crime contra a vida do Presidente da República do Brasil ocorrido no estrangeiro). Em resumo, o Brasil aplica como regra o princípio da territorialidade (crimes cometidos no Brasil, julgamento no Brasil), mas permite a extraterritorialidade (crimes cometidos no estrangeiro, julgamento no Brasil). A Lei de Contravenções, de outra forma, só admite a aplicação do princípio da territorialidade, não punindo condutas CRIMES Reclusão Detenção Multa CONTRAVENÇÕES Prisão Simples Multa CRIMES podem admitir tentativa CONTRAVENÇÕES nunca admitem tentativa vouserserdelegado.blogspot.com 6 ocorridas fora dos limites territoriais brasileiros. ESTUDAMOS ATÉ AQUI QUE: 1. No Brasil há duas espécies de infração penal: crime (ou delito) e contravenção penal; 2. Os crimes estão previstos no Código Penal e nas Leis Penais Especiais, como na Lei de Drogas (Lei 11.343/2006); 3. As contravenções estão previstas na Lei de Contravenções Penais; 4. Em regra, crimes são mais graves que contravenções; 5. O crime admite reclusão, detenção e multa; 6. A contravenção só admite prisão simples e multa; 7. Não existe possibilidade de tentativa em contravenção penal; 8. Aos crimes aplica-se o princípio da extraterritorialidade. Teoria Geral do Crime 1. Introdução O crime, como já dito, é um fenômeno social, ou seja, fato de natureza moral ou social, regido por leis especiais. Um sujeito, como exemplo, pretendendo matar um desafeto, saca uma arma de fogo e dispara contra a vítima ceifando-lhe a vida. Não podemos fracionar em elementos o “fenômeno crime” no sentido psicológico ou sociológico, assim como não podemos fracionar a violência, o medo, as paixões. O delito, no sentido que acabamos de expor, não interessa ao estudioso do Direito, mas sim ao sociólogo, ao filósofo, ao psicólogo, certo que pode ser objeto das mais variadas ciências, como a criminologia, política criminal, sociologia, medicina legal. Neste ponto, cabe-nos identificar corretamente quais desses fenômenos são jurídico-penais e quais pertencem a ciências outras. Inicialmente, cumpre esclarecer que o crime pode ser estudado por várias perspectivas, o que faz nascer os conceitos materiais, formais,e operacionais (analíticos) de crime. Entretanto, o direito penal somente se preocupa com esta última (operacional/analítico). a) Conceito Real de Crime: os conceitos reais de crime estão ligados ao objeto da Criminologia, tomando a perspectiva do surgimento do crime e da criminalidade, sob o ponto de vista antropológico, sociológico, político etc. b) Conceito Material de Crime: mostra o crime como violação ao bem jurídico penalmente protegido. Assim, crime é a violação do patrimônio, da vida etc. c) Conceito Formal de Crime: mostra o crime como violação de uma norma legal ameaçada com pena (ex.: homicídio é a violação do art. 121 do CPB). vouserserdelegado.blogspot.com 7 d) Conceito Operacional ou Analítico: crime é fato típico, ilícito e culpável. Dessa forma, devemos admitir a Ciência do Direito Penal como autônoma, com finalidades, objetos e métodos próprios, uma ciência com verdadeiro caráter dogmático e cartesiano. As demais ciências criminais (criminologia, política criminal) têm acentuado caráter causal-explicativo, baseiam-se exclusivamente na experiência, como única fonte de conhecimentos (empirismo). A ciência do Direito Penal é uma ciência de aplicação prática e o penalista busca métodos, técnica e fórmulas para solução de problemas práticos. Partindo deste prisma, caso estivéssemos em uma aula de anatomia humana em um curso de Medicina, certamente o Professor dividira pedagogicamente as partes do corpo humano para melhor apreensão da matéria (cérebro, sistemas funções etc.). No ensino fundamental aprendemos a dividi-lo em cabeça, tronco e membros. Certo é que não podemos conceber um corpo perfeito sem cabeça, ou sem tronco. Podemos até concebê- lo sem membros, mas estaríamos diante de um corpo imperfeito. O cientista do Direito Penal adota método parecido para o estudo jurídico (e não social) do fato delituoso. A teoria do delito é uma construção teórica, que nos proporciona o caminho lógico para averiguar se há delito em cada caso concreto. Quando o operador do Direito (o Delegado, o Juiz, o Promotor, o Advogado etc.) se depara com um fato, quais são as etapas que ele deve seguir para constatar a realização de um ilícito com relevância penal? A resposta nos é dada pela Teoria Geral do Crime, que se ocupa, justamente, da exposição sistemática dos requisitos (ou fundamentos) necessários para a configuração do crime. O que eu quero dizer é que existe um processo, passo-a-passo, para se determinar se uma determinada conduta humana pode ou não ser considerada crime. “Matar Alguém” só será considerado crime, por exemplo, se todas as etapas forem preenchidas. E quais seriam essas etapas (ou requisitos)? É isso que vamos estudar a partir de agora. Considerando o estágio atual da Teoria do Delito, teremos como base de estudo a Teoria Finalista Tripartida de Hans Welzel. Teoria tripartida porque é divida em três partes: o crime como um fato típico, ilícito e culpável. Devo adverti-lo, no entanto, que os finalistas admitem outras estruturações do crime. Há concepções finalistas que dividem o crime em duas partes (teorias bipartidas). Na Alemanha, por exemplo, há inúmeros defensores da denominada concepção total do injusto (tipo global de injusto), em que o fato típico e a ilicitude se fundem em uma só realidade (teoria dos elementos negativos do tipo). No Brasil, há defensores de outra forma de teoria bipartida, concebendo a vouserserdelegado.blogspot.com 8 separação de tipicidade e ilicitude, mas excluindo a culpabilidade, mantendo-a como pressuposto para aplicação de pena (por todos, Damásio de Jesus). Por questões didáticas, elegi a sistema tripartido para abordagem em nossas aulas. Em momento próprio, tratarei da evolução dogmática da teoria do crime e nos aprofundaremos em outros sistemas existentes. Assim, a concepção que adotaremos será a seguinte: 1º Fato típico: a verificação do enquadramento de determinada conduta humana em um modelo de conduta proibida (ex.: matar alguém); 2º Ilicitude: estudo de regras permissivas que excluem a contradição da ação típica com o ordenamento jurídico (ex.: matar alguém em legítima defesa); 3º Culpabilidade: verificação da reprovabilidade ou não da conduta ilícita do agente (ex.: matar alguém em estado de alucinação mental). 2. Conceito analítico (segundo a teoria finalista tripartida) Lembro-me que nas aulas de biologia do ensino fundamental estudamos o corpo humano. Lembro-me, ainda, que a professora Mariquinha dividiu o corpo humano em três partes: cabeça, tronco e membros. Será que podemos dividir o corpo humano de fato? Claro que não. O corpo humano é um todo indivisível. Existe corpo humano perfeito sem cabeça, tronco ou membros? Claro que não. O que a professora Mariquinha fez foi dividir o nosso estudo (e não o corpo) em partes. E para que ela fez isso? Por óbvio, para facilitar a abordagem da matéria. Assim como o corpo humano deve ser dividido pelo anatomista para seu estudo, assim o faremos com os elementos do crime. Para nós, o crime é um fato típico (cabeça), ilícito (tronco) e culpável (membros). Observe o quadro a seguir: Crime é fato típico + antijurídico + culpável. Cabeça tronco membros Ao mesmo tempo, vamos dar uma olhadela geral na estrutura do conceito analítico de crime. Perceba que cada elemento (fato típico, ilicitude e culpabilidade) possui subcomponentes que devem ser memorizados. fato típico conduta resultado nexo causal tipicidade ilicitude estado de necessidade legítima defesa exercício regular do direito estrito cumprimento do dever legal culpabilidade imputabilidad e potencial consciência da ilicitude exigibilidade de conduta diversa vouserserdelegado.blogspot.com 9 Se você conhece a estrutura da teoria tripartida do crime (cabeça, tronco e membros), vai ficar muito mais fácil caminhar em terreno firme. Pois então, já memorizou os elementos do crime? Não? Então, retorne e gaste alguns minutos lendo a tabela acima antes de continuar. Agora, resolva as seguintes questões de concurso: 2.1 Do Fato Típico De acordo com a estrutura acima apresentada, o crime tem como primeiro elemento o fato típico e como primeiro subelemento a conduta humana. Tudo parte da conduta de um ser humano. Sim, porque o Direito Penal nada mais é do que um ramo do Direito e, portanto, regula a vida de pessoas em sociedade. Sem conduta humana, não há qualquer motivo para, sequer, a existência do Direito. 2.1.1 Conduta Fato típico Lembre-se que o Direito Penal é uma ciência e, por isso, apresenta seus próprios conceitos. Preciso dizer isso porque é muito importante que você entenda as concepções corretas para os termos que utilizaremos. Como o Direito Penal concebe o termo “conduta”? Conduta para o Direito Penal é a ação ou omissão humana (a) consciente (b) e voluntária (c) voltada para uma finalidade (d). Temos, então, os seguintes elementos dentro desse conceito apresentado: . a) Ação ou omissão deve ser humana (praticada por ser humano) O modelo de conduta que iremos estudar (modelo finalista) foi desenvolvido por Welzel, com contribuições de Maurach,Kaufmann, entre outros. Na concepção finalista, o ser humano age sempre psicologicamente com capacidade potencial de calcular as consequências de seus atos. A conduta humana não pode ser cega, justamente porque temos a habilidade de antever os possíveis sequelas que podem advir de nossos comportamentos. Quando determinada pessoa atropela um pedestre por ter desrespeitado o semáforo, pode ser implicado pelo resultado, justamente porque qualquer um de nós fato típico conduta ilicitude culpabilidade CONDUTA AÇÃO OU OMISSÃO HUMANA CONSCIENTE FINALIDADE VONTADE vouserserdelegado.blogspot.com 10 poderia antever, pelo menos, a possibilidade do saldo danoso. A capacidade de antecipação das consequências de suas ações é atributo que somente o ser humano possui. É por isso que somente o ser humano pratica conduta penalmente relevante. Nesse sentido, animais irracionais não têm conduta, por exemplo. Animais não “agridem” (mas podem ser utilizados como verdadeiras armas por seus donos). A “conduta” do cachorro de morder alguém só terá relevância para o Direito Penal se por trás desse ataque houver um ser humano que, por exemplo, o provocou ou o esqueceu solto. A conduta foi do homem e não do animal. Mas, Valente, se o crime exige uma conduta de ser humano, como pode uma pessoa jurídica (criada pelo direito, como uma empresa, por exemplo) cometer crimes? Vamos fazer igual ao esquartejador. Vamos por partes! É verdade sim que a pessoa jurídica não pode praticar condutas, mas pode responder criminalmente por um fato. Como isso é possível? Calma, eu explico. Mas para isso vamos nos lembrar das aulas de Direito Constitucional. Como vimos, somente o ser humano pode praticar condutas com relevância para o Direito Penal. Pessoa Jurídica não é ser humano (óbvio), mas responde por crime porque a Constituição Federal assim permite. Não entendeu? Tudo bem, olha só! Lembra-se do conceito de Poder Constituinte Originário? O poder constituinte originário é aquele que tem a prerrogativa de criar uma nova Constituição de um Estado. Quando a Assembleia Nacional Constituinte promulgou a nossa Constituição de 1988, achou por bem colocar ali duas situações em que pessoas jurídicas poderiam responder criminalmente por um determinado fato. E o constituinte poderia ter feito isso? Poderia sim, uma vez que uma das características do poder que elabora uma nova constituição é a liberdade total para fazê-lo. Lembre-se que o poder constituinte é “originário, “incondicionado” e “ilimitado”. Então, hoje, temos a seguinte situação: Pessoa Jurídica pratica crime? Resposta: para a Teoria do Crime, não. Para a nossa Constituição da República de 1988, sim. E o que você vai marcar em sua prova? Ora, o que está na Constituição Federal, pois é assim que o CESPE, por exemplo, tem cobrado. Como vimos, então, pessoa jurídica pratica crime, uma vez que a Constituição da República assim permite. Essa permissão ocorre em duas situações: 1ª hipótese: artigo 173, § 5º, CR. “173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.” vouserserdelegado.blogspot.com 11 (...) “§ 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.” Conforme a norma constitucional acima apresentada, a primeira hipótese de atribuição de responsabilidade penal à pessoa jurídica seria nos crimes contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular. Essa situação ainda não pode ser aplicada porque, apesar de estar previsto na CR que pessoa jurídica pode responder por crimes contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular, ainda não existe uma lei que tenha complementado essa possibilidade na prática. Quero dizer que tem que existir uma lei infraconstitucional (inferior à Constituição) que instrumentalize essa hipótese prevista na Constituição Federal. Com efeito, a lei nº 8.137/90 (crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo), a Lei nº 1521/51 (Crimes contra a economia popular) e Lei nº7492/86 (Crimes contra o sistema financeiro nacional) nada mencionam sobre responsabilidade penal da pessoa jurídica. 2ª hipótese: art. 225, § 3º, CR. “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.” (...) “§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.” A segunda hipótese constitucional está inserida no texto acima e está relacionada aos crimes ambientais. Ao contrário da primeira hipótese, o art. 225§ 3º da CR foi regulamentado pela Lei de Crimes Ambientais (Lei 9605/98). No Brasil, portanto, pessoas jurídicas podem responder criminalmente por crimes contra o meio-ambiente, senão vejamos: “(Art. 3º, Lei 93605/98) As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.” “Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato.” vouserserdelegado.blogspot.com 12 Muito importante esse parágrafo único acima. Para solucionar o que eu falei sobre a impossibilidade da pessoa jurídica praticar conduta foi que a Lei Ambiental determinou que as pessoas físicas responsáveis pela pessoa jurídica em questão responderão em coautoria ou participação pelo crime desta última. O legislador sabe que quem praticou, de fato, a conduta criminosa foi uma pessoa física ou um grupo de pessoas físicas em nome da pessoa jurídica, simplesmente porque pessoas jurídicas não praticam condutas, como já dissemos. Explico, foi um funcionário da empresa que determinou que fossem jogados resíduos em um rio, agindo em nome da empresa e em seu benefício. Quem praticou o crime ambiental? O Funcionário em coautoria com a pessoa jurídica. É o que a doutrina denomina de TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO. Por essa teoria, sempre que uma pessoa jurídica responder por um crime ambiental, com ela responderá uma pessoa física. O STJ já decidiu que se admite a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio” (STJ, REsp 889.528/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, DJ 18/06/2007).Essa teoria se justifica porque, muitas vezes, as decisões de uma pessoa jurídica são impessoais, dependendo do tamanho da empresa. É por esse motivo que a lei diz que a responsabilidade da pessoa jurídica vai ocorrer sempre que a infração for cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Ocorre que, recentemente, a 1ª Turma do STF adotou posição um pouco diferente. No Informativo 714 publicou-se um julgado em que a Pessoa Jurídica foi condenada MESMO COM A ABSOLVIÇÃO DA PESSOA FÍSICA (RE 548181/PR, rel. Min. Rosa Weber, 6.8.2013). EM RESUMO, HÁ DUAS POSIÇÕES. STF 1ª TURMA: é admissível a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, ainda que absolvidas as pessoas físicas ocupantes de cargo de presidência ou de direção do órgão responsável pela prática criminosa. Previsão Constitucional para responsabilização criminal da Pessoa Jurídica Crimes Ambientais Crimes Financeiros vouserserdelegado.blogspot.com 13 STJ: no cometimento de delito ambiental, devem ser denunciados tanto a pessoa jurídica como a pessoa física (sistema ou teoria da dupla imputação). Isso porque a responsabilização penal da pessoa jurídica não pode ser desassociada da pessoa física - quem pratica a conduta com elemento subjetivo próprio (STJ, RMS 37.293/SP, DJe 09/05/2013). b) a conduta humana deve ser consciente Não existe conduta e, em consequência crime, para quem está inconsciente. Por exemplo, em estado de sonambulismo, hipnose, coma, sono profundo etc. Assisti nos noticiários um fato interessante. Um sujeito, na Inglaterra, hipnotizava a funcionária de um supermercado para fazer com que ela lhe entregasse todo o dinheiro de seu caixa. Perceba que, se isso for verdade mesmo, ela não possui conduta alguma, mas é um mero instrumento nas mãos do ladrão. Quem pratica a conduta é ele (o ladrão) e não a operadora de caixa. Cuidado só com uma coisa. Caso a pessoa se coloque em uma situação de inconsciência sabendo que pode causar um resultado criminoso, pode responder por esse resultado a título de Dolo ou Culpa. É o exemplo do caminhoneiro que está na estrada sem dormir faz 18 horas. Mesmo sabendo que pode causar um acidente, continua a viagem. Se dormir ao volante, atravessar a pista contrária e matar uma família inteira que vem no sentido contrário em outro carro vai responder criminalmente por essas mortes. É o que a doutrina chama de action libera in causa. A teoria da actio libera in causa (a ação é livre na causa) ensina que a conduta do caminhoneiro deve ser analisada na causa inicial, ou seja, antes dele dormir e causar o acidente. É como se perguntássemos: o motorista tem dolo ou culpa por ter dormido ao volante? A resposta é sim. Então, ele é culpado pelo acidente que decorreu de seu sono. Ele era livre para continuar a viagem ou não, mesmo sabendo que seria perigosa essa conduta. Teoria da Dupla Imputação a responsabilização penal da pessoa jurídica não afasta a da pessoa física responsável por ela Não existe conduta por falta de CONSCIÊNCIA Sono Sonambulismo Coma Hipnose vouserserdelegado.blogspot.com 14 É muito parecido com o que ocorre com aquele sujeito que vai ao bar com os amigos, enche a cara de cachaça, fica completamente embriagado e volta dirigindo para casa. Se ele dormir ao volante, deve responder por um eventual acidente uma vez que a ação era livre na causa, quer dizer, ele era livre para escolher entre dirigir ou não naquelas situações. É diferente da situação daquela pessoa que, dirigindo o carro, tem repentino e inesperado desmaio. Caso atropele uma pessoa, deverá responder por esse resultado? Agora não, porque em estado de inconsciência não há crime por não haver conduta. Repito: não se pune a conduta de quem está inconsciente, exceto se o sujeito se colocou nessa situação querendo ou sabendo que poderia praticar um crime! AÇÕES DE CURTO-CIRCUITO: por outro lado, a maioria da doutrina informa que as ações praticadas por explosão de raiva (ações de curto-circuito ou delitos de explosão) não se inserem dentre as hipóteses de ausência de consciência. 18. voluntária: conduta requer vontade. O que significa “vontade”? Significa que o ânimo que está em minha mente permanece íntegro quando eu o transfiro para meu corpo. Imagine que você deseje beber água para matar a sede. Para tanto, você pega um copo com água e passa a bebê-la. Veja que sua VONTADE foi a de beber água, mas a sua FINALIDADE foi de matar a sede. São duas coisas completamente diferentes. Já falaremos da finalidade no próximo tópico. Importante que eu fale agora de uma situação que se pode afastar a vontade livre de uma conduta. Como eu afasto a vontade livre de alguém praticar uma conduta? Posso fazer isso através de coação, mais especificamente através da COAÇÃO FÍSICA IRRESISTÍVEL. 19. A coação física irresistível ( vis corporalis ou vis absoluta): a coação física ocorre quando a força física de alguém se sobrepõe à força física de outra pessoa. Veja o exemplo: Dagmar diz para seu esposo Alceu que vai para a casa de uma amiga estudar. Por volta das 23 horas, Alceu recebe uma ligação de um conhecido: - Alceu, cadê você? - Uai, to aqui assistindo ao jogo do Vasco! -Cara, cadê tua mulher, a Dagmar? -Uai, tá na casa de uma amiga estudando! Por que quer saber? -Deixa de ser trouxa, Alceu! A Dagmar tá aqui no Forró no maior assanhamento com um sujeito! Alceu inconformado com a possível traição de Dagmar vai até o forró dirigindo sua caminhonete. Ao chegar ao local, o segurança não deixa Alceu entrar prevendo uma confusão no recinto. Então, Alceu invade o bar utilizando sua caminhonete. Um sujeito que não tinha nada a ver com a estória, é atingido pelo impacto do veículo e acaba por acertar um golpe no rosto de uma moça, uma vez que ele segurava um vouserserdelegado.blogspot.com 15 copo de cerveja em uma das mãos. A moça fica gravemente ferida pela “copada” dada por esse rapaz. Pergunto: de quem é a conduta? Do Alceu (coator) ou do rapaz (coagido)? Claro que do Alceu. O rapaz estava sob coação física irresistível. Sobre ele foi exercida uma força física superior as suas próprias forças. Quem deve responder pela lesão corporal causada? O Alceu, por ter praticado a conduta criminosa e não o rapaz que estava sob coação física irresistível. Guarde uma coisa: TODA CONDUTA TEM VONTADE. NÃO EXISTE CONDUTA SEM VONTADE! Não existindo vontade por coação física, não há “fato típico”, por falta de um de seus elementos. Por fim, deve esclarecer que existe outro tipo de coação, a “coação moral”, que será estudada mais a frente em momento próprio. Portanto, não se preocupe agora. Ações reflexivas: outra hipótese de ausência de vontade apontada pela doutrina é a hipótese de reações automáticas de defesa do corpo. Assim, no exemplo do sujeito que é picado no olho por uma abelha e, após um movimento reflexo de defesa, acaba por mover o braço e derrubar uma pessoa que estava próxima, não se identifica a voluntariedade criminosa. 20. com finalidade: conduta requer vontade, consciência e finalidade. Atos sem estes elementos não podem ser considerados condutas penalmenterelevantes. Toda a ação humana é eivada da capacidade de ação final, ou seja, toda ação tem uma FINALIDADE. Isso quer dizer que toda conduta está direcionada para um determinado fim. Lembre-se que quando você bebe água, você tem a finalidade de matar a sede. Isso ocorre porque você tem sede, ou tem a ideia, de que a sensação de sede é uma forma de o corpo te avisar que você precisa de hidratação. Como você sabe que o melhor líquido para esse fim é a água, a ingere em quantidade suficiente para saciá-la. Quero dizer com isso que você sabe qual o processo para atingir a sua finalidade, a sua vontade final. Então, um dado muito importante sobre a finalidade humana é que a possibilidade de realizar uma ação determinada requer o conhecimento (ou a possibilidade de conhecimento) da realização fática, o que Zaffaroni denominou de “antecipação biocibernética”. Exemplificando, a conduta de efetuar o disparo de arma de fogo em direção a uma determinada pessoa está contaminada pela antecipação mental das consequências deste ato (ferimento por munição de arma de fogo). Está contida na conduta, também, a Afasta a vontade livre: Coação Física Irresistível (Vis Corporalis) vouserserdelegado.blogspot.com 16 previsibilidade do resultado morte da vítima. Ocorre que, caso a mãe da vítima venha a morrer ao ter notícia da trágica morte de seu filho, não podemos atribuir essa morte ao agente, uma vez que extrapolou o limite do curso causal hipotético (relação de causas e consequências). Puxa, compliquei um pouco agora? Deixa-me tentar ser mais claro. Vamos supor que Dicró queira matar Bezerra. Dicró, sabe que as pessoas respiram para viver, e que se houver impedimento das vias áreas de uma pessoa isso levará à morte. Então, Dicró aperta o pescoço da vítima até que esta não consiga respirar. Pois bem, a finalidade de Dicró por ser a de matar, dirige a sua vontade livre para essa finalidade, conhecendo o processo de causa e efeito de sua conduta (esganar e matar). É por isso que a teoria adotada pelo código pena é a TEORIA FINALISTA DA AÇÃO, pois se entende que toda a conduta tem vontade livre e dirigida a uma finalidade. Como último exemplo, podemos citar a situação do sujeito que sai de seu trabalho apressado para assistir ao jogo de futebol. Para tanto, dirige a sua vontade livre para essa finalidade: chegar a casa mais cedo para assistir ao jogo. Ocorre que nesse processo ele acaba acelerando o carro muito acima daquela de segurança da via e acaba por atropelar e matar alguém culposamente (por imprudência). Veja que a conduta dele teve vontade livre e finalidade. Esse último exemplo serve para confirmar que em toda a conduta, seja ela dolosa ou culposa, por ação ou omissão, possui todos os elementos acima estudados: Formas de conduta – ação e omissão. 21. Conduta Comissiva (por ação). A conduta pode ser exteriorizada por um ato positivo (um fazer). Por exemplo, desferir facadas, falsificar um cheque, tomar um remédio abortivo, subtrair um objeto etc. A essas condutas realizadas por um fazer, dá-se o nome de condutas comissivas. É, inclusive, a forma com que a grande maioria dos crimes são praticados. A lei, em geral, descreve condutas que nos levam à ideia de ação, um fazer, um ato comissivo. Que ideia te dá a frase “matar alguém”, descrita no artigo 121 do Código Penal? Ao ler essa frase você pensa em uma conduta por ação ou por omissão (não fazer)? Claro que por fazer, por comissão. Então, em regra, mata-se alguém através de um ato positivo, um fazer (desferir facadas, tiros, ministrar veneno, por exemplo). 22. Conduta Omissiva (por omissão) CONDUTA AÇÃO OU OMISSÃO HUMANA CONSCIENTE FINALIDADE VONTADE vouserserdelegado.blogspot.com 17 As infrações penais também podem ser praticadas por um “não fazer”. Mas o que seria exatamente a omissão? A pergunta é pertinente porque enquanto a ação é algo fisicamente ligado ao resultado, a omissão não se realiza da mesma forma. Digo, a ação é a colocação de força em apontada direção, mas a omissão, em princípio é um nada. A análise da omissão relevante somente pode existir no campo do direito, porque na realidade “o nada, nada causa”. Nesse sentido, a doutrina tem ensinado que a omissão seria uma “omissão de algo esperado (ou determinado) pelo direito”. Espera-se, por exemplo, que uma mãe amamente seu filho recém nascido. Caso não o faça, poderá responder pelo resultado morte da criança. A mãe, deste modo, teria frustrado uma determinação ou expectativa que lhe é imposta pelo ordenamento. Trata-se da “teoria da ação esperada”. Essa é a posição majoritária. 23. Autores como Zaffaroni e Pierangeli afastam-se da teoria da ação esperada por considerarem que o direito não espera ações, e sim as proíbe ou as ordena. Defendem estes magníficos professores que a conduta é sempre por ação, mas o tipo pode descrever uma ação ou uma omissão (deixar de fazer). De tal modo, quem se nega a prestar socorro à criança abandonada (art. 136, CPB), não está deixando de fazer algo, mas ao ir embora, efetivamente realiza uma ação (a de ir embora). Ao fazê-lo, deixa de respeitar a norma que determina o socorro a tal pessoa. Essa é a posição conhecida na doutrina com o nome de teoria do aliud agere ou aliud facere, que significa agir de outro modo, ou agir de modo diverso.1 Independentemente da posição que se adote, o fato é que não existe relação física entre a omissão e o resultado. Ao deixar de prestar socorro à pessoa em perigo, o omitente não “causa” sua morte, apenas não a impede, quando deveria fazê-lo. Claro que existem situações em que o perigo é causado anteriormente pelo próprio omitente, como no exemplo do atropelador que deixa de prestar socorro. De qualquer forma, o que pode “causar” a morte é a ação de atropelar e não a consequente omissão de socorro. Em resumo, a omissão só é “causa” do resultado por força das normas jurídicas e não por força das leis da física. 24. Mais adiante trataremos de nexo de causalidade nos crimes omissivos, mas adianto que nos crimes omissivos a relação entre a conduta de se omitir e eventual resultado é apenas normativa, ou seja, é hipoteticamente criada pela norma. Não existe, portanto, nexo causal físico entre omissão e resultado, mas apenas determinada relação criada pelo direito. Atribui-se significância ao “não fazer” por força da norma jurídica, pois no mundo “real” essa relação não existe. De qualquer forma, vamos voltar a esse assunto em aula específica. A omissão é tratada no direito penal da seguinte forma: 1 Eugenio Raúl Zaffaroni, José Henrique Pierangeli. Manual de Direito Penal Brasileiro – 5. ed. Editora RT, pg. 510. vouserserdelegado.blogspot.com 18 a. Omissão Própria (pura) – a omissão própria gera os “crimes omissivos próprios”; b. omissão imprópria (impura ou comissiva por omissão) – a omissão imprópria gera “ os crimes omissivos impróprios, também chamados de crime comissivos por omissão. Não gaste seus neurônios para memorizar isso. Pense assim: 25. Nos crimes omissivos próprios ou puros( omissão própria), a PRÓPRIA lei já descreve um não fazer (uma omissão). Como eu disse antes, a maioria dos tipos penais descreve uma conduta que dá a ideia de ação(homicídio, furto, falsificação etc.). Ocorre que alguns tipos penais nos trazem a ideia de uma conduta omissiva. Quero dizer, existem alguns crimes que a omissão está descrita na própria lei. Quer ver um exemplo? “Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública.” (Art. 135 do CPB, Omissão de Socorro). A expressão “deixar de” do crime de omissão de socorro no traz ideia de fazer ou não fazer? Não fazer. Então, como o crime de omissão de socorro já nos dá a ideia de “não fazer”, dissemos que esse crime é OMISSIVO PRÓPRIO (ou puro). Resumindo: NOS CRIMES OMISSIVOS PRÓPRIOS, A PRÓPRIA LEI DESCREVE UMA OMISSÃO. 26. Mais adiante trataremos do crime tentado, mas existe uma informação que merece ser apresentada neste momento. A tentativa nos crimes omissivos próprios não será possível. Nos crimes omissivos impróprios dolosos, ao contrário, ela é plenamente viável, como estudaremos oportunamente. O problema, neste ponto, é conciliar o conceito de tentativa descrito no art. 14 do CP (“considera-se tentado o crime quando iniciada sua execução não se atinge o resultado por circunstâncias alheias à sua vontade”) como um não fazer. Isso se deve ao fato de que a norma descreve “início de execução”, o que denota um ato positivo, um fazer. A doutrina, de qualquer sorte, admite a tentativa na omissão imprópria, fundado na perda da última ou da primeira oportunidade de realizar a ação mandada, criando ou ampliando, com isso, o perigo para o bem protegido. 27. Observe, por fim, que nos tipos omissivos próprios, como a omissão de socorro, a lei não proíbe uma determinada conduta. Na verdade, ela exige que o sujeito OMISSÃO Própria - a própria lei descreve um "não-fazer". Impróprio (comissivo por omissão) - a lei descreve um fazer, mas o autor atinge o resultado por omissão. vouserserdelegado.blogspot.com 19 pratique aquela conduta. Explico: o art. 121 (homicídio) descreve uma conduta proibida. A norma, então, é dita “proibitiva”. O art. 135 ( omissão de socorro), ao contrário, exige que o agente preste socorro. A lei não proíbe, ela manda. Essa norma é dita “mandamental”. Não se exige o resultado, basta a mera inatividade. (CESPE_Procurador do MP_TC_GO_2007) No crime omissivo próprio, a consumação se verifica com a produção do resultado. Item errado. Resumindo: na norma proibitiva, o sujeito faz o que a norma proíbe; na norma mandamental, o sujeito não faz o que ela manda que ele faça. Veja mais dois exemplos de crimes omissivos próprios: “ Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo.” Abandono material, art. 244 do CPB. “Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória”. Omissão de notificação de doença, art. 269 do CPB. 25. Omissão Impura (imprópria ou crime comissivo por omissão) é quando a lei descreve um fazer, mas o sujeito atinge o resultado por um não fazer. Exemplo: mãe, com vontade de dar fim ao seu filho neonato, deixa de alimentá-lo, levando-o à morte. Matou (“matar” traz a idéia de ação) por um não fazer (não dar alimentos). Perceba que o tipo de homicídio traz-nos à mente uma idéia de fazer. Pensamos no verbo “matar” como algo que se faz por ação (desferir tiros, facadas, pauladas etc.). Ocorre que a lei admite que o verbo “matar” seja atingido por um “não fazer”, como no exemplo dado. Pense na seguinte proposição: É possível o sujeito responder pelo crime de estupro por um “não fazer”, aplicando-se o mesmo raciocínio utilizado no exemplo anterior? Agora a situação fica mais estranha, não é? Preste atenção no seguinte exemplo: Uma professora de educação primária percebe que sua aluna Ana, com doze anos de idade, está triste e cabisbaixa, atitude incomum para ela. A professora passa a conversar com a criança, quando ouve desta uma revelação terrível. Seu padrasto, Jorge, de 35 anos de idade, pediu que Ana praticasse sexo oral nele, no que foi atendido. Ana morava em um pequeno barraco em uma favela de Brasília, juntamente com seu irmão ainda bebê, além de sua mãe Socorro. Durante as investigações, constatou-se que Jorge praticara tal ato vouserserdelegado.blogspot.com 20 diversas vezes com Ana, sendo que Socorro, mesmo consciente do que ocorria, nada fazia para evitar a violência sexual. Também se verificou que Jorge contava tudo a um amigo e vizinho seu de nome Carlos. Este, da mesma forma, nada fez em socorro à criança. Qual a situação jurídica de Jorge, Ana e Carlos? Jorge, sem dúvida, responderá pelo tipo hoje descrito como “estupro de vulneráveis" (art. 217-A do CPB), provavelmente em continuidade delitiva. Como eu expliquei, Socorro, mesmo sabendo dos atos praticados por seu companheiro, nada fez para evitar o resultado. Então, deverá ela responder como partícipe dos estupros de Jorge. Mas por quê? Porque Socorro tinha em relação à Ana, por ser sua mãe, um dever especial de proteção ou de garantia. Socorro, mais do que qualquer outra pessoa, tinha o dever de evitar que sua filha sofresse tal violência. Tem ela, portanto, o dever legal de agir. Perceba que o tipo de estupro nos traz a ideia de “fazer” (comissivo), mas Socorro responde não por ter praticado a violência, mas por não tê-la evitado quando devia e poderia fazê-lo (omissão imprópria). Por isso que a doutrina denomina essa espécie de crime de “comissivo por omissão”. Só quem pode cometer o crime é quem tem o dever legal de agir, chamado garante ou garantidor da não ocorrência do resultado (art. 13, parágrafo 2º, CPB). Por fim, Carlos, apesar de tomar consciência da violência, não tinha nenhuma relação de especial dever de proteção em relação à Ana, motivo pelo qual deverá responder pela mera omissão (omissão de socorro, art. 135 do CPB). 26. Dever legal (garantes) (norma de dever de 2º grau) Os crimes omissivos impróprios exigem do sujeito ativo certa qualidade, qual seja, uma especial relação de proteção com o bem juridicamente tutelado. Deve ele estar enquadrado em uma das hipóteses de omissão penalmente relevante descritas no CPB (art. 13, § 2º), quais sejam: a) quem tem o dever de cuidado, proteção e vigilância ex.: pais, médico, policiais, filhos em relação aos pais idosos, tutor etc. Imagine o exemplo de um delegado de polícia que tem conhecimento de que um preso recolhido na delegacia está para ser estuprado por outros internos, nada faz para evitar essa conduta. Como o delegado é garante ( ou seja, tem por lei o dever de cuidado proteção e vigilância ) do preso, caso não haja com possibilidade de ter agido para evitar o resultado, responde por estupro por omissão. Lembre-se do exemplo do estupro acima. A mãe era GARANTE da filha. Por esse motivo, caso não haja em condição de fazê-lo, deverá responder pelo resultado.b) quem com sua conduta anterior causou o perigo. Chamado de ingerência. (Delegado de Polícia/NCE- UFRJ/PCDF/2005) No direito penal entende-se como ingerência : vouserserdelegado.blogspot.com 21 a) o comportamento anterior que cria o risco da ocorrência do resultado, gerando o dever de agir, que torna a omissão penalmente relevante; b) a participação de menor importância, que importa em causa de diminuição de pena; c) o arrependimento que, nos crimes sem violência ou grave ameaça à pessoa, motiva o agente a reparar o dano ou restituir a coisa até o recebimento da denúncia ou da queixa; d) a utilização de agente sem culpabilidade para a realização de um crime, importando em autoria mediata; e) a obediência por subalterno à ordem não manifestamente ilegal emanada de superior hierárquico. Item: A Ex.: Alpinista que leva um grupo para explorar uma montanha sem os devidos preparos e equipamentos de segurança. Ocorreu um fato em Brasília que se enquadra nessa hipótese: Um grupo de escoteiros foi fazer uma atividade em um parque de Brasília. Nessa ocasião, o chefe dos escoteiros determinou que os garotos, todos menores, fizessem uma competição no lago. Ocorre que um dos escoteiros não sabia nadar muito bem, tendo comentado tal fato ao chefe deles. O tal chefe determinou que ele pulasse no lago mesmo assim, pois era a forma que aprenderia a nadar. O garoto acabou se afogando, sem ser salvo pelo chefe dos escoteiros. Perceba que ao determinar que o garoto pulasse no lago, o sujeito criou um risco para a vítima. Ao fazer isso, tornou-se seu garante. c) de qualquer forma, se comprometeu a evitar o resultado Imagine que você seja aprovado no concurso dos seus sonhos. Já no primeiro mês usa a grana para dar uma viajada e espairecer. Então, compra um pacote pra passar o fim de semana em Caldas Novas. Durante o banho do sol (parece coisa de presidiário, né?), é interrompida por um moleque correndo de um lado para o outro, gritando, fazendo bagunça e comendo “cheetos bolinha”. Que beleza! Quem é esse moleque? Ele mesmo. O Alceu Júnior, filho da Dagmar com o Alceu (supostamente). Alceu tinha saído para jogar bola com os amigos e Dagmar foi ao clube com o Alceuzinho. Mas como Dagmar, você sabe, era muito danadinha, começou a dar mole para o salva-vidas do clube. Dagmar pede, então, que você fique de olho no moleque por dez minutinhos para que ela vá comprar um refrigerante pra ele (Goianinho Cola, hehe). Na verdade ela foi paquerar o tal salva-vidas. Você aceitou? Parabéns! Agora você é garante do Alceuzinho, porque você se comprometeu a evitar qualquer dano ao diabinho. Sacou? Se ele cair na piscina, meu amigo, minha amiga, trate de pular para salvá-lo. vouserserdelegado.blogspot.com 22 Caso contrário, você poderá responder por homicídio por omissão. PEGANDO O FIO DA MEADA! 1. Dividimos o Crime em três partes: fato típico, ilicitude e culpabilidade; 1. Estamos estudando o FATO TÍPICO; 2. Dentro do Fato Típico estudamos a CONDUTA e dois de seus elementos (ação e omissão); 3. A omissão pode ser própria (crime omissivo próprio), quando a própria lei descreve um não fazer; 4. A omissão pode ser imprópria (crime comissivo por omissão), quando a lei descreve um fazer, mas o agente atinge o resultado por uma “não - fazer”; 5. Somente os garantes respondem por omissão imprópria; 6. os garantes são: a. quem tem, por lei, obrigação de cuidado proteção e vigilância; b. quem criou o risco do resultado; c. quem se comprometeu a evitar o resultado. Para terminar a primeira aula, me deixa falar só de mais uma coisa que é muito importante, até porque consta do edital. Tratam-se dos sujeitos do crime. Todo crime possui sujeitos ativos e passivos. Sujeitos do Crime 27. Sujeito Ativo O sujeito ativo do crime é tanto aquele que pratica a conduta descrita no verbo do tipo penal (matar, subtrair, falsificar), como aquele que, mesmo não praticando o verbo o auxilia, instiga ou induz. 28. Sujeito Passivo Direto, constante ou material Sujeito passivo eventual ou material é aquele que tem seu bem jurídico prejudicado. Bem jurídico é a vida, a liberdade, o patrimônio etc. O sujeito passivo pode ser o homem, como no Homicídio, art. 121; a pessoa jurídica como na Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro, art. 171, § 2º, V; o Estado (crimes contra a Administração Pública) e uma coletividade destituída de personalidade jurídica, como no Vilipêndio a cadáver, art. 212, estes últimos são chamados crimes vagos. “Entidade sem personalidade jurídica” é, por exemplo, a família, a coletividade, a sociedade etc. Nem sempre o sujeito passivo é a vítima. Se eu empresto meu celular para um amigo, o qual é vítima de furto, continuo sendo o sujeito passivo. Isso porque foi meu bem jurídico (patrimônio) que foi atacado. 29. Sujeito passivo constante ou formal: é o Estado. Sempre que alguém comete um crime, acaba por desrespeitar uma lei criada GARANTES quem tem, por lei, obrigação de cuidado, proteção e vigilância quem criou o risco do resultado quem, de qualquer forma, se comprometeu a evitar o resultado vouserserdelegado.blogspot.com 23 pelo Estado. Por esse motivo, diz-se que o Estado sempre é “vítima” indiretamente. Pode ocorrer de o Estado ser sujeito passivo direto. Lembra-se do furto que ocorreu no Banco Central de Fortaleza? Quem era o sujeito passivo? O Estado, pois o Banco Central é uma Autarquia Federal (pessoa jurídica). 30. Não pode ser sujeito passivo de crime: o cadáver. No delito de vilipêndio à cadáver, art. 212 CP, o sujeito passivo é a coletividade; e no crime de calúnia contra os mortos ,art. 138, § 2º, do CP, sua família. São os crimes vagos de que falei acima. 31. Observações: a. Civilmente incapaz – pode ser sujeito passivo de crime; b. Recém-Nascido - pode ser sujeito passivo de crime (art. 123, infanticídio); c. Feto – também pode ser, como no aborto. d. Animais- não podem ser sujeitos passivos de crime. Os crimes contra a fauna (Lei 9.605.98) são crimes contra a humanidade. e. Crimes de subjetividade passiva única: o tipo penal apresenta um único sujeito passivo, como na ameaça (CP, art. 147); f. Crimes de dupla subjetividade passiva: o tipo penal prevê a existência de dois ou mais sujeitos passivos, como ocorre no aborto sem consentimento da mãe (CP, art. 125). No caso, tanto a mãe quanto o feto são sujeitos passivos. 33. PERGUNTA IMPORTANTE: Pode uma pessoa ser, ao mesmo tempo, sujeito ativo e passivo de crime? R. Regra geral, não. Exceção é o crime de Rixa (art. 137 CP). Nesse crime há uma briga generalizada onde todo mundo bate em todo mundo. Sujeito Passivo Direito: titular do direito tutelado Constante ou formal: o Estado Cadáver: não pode ser sujeito passivo de crime Civilmente incapaz: pode ser sujeito passivo Feto: pode ser sujeito passivo Sujeito ativo e passivo simultâneo: ocorre na Rixa. vouserserdelegado.blogspot.com 24QUESTÕES COMENTADAS 1. (CESPE/ESCRIVÃO E AGENTE DPF 2009) São elementos do fato típico: vouserserdelegado.blogspot.com 25 conduta, resultado, nexo de causalidade, tipicidade e culpabilidade, de forma que, ausente qualquer dos elementos, a conduta será atípica para o direito penal, mas poderá ser valorada pelos outros ramos do direito, podendo configurar, por exemplo, ilícito administrativo. Comentário: Errado. Os elementos do fato típico são: CO.RE.NE.TI. CONDUTA, RESULTADO, NEXO CAUSAL e TIPICIDADE. 2. (CESPE/ESCRIVÃO E AGENTE DPF 2009) Os crimes comissivos por omissão — também chamados de crimes omissivos impróprios — são aqueles para os quais o tipo penal descreve uma ação, mas o resultado é obtido por inação. Comentário: Correto. O exemplo clássico seria o da mãe que mata o próprio filho recém nascido por negar-lhe o peito. Lembre-se que só responde por esse crime quem estiver na posição de “garante”. 3. (CESPE/ESCRIVÃO E AGENTE DPF 2009) Com relação à responsabilidade penal da pessoa jurídica, tem-se adotado a teoria da dupla imputação, segundo a qual se responsabiliza não somente a pessoa jurídica, mas também a pessoa física que agiu em nome do ente coletivo, ou seja, há a possibilidade de se responsabilizar simultaneamente a pessoa física e a jurídica. Comentário: Correto. Para essa teoria, sempre que uma pessoa jurídica responder por um crime ambiental, com ela responderá uma pessoa física. Cuidado. A 1ª Turma do STF adotou posição um pouco diferente. No Informativo 714 publicou-se um julgado em que a Pessoa Jurídica foi condenada MESMO COM A ABSOLVIÇÃO DA PESSOA FÍSICA (RE 548181/PR, rel. Min. Rosa Weber, 6.8.2013). 4. (CESPE_Procurador do MP_TC_GO_2007) Relativamente ao sujeito ativo e ao sujeito passivo do crime, à tentativa e ao crime consumado, julgue os itens: De acordo com o ordenamento penal vigente, o homem morto pode ser sujeito passivo de crime. Comentário: Errado. Só quem pode ser sujeito passivo de crime é a pessoa viva ou o feto vivo. No delito de vilipêndio à cadáver, por exemplo, art. 212 CP, o sujeito passivo é a coletividade ou a família do morto. “Vilipendiar cadáver ou suas cinzas” (art. 212 do Código Penal). Exemplo: escarrar sobre o cadáver. GABARITO: ERRADO vouserserdelegado.blogspot.com 26 5. (CESPE_Procurador do MP_TC_GO_2007) A pessoa jurídica pode ser sujeito ativo de crime, dependendo da sua responsabilização penal, consoante entendimento do STJ, da existência da intervenção de uma pessoa física que atue em nome e em benefício do ente moral. Comentário: Correto. Para essa teoria, sempre que uma pessoa jurídica responder por um crime ambiental, com ela responderá uma pessoa física. Ver observação da questão 3. 6. (CESPE_Procurador do MP_TC_GO_2007) No crime omissivo próprio, a consumação se verifica com a produção do resultado. Comentário: Nos crimes omissivos próprio, aqueles em que a própria lei descreve um “não-fazer”, a consumação se verifica no momento da conduta omissiva. Exemplo: O sujeito vê uma pessoa acidentada e, podendo, não a ajuda. O crime está consumado, independentemente de a vítima vir a falecer ou não. GABARITO: ERRADO 7. (CESPE_PROCURADOR ESPECIAL DE CONTAS – TCE-ES_2009) São elementos do fato típico culposo: conduta humana voluntária (ação/omissão), inobservância do cuidado objetivo (imprudência/negligência/imperícia), previsibilidade objetiva, ausência de previsão, resultado involuntário, nexo de causalidade e tipicidade. Comentário: A previsibilidade ou evitabilidade do resultado: todo crime culposo tem previsibilidade (a capacidade ou possibilidade de previsão). Se não há previsibilidade de ocorrer um crime não haverá culpa. Cumpre-nos observar a definição de Carrara de que a culpa é a voluntária omissão de diligência em calcular as conseqüências possíveis e PREVISÍVEIS do próprio fato. CORRETO 8. (Delegado de Polícia/NCE- UFRJ/PCDF/2005) No direito penal entende-se como ingerência : a) o comportamento anterior que cria o risco da ocorrência do resultado, gerando o dever de agir, que torna a omissão penalmente relevante; b) a participação de menor importância, que importa em causa de diminuição de pena; c) o arrependimento que, nos crimes sem violência ou grave ameaça à pessoa, motiva o agente a reparar o dano ou restituir a coisa até o recebimento da denúncia ou da queixa; vouserserdelegado.blogspot.com 27 d) a utilização de agente sem culpabilidade para a realização de um crime, importando em autoria mediata; e) a obediência por subalterno à ordem não manifestamente ilegal emanada de superior hierárquico. Comentário: Crimes omissivos impróprios, também chamados comissivos por omissão, ocorrem quando o tipo descreve uma ação e o resultado é atingido por uma inação, por exemplo, a mãe que mata o filho neonato por não fornecer-lhe o peito. Para ser responsabilizado pelo resultado, o agente deve estar em uma das situações previstas no art. 13, § 2º do CPB, ocasião em que será garante da não ocorrência do resultado. Uma dessas situações previstas no citado artigo é justamente o que a doutrina convencionou chamar de “ingerência”, ou seja, quando o dever de agir incumbe a quem com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. GABARITO: A 9. ( CESPE – Agente de Polícia Federal 2004) Sujeito ativo do crime é aquele que realiza total ou parcialmente a conduta descrita na norma penal incriminadora, tendo de realizar materialmente o ato correspondente ao tipo para ser considerado autor ou partícipe. Comentário: O sujeito ativo pode cometer o crime como autor, coautor ou partícipe, conforme veremos em aula específica. Mas, não é necessário que o sujeito ativo pratique o verbo do tipo penal. Lembra- se do crime omissivo impróprio ou comissivo por omissão? Pois então. GABARITO: ERRADO 10. (CESPE – Agente de Polícia Federal 2004) A coação física e a coação moral irresistíveis afastam a própria ação, não respondendo o agente pelo crime. Em tais casos, responderá pelo crime o coator. Comentário: A COAÇÃO FÍSICA IRRESISTÍVEL, conforme estudamos, afasta a própria conduta, pois é elemento desta. A COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL, por sua vez, afasta a EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA, elemento do Culpabilidade. Estudaremos esta última em aula posterior deste curso. GABARITO: ERRADO 11. ( MPE-MG - 2010 - MPE-MG – PROMOTOR DE JUSTIÇA ) A pessoa pode ser, ao mesmo tempo, sujeito ativo e passivo de um delito em face de sua própria conduta. Comentário: Excepcionalmente, a pessoa pode ser sujeito ativo e passivo do crime, como ocorre no crime de Rixa (Participar de rixa, salvo para separar os vouserserdelegado.blogspot.com 28 contendores. Art. 137 do CPB). Neste caso, os participantes agridem-se mutuamente, sendo todos, ao mesmo tempo, agressores e agredidos. GABARITO: CERTO 12. (CESPE - 2010 - TRE-BA - Analista Judiciário) A imputabilidade penal é um dos elementos que constituem a culpabilidade e não integra a tipicidade. Comentário: Com uma rápida análise na estrutura do crime ( veja o esqueleto do crime) percebe-se que a imputabilidade é elemento da culpabilidade. Estudaremos profundamentea imputabilidade em aula específica. GABARITO: CERTO 13. ( CESPE - 2010 - TRE-BA - Analista Judiciário - Área Administrativa) A coação física irresistível afasta a tipicidade, excluindo o crime. Comentário: Correto. A coação física irresistível afasta a voluntariedade da conduta. Conduta só existe se possuir vontade. Como a conduta é elemento do fato típico (tipicidade em sentido amplo), está ficará afastada sem esse elemento. 14. (FMP-RS - 2013 - MPE-AC - Analista - Processual - adaptada) No conceito analítico do crime, a imputabilidade penal constitui elemento autônomo do crime. Comentário: Errado. No conceito analítico do crime, a imputabilidade constitui elemento da culpabilidade, esta sim um elemento autônomo. 15. (CESPE - 2013 - TJ-DF - Técnico Judiciário - Área Administrativa ) Considera-se crime toda ação ou omissão típica, antijurídica e culpável. Comentário: Correto. Considera-se crime toda ação ou omissão típica, antijurídica e culpável, considerando-se a teoria tripartida, adotada pelo Cespe. 16. (FUNCAB - 2013 - PC-ES - Escrivão de Polícia) Infração penal significa: a) Quando um caso não previsto em lei é regulado por um preceito legal, que rege um semelhante. b) Ofensa real ou potencial a um bem jurídico, levando-se em consideração os elementos subjetivos do tipo, a ilicitude e a culpabilidade. c) Todos os valores ético-sociais que estejam a exigir uma proteção especial, no âmbito do direito penal, por se revelarem vouserserdelegado.blogspot.com 29 insuficientes à proteção dos outros ramos do direito. d) Quando o princípio para o caso omitido se deduz do espírito e do sistema do ordenamento jurídico, considerado em seu conjunto. e) Que o delito é sinônimo de contravenção penal no Brasil. Comentário: a) Errado. Quando um caso não previsto em lei é regulado por um preceito legal, que rege um semelhante, estaremos tratando do instituto da analogia ( e não da “infração penal). A analogia em Direito Penal somente poderá ser adotado em benefício do réu. b) Correto. A infração penal é a ofensa real (ex.: morte, lesão coporal etc.) ou potencial (ex.: tentativa) a um bem jurídico (vida, patrimônio etc.), levando-se em consideração os elementos subjetivos do tipo (dolo e culpa), a ilicitude e a culpabilidade. c) Errado. O item trata, em verdade, do princípio da intervenção mínima, segundo o qual o Direito Penal deve proteger somente os bens jurídicos mais importantes (especiais). Assim, deve ser invocado apenas quando a intervenção de outros ramos do direito não for suficiente para o controle social. O Direito Penal é a ultima ratio (último instrumento) do legislador para as soluções dos conflitos. A Lei Penal é enfraquecida todas as vezes que é chamada a intervir em situações em que os Direitos Civil, Comercial, Administrativo, por exemplo, poderiam trazer solução satisfativa. d) Errado. Trata-se, mais uma vez, da analogia. e) Errado. Adota-se no Brasil a teoria dicotômica, que diferencia crime de contravenção penal. DIREITO PENAL PARTE GERAL (SEGUNDA AULA) PROFESSOR LÚCIO VALENTE Técnica de estudo: 1º Faça uma primeira leitura da aula, buscando apenas um primeiro contato com os tópicos. Nesse momento, sublinhe apenas palavras e termos desconhecidos. Tempo estimado: 30 min. 2º Faça nova leitura da aula. Nesse momento, o aluno deve compreender cada ponto (perceba que divido minha aula em pontos, sendo que cada um traz uma ideia central). Descubra o significado dos termos desconhecidos. Tempo estimado: 2 a 4 horas. 3º Faça um resumo com as ideias centrais de cada ponto com palavras- chave ou na forma de perguntas e respostas (ex.: Ponto 10: O que é conduta? R: é a ação ou omissão humana consciente e voluntária voltada para uma finalidade). vouserserdelegado.blogspot.com 30 Tempo estimado: 1 hora. 4º Memorize as palavras-chave ou as respostas. Tempo estimado: 1 a 2 horas. Obs.: peça pra alguém lhe “tomar” a aula ou finja que está ensinando para alguém o que aprendeu (seu cachorro pode ser um ótimo aprendiz!). 5ª Estude as questões. Não as use como forma de teste. Leia cada uma buscando as respostas no texto da aula ou nos comentários respectivos. Tempo: 1h30min 6º Antes da aula seguinte, revise a aula estudada. Tempo: 10 minutos. 7º Faça revisões semanais de todas as aulas já estudadas. Para isso, releia seu resumo e só volte ao texto da aula quando precisar recordar determinados pontos. Obs.: divida o estudo da aula em, pelo menos, dois dias (ex.: 1º dia: leitura e resumo; 2º dia: memorização e questões). Antes de iniciarmos a primeira aula, solicito ao aluno que relembre comigo a estrutura do crime apresentada na aula zero (demonstrativa). Perceba que estamos estudando o fato típico. Dentro do fato típico estamos estudando a conduta. Já estudamos que a conduta é a “ação ou omissão, humana, consciente, voluntária e com finalidade”. Já estudamos (1) ação e omissão {própria e imprópria}; (2) praticada por ser humano; (3) consciente; (4) voluntária; (5) finalística. Veja o gráfico: 1. Formas de conduta típica – Dolo e Culpa O estudo do dolo e da culpa no âmbito da conduta é uma conveniência didática. Na verdade, o dolo e a culpa são realidades típicas, leia-se, são elementos pertencentes ao tipo penal e não à conduta. De fato, podemos afirmar que José agiu com dolo ao matar João, mas não poderíamos dizer que José agiu com dolo ao beber água para matar a sede. Claro, porque “matar a sede” não é algo previsto como uma conduta típica, mas “matar alguém” sim. A conduta penalmente relevante deve ser necessariamente típica, diga-se, deve encontrar adequação a determinado tipo penal. Esse fenômeno somente pode ocorrer com a existência de dolo ou culpa descritos nos tipos penais. A conduta de disparar arma de fogo, como exemplo, pode ou não ter relevância típica. Se fato típico CONDUTA: (1) ação e omissão {própria e imprópria}; (2) praticada por ser humano; (3) consciente; (4) voluntária; (5) finalística. resultado nexo causal tipicidade ilicitude estado de necessidad e legítima defesa estrito cumprimento do dever legal exercício regular do direito culpabilidade imputabilidade potencial consciência da ilicitude exigibilidade de conduta diversa vouserserdelegado.blogspot.com 31 tal ação ocorrer em um stand de tiros, durante treinamento militar, será apenas mais uma conduta humana. Caso essa conduta ocorra em via pública (ex.: pessoa que efetua disparo de arma de fogo para o alto) encontrará adequação a um tipo descrito no Estatuto do Desarmamento. Nesse caso, a conduta dolosa está descrita no tipo penal, trazendo relevância para o estudo do dolo. Dessa forma, a abordagem que faço da conduta é do ponto de vista jurídico-penal. Não falo aqui de qualquer conduta, mas somente daquela com relevância típica. E conduta com relevância típica significa que ela está relacionada a determinado tipo penal. De tal modo, não nos interessa a conduta de “pular”, mas nos interessa muito a conduta de quem pula por sobre alguém causando-lhe lesões corporais. Essa última é conduta com relevância típica. É que os finalistas
Compartilhar