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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Faculdade de Direito [Nome completo] POLÍTICA E TEORIA DE ESTADO I – Anotações de aula e pesquisas relacionadas Porto Alegre 2016 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Faculdade de Direito POLÍTICA E TEORIA DE ESTADO I – Anotações de aula e pesquisas relacionadas Trabalho acadêmico apresentado ao Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito para a conclusão da disciplina de Política e Teoria de Estado I, sob a orientação do Professor Doutor Carlos Eduardo Dieder Reverbel. Porto Alegre 2016 BIBLIOGRAFIA MÍNIMA SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. “A Crise da Democracia no Brasil”. Forense, Rio de Janeiro, 1978. SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha & Carlos REVERBEL. “O Tribunal Constitucio- nal como Poder” 2ª Ed. REVISTA DOS TRIBUNAIS, 2016. SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha & Carlos REVERBEL. "A supremacia do Direi- to no Estado democrático". Porto Alegre, 2003. SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha & Carlos REVERBEL. "Consenso e democra- cia constitucional" Porto Alegre, Ed. Sagra Luzzato, 2002. SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha & Carlos REVERBEL. "Consenso e tipos de Estado no ocidente" Porto Alegre, Ed. Sagra Luzzato, 2002. SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha & Carlos REVERBEL. "Constituições do Bra- sil". Porto Alegre, Ed. Sagra Luzzato, 2002. SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha & Carlos REVERBEL. "Morfologia política". Porto Alegre, Nova prova, 2003 MENEZES, Aderson. "Teoria Geral do Estado". Forense, Rio de Janeiro. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. “A democracia no Limiar do Século XXI”, Saraiva, 2001. BONAVIDES, Paulo. "Ciência Política". Forense, Rio de Janeiro. BONAVIDES, Paulo. "Teoria do Estado". Forense, Rio de Janeiro. AZAMBUJA, Darcy. “Teoria Geral do Estado”. Globo, Rio de Janeiro. AZAMBUJA, Darcy. “Introdução à Ciência política”. Globo, Rio de Janeiro. OBJETIVOS A SEREM ALCANÇADOS AO LONGO DO SEMESTRE Oportunizar aos alunos o conhecimento dos temas fundamentais da Política e da Teoria Geral do Estado, no alvorecer de um novo século; Ajudar os alunos a desenvolver a capacidade de analisar, interpretar e avaliar os aspectos sociais, econômicos, territoriais, políticos, ideológicos, jurídicos e éti- cos, que estão envolvidos no complexo fenômeno das unidades políticas con- temporâneas e na evolução delas até nossos dias; Despertar nos alunos motivação e interesse para o estudo do fenômeno das uni- dades políticas do passado e do presente; Consolidar nos alunos os hábitos acadêmicos de leitura, pesquisa e produção in- telectual; Contribuir à formação, nos educandos, de uma consciência cívica quanto à rele- vância do bem comum, ao respeito devido à coisa pública e à produção da digni- dade humana, com ênfase na necessidade de valorização de nossa história, da identidade cultural brasileira e da necessidade da política. Em suma, contribuir para a formação de verdadeiros estadistas. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Sítio da International Political Science Association na internet Figura 2 – Sítio da American Political Science Association na internet Figura 3 – A Ciência Política através de seus objetos formal e material Figura 4 – As dimensões humanas Figura 5 – As dimensões humanas e suas instituções Figura 6 – Sistema Lógico dedutivo das normas Figura 7 – Sistema de causação circular cumulativo Figura 8 – A evolução do pensamento durante os séculos Figura 9 – A estrutura social medieval e seu funcionamento Figura 10 - Funções do rei nacional moderno Figura 11 – A intervenção do Estado Liberal Figura 12 - A divisão de poderes segundo Montesquieu Figura 13 - A divisão de poder segundo Hans Kelsen Figura 14 - O modelo de Montesquieu de divisão de poderes adaptado LISTA DE QUADROS Quadro 1 – O Estado por suas cinco causas Quadro 2 – Como funcionam as correntes do direito Quadro 3 – Max Weber e os tipos de dominação Quadro 4 – Fundamentos do sistema representativo Quadro 5 – As correntes do liberalismo Quadro 6 – As formas clássicas de governo Quadro 7 – As características do autoritarismo e do totalitarismo SUMÁRIO UNIDADE I – A DISCIPLINA “POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO” – PTE .................. 14 1. A POLÍTICA E TEORIA DE ESTADO COMO CIÊNCIA ....................................... 15 1.1. A DISCIPLINA CIÊNCIA POLÍTICA (CP) ...................................................... 15 1.1.1. A política como ramo do conhecimento: três fases ................................... 15 1.1.2. Posição curricular da Ciência Política no Brasil e no RS .......................... 19 1.1.3. O objeto material e formal da Ciência Política .......................................... 20 1.2. A DISCIPLINA TEORIA GERAL DE ESTADO (TGE) ................................... 21 1.2.1. Gênese histórica da TGE .......................................................................... 21 1.2.2. Posição curricular da Teoria Geral do Estado no Brasil e no RS .............. 21 1.3. A COMBINAÇÃO: A DISCIPLINA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO ........ 23 2. A POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO COMO CIÊNCIA ...................................... 24 2.1. O TERMO ESTADO ..................................................................................... 24 2.2. DIFICULDADES PARA CONCEITUAÇÃO ................................................... 25 2.3. DEFINIÇÃO PELAS CINCO CAUSAS – O CONCEITO DE ESTADO POR UMA VISÃO PENTADIMENSIONAL ....................................................................... 25 3. CONTEÚDO DA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO: MODOS DE CONCEBER O ESTADO ..................................................................................................................... 26 3.1. VISÃO UNIDIMENSIONAL DO ESTADO ..................................................... 26 3.2. VISÃO BIDIMENSIONAL DO ESTADO ........................................................ 29 3.3. VISÃO TRIDIMENSIONAL DO ESTADO ..................................................... 29 3.4. VISÃO PENTADIMENSIONAL DO ESTADO ............................................... 31 3.4.1. Causa material .......................................................................................... 32 3.4.2. Causa formal............................................................................................. 32 3.4.3. Causa final ................................................................................................ 32 3.4.4. Causa eficiente ......................................................................................... 32 3.4.5. Causa instrumental ................................................................................... 33 UNIDADE II – TIPOS DE UNIDADE POLÍTICA ATÉ AS REVOLUÇÕES LIBERAIS ... 35 4. A UNIDADE POLÍTICA ANTIGA (UPA) ............................................................... 37 4.1. UNIDADE POLÍTICA ANTIGA ORIENTAL – UPAO (Egito, Assíria/Caldéia, Israel, Pérsia, China, etc.) ....................................................................................... 37 4.2. UNIDADE POLÍTICA ANTIGA GREGA – UPAG .......................................... 38 4.3. UNIDADE POLÍTICA ANTIGA ROMANA – UPAR ........................................ 40 5. O NASCIMENTO DA UNIDADE POLÍTICA OCIDENTAL: O REINO MEDIEVAL FEUDAL (RMF) .......................................................................................................... 43 5.1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES ..........................................................43 5.2. CARACTERÍSTICAS GERAIS DO FEUDALISMO ....................................... 45 5.2.1. Características econômicas ...................................................................... 45 5.2.2. Características sociais .............................................................................. 46 5.2.3. Características culturais ............................................................................ 46 5.2.4. Características jurídicas ............................................................................ 46 5.3. CARACTERÍSTICAS POLÍTICAS DO REINO MEDIEVAL FEUDAL ............ 51 5.3.1. Fragmentação territorial do poder em feudos ........................................... 51 5.3.2. Hierarquização da sociedade política ....................................................... 51 5.4. FUNÇÕES DO REI MEDIEVAL FEUDAL ..................................................... 53 5.4.1. Função Administrativa ............................................................................... 53 5.4.2. Função Judiciária ...................................................................................... 53 5.4.3. Função Legislativa .................................................................................... 54 5.4.4. O rei .......................................................................................................... 54 5.5. LEGADO DO REINO MEDIEVAL FEUDAL .................................................. 55 5.5.1. Supremacia do direito sobre o poder ........................................................ 55 5.5.2. A Legitimidade do direito ........................................................................... 55 5.5.3. Filosofia democrática ................................................................................ 55 5.5.4. Descentralização territorial do poder ........................................................ 55 5.5.5. Surgimento dos parlamentos .................................................................... 56 5.6. DIVISÃO DE PODERES .............................................................................. 56 5.7. SOBERANIA ................................................................................................ 56 5.7.1. Surgimento................................................................................................ 56 5.7.2. O caso da França ..................................................................................... 57 5.8. FIM DO REINO FEUDAL ............................................................................. 58 6. O ESTADO BUROCRÁTICO CONCENTRADO TERRITORIAL NACIONAL MODERNO (EBCTNM) ............................................................................................... 60 6.1. CARACTERÍSTICAS (E LEGADO) DO EBCTNM ........................................ 60 6.1.1. Aspecto central ......................................................................................... 60 6.1.2. Corolários ................................................................................................. 61 6.2. CONDIÇÕES QUE VIABILIZARAM O EBCTNM.......................................... 62 6.2.2. Científicas e tecnológicas ......................................................................... 62 6.2.3. Jurídicas ................................................................................................... 62 6.2.4. Doutrinárias............................................................................................... 62 6.3. FUNÇÕES DO REI DO EBCTNM ................................................................ 63 6.4. TRÊS SUBTIPOS (OU ESPÉCIES) DE EBCTNM: OS CASOS DO REINO UNIDO, FRANÇA E PORTUGAL ............................................................................ 64 UNIDADE III – TIPOS DE ESTADO DESDE AS REVOLUÇÕES LIBERAIS ................ 67 7. CONSIDERAÇÕES GERAIS .............................................................................. 69 7.1. ADVENTO DO ESTADO LIBERAL ............................................................... 69 7.1.1. As três grandes revoluções liberais .......................................................... 69 7.1.2. Cronologia histórica (inglesa).................................................................... 71 7.2. LEGADO DO ESTADO LIBERAL (SO-RE-LI-CO) ........................................ 71 7.3. DUAS LINHAS DO LIBERALISMO: EDMUND BURKE X DOCTOR PRICE 72 8. O ESTADO LIBERAL CLÁSSICO – ELC ............................................................ 74 8.1. CONTEXTO .................................................................................................. 74 8.2. CARACTERÍSTICAS DO ELC...................................................................... 74 8.2.1. Características político-econômicas ......................................................... 74 8.2.2. Características político-funcionais ............................................................ 74 8.2.3. Características partido-ideológicas ........................................................... 75 8.3. CONSTRUÇÃO INSTITUCIONAL ESPECÍFICA .......................................... 75 9. O ESTADO SOCIAL CONTEMPORÂNEO – ESC ............................................... 77 9.1. CONTEXTO .................................................................................................. 77 9.2. CARACTERÍSTICAS DO ESC ..................................................................... 77 9.2.1. Características político-econômicas ......................................................... 77 9.2.2. Características político-funcionais ............................................................ 78 9.2.3. Características partido-ideológicas ........................................................... 78 9.3. CONSTRUÇÃO INSTITUCIONAL ESPECÍFICA .......................................... 78 10. O ESTADO LIBERAL PLURALISTA – ELP ......................................................... 80 10.1. CONTEXTO .................................................................................................. 80 10.2. CARACTERÍSTICAS DO ELP ...................................................................... 80 10.2.1.Características político-econômicas ......................................................... 80 10.2.2.Características político-funcionais ............................................................ 81 10.2.3.Características partido-ideológicas ........................................................... 81 10.3. CONSTRUÇÃO INSTITUCIONAL ESPECÍFICA ...................................... 81 11. REGIMES DE GOVERNO ................................................................................... 83 11.1. FORMAS CLÁSSICAS DE REGIMES .......................................................... 83 11.1.1. Formas com um único governante ........................................................ 84 11.1.2. Formas com poucos governantes ......................................................... 84 11.1.3. Formas com muitos governantes .......................................................... 85 11.2. TRANSIÇÃO DA CLASSIFICAÇÃO ............................................................. 86 11.3. AUTORITARISMO ........................................................................................ 86 11.3.1. Criador do conceito ................................................................................... 86 11.3.2. Características .......................................................................................... 87 11.3.3. Formas de surgimento .......................................................................... 89 11.4. TOTALISMO ................................................................................................. 89 11.4.1. Motivos parao surgimento apenas no século XX ................................. 89 11.4.2. Diferenças básicas do autoritarismo ..................................................... 89 11.4.3. Características .......................................................................................... 90 11.5. DEMOCRACIA ............................................................................................. 92 11.5.1. Dificuldades de conceituação ................................................................ 92 11.5.2. O que é necessário para que um país seja considerado democrático ...... 92 11.5.3. Conceitos da democracia ......................................................................... 94 FICHAMENTOS ............................................................................................................. 97 I – ARISTÓTELES. ÉTICA À NICOMACO – LIVRO V .................................................. 98 II – ELLWEIN, THOMAS. FEDERALISMO E AUTONOMIA ADMINISTRATIVA: UNIDADE PARA FORA, DIVERSIDADE PARA DENTRO. UM GRANDE TRIUNFO DA HISTÓRIA ALEMÃ ................................................................................................... 100 III – DECRETO-LEI NR 2.639, DE 27 DE SETEMBRO DE 1940 ...................................... 104 IV – DALLARI, DALMO DE ABREU. ELEMENTOS DA TEORIA GERAL DO ESTADO - INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 105 V – PORTARIA NR 1.886, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1994 ............................................. 109 VI – O QUE É ESTADO? (DEFINIÇÃO DADA PELO ALUNO APÓS AS AULAS SOBRE O ASSUNTO) ................................................................................................................... 110 VII – MENEZES, ADERSON DE. TEORIA GERAL DO ESTADO (CAPÍTULO 4) E AZAMBUJA, DARCY. TEORIA GERAL DO ESTADO (CAPÍTULO 12) ......................... 113 VIII – CONSTANT, BENJAMIN. DA LIBERDADE DOS ANTIGOS COMPARADA À DOS MODERNOS. ............................................................................................................ 117 IX – REVERBEL, CARLOS EDUARDO DIEDER. ATIVISMO JUDICIAL E ESTADO DE DIREITO ................................................................................................................... 124 X – AZAMBUJA, DARCY. TEORIA GERAL DO ESTADO (CAPÍTULO 12) ................... 126 XI – FRANCO JÚNIOR, HILÁRIO. IDADE MÉDIA, NASCIMENTO DO ORIENTE (CAPÍTULO 3) .......................................................................................................... 127 XII – WEBER, MAX. ECONOMIA E SOCIEDADE (CAPÍTULO 6 – TIPOS DE DOMINAÇÃO) .................................................................................................................................. 138 UNIDADE I – A DISCIPLINA “POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO” – PTE 15 1. A POLÍTICA E TEORIA DE ESTADO COMO CIÊNCIA 1.1. A DISCIPLINA CIÊNCIA POLÍTICA (CP) 1.1.1. A política como ramo do conhecimento: três fases 1ª Fase: De Aristóteles (384 – 322 a.C.) até o início do século XIX A política era o estudo da Polis – Os gregos não tinham noção da política como ciência, preocupando-se apenas em estudar a Polis. Com isso, inconscientemente, estudavam: Filosofia política; Sociologia; Ciência Política Filosofia Política – Ramo do conhecimento que estuda os primeiros princípios e as últimas causas da vida em sociedade; Sociologia – Ramo do conhecimento que estuda os fenômenos da vida social(relações e interações sociais); Ciência Política – Ramo do conhecimento que estuda a sociedade e o poder político. Estuda as relações de poder (Cratos, do grego, poder). A Política nessa primeira fase estudava a Polis, sem consciência da divisão entre as três áreas do conhecimento supracitadas, apenas estudando a sociedade como ela se apresentava. Aristóteles foi o primeiro a estudar a Polis (a sociedade) e sabia da necessidade do “Epagoge” (do grego, indução). Ele definia a política como um processo de indução, no sentido em que seres humanos buscam atingir determinados fins. Estudo da Polis 16 Mas qual é a finalidade da Polis? (Fim do Estado ≠ Fim do indivíduo) Para Aristóteles, a finalidade do indivíduo era alcançar a Eudaimonia (felicidade oriunda de uma vida ativa, governada pela razão). Entretanto, a finalidade da Polis era alcançar o BEM COMUM. O bem comum consiste no bem de todos naquilo que todos temos em comum (a dignidade da pessoa humana) Humana – adjetivo destacado para ser lembrado que todos somos iguais, não havendo ninguém superior ou inferior. Como isso funcionava? – Todos os indivíduos buscam um fim na vida. Eles buscam, na Polis, obter uma VIDA BOA. Essa vida boa estava atrelada ao bem comum (social), com a valorização da interação cívica (filia). Dessa forma, os seres humanos devem interagir com os demais, pois é um ANIMAL POLÍTICO (ZOOPOLÍTICO). Aristóteles se questionava como essa busca pela vida boa funcionava e notou que ela era alcançada pelo SURGIMENTO DE LEIS JUSTAS (Phronesis – razão prática). Para ele, essa era a base da organização de uma sociedade. Partindo dessa ideia, chegamos ao ponto de nos questionar sobre “O que é justo?”. Para sabermos o que é justo, precisamos seguir pessoas justas. Andando com as pessoas justas, que agem com temperança, aprenderemos a justiça. Para buscar a justiça precisamos seguir a lei, que é feita pelos justos. Eles a fazem com temperança. No Livro citado, Aristóteles faz referência à régua de lesbus (régua especial de que se serviam os operários para medir certos blocos de granito. Por ser feita de material especial ele se adéqua as irregularidades do objeto). Ela se ajustava às rochas, assim como a justiça deve ser maleável, ajustável, adaptável. Aristóteles afirma ainda que os jovens não são dotados da temperança necessária, exceto aqueles experimentados nas guerras. A justiça buscava o meio termo. 17 2ª Fase – Ao longo do século XIX Essa fase foi marcada pela separação da sociologia, que passou a ser um ramo autônomo do conhecimento. Filosofia política; Ciência Política Sociologia Augusto Comte foi um sociólogo positivista que fez escola entre os pensadores, sendo o fundador da sociologia como ramo autônomo do conhecimento. Ele criou a palavra “CONSENSUS”. A política é a arte do consenso (concordância ou uniformidade de opiniões, pensamentos, sentimentos, crenças etc., da maioria ou da totalidade de membros de uma coletividade). Ela é capaz de construir consensos, unir pessoas e pensamentos divergentes e como “arte do consenso”, ela deve ser a arte do amor, da união e da conciliação. “A política é a continuação da guerra por outros meios” – Clausewitz. A sociologia ingressou no Brasil no fim do século XIX e início do século XX, com a passagem do Império para a República (1889). 3ª Fase – Ocorre após a 2ª GM, nos EUA (1945) Nessa fase, a Ciência Política se torna um ramo autônomo do conhecimento. Mas onde e por que a Ciência Política vai surgir? Ela surge nos Estados Unidos depois da 2ª GM. Após a 1ª GM, diversos países ratificaram a Liga das Nações (1919), porém os Estados Unidos ficaram de fora e por isso passou a ser visto com maus olhos. Essa organização não foi eficiente e fracassou em seus propósitos. Política 18 A partir disso, os americanos estimularam o estudo das relações de poder e governo (Cratos) e envidaram esforços no intuito de criar instituições para o estudo da Ciência Política, como intuito de aprimorar a relação dos Estados Unidos com outros Estados. Duas delas foram: IPSA – International Political Science Association (Figura 1); e APSA – American Political Science Association – principal acionista da IPSA (Figura 2). Figura 1 – Sítio da International Political Science Association na internet Fonte: O autor 19 Figura 2 – Sítio da American Political Science Association na internet Fonte: O autor Graças aos americanos, a Ciência Política se tornou progressivamente um ramo mais autônomo, inclusive em outros países, como a Itália, por exemplo. 1.1.2. Posição curricular da Ciência Política no Brasil e no RS Por ser uma disciplina nova, obviamente é nova para o Brasil, mas iniciou seu ingresso aqui em 1945. A maior dificuldade da Ciência Política é uma dificuldade conceitual: “A Ciência Política, dentro e fora das universidades, onde em umas poucas conseguiu ser disciplina autônoma, desperta uma natural perplexidade. Quanto ao objeto, o conteúdo e a finalidade, mesmo entre os especialistas, não conseguiu ainda um acordo definitivo, e para muitos permanece mais ou menos incógnita” 1 . 1 AZAMBUJA, Darcy. Introdução à Ciência Política. 20 1.1.3. O objeto material e formal da Ciência Política Para se definir a Ciência Política é necessário estudar os objetos material e formal desta. Mas o que é isso? – É o que permite enxergar uma ciência em sua plenitude. Somente com um deles não é possível fazer ciência. Sem um objeto formal, não se consegue determinar um local no espaço. O objeto formal distingue uma ciência de outra, ao passo que o mesmo objeto material pode ser enxergado de várias formas e, portanto, não distingue ciências diferentes (a matéria é um segmento que pode ser estudado de várias formas). Para conseguirmos distinguir uma ciência, é preciso, portanto, estudar um objeto material a partir de um objeto formal. A Ciência Política é o ramo do conhecimento que estuda a sociedade (objeto material) a partir das suas relações de poder (objeto formal) – Figura 3. Figura 3 – A Ciência Política através de seus objetos formal e material Fonte: Notas de aula Objeto material – é o segmento da realidade objetiva que atrai o interesse do pesquisador (o assunto a ser estudado); Objeto formal – é a perspectiva (o ângulo) sob a qual a matéria é pesquisada (o ponto de vista próprio). O objeto formal é como uma coordenada cartesiana: ele 21 nos localiza no espaço cultural ao determinar a matéria e o enfoque, o ângulo pelo qual ela a matéria é vista. Ao estudarmos o ser humano pelo Direito, estamos estudando o ser humano enquanto direitos e deveres, pois o Direito é uma ciência jurídica e social, mas você poderá estudar o ser humano pela medicina, pela filosofia, pela história, etc. 1.2. A DISCIPLINA TEORIA GERAL DE ESTADO (TGE) 1.2.1. Gênese histórica da TGE A TGE surgiu na Alemanha, pois o Estado passou a ser um problema a ser estudado. A Alemanha foi o último país europeu a ser unificado, possuindo aproximadamente 2000 unidades políticas, carecendo de um centro de poder que os unificasse. Daí surgiu o problema para unificá-la. A Alemanha foi o berço da TGE por uma questão de necessidade. Das 2000 unidades políticas, passou a ter 100 e hoje tem 16 Lander (Estados- membros). Naquela situação, foi dada aos professores a tarefa de resolver o problema da unificação alemã. O fundador da TGE foi Blunts Chli (1852). Ele escreveu a primeira obra de TGE. Entretanto, o ápice dessa disciplina ocorreu com Georg Jelliwek(1851-1911), que escreveu sua obra “Teoria Geral do Estado”. Hans Kelsen é um dos principais juristas a escrever sobre a TGE, demonstrando a forte influência alemã sobre o assunto. 1.2.2. Posição curricular da Teoria Geral do Estado no Brasil e no RS A TGE ingressa no Brasil na década de 1940. Naquele tempo havia uma cadeira chamada “Direito Público Constitucional”. A TGE era ensinada apenas na pós- graduação, para os doutorandos. 22 Essa disciplina ganhou autonomia a partir do Decreto-Lei Nr 2.639, de 23 de setembro de 1940. Este Decreto desmembra a cadeira de Direito Público Constitucional em: Teoria Geral do Estado (1º ano); Direito constitucional (2º ano). Getúlio Vargas apreciava essa constituição, mesmo ela sendo, de certa forma, problemática. Baixou então este Decreto e os professores de Direito Público constitucional passaram a lecionar a cadeira de Teoria Geral do Estado. Por conta disso nomeou os professores de Direito Constitucional, colocando professores que não falariam mal da Constituição de 1937. Fazendo isso, ele “criou” a TGE no Brasil. No RS, o professor Darcy Azambuja ministrou tanto TGE quanto Direito Constitucional. O 1º professor da UFRGS foi o professor Francisco Broxado da Rocha, o 2º foi o professor Darcy Azambuja e o 3º foi o professor Cezar Saldanha. O Ministro Lewandowski, do STF, é o professor titular da matéria na USP. 1.2.3. O objeto material e formal da Teoria Geral do Estado Objeto material: Obviamente é o Estado, na sua riqueza de manifestações, inclusive a jurídica; Objeto formal: A TGE é uma disciplina de síntese que sistematiza sistemas jurídicos, filosóficos, sociológicos, políticos, históricos, antropológicos, econômicos, psicológicos, valendo-se de tais conhecimentos para buscar o aperfeiçoamento do Estado, concebendo-o ao mesmo tempo como um fato social e uma ordem que procura atingir os seus fins com eficácia e com justiça 2 . Objeto material – Estado. Objeto formal – Geral, síntese, enciclopédico. 2 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado TGE 23 A TGE se vale dos conhecimentos de outras disciplinas para compreender o Estado. 1.3. A COMBINAÇÃO: A DISCIPLINA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO A disciplina “POLÍTICA E TEORIA DE ESTADO” é oriunda de uma reforma no Ministério da Educação, materializada pela Portaria Nr 1.886, de 30 de novembro de 1994. Essa Portaria faz a seguinte divisão: A disciplina obrigou que os cursos de direito colocassem em seus currículos a cadeira de Ciência Política com Teoria de Estado; Determinava que não pudesse se restringir só à CP ou à TGE, devendo ser mi- nistrados os dois assuntos. Por conta disso, a UFRGS unificou-os em uma única cadeira. 24 2. A POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO COMO CIÊNCIA 2.1. O TERMO ESTADO O termo Estado Foi usado pela primeira vez no século XVI por Maquiavel em sua obra “O Príncipe” e vem da palavra latina Status. Podemos atribuir a ele vários sentidos, de acordo com Jorge Miranda, jurista português (Situação, condição, posição). Amplíssimo – Unidade política que designa toda sociedade politicamente orga- nizada em torno do poder de mando de última instância (Ex: Polis grega, Civita romana, Impérios ocidentais, etc.). Não há a necessidade da existência de território demarcado nem de burocracia definida; Amplo – Comunidade (comum unidade) com consciência de unidade. Possui um território delimitado por fronteiras e é dotado de um poder político de mando (soberania). Este sentido de Estado surge mais claramente a partir da Paz de Westfália, mo- mento em que se reconheceu finalmente a independência de Estados – Conceito de Oliveira Lima em sua obra “História da civilização” página 259. Apesar de não ser mencionado, inclui a burocracia; Estrito – Apenas uma parte da sociedade política. É apenaso conjunto dos me- canismos que controlam o poder político. É apenas o conjunto dos mecanismos que controlam o poder político (aparato ou aparelho de poder, órgãos que bus- cam a manutenção da lei, órgãos que buscam a manutenção da administração dos negócios públicos e órgãos que buscam a manutenção dos negócios da or- dem). O grande pensador desse conceito de Estado é um jurista chamado Jac- ques Maritain; Estritíssimo – Pessoa Jurídica do Direito Público (Polo passivo de uma deman- da judicial. Exemplo: Estado celebrando um contrato – licitação, concessão de serviço público, etc; Estado sendo responsabilizado por um dano ao particular, etc). 25 O Art 21 da Constituição Federal de 1988 prevê as responsabilidades no plano internacional (incisos I, II, III e IV) e no plano interno (incisos V a XXV). 2.2. DIFICULDADES PARA CONCEITUAÇÃO O que é necessário para que possa ser chamado de Estado? Burocracia – Funcionários Burocratas pagos. Burocracia aparelhada com ór- gãos, cargos, funções, controle, etc; Território – Base física delimitada por fronteiras por onde se estende o poder coercitivo do Estado; Concentração ou centralização – é necessário que haja concentração ou centra- lização de poder; Nacionalidade – Consciência de nacionalidade política e não étnica. Esse modelo de Estado surgiu na Idade Moderna (Século XVI), por isso essa é considerada a data de nascimento do Estado. 2.3. DEFINIÇÃO PELAS CINCO CAUSAS – O CONCEITO DE ESTADO POR UMA VISÃO PENTADIMENSIONAL O Estado pode ser visto e analisado a partir de algumas perspectivas, conhecidas como causas. São elas: Causa Material; Causa Formal; Causa final; Causa eficiente; Causa instrumental. 26 3. CONTEÚDO DA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO: MODOS DE CONCEBER O ESTADO 3.1. VISÃO UNIDIMENSIONAL DO ESTADO Todo ser humano, em qualquer época, em qualquer local, possui seis dimensões interdependentes (Figura 4). Essas dimensões são características de cada ser humano individualmente, aptidões e talentos que cada um desenvolve (dimensões do existir humano). Essas dimensões podem ser percebidas no Estado, gerando uma visão unidimensional do mesmo. São elas: Figura 4 – As dimensões humanas Fonte: Notas de aula Para cada dimensão do existir humano existe ao menos uma instituição que a representa, por exemplo: (Figura 5). 27 Figura 5 – As dimensões humanas e suas instituções Fonte: Notas de aula Nesse contexto, o Direito se apresenta como sendo uma ponte entre a ética e a política. Quando se decide enxergar o Estado por uma única dimensão, geralmente adota-se uma perspectiva reducionista, para não dizer totalitária. São os casos, por exemplo, dos fundamentalismos religiosos do Oriente Médio, onde se considera somente a dimensão religião e suplantam-se as outras a partir dela. Outro exemplo é o fundamentalismo dos “ricos x pobres”, citado por Karl Marx (visão econômica) ou ainda o fundamentalismo ético-social, citado por Augusto Comte. Essa foi a perspectiva adotada por Hans Kelsen, que enxergava o Estado por uma visão totalmente jurídica (Estado de Direito). Ele defendia a ideia de que o Estado se reduzia totalmente ao Direito, sendo este apenas um escalonamento de normas jurídicas. Dentro deste conceito, ele definia que existiam normas primárias e secundarias, onde uma norma serviria de base para outras e assim sucessivamente. Havia, entretanto uma norma que estava acima de todas as demais: a Gran Norma (ou GN), apresentada como Norma fundamental, situação em que todas as outras normas encontrariam fundamento nela; 28 A norma fundamental é o pressuposto lógico formal de onde todas as normas do ordenamento jurídico extraem sua validade. Sendo assim, ela obtém esse pressuposto no Poder Constituinte Originário. Cabe ainda salientar que esse sistema de normas apresentado por Kelsen possui um sentido lógico-dedutivo (Figura 6), onde todas as normas do ordenamento jurídico são normas de criação e execução (a norma superior cria a norma subordinada e a norma subordinada executa a norma superior), exceto duas: a primeira, que é apenas de criação, e a última, que é apenas de execução. Figura 6 – Sistema Lógico dedutivo das normas Fonte: Notas de aula “Uma norma só é norma porque encontrou fundamento de validade em outra norma. A condição de eficácia de uma norma é a condição de uma norma superior que a dê fundamento.” O Estado nada mais é do que um ordenamento jurídico. 29 Para Kelsen, há a necessidade de existir um Tribunal Constitucional que deverá assegurar o cumprimento da Constituição, sendo este o guardião da Constituição. 3.2. VISÃO BIDIMENSIONAL DO ESTADO Georg Jellinek (1851-1911) foi um grande autor da Teoria Geral do Estado, foi ele que criou a visão bidimensional do estado no século XX. Juntando os pensamentos de Augusto Comte e de Hans Kelsen, ele fundiu o sociológico e o jurídico em uma única teoria. Jullinek dizia que o problema da teoria de Kelsen é que ela também era teleológica, ou seja, o ordenamento jurídico não era só de cima para baixo, mas também o contrário. Defendia a ideia de que quem sofre as penalidades da lei sabe se ela presta ou não (o Estado deveria assumir um sentido finalístico – Teleológico, além do sistema lógico-dedutivo). Temos como exemplo a lei que obrigava a todos os automóveis a possuírem um kit primeiros socorros. A falta de instrução das pessoas para o uso do kit fez com que lei fosse revogada. Logo, a base mudou a superior. Jellinek, pela visão bidimensional do Estado, completou o sentido lógico jurídico dedutivo de Kelsen criando o sentido teleológico jurídico indutivo. O Estado de Direito pode estar submetido à lógica dedutiva/ordenamento jurídico, mas também deve estar submetido à ética/moral da sociedade. Essa perspectiva assemelha-se à unidimensional, mas se preocupa também com os valores, não apenas com os fatos (sentido teleológico), pois além da questão jurídica, também é analisada a questão social. 3.3. VISÃO TRIDIMENSIONAL DO ESTADO Nessa perspectiva, o Estado engloba três projeções: fatos, valores e normas. Existe uma causação circular cumulativa (positiva ou negativa) – Figura 7, onde uma influencia a outra num sistema de retroalimentação. Essa Teoria é defendida por Miguel Reale e Aderson de Menezes. 30 O Estado é um eterno diálogo entre fatos naturais ou gerados por humanos, valores/costumes/hábitos e normas. Alterações realizadas em um têm por resultado a melhoria ou a conformação do outro. Figura 7 – Sistema de causação circular cumulativo Fonte: Notas de aula Quando me deparo com um círculo causal cumulativo negativo, em que dimensão eu devo intervir a fim de transformá-lo num círculo causal cumulativo positivo? Se um influencia no outro, em qual eu devo mexer a fim de mudar a realidade atual? Há uma porta de entrada para o sistema? Por onde eu posso adentrar nesse sistema a fim de alterar a realidade? Miguel Reale ficou muito famoso por descobrir essa relação entre Fatos, Valores e Normas, porém não respondeu à pergunta acima. De uma forma geral, estatisticamente, 75% das pessoas respondem que se deve iniciar alterando os valores. Entretanto, a resposta mais aceitável (não 100% correta) é que se deve iniciar alterando as normas, pois uma sociedade não deve ser regida por valores ou fatos. Cada indivíduo tem seus valores e as normas devem coagi-los caso estes não sejam fortes o suficiente para mantê-los dentro do comportamento considerado “padrão”.Sendo a norma uma ferramenta de imposição de comportamentos, ela é a maneira mais rápida de adentrar nesse sistema e alterar a realidade. Ora, se um indivíduo tem valores, mas a norma é frágil, ele poderá flexibilizar seus valores. Portanto as normas devem tutelar o indivíduo, evitando essa flexibilização. Sem as normas, ficaríamos à mercê dos valores individuais e suas interpretações casuais. 31 “Quem não age como pensa acaba pensando em como age” (São Tomás de Aquino). Os valores e fatos não devem ser esquecidos, no entanto, pois isso implicaria na visão unidimensional. Antes devem ser trabalhados em longo prazo, ao passo que as normas trazem resultados em curto prazo. 3.4. VISÃO PENTADIMENSIONAL DO ESTADO Aristóteles apresentou a teoria do Estado por quatro causas: Material: (do que é feito); Formal: (qual a forma); Final (para que serve); Eficiente (quem fez). São Tomás de Aquino melhorou essa teoria e acrescentando uma quinta causa: Instrumental (como é constituído e como opera). EX. do APAGADOR => material (matéria prima: plástico e feltro), formal (forma física específica), final (finalidade: apagar), eficiente (quem fez) Nessa perspectiva, as projeções citadas por Miguel Reale se subdividem nas cinco causas: (Quadro 1). Fato – causas material e formal; Valor – causas final e eficiente; Norma – causa instrumental. As causas material e formal (componentes da projeção fato) são características intrínsecas, que demonstram a composição do ser, enquanto as causas final, eficiente e instrumental (componentes das projeções valor e norma) são características extrínsecas ao ser. 32 3.4.1. Causa material De que é feito o Estado? (Qual seu substrato, sua matéria?) A matéria básica do Estado é a sociedade alocada em território determinado. Aspecto do Estado a partir dessa causa: O Estado enquanto fenômeno – Teoria social. 3.4.2. Causa formal Por que o Estado é o que é e não outra coisa? Assunto estudado pela morfologia (estudo da forma). O Estado é definido pelas suas fronteiras, destacando a soberania do Estado, é o limite geográfico onde se exerce a coerção do poder. Base física, delimitada por fronteiras, onde se estende o poder coercitivo do Estado. O Estado enquanto organização do poder (até onde o Estado pode exercer seu poder) – Teoria política. 3.4.3. Causa final Para que existe o Estado? (Qual sua finalidade?) O Estado existe para atingir o bem comum, aquilo que todos temos em comum: A dignidade da pessoa humana (ninguém é melhor, nem pior, que ninguém). O Estado enquanto meio para obtenção dos fins – Teoria teleológica. 3.4.4. Causa eficiente Quem fez ou faz o Estado? (Qual a origem do Estado) 33 Existem diversas teorias que explicam a origem do Estado, porém a mais aceita, mais isenta é a que diz que o Estado é fruto da natureza social do homem. Aqui enxergamos o Estado enquanto resultância – Teoria justificativa. 3.4.5. Causa instrumental Por qual meio é constituído e opera o Estado? O Estado é constituído e opera pelo Direito, pelas Leis (todas as ciências jurídicas). Aqui o Estado se apresenta como um ordenamento – Teoria Jurídica. Quadro 1 – O Estado por suas cinco causas Projeções Causas Perguntas Respostas Unidades didáticas Aspectos do Estado Disciplinas conexas FATO Material Do que o Estado é feito? Substrato do Estado Teoria social O Estado enquanto fenômeno Sociologia, Geografia, Economia Formal Por que o Estado é o que é e não outra coisa? Morfologia do Estado Teoria política O Estado enquanto organização Ciência política VALOR Final Para que existe o Estado? Finalidades do Estado Teoria teleológica O Estado enquanto meio Filosofia política, Ética Eficiente Que(m) fez (faz) o Estado? Origem do Estado Teoria justificativa O Estado enquanto resultância História da Filosofia, Antropologia NORMA Instrumental Por que meio é constituído e opera o Estado? Metodologia operacional do Estado Teoria jurídica O Estado enquanto ordenamento Todas as ciências jurídicas Fonte: Esquemas de aula 34 UNIDADE II – TIPOS DE UNIDADE POLÍTICA ATÉ AS REVOLUÇÕES LIBERAIS 37 4. A UNIDADE POLÍTICA ANTIGA (UPA) 4.1. UNIDADE POLÍTICA ANTIGA ORIENTAL – UPAO (Egito, Assíria/Caldéia, Isra- el, Pérsia, China, etc.) A UPAO já existia há 4.000 anos antes de Cristo e era mal delineada. Nela, as várias dimensões do existir humano (econômica, política, cultural, etc.) eram todas dominadas pela religião. Não havia uma especificidade da política – não havia a noção de política como conhecemos hoje. Não havia distinção entre política e religião, lhes faltando uma teoria política (conceito de política). As UPAO eram geralmente monarquias despóticas ou autocracias, sempre apresentando certo grau de teocracia (o monarca era o poder de deus) e apoiando todas as justificativas políticas na religião (visão unidimensional). Outra característica apresentada nas UPAO era o predomínio de castas sacerdotais. Muitas coisas se perderam no tempo, mas outras conseguiram ser preservadas, como, por exemplo, o Código de Hamurabi. Ainda existem resquícios do direito egípcio e hitita, além da bíblia, que reserva algumas formas de Direito. Como essa justiça das UPAO funcionava? Geralmente ela era aplicada dentro das aldeias, com cunho familiar – era uma justiça patriarcal. Várias sociedades foram se agrupando até formarem as cidades e, depois, os Impérios Antigos, onde o poder militar de uma cidade se impõe a outra. Naquele tempo, era comum o pastoreio de gado miúdo (entretanto, às vezes também graúdo) e as cidades se opunham ao campo. Eram nas cidades que se mantinham o controle da escrita e já se observava a cobrança de tributos. As UPAO já sabiam usar o leito dos rios em seu benefício. Isso demandava uma espécie de burocracia, que também podia ser observada, controlando as diversas atividades da cidade. 38 Apesar de muito dessa época ter sido perdido, já era possível se observar uma espécie de federação (aliança entre as aldeias), além de uma unidade administrativa e de governadores. AS funções dos governantes era cobrar tributos e manter a paz interna e externa (proteger a soberania). Essa federação demonstra a possibilidade de união entre cidades numa possível militar. Quando uma sociedade era dominada por outra, era possibel comprar a liberdade através de pagamentos, semelhantes à vassalagem. Era comum a memória oral, uma espécie de “sabedoria” acumulada. O acumulo de sabedoria era mantido apenas por memorização. Max Weber, em sua obra “Economia e Socieade”, fala da justiça do Cadi Oriental, que tratava de regras e relações cotidianas da sociedade (um direito costumeiro, não escrito). 4.2. UNIDADE POLÍTICA ANTIGA GREGA – UPAG Os gregos também não possuíam consciência de unidade política, pois tinham uma multiplicidade de cidades Estados. O que lhes dava a ideia de “unidade política” era o fato de cultivarem cultura e instituições muito semelhantes e tradições sociais e religiosas comuns. Apesar disso, viviam em alianças e guerras constantes. Havia a chamada polis, denominação da unidade política cingida aos limites de uma cidade – um todo genérico (econômico, social e cultural), capaz de sustentar e garantir a vidaautônoma bastante em si, por meio de uma atividade com um poder especifico: a política. A palavra polis, como descrita acima, é a ideia de Politeia. Politeia se diferencia de democracia. Na obra de Aristóteles, o autor mostrava como se organizava a política da polis. Para Aristóteles, a “democracia” não era um regime bom, pois não buscava o bem de todos, sendo uma deturpação do regime (buscava o mal de todos). 39 O conceito de democracia que conhecemos hoje se refere ao conceito de Politia (ou Politeia). A Politia, para os gregos, era a participação dos cidadãos na vida da polis (nem todos podiam participar da vida publica, no entanto. As mulheres, as crianças, os escravos e os estrangeiros estavam excluídos da praça pública – Eclésia ou Ágora, não sendo considerados cidadãos). Na Politia, a escravidão era muito importante, pois era ela que permitia que o cidadão pudesse participar da vida pública, pois alguém precisava trabalhar. Ainda assim, nem todos os que eram considerados cidadãos iam à praça pública. Os gregos não tinham a concepção de “pessoa-humana”, concepção de dignidade. Também não desenvolveram a noção de direitos fundamentais. Teoria dos direitos subjetivos – Georg Jellineck Ser livre para os antigos é diferente de ser livre para os modernos (séculos XVI, XVII e XVIII). Os antigos se consideravam livres somente quando preenchiam sua vida privada e podiam ingressar no espaço público (assim, mulheres, crianças, escravos e estrangeiros não eram livres). Para eles, ser livre tinha uma conotação participativa, poder participar e contribuir com a vida pública (para Jellineck, um STATUS ACTIVUS). Aqui, o indivíduo deseja entrar no Estado para adquirir sua liberdade. Para os modernos, porém, parte-se do pressuposto que o rei domina certa atividade e pode privar a liberdade do indivíduo. A liberdade para os modernos, então, significa não estar privado pelo Estado, era estar livre das mãos estatais e suas imposições, que limitam as liberdades individuais (para Benjamin Constant, era uma liberdade passiva). Ao contrário da antiguidade, aqui o indivíduo deseja sair do Estado para poder ser livre. Esse é um sentido liberal, que busca limitar a interferência do Estado na vida individual. 40 Benjamin Constant teve notoriedade por ter sido o primeiro a enxergar essa diferenciação de liberdade entre os antigos e os modernos. a) Liberdade dos antigos: participação dos cidadãos na vida da polis; b) Liberdade dos modernos: gerir e atuar na vida privada sem interferência do Es- tado. A tese de Fustel de Coulanges conta sobre os costumes gregos. Nela foi publicada uma frase que ficou famosa: “O grego, mesmo o cidadão, era um escravo do Estado”. As pessoas passavam toda a vida trabalhando para preencher sua vida privada e, quando finalmente o faziam, iam trabalhar para o Estado. Em resposta a esse pensamento, passaram a dizer que temos que olhar para essa tese com “temperamento”. Na verdade, para os gregos, essa era a Eudaimonia; essa era a ideia do bem comum, sua finalidade na vida. Surgiu uma reinterpretação do que era considerada uma “boa vida”. Para os gregos a boa vida estava figurada no acesso à vida pública. Será que o cidadão de hoje não é um escravo do Estado? 4.3. UNIDADE POLÍTICA ANTIGA ROMANA – UPAR A diferença básica entre gregos e romanos é que os gregos são teóricos, enquanto os romanos são práticos. A filosofia é grega, mas o direito é romano. Os gregos amavam a dialética e a filosofia, ao passo que os romanos eram pragmáticos, o que os levou a conquistar um vasto império. Todos os institutos jurídicos procedem de Roma. Disto surge o desenvolvimento do direito e até a política em Roma. Os romanos pegaram toda a teoria dos gregos e tentaram colocá-las em prática. 41 Em Roma buscava-se instituir um convívio legal, pacifico e civilizado. Para isso dividiram o “Estado” (e o direito) da “moral”, coisa que os gregos jamais fariam. O Estado e o Direito devem estar de acordo com a moral. Os romanos começaram a distinguir o Estado do indivíduo; Distinguir o Direito público do Direito privado (há uma justiça mais geral e outra mais individual). Também elaboraram uma noção de diferenças entre os Direitos Políticos (direito em sentido democrático, representativo, participativo – votar e ser votado, representação, relativo a todos) e os Direitos civis (direitos mais subjetivos – atribuir a cada um aquilo que é seu). Assim como os gregos, os romanos não fundaram as noções de direitos fundamentais (estes só vieram a surgir no século XVII com as revoluções liberais). Direitos humanos: definidos mais internamente; Direitos fundamentais: definidos internacionalmente. A diferença entre os direitos políticos e os direitos civis: Direitos civis: são mais subjetivos; a pessoa os tem enquanto titular de direito, uma espécie de carta que garante seus direitos enquanto indivíduo. Relacionam- se com a liberdade (são originários da liberdade individual). São direitos de pri- meira geração. São exemplos os citados no Art 5 da CF/1988. Direitos políticos: direitos de participação. O indivíduo não age como pessoa ti- tular do direito, mas age em busca de um bem comum para a sociedade. Exem- plo do Art 12 da CF/1988. Os romanos falaram dos direitos fundamentais, mas não os reconheceram devido à humanidade, somente devido à titularidade do direito – uma espécie de cheque em branco. Os romanos, por serem eminentemente práticos, sabiam como expandir seu território. Sua história se divide em três períodos: Arcaico, Clássico e Tardio (ou Pós- clássico). 42 Os processualistas dividem esses períodos como as fórmulas que o processo civil foi adotado em Roma. 43 5. O NASCIMENTO DA UNIDADE POLÍTICA OCIDENTAL: O REINO MEDIEVAL FEUDAL (RMF) 5.1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES O Reino Medieval Feudal foi instituído por volta do século V com a queda do Império Romano do Oriente. Durante aproximadamente cinco séculos ele vai ganhando força e consolidando-se. Nele formaram-se, entre os anos 400 a 800, unidades políticas que podem ser divididas em três grandes civilizações que estão em tensão até os dias presentes: Oriente; Ocidente; Islã. Todos esses povos se estruturaram na raiz na raiz da tradição Greco-romana, apesar de terem culturas, tradições, religiões, crenças e visões bem distintas. Todas se desenvolveram a partir de porções diversas da tradição Greco-romana. O Ocidente foi formado a partir da cultura romana, germânica (bárbaros) e da forma aglutinadora do cristianismo latino. A partir disso o caos que existia passa a tomar uma forma de ordem. Podemos dividir a Idade Média em: Prima Idade Média – Caos (século V a VIII); Alta Idade Média – Ordem (IX, X e XI); Média Idade Média – Apogeu (séculos XII e XIII); Baixa Idade Média – Declínio (século XIV). Durante a Prima Idade Média apresenta-se o caos. Com ele, inicia-se um processo de aglutinação por conta de Carlos Magno, que fez doações de terras. 44 Após isso, o caos torna-se ordem e alcança um apogeu para depois entrar em declínio. Quando os autores da idade moderna pensaram sobre a Idade Média, eles consideraram como um retrocesso entre a idade antiga e a modernidade (Figura 8). Colocaram sobre esse período intermediário (Idade Média) um enorme pessimismo. Figura 8 – A evolução do pensamento durante os séculos Fonte: Notas de aula A ideia de Renascimento e Iluminismo em contrasta com a “era das trevas”, dando início a uma época de cientificismo, onde nega-se o que a IdadeMédia dizia e colocava como verdadeiro somente o que podia ser provado por meio da ciência. Essa foi uma época de laicismo e cientificismo. A Idade Média era extremamente criticada. Durante o século XVIII, entretanto, houve muitos livros sobre a Idade Média fortalecendo a ideia de que esta era o meio termo entre a antiguidade e a modernidade. Já no século XIX, os autores passaram a ter certo romantismo a respeito da Idade Média. Eles passaram a buscar por um humanismo para que pudessem fazer um contrabalanço com o cientificismo cultivado nos séculos XVII e XVIII. A solução encontrada foi voltar ao estudo da Idade Média. Começaram a escrever a Idade Média com otimismo, romantismo, admiração e saudosismo. Passou-se de uma visão extremamente pejorativa para uma extremamente positiva. Apenas no século XX conseguiu-se enxergar a Idade Média com olhos dela própria, adquirindo um realismo demonstrado na apresentação de aspectos negativos e positivos ao mesmo tempo. 45 Hilário Franco Junior faz uma boa apreciação da Idade Média em sua obra. 5.2. CARACTERÍSTICAS GERAIS DO FEUDALISMO No século XII e XIII houve um apogeu cultural com a ampliação do acesso à leitura e à universidade (não mais apenas pelos clérigos, mas também pelos leigos). O século XII também foi marcado pelo apogeu da construção civil medieval, com o avanço da construção das cidades medievais. Um aspecto disso foi o grande aumento das chuvas devido ao desmatamento das matas para dar espaço às cidades. A partir da peste negra iniciou-se o declínio da Idade Média. 5.2.1. Características econômicas Havia um predomínio das atividades agrícolas, pois inexistiam atividades industriais e as atividades comerciais eram dependentes dos feudos, pois se não houvesse excesso de produção, não haveria o que se negociar. Com a evolução histórica foram surgindo as corporações de ofício Os feudos se fortaleceram de tal maneira que cada um deles poderia ser considerado um Estado à parte. Os nobres recebiam terras dos servidores e passavam a ser soberanos ali. Passavam a controlar tanto a vida no feudo que este adquiria uma autonomia administrativa (muitas vezes, os senhores feudais tornavam-se mais ricos que o próprio rei). Por conta disso, cada feudo era uma Unidade Estatal própria. As relações se davam cor contratos, onde o servo vivia na terra em troca de proteção (Enfiteuse – um tratado entre o rei e os súditos). Não era possível viver fora de um feudo, pois se corria o risco de ser capturado. O servo trabalhava na terra e cedia ao rei uma parte da produção em troca de proteção militar. O comércio (troca de mercadorias) no feudo dava-se pelo excesso que o este possuísse. Esses excedentes foram tornando-se possível a partir do revezamento da terra, das técnicas de utilização do trabalho animal e das técnicas de produção, que resultaram no aumento da quantidade produzida. 46 No fim da Idade Média houve o surgimento e desenvolvimento das Corporações de Ofício. 5.2.2. Características sociais Havia uma predominância social do setor rural sobre o urbano, entretanto esse quadro vai gradualmente se invertendo, pois o setor urbano vai se ampliando. As principais posições sociais são: Senhores feudais (nobres e alto-clero); Servos. 5.2.3. Características culturais Quanto à cultura, na Idade Média há uma forte influência do cristianismo latino, com ascensão do teocentrismo. O auge cultural da Idade Média ocorre no século XIII, com São Tomás de Aquino. 5.2.4. Características jurídicas No campo do Direito, predominam duas correntes (duas famílias jurídicas foram instituídas na transição dos séculos XI para XII): Quadro 2. Direito Costumeiro – vindo de Guilherme, o conquistador (dá origem ao Common Law); Direito escrito (positivado) – de origem romana. Apesar de desenvolver essas duas famílias, a característica jurídica da Idade Média, a partir do século XI, foi o direito costumeiro. O direito positivado começou a ser mais amplamente utilizado a partir do século XVI. 47 Quadro 2 – Como funcionam as correntes do direito A sociedade trabalha por consenso em algumas matérias e por conflito em outras. O problema do direito não nasce no consenso, mas no conflito, pois no momento em que um manda e outro obedece, um estabelece e o outro acata, tudo corre bem, mas no momento em que começa o conflito entre interesses se inicia um problema. A partir do conflito saímos da zona pertencente a um direito bruto – reação nua e crua da sociedade (direito baseado na força bruta contra a bruta força – pretensão de um contra a pretensão do outro) e alcançamos uma área dominada pelo direito dos jurista – onde se formam as jurisprudências.(corpo de precedentes). A fim de organizar e solucionar o conflito social dentro do poder político organizado. O direito começa a adquirir um grau de certeza, saber quem tem razão. Além da certeza, o direito precisa ser durável. Caso necessário, poderá ainda utilizar- se da força coercitiva (força). Com base no direito dos juristas, os advogados, juízes, promotores, professores, etc., vão desenvolvendo teses a respeito de direitos que não possuem consenso. O direito legislado começa a ser aplicado e, devido à sua aplicação constante, chegamos a um terceiro momento, denominado direito legislado. Este direito legislado passa por uma mediação social. retorna para a sociedade para um quarto momento chamado de direito vivo. Esse direito é definido pelo momento em que a sociedade, após a decisão dos juízes e após o direito legislado, aceita ou não o direito que lhe foi apresentado (Ex: a sociedade que não aceita a definição de família que é determinada pelo direito). A recepção do direito legislado pela sociedade gera novos conflitos, que geram novos direitos brutos, que geram mais necessidade de mais certeza, duração e força, demandando novas decisões dos juízes, que após sua constante aplicação gerará novos direitos legislados, que serão recebidos pela sociedade, gerando mais direitos vivos e assim por diante, num ciclo sociológico evolutivo do direito. 48 As duas famílias do direito são a common Law e a romano-germânico. No common Law, os fatos antecedem à lei, já no direito romano, a lei antecede aos fatos. O common Law é um direito genético (nato), pois nasce na sociedade, a partir de seus consensos e conflitos e é complementado no Estado. Esse é um tipo de direito mais bruto, voltado para o costume e é mais aplicado na Inglaterra e em países oriundos do Reino Unido. Já o direito romano é um direito do tipo operativo (positivo), onde existe uma lei posta anterior que volta para a sociedade (nasce no Estado e se complementa na sociedade). É um direito voltado para a lei e é mais em Roma, Espanha, Inglaterra, França. Fonte: Notas de aula 49 Direito romano: Vigorou, enquanto direito oficial, entre os séculos VII a.C. e V d.C. Suas principais características foram: A ideia de propriedade e defesa dela; A ideia de ritos formais para transferência de propriedade e obtenção de outros direitos; Existência de códigos escritos capazes de organizar o direito; Existência de direito internacional, aplicado entre vários povos. Direito germânico: As invasões germânicas se iniciaram no século II d.C., vinda da região dos Países baixos e Alemanha. Entre os séculos II e V há uma fusão cultural na Europa, tanto que houve uma intensa imigração para o norte daquele continente. Nesse período, três fatores marcaram a Idade Média: Grande fome e diminuição da população devido às guerras; Retrocesso infraestrutural; Fusão de costumes entre romanos e germânicos. Os direitos romanos e germânicos tiveram muitos pontos de contato e muitas leis foram adaptadas. As leis romanas não foram aplicadas mais enfaticamente devido à falta da burocracia romana. Surge o Ius Sanguinis, onde o indivíduo é sujeito à lei do seu povo de origem, independente do lugar onde estivesse (em oposição à Ius Solis) Há uma incorporação dos costumes cultos, mesmo à contragosto da Igreja. Lei sálica: oriunda dos germânicos. Vigorou entre 481 e 511, porém foi escrita em 802. Não havia prisão. Os casos eram resolvidos com punição imediata. Era comum a aplicação de multas: 50 600 soldos por matar um nobre; 200 soldos por matar um homem livre; 100 soldos por arrancar um pé ou uma mão de alguém; 63 soldos por assaltar um romano; 35 soldos por assaltar um germânico. Os processos e as punições eram públicos e orais. O direito canônico: A queda do Império Romano impôs um vazio político na Europa. Os feudos eram bastante suficientes e isolados. A Igreja atuou nesse espaço amplo, unindo grandes territórios sob áreas como família e casamento. Nesse período o Cristianismo se tornou hegemônico na Europa, mas nunca conseguiu evitar a existência de outras religiões de origem célticas. As características apresentadas pela Igreja naquele período: A menor hierarquização, se comparada com a atualidade; As tomadas de decisão eram feitas em conselhos, chamados até hoje de concílios; Obtenção de influência devido a várias alianças feitas com reis; O direito canônico restabeleceu cortes, tribunais e a ideia de jurisdição, que foram esquecidos após a queda de Roma. Esses tribunais eram regionais. A Igreja manteve as formalizações típicas do direito romano. A Igreja foi responsável pela formação de juristas profissionais. As universidades ficavam sempre próximas a um centro religioso expoente. As principais características do direito canônico são: Forte influência do direito romano nos direitos e procedimentos; Distribuição organizada de competências de julgamento; Em consequência, havia processos escritos, em níveis recursais; 51 Limitação da interpretação das normas – os nobres não poderiam aplicar o direito. Apenas a Igreja tinha essa prerrogativa. 5.3. CARACTERÍSTICAS POLÍTICAS DO REINO MEDIEVAL FEUDAL 5.3.1. Fragmentação territorial do poder em feudos A Grande figura é Carlos Magno (748 – 814). Ele conseguiu reconquistar a maior parte do território europeu, reunificando a região que vai da atual Alemanha até a Espanha sob o seu poder. Em 800, foi nomeado, pela Igreja, Imperador Romano. Durante sua vida houve intensa atividade cultural por toda a Europa. Após sua morte começa a ocorrer a feudalização. Ele teve três filhos, que dividiram o Império em partes: Carlos – o careca, ficou com a região da França; Luis – o germânico, ficou com a região da Alemanha; Lothan ficou com a região da Itália. A partir dessa divisão a Europa foi se feudalizando, tendo sido adotado um sistema de distribuição de terras para soldados e outros escolhidos pelos reis. Isso gerou um sistema de pequenos feudos isolados. 5.3.2. Hierarquização da sociedade política O feudalismo era marcado pela hierarquização política em uma estrutura de or- dem mora e contava com três grandes divisões: Bellatores – responsáveis pela belicância (nobres e senhores feudais); Oratores – representantes da Igreja (clero); 52 Laboratores – servos que trabalhavam na terra. Representavam a maior quanti- dade da população e a menor hierarquia nos feudos. Havia uma hierarquia típica para o funcionamento da sociedade (Figura 9). 1) Enfiteuse – Pacto existente entre os servos e seus vassalos diretos : Em tro- ca de trabalhos na terra dos nobres e de parte da produção, os servos pode- riam morar na terra e ser protegidos. Os servos pagavam também pelo uso das benfeitorias do feudo, como por exemplo os moinhos; 2) Suserania e vassalagem – Pactos existentes entre os nobres: Pacto de alian- ça e lealdade. Havia uma cerimônia,às vezes escrita. Era um pacto perpétuo e tinha caráter religioso; 3) Através de um pacto, os reis reconheciam a posição dos nobres: Surgiam os deveres de defesa mútua e principalmente o reconhecimento do direito exclu- sivo do rei de declarar guerra e cobrar tributos para ela; 4) Um pacto permitia o acesso, ao rei, por parte dos servos para solicitar justiça em situações específicas (esse tipo de pacto era comum na Inglaterra); 5) Havia ainda um quinto pacto, que fora imaginado, entre o rei e o Sacro Impé- rio Romano Germânico, comandado pela Igreja: A Igreja tentou unificar a Eu- ropa, mas sem sucesso, apesar da sua forte influência. Figura 9 – A estrutura social medieval e seu funcionamento Fonte: Esquemas de aula 53 5.4. FUNÇÕES DO REI MEDIEVAL FEUDAL Apesar da centralização do poder e da inexistência de tribunais e outros órgãos, havia necessidade de certas funções: 5.4.1. Função Administrativa Referia-se a decidir assuntos do feudo e aplicar a lei em situações não conflituosas: era a direção da vida do feudo, a utilização de recursos e a cobrança de impostos. Essa função era exercida localmente pelos senhores feudais. Praticamente inexistiam assuntos amplos de governo (educação, saúde, etc.) O rei NÃO exercia funções administrativas. 5.4.2. Função Judiciária A aplicação da justiça também era local, aplicada por colegiados e nobres (individualmente). Raramente, devido ao valor ou gravidade do caso, poderia haver recursos ao rei. “Nessa época cometeu-se muitos crimes. Cada um via a justiça a seu modo pessoal3”. Especificamente na Inglaterra, a partir de 1100, foram instaladas cortes reais e o rei estabeleceu juízes itinerantes para aplicar a justiça. Em resuma, a justiça fora das cortes reais era aplicada privadamente. O rei NÃO exercia função judiciária. 3 Gregório de Tours. 54 5.4.3. Função Legislativa A criação de leis quase inexistia. As leis eram tradicionais e normalmente não escritas. As leis escritas se concentravam na Itália e dentro da Igreja até o século X. A regra nos feudos era o analfabetismo, portanto havia dependência de pactos e costumes orais. A partir do século XI e da redescoberta do Corpus Iuris Civilis, passa-se a ocorrer o estudo formal da legislação romana e a implantação de leis escritas em larga escala. O rei NÃO exercia funções legislativas. 5.4.4. O rei O rei estava submetido às mesmas tradições dos nobres. Não fazia leis e não as aplicava fora de seu feudo. Ele era submetido ao direito canônico. O rei exercia as seguintes funções: Chefiar a guerra; Chefiar o fisco; Juízo de segunda instância, por intermédio de seus juízes itinerantes; Representar o “fecho ou chave da abóbada” – era a peça que mantinha em pé a estrutura político-jurídico-moral feudal, executando a função de última instância. “O rei tinha o poder de Auctoritas4”. Exercia um papel simbólico e moral, derivado das tradições e de seu carisma. Ele não tinha como impor, pela força, as suas decisões. Historicamente, sua legitimidade vinha de algum ato heroico dos antepassados ou por uma suposta designação divina. 4 Hannah Arendt. 55 5.5. LEGADO DO REINO MEDIEVAL FEUDAL 5.5.1. Supremacia do direito sobre o poder O rei estava abaixo da lei e seu poder. O direito é uma ordem e todos estão submetidos a ela, mesmo o rei5. consequentemente,o poder do rei estava condicionado à aceitação popular. 5.5.2. A Legitimidade do direito O direito e o ordenamento dele advindo devem ser fundamentados no consenti- mento da comunidade. Ora, se o rei está abaixo da lei, o seu poder deve ser condicio- nado de igual forma ao consentimento popular. 5.5.3. Filosofia democrática A partir do período feudal, inicia-se a formação de filosofias democráticas, com noções de pessoa humana e dignidade (todos são iguais). Entretanto, nesse período não foram desenvolvidos os direitos e deveres fundamentais, sendo apenas um início e um esboço para estes assuntos. 5.5.4. Descentralização territorial do poder Nesse período nasce o princípio da subsidiariedade. Alguns autores notáveis so- bre esse assunto são Silvia Faber Torres e José Alfredo de Oliveria Baracho. O princípio da subsidiariedade nasceu na Idade Média e foi muito aplicado na União Européia, sendo o princípio motriz dessa organização. Ele preconiza que tudo quanto puder ser feito, e bem feito, por uma entidade menor, não precisa ser feito por uma entidade maior. 5 O direito evolui, na Inglaterra para o Rule of Law (com o princípio “due process of Law” – processualidade devida) e, no continente, para o Rechtsstaat (com o princípio da legalidade devida). 56 Esse princípio foi criado por um concílio de papas da Idade Média (Rerun Nova- rum), iniciando uma descentralização de poder. Ele é a base da democracia 5.5.5. Surgimento dos parlamentos No período medieval encontramos a criação dos Parlamentos (durante a Baixa Idade Média). Os burgos recolhiam impostos aos reis e, portanto, gostavam de opinar nas deci- sões de sobre como os reis deveriam aplicar os recursos financeiros do reino. Eles es- tavam bancando os reis e desejavam uma espécie de controle do dinheiro que estavam empregando. Começaram então a surgir as Câmaras (regionalmente). O objetivo do nascimento do Parlamento era, então, o de fiscalizar as despesas do rei, controlando o orçamento e as contas públicas. 5.6. DIVISÃO DE PODERES Durante a Idade Média havia diversos pactos, escritos ou não, entre reis, nobres e servos, mas não existia um Estado soberano nem divisão de poderes. As funções es- tatais eram realizadas por particulares. A estabilidade desse sistema era originária dos costumes. 5.7. SOBERANIA 5.7.1. Surgimento Soberania é o conceito de maior poder em determinado território e surge no final da Idade Média, a partir do século XIV. Não havia o conceito anteriormente. Durante o período anterior vigora a noção de autarquia, de um Estado autossuficiente em si. Era uma doutrina clássica, vinda de Aristóteles, onde a cidade deveria fornecer os meios para que se pudesse alcançar a felicidade (Eudaimonia). 57 Não existiam condições políticas de surgimento do Estado soberano, portanto o feudo deveria suprir a função de dar felicidade aos seus habitantes. Entretanto, o fim da Idade Média é um período de grandes conflitos, pelo aumen- to do comércio, crescimento das cidades, da Igreja e do surgimento das corporações de ofício. Nesse contexto, temos a primeira manifestação doutrinária pelo autor Marcelo de Pádua (século XIII). Sua teoria era de que o Estado era superior hierarquicamente à I- greja em suas decisões. Até aquele momento, se reconhecia a igualdade ou inferiorida- de do primeiro em relação ao segundo. Na prática, a França e a Inglaterra resistiram a Igreja com mais sucesso, mas a Igreja manteve o poder de nomear os reis até o século XVI. 5.7.2. O caso da França A soberania, na prática, surge na França. Os nobres tratavam os feudos como seus e resistiam às decisões reais. Naquele país havia pouco contato entre reis e ser- vos, sendo a relação mais constante a que se dava entre reis e nobres. Entre 1212 e1223, a monarquia francesa, cumprindo a legislação da época, dei- xou de distribuir feudos vacantes, passando de 98 para 34 feudos. O poder do rei co- meçou a crescer enormemente e, a partir disso, começaram a ser implantadas cortes de justiça, decisões de governo e exercício do poder de polícia em todos os feudos. No final do século XIII surge o termo “Souverain” (Soberano). A ideia de soberania legitima o poder do rei, afirma que os nobres não podem a- frontar decisões reais e apontam a necessidade de unificação estatal. O rei então deixa de ser o mais superior hierarquicamente e passa a ser o supremo. Entre 1337 e 1453, aconteceu a guerra dos cem anos entre a França e a Ingla- terra. Ao fim da guerra, se consolidou na França a ideia de um Estado soberano. As características de um Estado soberano são: A unificação das ordens sobre o povo pelo rei; A submissão dos senhores feudais ao rei; O poder no Estado (é normal que haja um Estado e que ele tenha poder); 58 A obrigatoriedade de haver um interior unificado e sem resistência; Plena independência nas relações internacionais. Assim surge a ideia de “rei absoluto”, historicamente na França, no século XIV. Nesse momento também estavam ocorrendo as reformas protestantes, que reti- ram muito poder da Igreja. Charles Grassaielle escreveu, em 1588, um livro6 sistematizando os vinte pode- res do rei e os vinte poderes do rei sobre a Igreja. Entre o rei e a Igreja são estabeleci- dos privilégios ao clero, são concedidos alguns poderes à Igreja, começou a haver co- brança de impostos da igreja e o rei começou a designar os cargos eclesiásticos. Nesse período também escreveu o grande doutrinador da teoria da soberania, Jean Bodin. Ele traz o resultado da evolução da França, mas abstrai a França7. Jean Bodin cria um conceito de soberania. Ele diz em sua teoria que “a sobera- nia é um elemento essencial do Estado implica em poder ilimitado dentro do território e independência nas relações internacionais”. O autor não fala no conceito de Estado, mas apenas afirma que ao rei cabe o poder absoluto, livre de toda lei anterior e da von- tade de seus súditos. O povo entrega a sua soberania e passa a ser um “objeto”. 5.8. FIM DO REINO FEUDAL No fim do feudalismo havia um poder descentralizado se concentrando, o renas- cimento comercial e o Ius Sanguinis sendo substituído pelo Ius Solis. Surge então a PA- lavra “Estado”, citada por Nicolau Maquiavel pela primeira vez com um sentido moder- no8. Em sua obra, ele propõe a unificação da Itália sob um poder único, libertando o po- vo das ameaças externas. “Todos os Estados são principados ou repúblicas”. Maquiavel não teve sucesso em sua proposta. A Itália tinha divisões semelhan- tes em poder militar e a unificação só veio a ocorrer no século XVIII. A partir de então surge um Estado de muitas comprovações e ordens. Otto Von Gierke e Max Weber definem o Ständestaat (Estado de corporações). Max Weber afirma: 6 Regalium Franciae libri duo. 7 Seis livros da república. 8 O Príncipe 59 Só no ocidente surgiu o capitalismo e o Estado. Uma constituição racionalmente redigida, um Estado racionalmente ordenado e uma administração orientada por regras racionais – as leis – e administrada por funcionários especializados 9 . 9 WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. 60 6. O ESTADO BUROCRÁTICO CONCENTRADO TERRITORIAL NACIONAL MO- DERNO (EBCTNM) No fim da Idade Média começaram a aparecer os reinos nacionais modernos como unificações dos feudos. Os Estados Nacionais Modernos (ENM) surgiram a partir da centralização do poder e os fenômenos vistos foram os da unificação territorial e
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