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1 Marketing Estratégico MARKETING ESTRATÉGICO GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS 1 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS APRESENTAÇÃO Prezado (a) Acadêmico (a), Bem-vindo(a) à Graduação na modalidade a distância, ofertado pelo Centro Universitário Dinâmica das Cataratas – UDC. Sabemos que o seu percurso de aprendizagem necessita ser acompanhado e orientado, para que você obtenha sucesso nos estudos e construa um conhecimento relevante à sua formação profissional e acadêmica. Preparamos este material didático, possibilitando, assim, guiá-lo no autoestudo da disciplina e na realização das atividades. Além disso, você conta com o ambiente virtual de aprendizagem como espaço de estudo e de participação ativa no curso. Nele você encontra as orientações para realizar atividades e avaliações on-line, além de recursos que vão enriquecer a proposta deste material didático, tais como links para sites da Internet, vídeos gravados pelo professor e outros por ele sugeridos, textos, animações, ilustrações, dentre outras mídias. Lembre-se, no entanto, de que você deve se organizar para criar sua própria autonomia de estudo. Isso inclui o planejamento do seu tempo de dedicação ao estudo individual e de participação colaborativa no ambiente virtual. Este material é o seu livro-texto e apoio importante no percurso de aprendizagem! Bom estudo! Direção UDC On-line 2 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ...................................................................................................... 1 UNIDADE I – O SURGIMENTO DA FILOSOFIA ........................................................ 3 1.1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 3 1.2 DO MITO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO ........................................................ 6 1.3 A FILOSOFIA E O PROCESSO DO FILOSOFAR ................................................ 9 1.4 O SENSO COMUM E O PENSAR FILOSÓFICO ................................................ 10 1.5 O CONHECIMENTO ........................................................................................... 13 UNIDADE II – CONCEITOS E TEORIAS INFLUENTES NO PENSAMENTO FILOSÓFICO ............................................................................................................ 18 2.1 SOBRE O MÉTODO METAFÍSICO .................................................................... 19 2.2 O RACIONALISMO E O EMPIRISMO................................................................. 20 2.3 O CRITICISMO KANTIANO E A DIALÉTICA ...................................................... 23 2.4 A DIALÉTICA ...................................................................................................... 25 2.5 A FILOSOFIA DOS IMPULSOS .......................................................................... 26 2.6 O PENSAMENTO POLÍTICO .............................................................................. 29 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 32 3 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS UNIDADE I – O SURGIMENTO DA FILOSOFIA 1.1 INTRODUÇÃO Nesta obra estão representados diversos pensadores de diferentes épocas em um mesmo ambiente. Escola de Atenas, 2005 – reprodução feita por Alexandre Schuck de obra de Rafael Sanzio (1483 – 1520). O surgimento da filosofia, do mito ao pensamento filosófico, a filosofia e o processo do filosofar, o senso comum e o pensar filosófico, o conhecimento. Você sabia? É por causa da Academia do filósofo Platão que os estudantes de nível superior são chamados de acadêmicos. Na Academia de Platão também eram realizados exercícios físicos (ginástica) os quais preparavam para a atividade militar. É por isso que hoje em dia, os lugares em que se realizam a preparação física ou militar também são chamados de academias. Neste estudo você vai entrar no “mundo das ideias filosóficas”, tornando 4 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS mais claro o processo do filosofar e obtendo uma maior intimidade com esta forma de conhecimento. Na Grécia, século VI a.C.: surge uma nova forma de pensar e interpretar o mundo, uma forma que valoriza a reflexão, baseada no discurso racional (logos), sem recorrer às explicações e narrativas fantásticas (mythos). A filosofia inicial surge como uma cosmologia, pois os filósofos buscam uma causa primordial para o mundo. Os primeiros filósofos estão interessados em entender a natureza (physis) sem recorrer às tradições mitológicas e religiosas. Adiante veremos como isto ocorre. Na Grécia, século V a.C.: surge a Academia de Platão, o primeiro protótipo do que seria uma Universidade de nossos dias. Qual a principal disciplina ensinada na Academia? Se pensar filosofia, acertou. A palavra filosofia é derivada do grego philosophia. Philo significa amor filial ou amizade. Sophia significa sabedoria. Deste modo, o filósofo seria um amigo ou amante da sabedoria. Porém, apesar do significado etimológico da palavra, a discussão sobre o que realmente é a filosofia não encontrou um consenso entre os filósofos, constituindo até hoje objeto de discussão. A Filosofia é a mais antiga das disciplinas acadêmicas. O ensino do conhecimento filosófico foi o primeiro passo para o surgimento do modelo acadêmico. Mesmo assim, apesar de tanto tempo e tradição, ela parece sempre requerer uma justificação e esclarecimento sobre sua presença no processo de aprendizado e currículo dos cursos superiores. Para que filosofia? O que ela é? Como surgiu? Quando iniciamos um debate ou reflexão com a pergunta “o que é?”, abre-se a possibilidade de adentrarmos no processo que permite pensarmos os fundamentos. Pensar filosoficamente é pensar os fundamentos. O que equivale a pensar as bases de sustentação, as primeiras causas e princípios de algo. Por 5 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS exemplo: a pergunta “o que é o homem?” nos remete a pensar qual sua origem, seu princípio e o que o mantém enquanto sujeito no mundo. Este tipo de investigação também será desenvolvido pela metafísica, um ramo importante da filosofia. Diante da complexidade da natureza, - que ao mesmo tempo era capaz de maravilhar e assustar com seus ciclos de mudanças, nascimento e morte -, os primeiros filósofos gregos deram diferentes respostas à pergunta pelo fundamento do mundo natural. Desde a Grécia antiga até a atualidade o que se busca através do pensamento filosófico é esclarecer questões como: Qual é o elemento fundamental que origina e move a natureza? Quais são os fundamentos da matemática? Qual é o fundamento do agir humano? Qual é o fundamento do conhecimento? Responder a questões como esta não é fácil, mas enquanto não avançarmos nelas, não podemos dizer que conhecemos o que é o homem e o mundo. O surgimento da filosofia confunde-se com o surgimento do modo ocidental de pensar. A palavra philosophía diz-nos que a filosofia é algo que pela primeira vez e antes de tudo marca a existência do mundo grego. Não só isto – a philosophía determina também a linha mestra de nossa história ocidental– europeia. (HEIDEGGER, Martin. Que é isto – a filosofia, p. 29, 1996). Como destaca o filósofo alemão Martin Heidegger, o modo ocidental de pensamento surge na Grécia antiga, onde, gradativamente, foi se desenvolvendo um processo reflexivo diferente de tudo que se conhece até então. Além da filosofia, também herdamos da Grécia antiga outros importantes componentes até hoje fundamentais para a Civilização Ocidental, dentre eles: palavras e conceitos de nosso vocabulário; os princípios do pensamento científico; o conceito de política; a primeira noção de democracia; as primeiras noções do Direito, assim como as reflexões sobre Ética. Os gregos pretendiam avanços que pudessem conferir maior liberdade à vida humana e à sociedade. Liberdade no sentido de não mais depender somente do que o destino ou a natureza nos reserva. O pensamento filosófico desenvolvido pelos gregos visava interpretar e exercer domínio sobre o mundo. Isto constituiu uma revolução, pois até então, qualquer interpretação dos fundamentos do mundo estava relacionada ou equivalia a uma explicação através dos mitos. 6 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS 1.2 DO MITO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO Mito, do grego mythos, significa narrativo ou lenda. As lendas mitológicas eram a forma mais usual de dar sentido para o mundo e as transformações que nele ocorriam. Quem narrava eram os poetas, considerados escolhidos pelos deuses, eles teriam o poder de revelar os acontecimentos passados e todas as fantásticas ações dos deuses. Os gregos confiavam nos mitos porque os consideravam provenientes da revelação divina. Um exemplo de mito é a lenda de Prometeu, a qual narra o surgimento do fogo e dos males sobre a terra. “Para os homens”, o fogo é essencial, pois com ele se diferenciam dos animais, porque tanto passam a cozinhar os alimentos, a iluminar os caminhos na noite, a se aquecer no inverno quanto podem fabricar instrumentos de metal para o trabalho e para a guerra. Um titã Prometeu mais amigo dos homens do que dos deuses, roubou uma centelha de fogo e a trouxe de presente para os humanos. Prometeu foi castigado (amarrado num rochedo para que as aves de rapina, eternamente, devorassem seu fígado) e os homens também. Qual foi o castigo dos homens? Os deuses fizeram uma mulher encantadora, Pandora, a quem foi entregue uma caixa que conteria coisas maravilhosas, mas nunca deveria ser aberta. Pandora foi enviada aos humanos e, cheia de curiosidade e querendo dar a eles as maravilhas, abriu a caixa. Dela saíram todas as desgraças, doenças, pestes e guerras e, sobretudo, a morte. “Explica-se assim a origem dos males no mundo” (CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia, p. 31, 1997). O surgimento da filosofia entre os gregos não eliminou a existência dos mitos, já que muitos mitos permanecem presentes até hoje, mas conferiu a possibilidade de uma via de explicação que busca uma fundamentação racional para a compreensão de mundo. Este novo modelo de fundamentação teórica foi essencial para o surgimento 7 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS do conhecimento científico, pois lançou as bases teóricas para o desenvolvimento da ciência. Também podemos entender que este processo iniciado na Grécia antiga, que prima por conhecimentos alicerçados na racionalidade, tornou possível o desenvolvimento de milhares de teorias que deram subsídios para a ciência e os avanços tecnológicos que temos hoje. A filosofia surgiu não tanto como um novo conhecimento, mas principalmente como uma nova maneira de interpretar e explicar o mundo. Tales de Mileto: Conhecido como O “Pai da Filosofia”. Tales definiu a água como sendo o elemento primordial para o surgimento da vida. Hoje em dia, quando os astrônomos pesquisam outros planetas, buscam prioritariamente encontrar água, pois se esta for encontrada, há a possibilidade de haver, ou já ter havido, alguma forma de vida naquele planeta. Como já foi visto anteriormente, a filosofia é um processo que busca entender os fundamentos. As explicações fantásticas proporcionadas pelos mitos já não eram satisfatórias. Era preciso encontrar outra forma de interpretar o mundo. Nisso, os primeiros filósofos foram elaborando teorias que pudessem fornecer uma explicação natural para a origem e transformação do mundo. Para Tales de Mileto, considerado o primeiro filósofo, o mundo e os seres vivos tem seu fundamento na água, pois observou que sem água nenhum ser vivo pode sobreviver. Tales viu na água o elemento primordial para a existência das coisas. Outras teorias sucederam esta: para Anaxímenes, o fundamento estava no ar; para Pitágoras, nos números; para Demócrito, no átomo (entendido enquanto 8 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS multiplicidade de partículas indivisíveis que compõe todos os seres); para Heráclito, o princípio que rege a realidade estaria no movimento e na luta entre os opostos. Assim, sucessivamente, cada filósofo buscou estruturar uma argumentação capaz de provar racionalmente um fundamento único para o mundo. Estes primeiros filósofos também foram conhecidos como filósofos da natureza ou pré-socráticos. Marilena Chauí destaca algumas características presentes na filosofia por ocasião de seu surgimento na Grécia antiga: “– tendência à racionalidade, isto é, a razão e somente a razão, com seus princípios e regras, é o critério de explicação de alguma coisa; Tendência a oferecer respostas conclusivas para os problemas, isto é, colocado um problema, sua solução é submetida à análise, à crítica, à discussão e à demonstração, nunca sendo aceita como uma verdade, se não for provado racionalmente que é verdadeira; Exigência de que o pensamento apresente suas regras de funcionamento, isto é, o filósofo é aquele que justifica suas ideias provando que segue regras universais do pensamento. [...] Recusa de explicações preestabelecidas e, portanto, exigência de que, para cada problema, seja investigada e encontrada a solução própria exigida por ele; “Tendência à generalização, isto é, mostrar que uma explicação tem validade para muitas coisas diferentes porque, sob a variação percebida pelos órgãos de nossos sentidos, o pensamento descobre semelhanças e identidades.” (CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia, 1997, p. 32-33). Os filósofos Platão e Aristóteles Como podemos ver, desde o início, pensar filosoficamente equivale a pensar 9 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS de modo racional, crítico e criterioso. Os pensadores sempre objetivaram uma argumentação que possa ser demonstrada por meio do logos (discurso racional), buscando eliminar opiniões infundadas ou explicações fantásticas (mitológicas). 1.3 A FILOSOFIA E O PROCESSO DO FILOSOFAR O que geralmente chamamos de filosofia é o conjunto de milhares de teorias elaboradas pelos filósofos que, no decorrer da história da Civilização Ocidental, tentam interpretar e jogar luz sobre a realidade. Essas teorias geralmente surgiram a partir da elaboração de perguntas fundamentais. Estas questões direcionam as reflexões dos filósofos. Perguntas tais como: O que é o mundo? O que é o homem? O que é a verdade? O que é o bem? Estimulados por questões fundamentais, o filósofo avança em suas reflexões, nesteprocesso o pensador costuma confrontar suas posições com as tentativas de respostas que já foram elaboradas por outros filósofos. É a partir do debate entre o pensamento presente e as reflexões do passado que surgem as teorias filosóficas. Estas teorias podem influenciar não só nosso modo de pensar, como também a maneira de agirmos e nos organizarmos socialmente. Por exemplo: os valores que deram origem a alguns direitos, como os direitos humanos, estiveram na pauta de debate de diversos filósofos desde a antiguidade até serem acolhidos por nosso modo de organização social e transformarem-se em direitos universalmente reconhecidos. O fato de que não se chega facilmente a respostas conclusivas não desanima o filósofo, pois se não há um ponto final, também não se pode dizer que não há avanços do pensamento. As ideias filosóficas tentam refletir sobre a realidade de modo a “jogar luz sobre o real”. O filósofo alemão Karl Jaspers comenta: Quem se dedica à filosofia interessa-se por tudo. Mas não há homem que possa tudo conhecer. [...] Abertas para o real, seja o real o que for, tentam essas exposições [as exposições filosóficas dos pensadores] descobrir o caminho que leva do real ao fundo das coisas, buscam, a partir desse fundo, lançar luz sobre as realidades (JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. 2003 p.13). 10 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS O mais importante no estudo de filosofia não é o acúmulo de conhecimento das teorias filosóficas, e sim, fazer com que o contato com estas teorias possa desencadear em nós um processo próprio de reflexão. Filosofar é reaprender a ver o mundo, ver o mundo com os “próprios olhos”, pois através de uma pequena auto avaliação, perceberemos que a leitura que costumamos fazer da realidade não é uma leitura nossa. Ao longo de nossa vida, sem perceber, acabamos assumindo posições e defendendo ideias exteriores, elaboradas com base no senso comum e que nem sempre fazem muito sentido. Essas ideias foram herdadas da cultura em que vivemos. Até agora a TV nos disse como as coisas são, também as revistas, a Internet, a escola e a religião, mas estamos certos destes conceitos recebidos culturalmente? Há outras maneiras de se interpretar o mundo que não seja o que já recebemos pronto? Certamente que sim. É por isso que filosofar é reaprender a ver o mundo, é tentar ver o mundo através do crivo de nossa própria racionalidade, tentando questionar o que já foi dito e vendo as coisas de uma nova maneira, livre de velhos preconceitos. 1.4 O SENSO COMUM E O PENSAR FILOSÓFICO Ninguém está propenso a aceitar que seu modo de interpretar as coisas é comum, preconceituoso e irrefletido. É por isso que, se nos falam que nosso modo de pensar faz parte do senso comum, entendemos isso como algo pejorativo. Chamamos senso comum ao conhecimento adquirido por tradição, herdado dos antepassados e ao qual acrescentamos os resultados da experiência vivida na coletividade a que pertencemos. Trata-se de um conjunto de ideias que nos permite interpretar a realidade, bem como de um corpo de valores que nos ajuda a avaliar, julgar e, portanto, agir. O senso comum, porém, não é refletido e se encontra misturado a crenças e preconceitos (ARANHA, Mª. L. A. Filosofando, 2003, p. 60). Apesar de querermos nos distinguir do pensamento da maioria, sem perceber, quase toda nossa forma de pensar e nossos valores tem sua origem na cultura em que vivemos, a qual fornece as bases para o senso comum. É preciso 11 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS empreender um processo reflexivo constante para não sermos dominados pelas formas de pensar praticadas pelo senso comum. É muito difícil pensar de forma original quando somos bombardeados diariamente por todo tipo de informação. E mesmo quando buscamos o conhecimento filosófico, muitas vezes acabamos por “comprar” ideias que não são nossas e sim dos filósofos. Para o filósofo alemão Immanuel Kant, “não há filosofia que se possa aprender; só se pode aprender a filosofar”. Podemos compreender a filosofia não como uma entidade ou um conjunto de conhecimentos com os quais ela geralmente se confunde, e sim como um processo, um modo de pensar a partir de argumentos racionais que buscam ir à raiz das questões sem recorrer a mitos ou preconceitos. Assim, o mais importante não é aprender as teorias filosóficas, mas aprender a pensar filosoficamente. O estudo de uma História das Ideias ganha maior sentido quando provoca em nós algumas reflexões. Assim, nossa visão de mundo pode ser elaborada e enriquecida pelo contato com as diferentes interpretações realizadas pelos filósofos no decorrer da História Ocidental. Muitos podem fazer o seguinte questionamento: por que continuamos estudando ideias de filósofos que viveram há tanto tempo e que pensaram o mundo em um contexto sociocultural bem diferente do nosso? E a resposta é: apesar de estarem distantes de nós no tempo e terem vivido em outro contexto cultural, os questionamentos destes filósofos e as teorias que elaboraram ainda fazem muito sentido para nós. Pois os problemas humanos costumam ter uma dimensão atemporal. Enquanto fizer algum sentido o que eles questionaram e disseram, provavelmente estes pensadores continuarão presentes com suas ideias sendo sempre analisadas e renovadas pelo debate. É bom lembrar que centenas de filósofos foram esquecidas ao longo da história, muito provavelmente porque suas ideias não tiveram tanta repercussão ou porque o que eles disseram não foi bem compreendido e aceito pela sociedade de seu tempo. Isto não significa que suas ideias não eram interessantes, muitas delas eram tão interessantes quanto às ideias ainda presentes no debate filosófico. Outras não tiveram muito vigor na sua argumentação e foram suplantadas. O que ocorre é que há um jogo cultural sempre em curso onde umas ideias e conceitos sobrevivem e 12 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS outros são postos à margem ou esquecidos. Para entender um pouco melhor como pode se dar o caminho do filósofo em direção ao processo filosófico, nada melhor do que uma antiga alegoria, ou seja, uma imagem metafórica de uma ideia ou realidade. Esta alegoria, mais conhecida como mito da caverna, foi escrita por Platão no livro VII de A República, um dos mais importantes livros da filosofia grega. Nesta alegoria Platão busca demonstrar o movimento empreendido pelo filósofo em busca de um conhecimento superior da realidade. Platão nos convida a imaginar a seguinte situação: Imaginem homens que, desde o nascimento, estiverem acorrentados ao fundo de uma caverna. Estes homens não tinham mobilidade e um muro se erguia entre eles e a saída da caverna. Isto os impedia de acessarem outra realidade que não fosse aquela. Sua noção de mundo estava reduzida ao interior da caverna e a sombras que eram projetadas por cima do muro pela luz de uma fogueira. Pessoas passavam com objetos que projetavam silhuetas no interior da caverna. A voz das pessoas que projetavam as sombras produziam ecos que os homens da caverna imaginavam como sendo o som produzido pelas próprias sombras. Em determinado momento um destes homens é libertado, com dificuldade ele se movimenta e passa para além do reduto em que se encontrava. Acostuma-se aos poucos com a luz e passa a ficar assombrado com outra realidade que se descortina diante de seus olhos. Saindo da caverna se dará conta de queantes só havia conhecido as sombras dos objetos e não os próprios objetos. Também se dá conta que, iluminada pelo sol, há uma realidade mais ampla e perfeita que não conhecia. Após conhecer esta outra realidade superior, o homem volta à caverna. Agora sua dificuldade está em adaptar-se novamente à visão reduzida que só observa as sombras. Seus companheiros argumentam que ele foi prejudicado ao sair do reduto em que se encontrava, pois fala de coisas que eles não entendem e agora sente dificuldades de adequar-se à condição que antes lhe era natural. E quando este prisioneiro que se libertou da visão restrita que só conhecia as sombras, tentar ajudar seus companheiros a libertarem-se do pequeno mundo da caverna, estes poderão considerá-lo nocivo para o grupo e quererão até matá-lo. Isto porque consideram mais cômodo continuarem adaptados àquela condição de ignorância. 13 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS Platão compara a situação dos homens presos na caverna à de nós humanos presos às coisas humanas e imperfeitas do mundo que é o que geralmente compõe o senso comum. Através desta alegoria Platão compara aquele que filosofa ao prisioneiro que foi liberto dos grilhões da caverna e foi posto em contato com um conhecimento mais amplo e verdadeiro. Aquele que alcança um conhecimento superior dificilmente se adéqua novamente a um modo restrito de pensamento, pois sua mente e capacidade reflexiva foram expandidas. Por isso, muitas vezes percebemos o filósofo como alguém que não compartilha do “mundo dos comuns”, alguém que pensa de modo muito diferente da maioria, ou que vive outra realidade que não a nossa. Mas, se dermos ouvidos aos argumentos desses pensadores, se atentamente acompanharmos seu raciocínio, verá que eles não dizem coisas que não podem sustentar. O filósofo elabora suas ideias de modo rigoroso, pois pretende que elas sejam consistentes e difíceis de serem refutadas. O que nos parece uma ideia estranha, é, na maioria das vezes, uma ideia que oferece certa complexidade e que por isso mesmo é frequentemente mal compreendida. Assim, podemos concluir que o processo do filosofar nos afasta do pensamento compartilhado pelo senso comum, pois passamos a ver a realidade de forma mais crítica e abrangente, e a perceber coisas que antes não víamos, fazendo relações que antes não fazíamos. Filosofar, seguramente, pode transformar o modo de ver e interpretar a realidade. E será que alguém que transforma seu modo de ver e interpretar também não acaba agindo de forma diferente? Acreditamos que sim. A respeito disto, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche dizia que toda verdadeira filosofia acaba por ser, sobretudo, vivência. Isto significa que o que se pensa acaba refletindo no modo de viver, assim como as experiências de vida acabam transformando nosso pensamento. 1.5 O CONHECIMENTO O homem tem necessidade de conhecer. Sem conhecimento ele não tem 14 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS como ordenar e transformar o seu mundo para prover as condições de que necessita para viver. Assim, o conhecimento pode prover as ferramentas que faltavam ao homem. Enquanto os animais possuem instintos apurados, garras ou presas, o homem possui a razão e o conhecimento. Filósofos e seus discípulos. Detalhe da obra “Escola de Atenas” por Alexandre Schuck. Se examinarmos mais a fundo, veremos que as instituições com grandes poderes tem sua base real no conhecimento. Grandes potências tanto da política como do mundo empresarial, necessitam de muito conhecimento para manter sua posição de domínio. A informação e o conhecimento são as maiores armas que o homem possui frente aos desafios da sobrevivência junto à natureza. Para não haver confusão temos de separar duas coisas diferentes que são chamadas de conhecimento: 1. O conhecimento pode ser entendido enquanto o ato de conhecer, ou seja, o ato pelo qual a consciência (nosso pensamento), conhece um objeto. Este objeto pode ser uma coisa material, mas também pode ser uma ideia ou um conceito abstrato; 2. O conhecimento pode ser entendido como o conjunto de saberes acumulados por uma cultura, ou seja, os saberes que são passados de geração para geração, através de livros, das escolas, etc. Na filosofia, é o ato de conhecer que tem sido mais investigado pelos filósofos, pois é através da compreensão de como se dá o conhecimento, e de que maneira podemos estar seguros sobre a veracidade daquele conhecimento, que o filósofo avança em suas teorias com maior segurança. Existem dois modos básicos de se conhecer: a intuição e o conhecimento discursivo. Intuição: podemos apreender a realidade através da intuição. Ela é um modo imediato de pensamento, ou seja, ao intuirmos não passamos por etapas 15 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS como análises, ou realização de raciocínios e relações complexas para chegar a uma conclusão. A intuição é uma ideia que aparece repentinamente em nossa mente, é uma percepção imediata de algo. É claro que ao intuir, nosso cérebro deve acessar de modo muito rápido e sem que percebamos, diferentes conteúdos nele armazenados de tal forma que pode, de forma muito rápida, nos dar a resposta que buscamos. São exemplos de intuição: ouvir um som e concluir que provém de um piano; a ideia repentina de uma nova hipótese a ser investigada por um cientista; as escolhas que tomamos de modo rápido e criativo sem a necessidade de uma análise minuciosa; um conceito sobre algo sem ter tempo de realizar um exame cuidadoso. Como a intuição é um mecanismo de auxílio presente em nosso processo cerebral para que este possa dar respostas rápidas quando delas precisamos muitas vezes ela se engana, pois não constitui uma forma criteriosa para se obtiver tais respostas. Conhecimento discursivo: a razão, para obter um conhecimento mais seguro da realidade, precisa superar o nível de conhecimento intuitivo. Para isso, ela opera organizando as percepções, conceitos e ideias que recebemos de imediato. Através desta articulação da razão, ocorre a faculdade de julgar, ou seja, de formar juízos ou conclusões. O conhecimento que se dá por meio de conceitos é conhecido como conhecimento discursivo. É um conhecimento que ocorre através de um encadeamento de ideias que proporcionam uma determinada conclusão. Como o próprio nome diz, o conhecimento discursivo é dependente do discurso, isto é, da linguagem. Você sabia que sem a linguagem simbólica (aquela que ocorre por palavras, símbolos e representações) o homem não conseguiria desenvolver a racionalidade? Isto mesmo, suas capacidades racionais dependem de um encadeamento de ideias e conceitos na mente. E o raciocínio funciona como um jogo de palavras no cérebro. Estas palavras representam coisas e estas representações são fundamentais para o pensamento racional. E mais: sem linguagem não há conhecimento que se possa elaborar ou transmitir. O conhecimento humano, e praticamente toda a sua cultura, é dependente da linguagem simbólica (palavras, símbolos matemáticos, notas musicais, etc.). É a linguagem que permite elaborar qualquer conhecimento e 16 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS comunicar aos outro aquilo que foi conhecido. Por isso, muitos filósofos consideram a linguagem como a principal ferramenta de poder do homem sobre o mundo.Também usamos a linguagem para nos afastar do “mundo das coisas”. Os conceitos são abstrações que permitem construir um “mundo de ideias”, paralelo ao mundo das coisas físicas. Mas é também este mundo de ideias acaba por permitir ao homem voltar ao mundo das coisas e agir sobre elas transformando a realidade humana. Assim, o conhecimento discursivo pode ocorrer como abstrações (ideias que se separam das coisas) realizadas pela razão através da linguagem, mas que sempre volta ao mundo para nele poder viver e agir. A verdade: ninguém busca conhecimento que não acredita ser verdadeiro. Para fugir do engano, estabeleceram-se critérios de verdade. Em geral, quando algo é o que parece ser ou quando uma ideia sobre algo corresponde à sua realidade digo que aquela ideia é verdadeira. Sobre isto, Maria Lúcia A. Aranha em seu livro Filosofando comenta: Há uma longa tradição na história da filosofia segundo a qual o critério de verdade é a evidência. Nesse sentido, para os gregos, verdade é aletheia, que significa não oculto, portanto o que se desvela, o que é visto, o que é evidente. Algo verdadeiro seria o que corresponde à realidade, tal qual ela se mostra a nós (ARANHA, Mª L. A. Filosofando, 2003, p. 54). Para o filósofo francês René Descartes, a verdade corresponderia a uma ideia clara e distinta que se impõe à nossa consciência por si só, por sua clareza e objetividade. Já para o filósofo Friedrich Nietzsche, o critério de verdade não pode ser simplesmente intelectual e sim, é através da vida que obtemos este critério. Costumamos a chamar de verdadeiro tudo aquilo que contribui para fortalecer a vida e falso tudo aquilo que a rebaixa e prejudica. Na filosofia, há uma longa polêmica a respeito da possibilidade ou não de se alcançar verdades válidas para todas as pessoas em todos os momentos. Diante desta dificuldade, podemos distinguir duas posturas perante o conhecimento: a postura cética e a dogmática. A postura cética é aquela que examina o mundo através do crivo da dúvida. O cético, nos casos mais radicais, conclui que o conhecimento da realidade é impossível, e, em geral, os céticos admitem apenas a possibilidade de um 17 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS conhecimento relativo do mundo (relativismo). Já o dogmático, busca fundar seu conhecimento em princípios que julga serem irrefutáveis, acreditando na possibilidade de atingir a certeza sobre um determinado assunto. Já do ponto de vista religioso, o dogma corresponde a uma verdade fundamental e inquestionável. Glossário da Unidade I Civilização Ocidental: é o modelo cultural e social próprio do ocidente (Europa e países colonizados por europeus). Este modelo surgiu a partir da cultura da Grécia e da Roma antiga e teve seu ápice a partir da expansão da cultura europeia por boa parte do mundo. Cosmologia: investigação filosófica ou científica sobre o surgimento, estrutura e desenvolvimento do Universo, da matéria e dos organismos, e também das leis fundamentais que os regem. Cultura: de modo geral, cultura é tudo o que o homem produz e que pode ser transmitido de geração em geração. A linguagem, os valores, as artes, os modos de se fazer algo, os modos de se organizar e se relacionar socialmente, as crenças, tudo isso compõe o que se chama cultura. Metafísica: ramo da filosofia que investiga as primeiras causas ou a essência do mundo. Pré-socráticos: ou filósofos da natureza. Designa um grupo de filósofos que antecederam o filósofo Sócrates e que concentraram suas investigações sobre a origem da natureza e das leis que a ordena. Protótipo: primeiro modelo ou exemplar; original a partir do qual outras cópias são feitas. 18 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS Pintura de William Turner que busca captar a essência da luz UNIDADE II – CONCEITOS E TEORIAS INFLUENTES NO PENSAMENTO FILOSÓFICO O termo pode assustar por parecer nome de algo complexo, mas Metafísica se refere a um conjunto de estudos diversos que, de modo geral, não oferecem tanta dificuldade para serem compreendidos. Desde os primeiros filósofos, como por exemplo, Parmênides e Platão, há um grande interesse em investigar os primeiros princípios e primeiras causas da realidade. Nisso também surgiram teorias que consideram a possibilidade de uma realidade superior ou mais essencial. Realidade esta que não pode ser percebida pelos sentidos (visão, tato etc.), mas que pode ser acessada racionalmente. O estudo das primeiras causas ou da realidade essencial e reguladora do mundo, e que não se mostra claramente através dos sentidos, é chamado de metafísica. “Qual é a essência daquilo que existe? Qual é o ser íntimo de todas as coisas?” Estas são perguntas essencialmente metafísicas. “A metafísica é a investigação filosófica que gira em torno da pergunta ‘o que é? ’” Este ‘é’ possui dois sentidos: Significa ‘existe’ de modo que a pergunta se refere à existência da realidade e pode ser transcrita como: ‘o que existe?’; Significa ‘natureza própria de alguma coisa’, de modo que a pergunta se refere à essência da realidade, podendo ser transcrita como: ‘Qual é a essência daquilo que existe?’. (CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia, p. 207, 1997). A metafísica constitui o campo de investigação que busca entender existência e essência em seus múltiplos aspectos, busca entender o íntimo do mundo e de todas as coisas existentes, questionando o porquê de serem como são. Quase todos os grandes filósofos tentaram, ao longo da história, desenvolver alguma filosofia que dessa conta de fundamentar teoricamente a própria existência 19 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS do mundo e de tudo que nele ocorre. Entre os grandes metafísicos encontram-se: Platão, Aristóteles, René Descartes, Baruch Espinosa e Arthur Schopenhauer. Atualmente a metafísica é também chamada de ontologia. Ontologia: estudo do ser; investiga os diferentes modos como os entes (coisas) e seres existem; investiga a essência ou o sentido (significação) dos entes ou seres; investiga os modos como os entes e seres aparecem para nossa consciência. 2.1 SOBRE O MÉTODO METAFÍSICO a) A metafísica se baseia na experiência. Não podemos conhecer pela razão os seres imateriais a não ser na medida em que a nós se manifestem por seus efeitos. A metafísica deve, então, apoiar-se sempre nos dados dos sentidos, internos e externos, como também nas ciências da natureza, e esforçar-se por determinar, pelo raciocínio, qual é a natureza do ser universal e quais seus princípios e causas. b) A metafísica é uma ciência. A metafísica não é, pois, uma construção arbitrária, nem uma obra de arte, nem um objeto de crença irracional. A metafísica é uma ciência, e, em certo sentido, a mais rigorosa, uma vez que seu objeto, estando acima da matéria e não submetido à transformação, não incide nas causas de erro que provêm dos objetos em perpétua transformação. c) As condições técnicas e morais da metafísica. O que é verdadeiro, contudo, é que a metafísica, mais do que qualquer outra ciência, requer condições técnicas difíceis e condições morais particulares. Ela procede por abstração e afasta, como perigosa, a intervenção da imaginação. Ao mesmo tempo, exige uma especial firmeza lógica. De outra parte, trata dos grandes problemas da existência e da natureza de Deus, de nossa origem e de nosso fim. “A metafísica exige não apenas umadisciplina da inteligência, mas também uma disciplina do coração.” Na filosofia contemporânea muitos filósofos, principalmente a partir de da 20 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS filosofia de Friedrich Nietzsche, têm criticado a metafísica por considerarem que ela separa mundo de ideia. Isto significaria separar aquilo que é conceitual, teórico e estático, da realidade sempre em movimento e se transformando. A metafísica não conseguiria dar conta de explicar o fluxo e o devir (transformação constante) que constituem o próprio mundo. 2.2 O RACIONALISMO E O EMPIRISMO O racionalismo, juntamente com o empirismo, é uma tendência metodológica marcante no início da filosofia moderna. O racionalismo considera que a realidade, e o conhecimento mais seguro a respeito dela, só pode se estabelecer em fundamentos racionais. O pensamento moderno foi marcado pelas transformações ocorridas através do surgimento do mundo burguês, e pelo desenvolvimento da ciência, principalmente da física e da matemática. Este contexto que se construiu a partir do século XVII, mostrou-se bastante propício ao desenvolvimento do racionalismo. Durante a Idade Antiga, Idade Média e Renascimento, vários filósofos e cientistas cometeram equívocos afirmando ideias que não poderiam sustentar-se. A procura da maneira de evitar o erro faz surgir a principal indagação do pensamento moderno: a questão do método, que centraliza as atenções não apenas no conhecimento do ser (metafísica), mas, sobretudo no problema do conhecimento (teoria do conhecimento ou epistemologia) (ARANHA, M. L. A. Filosofando, 2003, p. 130) Teoria do conhecimento ou epistemologia: é o ramo da filosofia que estuda os processos de conhecimento, suas possibilidades e o papel da razão como agente mediador do conhecimento. Os filósofos não queriam cometer os mesmos enganos, era preciso encontrar um método seguro capaz de garantir a possibilidade de um conhecimento seguro. Racionalismo cartesiano: O primeiro modelo de racionalismo a ter repercussão na filosofia moderna é o fundamentado pelo filósofo francês René Descartes (1596-1650). Descartes defendia que não se deve acreditar em nada que 21 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS não seja reconhecido como uma verdade clara e evidente segundo um exame da razão. Era necessário começar do zero para se chegar à elaboração de verdades que realmente fossem sustentáveis perante o pensamento. Para tanto, Descartes elaborou uma espécie de “passo a passo” através do qual fosse possível proceder com maior segurança na trajetória de conhecimento do mundo e das coisas. Seu método baseia-se nos seguintes princípios: O primeiro consistia em nunca aceitar como verdadeira nenhuma coisa que eu não conhecesse evidentemente como tal, isto é, em evitar, com todo o cuidado, a precipitação e prevenção, só incluindo nos meus juízos o que se apresentasse de modo tão claro e distinto ao meu espírito, que eu não tivesse ocasião alguma para dele duvidar. O segundo, em dividir cada uma das dificuldades que devesse examinar em tantas partes quanto possível e necessário para resolvê-las. O terceiro, em conduzir por ordem os meus pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para chegar, aos poucos, gradativamente, ao conhecimento dos mais compostos, e supondo também, naturalmente, uma ordem de precedência de uns em relação aos outros. E o quarto, em fazer, para cada caso, enumerações tão completas e revisões tão gerais, que eu tivesse a certeza de não ter omitido nada. (DESCARTES, René. Discurso do método, 2002, p. 31-32). Descartes elaborou um método que julgava ser necessário para o avanço da ciência e da filosofia. Ele observou que a racionalidade pode ser um eficaz instrumento, um guia para a prática científica, por esta razão, este método tem de ser predominantemente lógico e racional. Seguindo esta linha de raciocínio, seus estudos tiveram início colocando em dúvida sua própria existência. Mas ao duvidar de sua existência, ou de qualquer outra coisa, não poderia deixar de acreditar que quem duvidava era ele por meio de sua consciência. Descarte chegou à conclusão de que uma consciência clara de seu pensamento provava sua própria existência. Isso considerado um fato verdadeiro a partir do qual ele passou a provar a 22 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS existência de outras coisas. Sua conclusão é expressa através das clássicas palavras Cogito ergo sum ou, “penso, logo existo”. O eu, enquanto sujeito pensante é, para Descartes, o ponto de partida para o conhecimento, pois é a primeira coisa da qual não se pode duvidar. A partir da certeza de que a primeira realidade é a realidade do pensamento, é possível deduzir outras verdades encaminhando-se pelo método racionalista e procedendo com um mesmo rigor. Esta gravura de Escher pode exemplificar como os sentidos, no caso aqui a visão, podem nos enganar. O empirismo: A palavra empirismo é derivada do termo grego empeiria que quer dizer “experiência”. Diferente do racionalismo, que acredita que o raciocínio pode chegar sozinho à determinação de certas verdades fundamentais, o empirismo enfatiza o papel da experiência como fonte primeira de todo o conhecimento. O empirismo é uma posição metodológica que se estrutura e ganha importância a partir da Filosofia Moderna. Os filósofos empiristas deste período são, em sua grande maioria, ingleses. Dentre os quais, podemos citar: Francis Bacon: filósofo inglês do século XVI e XVII que escreve a obra Novum Organum (Novo órgão), na qual denuncia os preconceitos e noções falsas que têm dificultado o trabalho científico e filosófico de busca da verdade. 23 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS John Locke: filósofo inglês do século XVII que é conhecido também como um teórico do liberalismo, porém, no campo da epistemologia, buscou determinar qual a origem e alcance do conhecimento. Para ele, todas as ideias podem ser consideradas como originárias de um processo psicológico, através do qual vão sendo construídas na mente humana que, a princípio, não possui conteúdo algum, é como uma “tabula rasa” (folha em branco). Todo o processo do conhecer e do agir é construído gradualmente pela experiência. David Hume: filósofo escocês do século XVIII, Hume dá continuidade ao empirismo de Bacon e Locke. Para ele, na observação só temos acesso aos fenômenos, portanto não podemos avaliar como seria o íntimo do mundo. Com isso, só podemos conhecer a relação de causa e efeito parcialmente. É o hábito proporcionado pela observação de casos semelhantes que possibilita ao homem afirmar o que a experiência pode confirmar. Assim, esperamos que a cada novo caso, o objeto observado se comporte tal como antes. Desta maneira, as ideias e conceitos mais gerais, não passariam de crenças. 2.3 O CRITICISMO KANTIANO E A DIALÉTICA Kant é um dos principais filósofos da Idade Moderna. Seus pensamentos têm influenciado vários filósofos posteriores. Ele nasceu em Königsberg, Alemanha, onde passou toda sua vida. Sua filosofia tem um caráter racionalista e crítico, apesar de ter tido muita influência do empirismo cético de Hume. Kant realiza uma crítica do conhecimento racional e também da metafísica. Criticaré pôr em crise, vem do grego krisis, que significa distinguir, separar e decidir. Kant em sua obra principal chamada Crítica da Razão Pura, procurou colocar em questão a racionalidade e até onde ela é capaz de produzir juízos que levem a um conhecimento seguro. Kant realiza sua reflexão como se fosse à razão julgando a si mesma. Isso significa que em vez de procurar conhecer as coisas, é preciso examinar antes o próprio conhecimento e suas possibilidades. Ele separou 24 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS os juízos (os conceitos que temos do mundo) em analíticos e sintéticos. Um juízo analítico apenas analisa o que está dito, sua conclusão é lógica. Por exemplo, na expressão “nenhum dos solteiros é casado”, no próprio conceito de solteiro, já está contido a exigência lógica de “não ser casado”. Portanto, nesta expressão, nada foi acrescentado ao conhecimento. Para o conhecimento, o mais importante são os juízos sintéticos, pois eles realizam sínteses, ou seja, eles unificam vários elementos. Ex.: o juízo “esta flor é vermelha”, acrescenta-se ao sujeito “a flor” um predicado “vermelha” que o sujeito não continha. Nesse exemplo, o juízo sintético depende da experiência sensível e é, portanto, a posteriori (depois da experiência). Mas haveria juízos lógicos e necessários como os analíticos, mas que fossem também sintéticos, trazendo assim novo conhecimento? Estes seriam os juízos sintéticos a priori (antes da experiência). Por exemplo, na expressão matemática “5 + 7 = 12”, o 5 + 7 estaria contido na expressão 12 ou vice-versa? Não. Por isso podemos dizer que foi acrescentado algo novo. Pois de 5 e 7 não podemos deduzir doze e nem de 12 podemos deduzir que resultou de 5 e 7. E este processo pode ser feito antes da experiência. Por isso podemos dizer que a matemática é um meio de produzir “juízos sintéticos a priori”. Para Kant, o conhecimento começa com a experiência, mas nem por isso origina-se nela. Isso porque a experiência pressupõe o sujeito como condição de sua possibilidade. Assim, Kant compreende que o sujeito contém em si a faculdade do entendimento que torna qualquer experiência ou conhecimento possível. Nossos órgãos dos sentidos possibilitam a intuição dos objetos. Estas sensações são empíricas. Mas os situamos num espaço e tempo que são anteriores a qualquer experiência. Kant irá fazer a síntese entre racionalismo e empirismo, pois não temos o conhecimento do mundo somente como derivado da razão ou da experiência. Para Kant, só podemos alcançar um conhecimento preciso daquilo que pode ser experimentado ou situado num espaço ou tempo (os fenômenos), não poderíamos conhecer aquilo que está, além disso, ou seja, as essências, ou “Coisa- em-si”. Deus, liberdade e eternidade também não podem ser conhecidos, pois estão 25 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS além dos fenômenos. A filosofia moral de Kant afirma que a base para toda razão moral é a capacidade do homem de agir racionalmente. O fundamento para esta lei de Kant é a crença de que uma pessoa deve comportar-se de forma igual à que ela esperaria que outra pessoa se comportasse na mesma situação, tornando assim seu próprio comportamento uma lei universal. Exemplo: Ninguém deve estacionar em fila dupla, senão o trânsito vira um caos. Mas, numa emergência, alguém pode estacionar em fila dupla. Com isso, espera-se que alguém só o faça, se isto for extremamente urgente e indispensável. Assim, todos só fariam algo que esperassem que os outros fizessem também. 2.4 A DIALÉTICA A dialética é um método filosófico interpretativo da realidade. Entre os gregos a dialética significava, de maneira geral, a arte da argumentação. Sócrates e Platão usavam o termo no sentido de designar o procedimento argumentativo, ou seja, o debate que visa à verdade tem um caráter essencialmente dialético. Na contemporaneidade, o termo ganhou maior repercussão a partir de Georg W. F. Hegel (1770-1831). Hegel elaborou uma filosofia de caráter idealista que tem como método o que ele designou como “método dialético”. Para Hegel, “a dialética é capaz de traduzir à dinâmica e o princípio de inteligibilidade da realidade natural e histórica e também do pensamento”. Georg W. F. Hegel: é um dos maiores expoentes do idealismo alemão que usou o método dialético, modernizando-o, para explicar as transformações de todos os aspectos da realidade natural e humana. Para Hegel, a razão é histórica, ou seja, a razão participa e se aperfeiçoa com os processos de transformações históricas e sociais. A razão, diz Hegel, não é nem exclusivamente razão objetiva (a verdade está nos objetos) nem exclusivamente subjetiva (a verdade está no sujeito), mas ela é a unidade necessária do objetivo e do subjetivo. Ela é o conhecimento da harmonia entre as coisas e as ideias, entre o mundo exterior e a consciência, entre o objeto e o 26 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS Arthur Schopenhauer sujeito, entre a verdade objetiva e a verdade subjetiva (CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia, p. 207, 1997). O processo dialético de interação entre mundo e ideia acontece através de um esquema fundamentado em um tripé de tese, antítese e síntese. Tudo que existe e acontece no mundo tem um ponto de partida, tem algo que é posto e se afirma (a síntese). Esta primeira condição é negada em um segundo momento por uma posição que a ela se contrapõe (a antítese), da tensão entre o que estava estabelecido e o que se contrapõe a esta primeira posição, surge uma terceira, que não é nem a primeira nem a segunda, mas a conciliação das duas (a síntese). Esta síntese agora pode ser novamente posta no lugar da tese, dando início a um novo “giro da roda dialética”. 2.5 A FILOSOFIA DOS IMPULSOS Dá-se o nome de “filosofia dos impulsos” ao pensamento que questiona a supremacia da razão sobre a existência, e que foi elaborado por pensadores como Schopenhauer, Nietzsche e Freud. Estes pensadores do século XIX também são designados como “irracionalistas”, não por prescindirem do uso da razão como fundamental ao filósofo, mas porque consideram que a razão é secundária face ao caráter irracional presente em todas as faces da existência. Estes filósofos compreendem que há impulsos (vontade, vontade de potência, desejos) que condicionam e interferem decisivamente no processo volitivo, avaliativo e nas ações humanas. Isto significa que o pensar e o agir têm como predecessor, um impulso irracional. “Antes desejo, depois penso no que desejo”, já dizia o filósofo alemão Arthur Schopenhauer. Sigmund Freud: pensador austríaco do século XIX que, a partir do estudo do inconsciente e de suas experiências com o uso da hipnose, desenvolveu uma nova forma de abordagem e tratamento psíquico, a psicanálise. 27 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS A concepção de homem na filosofia de Schopenhauer está inteiramente ligada a sua doutrina de vontade. O homem existe apenas na medida em que é um fenômeno da vontade, uma objetivação do que há de mais íntimo no mundo, isto é, da vontade. O mundo possui dois aspectos: o fenomênico e a Coisa-em-si. O aspecto fenomênico é aquele dos nossos sentidos, daquilo que vemos e tocamos e que podemos interpretar através de causa e efeito. O mundo enquanto fenômeno segue as regras do intelecto humano: é o mundo objeto parao sujeito que conhece. Se o mundo enquanto fenômeno é o que aparece, o mundo enquanto essência será vontade. À vontade, essência do mundo, será atingida por meio de uma analogia com o ser humano. O homem, submetido como tudo o que vive ao império da vontade, é o lugar em que a vontade se objetiva e se revela. O homem descobre, em seu corpo, a imagem de uma vontade cega que compartilha com os outros seres vivos. O corpo humano é, em Schopenhauer, o lugar em que o homem faz a experiência de uma força que lhe é estranha, de uma força que o domina e à qual ele obedece maquinalmente. O mundo, enquanto não é fenômeno para um sujeito que conhece, é uma força cega e dinâmica. O mundo da vontade é um mundo sem razão. Schopenhauer aplica a vontade aos diversos reinos da vida – assistimos ao espetáculo ao mesmo tempo harmonioso e terrível – da vida das espécies. A escala das formas vivas revela o caminho percorrido pela vontade em direção a uma forma superior: a forma humana. O homem, dominado pela vontade e pensando agir em prol de si mesmo, busca garantir a sobrevivência, a perpetuação e o aumento de poder da espécie. É para a espécie que trabalha quando pensa trabalhar para si mesmo. A visão schopenhaueriana de mundo é bastante pessimista, pois ela admite que o homem não tenha uma finalidade preestabelecida para realizar no mundo (teleologia). Teleologia: do grego telos (finalidade) e logia (estudo racional), é o estudo filosófico dos fins, isto é, do propósito, objetivo ou finalidade. Geralmente é entendido como sendo a presença de uma finalidade proposta para a existência em geral do universo, da vida e do próprio homem. A ausência de uma teleologia significa a ausência de uma finalidade. 28 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS O que há determinado é apenas a “guerra sem fim” entre as diversas espécies, guerra que não se resolve e não leva a uma realização final (um telos). O indivíduo humano jamais se satisfaz, quer realizar-se e ao buscar o que deseja acaba se frustrando quando não consegue e ficando entediado quando consegue o que queria. Para livrar-se da situação de tédio, é necessário sair em busca de nova realização, submetendo-se novamente ao império da vontade. Para Schopenhauer, é somente dedicando-se a atividades contemplativas (arte) e exercendo a compaixão (princípio ético maior) que o homem poderia amenizar o sofrimento imposto pela Vontade. Para livrar-se da “escravidão” imposta pelos desejos, é preciso constantemente negá-los. Já para o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, a negação dos desejos constitui um meio de “fuga”, pois desprezamos e desesperamos da vida quando não se é bastante forte para aceitar e amar a vida terrena tal como ela se apresenta para nós: como movimento e mudança proveniente de uma luta ininterrupta entre impulsos. Aceitar que a luta proporciona tanto alegrias como dissabores já é um sintoma de maior potência. A própria vida, segundo Nietzsche, pode ser mais bem interpretada sob a perspectiva do que ele chama de vontade de potência (vontade de superar-se, de ir além). Nietzsche afirma que esta luta, que leva uns a se sobreporem aos outros é o caráter mais próprio da vida: Aqui devemos pensar radicalmente até o fundo, e guardamo-nos de toda fraqueza sentimental: a vida mesma é essencialmente apropriação, ofensa, sujeição do que é estranho e mais fraco, opressão, dureza, imposição de formas próprias, incorporação e, no mínimo e mais comedido, exploração – mas por que empregar sempre essas palavras, que há muito estão marcadas de uma intenção difamadora? ... Vida é precisamente vontade de potência. Em nenhum outro ponto, porém, a consciência geral dos europeus resiste mais ao ensinamento; em toda parte sonha-se atualmente, inclusive sobre roupagem científica, com estados vindouros da sociedade em que deverá desaparecer o “caráter explorador”. 29 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS – a meus ouvidos isto soa como se alguém prometesse inventar uma vida que se abstivesse de toda função orgânica. A “exploração” não é própria de uma sociedade corrompida, ou imperfeita e primitiva: faz parte da essência do que vive como função orgânica básica, é uma consequência da própria vontade de potência, que é precisamente vontade de vida. ... Seja-se honesto consigo mesmo até esse ponto!” (Além do Bem e do Mal § 259) Nietzsche tem a Civilização Ocidental como alvo preferido de suas críticas. Critica os valores morais, a religião, as ciências e as artes. Para Nietzsche as morais e as religiões são os principais meios para fazer do homem o que quiser. Dominada pelos ideais cristãos, a nossa cultura e sociedade foram levadas a desvalorizar a vida terrena em favor de uma vida no além. Nietzsche não acredita na existência desta outra vida, sendo assim, a vida terrena seria a ocasião que contém todas as possibilidades para as realizações humanas. 2.6 O PENSAMENTO POLÍTICO A política é algo muito presente em nossas vidas, pois podemos dizer que toda decisão coletiva constitui uma decisão política, assim como todas as relações sociais que estabelecem mecanismos de poder de uns sobre os outros são relações políticas. Há política na família, nas relações de amizade, no trabalho e nas relações dos cidadãos com os poderes constituídos para o fim de governar. Em filosofia, a reflexão sobre as questões públicas e coletivas são objeto de estudo da Filosofia Política. Algumas das grandes questões tratadas pela Filosofia Política na modernidade e na contemporaneidade são: A relação entre indivíduo e coletividade; A liberdade e a igualdade; A legitimidade do poder; O melhor modelo de Estado; O espaço público e o espaço privado. 30 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS Legitimidade do Poder: Um poder legítimo ou verdadeiro deve possuir um reconhecimento público de parte significativa da população por ele governada. Além disso, considera-se legítimo o poder que se adapta às normas legais. Indivíduo e coletividade: Uma das marcas da modernidade é a crescente afirmação do espaço do indivíduo frente à coletividade. Há uma fissura difícil de ser reconstituída, pois se no passado durante milênios os indivíduos não eram considerados senão a partir de seu espaço e função na coletividade, o homem moderno busca cada vez mais independência perante a sociedade. Aristóteles, ao afirmar que “o homem é um animal político”, ressaltava a característica gregária do homem, sempre dependente e voltado para fazê-lo coletivo. A não ser que fosse um deus (poderoso a ponto de não precisar de ninguém) ou uma besta (tão irracional que não consegue conviver adequadamente com os demais), o homem em geral é um ser social que não pode ser considerado desvinculado da comunidade política da qual participa. Nesta perspectiva, ser cidadão significava ser membro de um corpo político e estar comprometido com ele tanto quanto se está comprometido consigo mesmo. Gregária: característica própria de quem vive em bandos ou em grupos. Instinto gregário, tendência que leva os homens ou os animais a se juntarem, perdendo, momentaneamente, suas características individuais. Na modernidade este paradigma do cidadão submetido ao compromisso com seus concidadãos sofre um grande abalo. O homem se vê como alguém que deve constantemente buscar sua independência e realizar-se como indivíduo. Mesmo como partícipede uma coletividade, busca continuamente meios de afirmar- se como alguém que tem autonomia em sua atuação e modo de organizar sua vida. A grande maioria de seus compromissos e interesses são privados e não coletivos. Filósofos iluministas como Hobbes, Locke e Rousseau perceberam a gravidade desta fissura e tentaram cada um à sua maneira, criar discursos que conferissem importância à vida política e ao ordenamento da coletividade. Estes filósofos são chamados de contratualistas, pois defendem a necessidade de um 31 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS contrato (pacto) social que estabeleça não só um compromisso de um indivíduo para com o outro, mas também entre os cidadãos e um poder instituído legitimamente reconhecido. Isto constituiu uma forma de restaurar um compromisso com a coletividade que estava sendo progressivamente abalado. Muitos fatos demonstram que a política hoje, como interesse e compromisso com as questões públicas, está cada vez mais enfraquecida. E o desinteresse pela política demonstra uma crise de caráter ainda mais geral: o desinteresse pelo outro e pelas questões sociais que nos vinculam a este outro, demonstram que os vínculos são cada vez mais frágeis, e que estamos nos fechando em nós mesmos. Parece que estamos nos transformando em ilhas, e as ilhas são solitárias. Para saber mais sobre os conteúdos da UNIDADE 2: BRUM, José Thomas. O pessimismo e suas vontades: Schopenhauer e Nietzsche. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1998. GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia – Romance da História da Filosofia. São Paulo: Cia. Das Letras, 1997. HELFERICH, Christoph. A História da Filosofia. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2006. MOSÉ, Viviane. O homem que sabe: do homo sapiens à crise da razão. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. OSBORNE, Richard. Filosofia para principiantes. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998. 32 ESTRATÉGIA EMPRESARIAL PÓS-GRADUAÇÃO FILOSOFIA, ÉTICA E DIREITOS HUMANOS REFERÊNCIAS ABRÃO, Bernadete Siqueira. História da Filosofia - Coleção "Os Pensadores". São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999. ARANHA, Maria Lúcia de A.; MARTINS, Maria Helena P. Filosofando – Introdução à Filosofia. 3ª Edição. São Paulo: Ed. Moderna, 2003. ______. Maria Helena P. Temas de Filosofia. 2ª Edição. São Paulo: Editora Moderna, 2001. ARENDT, Hannah. A condição humana. p. 201 – 203, 8 ed. Tradução de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. BRUM, José Thomaz. O pessimismo e suas vontades – Schopenhauer e Nietzsche. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1998. CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 8 Ed. São Paulo: Ed. Ática, 1997. GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia – Romance da história da filosofia. Trad. João Azenha Jr. São Paulo: Cia das Letras, 2000. GALLO, Silvio. Ética e cidadania. São Paulo, Papirus, 2002. GIACÓIA Jr. Oswaldo. Pequeno dicionário de filosofia contemporânea. São Paulo: Publifolha, 2006. GRAY, John. Cachorros de palha: reflexões sobre humanos e outros animais. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2007. HEIDEGGER, Martin. Coleção "Os Pensadores". São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996. HELFERICH, Christoph. A História da Filosofia. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2006. JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Ed. Cultrix, 2003. MATTAR NETO, João Augusto. Filosofia e Ética na Administração. São Paulo: Saraiva, 2004. MOSÉ, Viviane. O homem que sabe: do homo sapiens à crise da razão. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. PLATÃO. A República. São Paulo: Ed. Nova Cultural, 1997. Coleção “Os Pensadores.”.
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