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34 Pulsional Revista de Psicanálise 34 Modelos de subjetividade em Freud. Da catarse à abertura de um passado imprevisível* Nelson da Silva Junior Pulsional Revista de Psicanálise, ano XIII, no 139, 34-48 Examinando seus modelos de patologia, distinguimos em Freud três modelos de subjetividade: um modelo fechado, onde a doença define-se como ruptura da identidade do sujeito, um modelo homeostático, onde a doença lhe é constitutiva, e um modelo aberto, onde o sofrimento surge marcado pela imprevisibilidade e negatividade específica da pulsão de morte, transformando radicalmente a clínica e a ética psicanalítica. Palavras-chave: Freud, subjetividade, clínica, ética psicanalítica Examining the Freudian’s pathology models, we distinguish three subjectivity models: a closed one, where pathology is defined as a rupture in the subject’s identity, an homeostatic one, where pathology is part of the subject, and an opened one, where suffering is defined by an unpredictability and negativity proper to the death drive, radically transforming the psychoanalytical clinic and ethics. Key words: Freud, subjectivity, clinic, psychoanalytical ethics * Trabalho apresentado no Encontro Sul-Americano dos Estados Gerais da Psicanálise, realizado em São Paulo, de 13 a 15 de novembro de 1999 e no Congresso dos Estados Gerais da Psicanálise, realizado em Paris, de 8 a 11 de julho de 2000, com auxílio da FAPESP. Este trabalho também retoma, com algumas modificações, o capítulo “Modelos de subjetividade em Fernando Pessoa e Freud. Da catarse à abertura de um passado imprevisível”, publicado em M.E. C. Pereira (org.), Leituras da psicanálise. Estéticas da exclusão. Campinas: ALB/ Mercado das Letras, 1998, pp. 119-146. Modelos de subjetividade em Freud. 35 A situação analítica é o instrumento clínico, a ferramenta da ação do analis- ta, mas este instrumento é guiado pela sua escuta. Entre os componentes, por assim dizer, exteriores da escuta, que evidentemente é sempre recriada pelo inconsciente do analista, estão os mo- delos de patologia do psiquismo. A clínica analítica se transforma pelos no- vos modelos de patologia, e pelas técnicas que estes exigem. Segundo mi- nha hipótese, é possível distinguir em Freud diferentes modelos de subjetivi- dade precisamente a partir dos seus modelos de patologia. Estes modelos de subjetividade seriam de três tipos, dife- renciáveis entre si a partir da relação entre patologia e identidade. O primeiro é um modelo fechado, marcado pela pressuposição de que a doença é uma ruptura da identidade do sujeito consi- go mesmo; o segundo é um modelo homeostático, onde a doença é de cer- to modo constitutiva no sujeito, e a saúde a capacidade de manter a identi- dade, finalmente; e o terceiro é um modelo aberto, no qual a figura da im- previsibilidade marca a experiência do sujeito frente ao sofrimento de modo fundamental, e a noção de identidade não pode ser mais apontada como um critério de saúde. Este último modelo está ligado ao adven- to da pulsão de morte. A partir da pulsão de morte, a negatividade e, mais precisamente, a força do negativo co- meça a se fazer presente na obra freudiana em vários âmbitos além da clínica. Suas hipóteses sobre a ética se radicalizam. Em relação à estética, a psi- canálise perde francamente seu ímpeto explicativo e novos avanços são possí- veis sobre feminilidade, a partir da eficácia própria da ausência. Antes de prosseguir, e para que possamos avan- çar sem excesso de desentendimento, cabe retomar aqui algumas diferenças de sentido que afetam radicalmente as formas de compreender o termo “nega- tividade”. Negatividade é um termo oriundo da fi- losofia hegeliana. Em Hegel, a negatividade é por assim dizer o motor do método dialético, pelo qual o espíri- to se transforma a partir do sensível. A cada certeza do espírito, uma verdade sensível se apresenta para negá-la. A cada tese corresponde uma antítese que a nega, e desta negação surge uma sín- tese que, por sua vez, se tornará uma nova tese. Este processo, que seria vir- tualmente infinito, é concebido por Hegel como sendo finito. Haveria um momento no qual o sensível não nega- ria mais o espiritual e onde o Espírito atingiria uma consciência absoluta de si. Neste momento apoteótico, acabaria a história. Na filosofia contemporânea, o termo negatividade é retomado por Heidegger. Aqui, ele indica um caráter constituti- vamente finito do Estar-aí, do Da-sein. Para Heidegger, o Dasein é uma forma de nomear o ser humano sem defini-lo, a partir de seus atributos, como “animal racional”, “bípede implume” etc. O 36 Pulsional Revista de Psicanálise Dasein é “feito” apenas de suas possi- bilidades. Mas entre todas as possibili- dades que encontra, a possibilidade da morte tem uma primazia: esta única pos- sibilidade que limita todas as outras. As- sim, há um traço fundamental nesta possibilidade, ela não é nem represen- tável nem realizável. Diante desta pos- sibilidade radical do não-mais-estar-aí, o Dasein nada pode fazer, ele não pode realizá-la. Até mesmo suicídio não a concretiza, pois quando a morte acon- tece, o Dasein deixa de existir. A morte se faz presente no mundo cotidiano ape- nas enquanto possibilidade, enquanto possibilidade da impossibilidade. Esta possibilidade irrealizável, ameaça contu- do, de modo constitutivo, o cotidiano do Dasein. A morte é a cada momento imi- nente apesar de imprevisível. A angús- tia sem nome que tudo ameaça é a voz desta possibilidade nadificante. Assim percebemos que dois sentidos muito diferentes de negatividade podem ser assimilados pela psicanálise. Em He- gel, a negatividade era marcada por uma certa finalidade, a finalidade da realiza- ção de uma autoconsciência absoluta e também por uma certa previsibilidade, aquela que a cada antítese, a cada ne- gação da tese se seguiria uma nova e promissora síntese. Há um projeto im- plícito na negatividade hegeliana, o projeto do fim da história com a absor- ção de todo o sensível no Espírito absoluto. Em Heidegger, a negatividade é constitutiva, e precisamente mostra a finitude de todos os projetos humanos, acabando com a força das finalidades. A negatividade heideggeriana é imprevi- sível e portanto indomável, ela mostra o limite, a diferença entre a presença e a ausência como a verdade mais própria do homem. Será nesse último sentido que empregarei o termo doravante. Apresentarei a seguir primeiramente três modelos de subjetividade em Freud para, em seguida, refletir sobre algumas mudanças que a noção de pulsão de morte trouxe à escuta e, portanto, à clí- nica psicanalítica como um todo. Para que se possa visualizar aqui o que entendo por subjetividade aberta, gos- taria de retomar o profundo interesse que possui a obra de Fernando Pessoa na exploração do negativo, da ausência e do vazio enquanto elementos consti- tutivos do sujeito. Com efeito, na obra de Pessoa, a nega- tividade ocupa um lugar privilegiado de operador na experiência artística. A es- sência da literatura depende, segundo Pessoa, precisamente da inessencialida- de. Inessencialidade tanto do artista quanto do leitor que experimenta a obra. O vazio, a ausência e a negação são, em Pessoa, uma condição de toda e qual- quer exper iência l i te rária. Não é coincidência o fato do poema mais co- nhecido de Pessoa ser também uma exposição hermética deste poder do ne- gativo em sua obra. Trata-se do poema “Autopsicografia” (1/4/1931, um pri- meiro de abril, o que, como veremos, não parece ser mera coincidência...). Pessoa nele define os lugares do autor Modelos de subjetividade em Freud. 37 e do leitor a partir da dor sofrida por cada um deles. Que dor será esta? Ve- jamos: O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. A dor é aqui nomeada, e não por aca- so. Segundo Freud,ela é o sentimento egoísta por excelência, aquele que mais imperiosamente exige que nos dobremos sobre nós mesmos1. Se o poeta finge sua própria dor, isso não pode querer dizer que ele deixa de senti-la com a for- ça de seu fingimento. Diz tão-somente que, independente da dor que sinta, deve, enquanto poeta, realizar uma tra- dução em palavras que evoquem no outro a dor. Se um ator, sentindo dor sobre o palco, agisse “naturalmente”, teria como resultado, provavelmente, uma péssima representação. A dor do poeta é uma forma de diferença de si consigo. Mais precisamente, diferença a partir da existência do outro. A partir de tal diferença, a partir de tal abertura em seu âmago, o poeta escreve-se enquan- to outro, e para o outro. E nisto realiza uma verdadeira autopsicografia, talvez mesmo a única possível. Mas o que acontece com o leitor? A se- gunda estrofe o indica: E os que lêem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. No Livro do desassossego, Bernardo Soares, um semi-heterônimo de Pessoa, afirma que a “arte consiste em fazer os outros sentir o que nós sentimos, em os libertar deles mesmos, propondo-lhes a nossa personalidade para especial liber- tação”. Aqui Pessoa é explícito, trata-se definitivamente de alterar o leitor, trata- se de liberá-lo de si mesmo. Como este leitor deverá sentir doravante, não está dito. Trata-se apenas de fazê-lo sentir- se outro. O propósito de liberar o leitor de si pres- supõe que este está preso em si mesmo. Preso em apenas uma das dores do poe- ta, a dor real, aquela que deveras sente. Libertá-lo de si será então fazê-lo sentir a dor que não sente, fazê-lo sentir uma dor fingida. Toda a questão da altera- ção do leitor está aqui. Ao fingir sua própria dor, o leitor é projetado para fora de si. Finge para atingir um outro e transforma-se, portanto, igualmente em poeta. Esta conclusão é fundamental para entendermos a estética pessoana. Dentro da estética pessoana, portanto, o fingimento, a mentira, já não podem ser compreendidas enquanto faltas mo- 1. Freud comenta o fenômeno em questão nas páginas iniciais do texto “Por uma introdução ao narcisismo” (1914). S. Freud. Zur Einführung des Narzißmus, 1914 Studienausgabe (SA) Band III: Psychologie des Unbewußten, Fischer Taschenbuch Verlag, Frankfurt am Main, GW, Bd. 10, SE, vol. 14, traduction française (par Denise Berger et Jean Laplanche) Pour introduire le narcissisme, in La vie sexuelle, Paris: P.U.F. (1969) 1973. 38 Pulsional Revista de Psicanálise rais. Para o aspecto propriamente ne- gativo da mentira e do fingimento, Pessoa reserva o termo “insincerida- de”2. Em oposição radical a Kant (1985), por exemplo, a mentira é para Pessoa uma condição necessária do espaço so- cial, a moeda neutra de todas as emoções. O fingir do poeta é a prova de sua con- sideração pela diferença entre si mesmo e o outro. Diferença que seria um abis- mo intransponível pela mera expressão da verdade. A poética do fingimento su- põe uma insuficiência fundamental da linguagem enquanto modo de comuni- cação entre as pessoas. Também supõe que não há outro modo, senão esta mes- ma linguagem. “... a mentira”, prossegue Bernardo Soa- res, “é tão-somente a noção da existên- cia real dos outros e da necessidade de conformar a essa existência a nossa, que não se pode conformar a ela. A mentira é simplesmente a linguagem ideal da alma, pois, assim como nos ser- vimos de palavras, que são sons articu- lados de uma maneira absurda, para em linguagem real traduzir os mais íntimos e sutis movimentos da emoção e do pen- samento, que as palavras forçosamente não poderão nunca traduzir, assim nos servimos da mentira e da ficção para nos entendermos uns aos outros, o que com a verdade, própria e intransmissível, se nunca poderia fazer. A arte mente por- que é social”. (Pessoa, 1998) A heteronímia, fenômeno literário de absoluta originalidade, criado por Pes- soa, pode ser considerada sob o ângulo da autopsicografia como um caso ex- tremo do fingimento poético. O que é um heterônimo? Pessoa o define pelo método de criação empregado. A dife- rença entre uma obra pseudônima, diz Pessoa (1986, p. 1.424), e uma obra heterônima é que a primeira é a obra de um autor exceto no nome que a assina, a segunda, aquela de um autor fora de sua pessoa. Para que surja um heterô- nimo não basta apenas que o poeta finja sua própria dor, é preciso que um ou- tro fenômeno entre em jogo, uma forma extrema de despersonalização, onde “cada grupo de estados de alma mais aproximados insensivelmente se torna- rá um personagem, com estilo próprio, com sentimentos porventura diferentes, até opostos, aos típicos do poeta na sua pessoa viva” (Pessoa, 1983; p. 132). Só aqui haverá outrar-se, só aqui o poeta voará outro. Neste sentido, compreende- se que o neologismo outrar-se, seja por assim dizer, o método da heteronímia. Não é todavia a lógica do outrar-se, ima- nente ao sistema heteronímico, mas sim a lógica do fingir poético que, segundo nossa hipótese, serve como um guia exemplar para a exploração da noção de 2. “... qualifico de insinceras todas as coisas feitas apenas para pasmar, onde não passe o mistério essencial da vida”. Carta a Armando Cortês Rodrigues de 19 janeiro de 1915, in José Blanco, Pessoa en personne. Lettres et documents (traduction française par Simone Biberfeld), Paris: Editions de la Différence, 1986, p. 145. Modelos de subjetividade em Freud. 39 subjetividade aberta no texto freudiano. Transformações dos modelos de subje- tividade na obra freudiana. A discussão de uma “subjetividade com fundamento negativo” insere-se naque- la dos modelos de patologia em psica- nálise. Visando contextualizar o surgimento deste tipo subjetividade, di- vidimos a história dos modelos de pa- tologia no discurso freudiano em três períodos. No primeiro, a idéia de cura seguia o modelo de um reestabelecimen- to da condição anterior, onde haveria uma saúde originária na constituição da subjetividade. Tal período vai de 1893, com “Estudos sobre a histeria”, até 1905, com os “Três ensaios sobre a se- xualidade”. Podemos dizer que este é o período do modelo fechado de subjeti- vidade, onde o mal pode ser definitiva- mente banido do sujeito. O segundo período vai de 1905 até, do ponto de vista teórico 1920, com o texto “Além do princípio do prazer” e, do ponto de vista concreto, até 1932. Este seria o período do modelo homeostático de subjetividade, onde é possível uma es- tratégia com o mal. Neste segundo pe- ríodo, a idéia de uma saúde originária do sujeito é abandonada e a cura passa a ser compreendida como uma transfor- mação interior ao patológico, transfor- mação que permitiria ao analisando uma compreensão duradoura de si, e que agi- ria profilaticamente com respeito a no- vos sintomas. Finalmente, no terceiro período, que vai, em seus princípios bá- sicos, de 1920 até o fim de sua obra, Freud reconsidera e acaba por refutar a capacidade profilática psicanálise. Este é o período do modelo aberto de subje- tividade, onde a tragicidade se radicali- za de modo inédito no domínio subjetivo. A diferença que fazemos acima, entre “ponto de vista teórico” e “ponto de vista concreto” exige uma explicação preliminar. Com efeito, a passagem do segundo para o terceiro período se faz em duas etapas. Pois, apesar da concei- tualização da pulsão de morte ter sido o momento de uma revolução teórica, até 1933, nas “Novas conferências de introdução à psicanálise”, Freud afirma ainda a possibilidade profilática da psi- canálise, o que é radicalmente inconci- liável com o texto “Além do princípio do prazer”. Assim, os efeitos da pulsão de morte se fazem notar lentamente ape- nas, com transformações sutis em te- mas isolados, em etapas sucessivas, deslocadas no tempo e nos diferentes aspectos de uma obra complexa. Examinemoso primeiro modelo, onde a cura implica no retorno da saúde perdi- da. Esta primeira versão da psicoterapia freudiana se inspira explicitamente na idéia aristotélica de catarse. O texto bá- sico de tal modelo são os “Estudos sobre a histeria”, publicado em conjun- to por Freud e Breuer. Aristóteles considerava a catarse enquanto efeito e objetivo da tragédia, enquanto purifica- ção e purgação dos sentimentos de terror e de piedade. Breuer e Freud generali- zam o processo purgativo da catarse para outros tipos de sentimento. Neste momento, a hipótese psicanalítica para 40 Pulsional Revista de Psicanálise a origem do mal psicológico era funda- mentalmente aquele de um trauma sexual, trauma sofrido durante a infân- cia e posteriormente recalcado para fora da consciência do sujeito. O registro mnêmico deste trauma, uma vez bani- do da consciência, agiria como um “corpo estranho” no sistema psíquico que, assim como um corpo estranho, provocaria uma forma de excitação no interior do sujeito. Enquanto “corpos estranhos” dotados de intensa carga afe- tiva, as lembranças recalcadas do trauma seriam uma fonte constante de estimu- lação e irritação psíquica. O excesso desta energia seria transformável em ata- ques e outros sintomas corporais histéricos. Na catarse psicoterapêutica concebida por Freud e Breuer, o essen- cial era o retorno à consciência da lembrança recalcada, com a carga afe- tiva que se lhe correspondia. Tal processo tinha a pretensão de ser defi- nitivo: uma vez expulso catarticamente, o mal estava erradicado para sempre. Este processo pressupõe a possibilida- de de uma recuperação da identidade perdida com a doença. O modelo de cura é aqui a inversão exata da hipótese etio- lógica suposta no trauma. Do ponto de vista espacial, a cura era entendida en- quanto extirpação deste “corpo estra- nho”, enquanto expulsão do estrangeiro para fora e retorno da interioridade do sujeito à sua uniformidade inicial. O pon- to de vista econômico da psicoterapia deveria também se conformar a uma si- metria com o fator etiológico: se o cor- po estranho era responsável por uma energia em excesso, a cura viria da pur- gação de tal intensidade afetiva. Etio- logia e terapêutica obedecem, assim, a uma lei de simetrias. Com a expulsão do “corpo estranho”, a interioridade recu- pera-se enquanto interioridade; com a descarga de afetos, a energia psíquica volta ao seu estado de origem. Em am- bos registros, a cura é sinônimo de re- cuperação da saúde perdida. A primeira transformação radical deste modelo ocorre com a constatação de que as representações obtidas pelo pro- cesso de rememoração terapêutica não eram necessariamente constituídas por lembranças inconscientes, mas poderiam ser também resultado de fantasias se- xuais inconscientes. Tal constatação des- truiu a hegemonia da teoria traumática da neurose, a qual contudo nunca foi completamente abandonada por Freud. Contudo, grandes reformulações foram necessárias para acolher as formas apa- rentemente espontâneas da neurose, isto é, casos onde, sem qualquer traço de uma vivência traumática, a origem do fator etiológico só poderia ser o próprio sujeito. Assim, a origem desta perturba- ção não é mais considerada por Freud como algo exclusivamente alheio à cons- tituição do psiquismo. Com efeito, as duas facetas do trauma, a representação da experiência traumática e sua pertur- bação econômica, ambas originariamen- te alheias ao sujeito, se desdobram na teoria freudiana em dois conceitos que lhes são correlatos: as fantasias e as pulsões. Assim, é enquanto correlatos interiores ao trauma que Freud conce- Modelos de subjetividade em Freud. 41 be tanto a teoria das fantasias quanto aquela das pulsões: as fantasias de se- dução, tal como as lembranças traumá- ticas, são representações de realização de desejos incompatíveis com a consciên- cia, e as pulsões são perturbações eco- nômicas interiores à subjetividade, exercendo, portanto, a mesma excitação atribuída ao trauma sexual na primeira teoria. Vemos assim que, apesar de ter suas bases abaladas, os elementos es- senciais do modelo traumático se man- têm em suas linhas gerais. Nos “Três ensaios sobre a sexualidade” (1905), Freud define a pulsão enquanto excitação interna do psiquismo, excita- ção calcada sobre as funções fisiológi- cas, como o comer, defecar, urinar. Vemos assim que, com o abandono par- cial da teoria do trauma, o corpo deixa de ser uma vítima do trauma para se tornar seu agente. A grande diferença é que o corpo é um agente traumático do qual não se pode fugir. Com efeito, na segunda grande teorização freudiana das pulsões, no texto “As pulsões e seus destinos” (1914), estas recebem justa- mente esta definição: uma excitação da qual não se pode fugir. No que diz respeito à terapêutica, o ad- vento dos dois correlatos interiores do trauma trazem à condição neurótica um caráter constitutivo e incontornável, mas o mal é ainda conciliável com a saú- de, como veremos adiante. Constata-se com facilidade que textos técnicos desta época perdem francamente o otimismo terapêutico e a radicalidade cirúrgica pre- sentes nos “Estudos sobre a histeria”. Em “Recordar, repetir, perlaborar” (1914) já se encontram claramente co- locados os limites terapêuticos da catarse. A expressão emocionada de uma vivência relutantemente aceita já não basta para anular o poder nefasto das cenas patogênicas. O processo psi- canalítico perde a linearidade do seu início, e passa a implicar uma espécie de trabalho reticular e exaustivo, cuja eficácia depende da amplidão das paisa- gens psíquicas percorridas. Aqui se encontra, provavelmente, o mais revolucionário deste texto, a saber o que poderíamos chamar da “primeira absolvição” da repetição: de puro sinto- ma, a repetição torna-se, sob a forma da transferência, uma arma verdadeira- mente terapêutica, precisamente a mais poderosa arma da psicanálise. De fato, Freud conceitualiza aqui um novo as- pecto da transferência, isto é, a transferência deixa de ser apenas resis- tência às associações livres para tornar-se uma possibilidade privilegiada de ação no inconsciente. A repetição transferencial é sem qual- quer dúvida uma repetição patológica, mas trata-se de um tipo particular de patologia. Em que consiste tal particu- laridade? A neurose de transferência, diz Freud em 1914, é uma doença artificial: “eine artifizielle Krankheit” (p. 214) . Em pouco tempo (1916-7), a neurose de transferência será denominada de “neu- rose artística” “eine künstliche Neurose” (pp. 436-437) . O adjetivo alemão vem de Kunst, arte. Mas tal como o termo latino, Kunst se refere igualmente ao que 42 Pulsional Revista de Psicanálise é artificialmente criado. Künstlich é o produto do homem enquanto resultado de seu trabalho. Assim a transferência é uma neurose artificial, e não somen- te no sentido de uma neurose artística, mas sobretudo no que se refere a sua origem: ela é produto do fazer humano. Temos aqui um processo evidentemen- te análogo à estética pessoana. Ao transformar o leitor em poeta, o poeta altera este último em sua essência. Pois, o leitor passa a sentir uma dor até en- tão jamais sentida: a dor fingida. Na transferência, por sua vez, o paciente sofre de uma patologia artificial que al- tera, mas que não faz desaparecer a doença. De certo modo, o caráter arti- ficial da transferência é análogo àquele da dor fingida do leitor de Pessoa. Pes- soa via no fingimento um modo privilegiado da consideração pela alteri- dade do outro. Seria a neurose artificial não uma dor, mas sim uma expressão de dor? Expressão de dor, pois essen- cialmente dirigida a alguém? O fato dos sintomas poderem se deslo- car do cotidiano para as sessões junto ao analista implica numa transformabi- lidade específica das formações incons- cientes. Ao se deslocarem para as relações com o analista,os sintomas to- mam, com ou sem razão, este último como seu interlocutor. De fato, será pre- cisamente a alteridade do analista o ele- mento privilegiado capaz de catalizar estas transformações. Cabe então uma interrogação fundamental. Se são capa- zes de se transformarem em transferên- cia, os sintomas não teriam sido desde sempre dirigidos a alguém? Com efei- to, Pierre Fédida (1992, p. 257) sugere em psicanálise a figura de um interlo- cutor do sintoma, alteridade pré-trans- ferencial à qual o sintoma estaria originariamente dirigido . Sob o ponto de vista de tal figura teórica, qualquer sin- toma seria fundamentalmente uma dor fingida, no sentido de ser, desde a ori- gem, uma dor dirigida a um interlocu- tor ausente. Sabidamente, uma vez instalada a transferência, um processo analítico se constitui pelas separações mínimas que o analisando possa fazer entre seu analista e o interlocutor ausen- te de suas repetições. Entretanto, a fi- gura de um interlocutor do sintoma, se for representada pelo analista, perderá sua potencialidade analítica. De certo modo, ela funciona apenas no registro do desconhecimento, e sua eficácia de- pende de sua obscuridade nas represen- tações do analista. Em 1920, a teoria das pulsões sofre uma revolução teórica. Freud redefine o conceito de pulsão a partir da idéia de repetição. Uma pulsão passa a ser en- tão simplesmente a tendência de retor- no a uma situação anterior (p. 246) . A radicalidade de tal redefinição não está contudo na idéia de retorno. A radicali- dade vem aqui do que Freud entende por “situação anterior”. Trata-se de qualquer situação, e no caso do ser vivo, inclusi- ve aquela da inorganicidade. A pulsão de morte será assim definida como um caso espetacular de tentativa retorno: a ten- dência do ser vivo a retornar ao estado anterior de sua existência (ibid., p. 248) . Modelos de subjetividade em Freud. 43 Se a compreensão da transferência im- plicava uma inquietante concepção de subjetividade a partir da noção de neu- rose artificial, vemos agora que a pulsão de morte radicaliza este caráter inquie- tante a partir da noção de vazio como origem. Com efeito, sendo a pulsão de morte uma pulsão sem representação, podemos considerar a nova versão freu- diana da subjetividade como uma subjetividade aberta em seus fundamen- tos. Com a pulsão de morte, Freud atribui uma eficácia própria a um nada que se coloca além das representações. Esta eficácia do negativo é ainda mais fundamental que a eficácia do desejo, vigente no interior do princípio de pra- zer, e essencialmente ligada à busca de uma representação. A abertura do modelo freudiano de apa- relho psíquico se define, em nossa hi- pótese, por oposição ao fechamento do modelo identitário. Como vimos, o mo- delo identitário imperou tanto na teoria traumática da histeria quanto na primeira teoria pulsional. Havia, no primeiro caso, uma identidade a ser recuperada e, no segundo, uma identidade a ser mantida. A pulsão de morte, enquanto eficácia do inexistente, enquanto atração vinda do nada, rompe com o princípio de identidade enquanto fundamento do modelo de aparelho psíquico. Mas, como dissemos, os efeitos concretos da pul- são de morte tardarão a se fazer presen- tes noutros aspectos da teoria freudiana. São basicamente três as grandes linhas de desenvolvimento freudianas influen- ciadas pelas teses de “Além do princí- pio do prazer”: 1) o desenvolvimento da teoria da sexualidade feminina; 2) a teoria etiológica das neuroses; e 3) as interpretações da cultura. O desenvolvi- mento da teoria da sexualidade femini- na, por exemplo, tem relações extrema- mente interessantes com o advento da pulsão de morte, apesar de ser difícil de- monstrar como esta última seria um pressuposto do avanço de Freud no campo da feminilidade. Entretanto, uma revisão da ética psicanalítica é importan- te pois foi nas interpretações da cultura que Freud mais claramente explorou os destinos da pulsão de morte. Retornemos ao que nos ocupa hoje, a saber, domínio de influência das teses do “Além do princípio do prazer”, na questão dos modelos de etiologia e do tratamento das neuroses. É interessan- te notar que se, por um lado, as interpretações freudianas da civilização assimilam rapidamente e em toda sua tragicidade a pulsão de morte, por ou- tro lado, tal tragicidade é mantida à distância da confiança de Freud nos as- pectos benéficos de uma análise individual. Será apenas nos dois últimos textos ditos “técnicos”, “Análise termi- nável e análise interminável” e “Construções na análise”, que encontra- mos uma mudança essencial no que se refere ao otimismo da psicanálise em relação ao patológico. Até 1917, os efeitos do trabalho analíti- co eram duradouros: “Através do ven- cimento das resistências internas”, diz Freud, “a vida anímica do paciente se vê duradouramente alterada, é elevada a 44 Pulsional Revista de Psicanálise uma etapa superior do desenvolvimen- to e permanece protegida contra novas possibilidades de adoecimento” (p. 433). Uma mudança começa insidiosamente a aparecer em 1933, quando, nas “Novas conferências”, a redução da eficácia te- rapêutica da psicanálise aparece ligada à nova importância que o fator econô- mico toma no modelo de aparelho psí- quico3. Assim, Freud (1937, p. 364) indica que o máximo da eficácia tera- pêutica da psicanálise limita-se aos ca- sos onde os fatores traumáticos são mais importantes que os fatores constitucio- nais da neurose. Diante dos distúrbios de excesso ou de falta do fator econô- mico, o método analítico começa a se apresentar, para Freud, como tendo po- deres limitados. O fator econômico ad- quire aqui o caráter de um limite da terapia analítica diante do qual, talvez para o desagrado de muitos, Freud (1932, p. 361 e sg.) chega até mesmo a mencionar sua esperança nos avanços da investigação dos efeitos hormonais. Hoje a psicofarmacologia é uma aquisi- ção incontestável na psicoterapia dos distúrbios psíquicos. A experiência atual demonstra que a reincidência dos sin- tomas não é rara e a solução de apoio, representada pelo trabalho intercorren- te e conjunto do psiquiatra e do analista, se apresenta ainda como a melhor so- lução para os casos ditos difíceis. Entretanto, apesar das conquistas desta área, não podemos ainda considerar como termináveis as análises de casos onde o fator constitucional é importan- te. Qual seria a razão disto? Creio que podemos respondê-lo ao con- siderar que, apesar de seus óbvios inte- resses terapêuticos adaptativos, a psicanálise elege seus próprios critérios do que é doença e do que é saúde. Quais são estes critérios? Uma análise é ter- minável, do ponto de vista metapsico- lógico, sob as seguintes condições: 1) se um conflito entre as pulsões e o Ego for eliminável de modo definitivo ou não; 2) se a resolução de um conflito tiver um efeito profilático sobre outros conflitos; e 3) se uma psicanálise puder trazer à tona conflitos não presentes (Freud, 1937; p. 364). São assim critérios exclusivamente in- teriores ao processo analítico aqueles de uma cura. Freud critica, nesse sentido, a atitude de atribuir a neurose a fatores etiológicos inespecíficos como o exces- so de trabalho, o efeito de choque etc. “A saúde”, acrescenta, “só pode ser descrita em termos metapsicológicos com referência a relações de força en- tre as instâncias do aparelho psíquico 3. S. Freud. Neue Folge der Vorlesungen zur Einführung in die Psychoanalyse. 34, Aufklärungen, Anwendungen, Orientierungen. 1932 SA, vol. I. pp. 578, 582. Ver a esse respeito, entre ou- tros do mesmo autor, J. Birman. “Pulsão e intersubjetividade na interpretação psicanalítica. Uma leitura da concepção freudiana de sujeito e da metapsicologia”, in Ensaios de teoria psicanalítica. Parte 1 – metapsicologia, pulsão, linguagem, inconsciente e sexualidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,1993. Modelos de subjetividade em Freud. 45 que nós reconhecemos, ou, se se qui- ser, supusemos ou deduzimos” (ibid., p. 366). A conclusão é clara: há uma di- ferença entre uma cura latu sensu, com o critério de adaptabilidade à vida coti- diana, e uma cura strictu sensu, com critérios exclusivamente analíticos. Es- tes critérios descrevem a saúde enquanto equilíbrio relativo de forças entre o ego e o Id. Tal equilíbrio entre as instâncias é, segundo Freud, a única definição pos- sível de saúde, e ele pode ser perturbado por diversas razões como, por exemplo, novos traumas, frustrações irremediá- veis da libido, influências colaterais entre as pulsões, irrupção das pulsões em cer- tos períodos da vida etc. “O resultado é sempre o mesmo, e confirma o po- der irresistível do fator quantitativo na causalidade da doença (ibid., p. 367). A respeito da importância do fator eco- nômico, devemos notar que, desde o modelo catártico, este registro tinha um papel fundamental. Entretanto, as formas de funcionamento deste registro se transformam no discurso freudiano. No primeiro modelo de patologia sua eficá- cia estava ligada à idéia de expulsão do excesso, que tinha pretensões de ser definitiva. No segundo momento, o re- gistro econômico muda a face de sua eficácia, quando a pulsão se torna uma fonte interna e constante de excitação. Nos textos finais de Freud (1917, p. 437; 1926, p. 333; 1932), a primazia do registro econômico apresenta-se de um terceiro modo: ele é o modelo de uma relação de forças. A diferença desta úl- tima versão da importância do fator eco- nômico é a presença da figura do equi- líbrio. O modelo do equilíbrio traz à saú- de uma instabilidade radical, susceptível de se perder a qualquer momento. Dian- te de tal imprevisibilidade, a análise é vir- tualmente interminável. O que nos interessa aqui é a idéia subjacente de su- jeito, isto é, o modelo implícito de sub- jetividade. Com a figura do equilíbrio enquanto traço fundamental do registro econômico, o modelo freudiano de sub- jetividade adquire uma imprevisibilidade essencial. Podemos falar assim de um modelo de subjetividade aberta no sen- tido de uma iminência futura do que deve ser analisado. Mas a subjetividade aberta o é também em relação ao passado. Vejamos como se apresenta a abertura para um passa- do imprevisível através do texto “Construções em psicanálise”. De fato, este novo e último modelo de subjetividade tem conseqüências no do- mínio da técnica analítica. Freud (1937a, p. 398) introduz aqui a noção de cons- trução enquanto substituto da noção de interpretação: “A razão pela qual se ouve falar tão pouco de construções nos re- latos de técnica analítica é que, em lu- gar destas, se fala de interpretações e suas conseqüências. Mas, em minha opinião, o termo construção é muito mais apropriado”. Qual o motivo de tal preferência neste momento da obra freudiana? Em que sentido a construção coincide com o novo modelo de subjetividade aberta? Basicamente em dois pontos. Pelo fato da construção ser um trabalho prelimi- 46 Pulsional Revista de Psicanálise nar, e, enquanto tal, ser essencialmente fragmentária. Abordemos contudo a questão das construções tal como Freud a apresenta. Para falar da construção, Freud retoma a conhecida analogia entre o trabalho do analista e o trabalho do arqueólogo. Ambos devem reconstruir algo destruí- do do passado a partir de indícios e de restos. Aqui, contudo, o mais importan- te da analogia freudiana é o momento em que ela encontra seu limite, e onde o tra- balho analítico se afirma enquanto um modo autônomo de investigação, com suas regras, meios e objetivos próprios. Assim, a construção analítica tem, se- gundo Freud, a “desvantagem” frente à construção arqueológica de não saber o que deve construir. Para sabê-lo, o ana- lista depende totalmente da confirmação do paciente, que pode ou não ser sus- citada pela construção. A construção supõe assim teoricamente a recordação, eis porque a construção é fundamental- mente preliminar. A partir deste caráter preliminar, a cons- trução se apresenta como essencialmente fragmentária no discurso freudiano (ibid., p. 400). “O analista”, diz Freud, “realiza um fragmento de construção e o comunica ao paciente para que este [fragmento] aja sobre ele. Com ajuda do novo material que aflui, ele constrói um novo fragmento que utiliza da mesma forma, e assim por diante até o fim” (ibid., p. 398). Enquanto fragmentária, a intervenção do analista se torna virtualmente interminá- vel. De fato, “apenas a continuidade da análise”, escreve Freud, “pode decidir sobre a correção ou a inutilidade de nossa construção” (ibid., p. 402 . Con- sideramos o caráter essencialmente fragmentário, e portanto interminável, de uma construção como um correlato téc- nico do modelo aberto de subjetividade. Contudo, ainda no interior do registro clínico, encontramos um outro efeito da abertura fundamental da subjetividade. Desta vez, encontramo-lo do lado do paciente, particularmente no que se re- fere aos efeitos da construção na sua história individual. Se a construção for inadequada nada ocorre, sendo limitada a eficácia suges- tiva do analista. Se adequada, seus efeitos ocorrem tanto numa forma ne- gativa, provocando uma resposta do tipo “nisto nunca pensei (teria pensa- do)”, quanto numa forma positiva, onde uma associação traz algo semelhante ou análogo à construção. Às vezes é um ato falho que responde pelo paciente. Finalmente, uma reação terapêutica ne- gativa (sentimento de culpa, necessidade masoquista de sofrimento) pode também ter valor afirmativo de uma construção. (ibid., pp. 401-402). Haveria assim, se- gundo Freud, diferentes tipos de confirmação de construção, mas todos são indiretos. Isto é equivalente a dizer que o pacien- te não pode lembrar-se totalmente da própria história, nem dizê-la definitiva- mente. Assim, nem o analista pode construi-la, nem o paciente pode apo- derar-se inteiramente da verdade histórica. Tal verdade histórica é em si Modelos de subjetividade em Freud. 47 mesma uma criação do inconsciente du- rante o processo analítico. Enquanto criação pelo processo analítico, a his- toricidade do sujeito freudiano é essencialmente não um dado concreto, mas sim um produto do sentido. Dife- rentemente da historiografia material, a historicidade psicanalítica em seu último modelo de subjetividade funda-se em sua abertura iminente para um passado imprevisível. Assim, podemos dizer que a alteração do outro em análise é uma possibilidade imprevisível e, sobretudo, indomável. Durante a situação analítica, a finalidade é cuidar desta abertura, isto é, conservar aberta a possibilidade de transformação imprevisível dos sentidos do cotidiano e do destino. O destino e o cotidiano podem, e devem, numa cura analítica, ser abertos a transformações imprevisíveis. A estética pessoana supõe uma altera- bilidade do outro em sua essência dis- cursiva. Este é o traço em comum entre a estética pessoana e a última versão freudiana do que seria uma “cura psi- canalítica”. Em Pessoa encontramos como base do acontecimento estético a transformabilidade do leitor em poeta. Seguindo o último Freud, a alteração do paciente em psicanálise implicaria numa disponibilidade iminente para a análise. Seria isto equivalente a tornar-se analis- ta? Construir a própria história enquan- to mero fragmento, sem pretensão à certeza, arriscando a presença do incerto no próprio passado, é certamente uma condição da formação do analista. En- tretanto, para além desta finalidade, a historicidade do inconsciente represen- ta um momento de transformação da cultura pela psicanálise. Não se trata mais de efeito terapêutico, mas sim cena do discurso, com suas regras e leis próprias, cena que se inscreve na cul- tura deste século, ao abrir o “romance subjetivo” para novaspossibilidades nar- rativas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FÉDIDA, P. Structure théorique du symptôme. L’interlocuteur. In Crise et contre-transfert. Paris: Presses Universitaires de France, 1992. FREUD, S. (1914). Erinnern, Wiederholen und Durcharbeiten. S.A. vol. XI. ________ . (1917). Vorlesungen zur Einführung in die Psychoanalyse, 28, Die analytische Therapie¸ S.A., vol. I. ____ . (1920). Jenseits des Lustprinzips S.A., vol. III. ____ . (1926). Die Frage der Layenanalyse. S.A., vol. XI. ____ . (1932). Neue Folge der Vorlesungen zur Einführung in die Psychoanalyse. 34, Aufklärungen, Anwendengen, Orientierungen. S.A., vol. I. ____ . (1932). Vorlesungen zur Einführung in die Psychoanalyse, 23, Die Wege der Symptombildung, S.A., vol. I. ____ . (1937). Die endliche und die unendliche Analyse. 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Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1983. cepCentro de Estudos Psicanáliticos iInformações e inscrições: CEP – Rua Dr. Acácio Nogueira, 06 Pacaembu Tel: 864-2330, 3865-0017 e 3676-1513 www.centropsicanalise.com.br Direção: Ernesto Duvidovich e Walkiria Del Picchia Zanon FORMAÇÃO EM PSICANÁLISEFORMAÇÃO EM PSICANÁLISEFORMAÇÃO EM PSICANÁLISEFORMAÇÃO EM PSICANÁLISEFORMAÇÃO EM PSICANÁLISE (dirigido a profissionais da área de saúde) O Centro de Estudos Psicanalíticos já está com inscrições aber- tas para o Curso de Formação em Psicanálise, com coordena- ção de Ernesto Duvidovich e Walkiria Del Picchia Zanoni e equi- pe de docentes. Início: março de 2001 Horários: 3a feira – 19:30-22:30hs 5a feira – 18:00-21:00hs
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