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TATIANA-SILVERA-PORTO-CAMPOS-A-Clinica-a-Na-Contemporaneidade.pdf

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Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA 
 
 
 
 
 
 
 
 
A clínica psicanalítica na contemporaneidade 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
17 de outubro 2008 
 
 
 
 
2 
 
UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA 
 
 
 
 
 
 A CLÍNICA PSICANALÍTICA NA CONTEMPORANEIDADE 
 
 
 TATIANA SILVERA PORTO CAMPOS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Dissertação apresentada ao 
 Mestrado Profissional em 
 Psicanálise, Saúde e Sociedade 
 da Universidade Veiga de Almeida, 
 como requisito ao título de Mestre. 
 Área de concentração: Subjetividade 
 nas práticas da Ciência da Saúde 
 
 
 
 
 
 
ORIENTADOR: Profa. Dra. Betty Bernardo Fuks. 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
17 de outubro 2008 
 
 
 
3 
 
UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA 
SISTEMA DE BIBLIOTECAS 
Rua Ibituruna, 108 – Maracanã 
20271-020 – Rio de Janeiro – RJ 
Tel.: (21) 2574-8845 Fax.: (21) 2574-8891 
 
 
 
 
 
 
 
 FICHA CATALOGRÁFICA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Setorial Tijucal/UVA 
 
 
 
 
 
B238p Porto Campos, Tatiana Silvera 
 A clínica psicanalítica na contemporaneidade / Tatiana Silvera 
Porto Campos, 2008. 
 99p. ; 30 cm. 
 Dissertação (Mestrado) – Universidade Veiga de Almeida, 
Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade, 
Subjetividade nas Práticas das Ciências da Saúde, Rio de 
 Janeiro, 2008. 
 
 Orientação: Betty Bernardo Fuks 
 
1. Anorexia-bulimia. 2. Clínica psicanalítica. 
 3. Contemporaneidade. 4. Patologias atuais. 
 Betty B. Fuks. II. Universidade Veiga de Almeida, 
Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade, 
Subjetividade nas Práticas das Ciências da Saúde l. III. Título. 
 CDD – 364.15554 
 
 
 
4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A minha avó Thaís. 
Aos meus amores Carlos, João Pedro, Miguel e Frederico. 
 
 
 
 
 
 
 
 
5 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
 
 
 
De início, gostaria de agradecer a Betty Bernardo Fuks que me acompanhou com entusiasmo 
e seriedade ao longo deste percurso. Por seu profissionalismo, rigor, atenção e respeito. E por 
ser um exemplo de inteligência e pensamento produtivo. A expressão deste agradecimento 
não é capaz de alcançar toda a gratidão por sua generosidade e carinho. 
 
Às minhas amigas e companheiras de mestrado pela convivência, troca de idéias, estímulo e 
confiança. Em especial, Gabriela Barbosa, Gabriela Abreu, Bárbara Caríssimi, Marisa 
Siggelkow Guimarães e Ana Augusta Lucchezi. 
 
A todos os professores do mestrado por sua inúmera e variada contribuição. 
 
À secretária, Elaine, pela dedicação, carinho e bom humor. 
 
À minha mãe pelo apoio, pelas conversas e pela leitura cuidadosa. 
 
Agradeço a meus pais por tudo, e principalmente por terem me transmitido o gosto pela arte, 
pelos estudos e leitura. 
 
Ao meu marido e companheiro pelo compartilhamento da vida, e por seu apoio e incentivo 
nesse trajeto acadêmico. 
 
A meus filhos por suas presenças radiantes. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
6 
 
 
 
 
RESUMO 
 
A partir da perspectiva inaugurada por Freud ao estabelecer a relação intrínseca entre o 
conceito de inconsciente e cultura, realizamos uma análise da praxis psicanalítica na 
contemporaneidade. O nosso principal objeto de pesquisa foram os quadros de sofrimento 
reconhecidos por sua crescente incidência na clínica hoje. Durante esta investigação, nossa 
atenção recaiu sobre as teorizações freudianas a respeito das neuroses atuais, por nos 
apercebermos de semelhanças significativas com essas patologias descritas como 
contemporâneas. Porém, as neuroses atuais desde Freud são consideradas como casos 
extremamente difíceis de tratar através da psicanálise por suas diferenças em relação às 
psiconeuroses de defesa. Recorremos ao ensino de Lacan, especialmente ao conceito de gozo 
e suas decorrências na clínica, com o intuito de embasar as análises e propostas clínicas 
evocadas nesta pesquisa. Uma vez instrumentalizados por esses estudos e teorizações, 
dedicamos dois capítulos à prática clínica na contemporaneidade. Com a finalidade de 
provocar reflexões sobre a possibilidade de tratamento psicanalítico para esses quadros 
clínicos, elegemos o par anorexia-bulimia, um dos exemplos paradigmáticos de sofrimento na 
contemporaneidade. 
Palavras-chave: psicanálise; contemporaneidade; neuroses atuais; anorexia-bulimia. 
 
 
 
ABSTRACT 
 
With basis on the Freudian perspective that established an intrinsic relationship between the 
concept of unconscious and culture, this study analyzes the psychoanalytic praxis in 
contemporaneity. Our main objects of research were certain clinical manifestations of distress 
that are widely recognized for their increasing incidence in clinical practice today. 
Throughout this investigation, our attention was drawn towards the Freudian theories on 
actual neurosis, once significant similarities were perceived between these and the pathologies 
currently described as contemporary. However, according to the Freudian theory, the actual 
neuroses are seen as conditions that are extremely difficult to treat through psychoanalysis 
due to their differences when compared to the neuroses of defense. The teachings of Lacan 
were resorted to, especially the concept of jouissance and its clinical consequences, with the 
intent of giving base to the analyses and clinical propositions evoked in this study.Using these 
studies and theories as tools, two chapters are dedicated to the discussion of clinical practice 
in contemporaneity. With the purpose of provoking reflections about the possibilities of 
psychoanalytic treatment for these clinical manifestations, the anorexia/bulimia pairing was 
elected as a paradigmatic example of distress in contemporaneity. 
Keywords: psychoanalysis, contemporaneity, actual neurosis, anorexia-bulimia 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
7 
 
 
 
 
BANCA EXAMINADORA: 
 
 
Orientadora: Professora Betty Bernardo Fuks 
Doutora em Comunicação e Cultura – ECO-UFRJ 
 
 
 
 
 
 
Professora Marylink Kupferberg 
Doutora em Psicologia – PUC-RJ 
 
 
 
 
 
 
Professora Vera Maria Pollo 
Doutora em Psicologia – PUC-RJ 
 
 
Suplente: 
 
 
_________________________________________ 
Professora Maria Anita Carneiro Ribeiro 
Pós-doutorado em Psicologia – PUC-RJ 
 
 
 
 
Defendida em 17 de outubro de 2008. 
 
Aprovada com louvor, indicada para publicação e indicada para o Doutorado.8 
 
SUMÁRIO 
 
Introdução, p. 10 
Capítulo 1. O psicanalista, um crítico da cultura, p. 13 
1.1. Modernidade e modernismo, p. 13 
1.2. Uma controvérsia atual: modernidade ou pós-modernidade?, p. 15 
1.3 A contemporaneidade, p. 19 
 
Capítulo 2: A psicanálise na contemporaneidade, p. 24 
2.1 Pela defesa da psicanálise, p. 24 
2.2 A contemporaneidade como desafio à psicanálise, p. 29 
2.3 Fenômenos psíquicos da atualidade, p. 31 
 
Capítulo 3: Para destacar as neuroses atuais das psiconeuroses de defesa, p. 41 
3.1 As neuroses atuais, p. 41 
3.2 Neurose de angústia e neurastenia, p. 45 
3.3 O gozo, p. 52 
 
Capítulo 4: A clínica das neuroses reais, p. 60 
4.1. Neurose real, angústia e real, p. 60 
4.2. Transferência, fantasia e auto-erotismo na clínica das neuroses reais, p. 64 
4.3. O Livro de Cabeceira, p. 70 
 
Capítulo 5: Anorexia-bulimia: paradigma de neurose real na contemporaneidade, p. 75 
5.1 Anorexia-bulimia como duas faces do mesmo pathos, p. 75 
5.2. Anorexia-bulimia: pathos do vazio, p. 80 
5.3. O Ideal do corpo magro e seu lugar na fantasia, p. 85 
5.4. Anorexia e feminino, p. 89 
5.5. Anorexia-bulimia e o fazer do analista, p. 92 
Considerações Finais, p. 96 
Referências, p. 100 
ANEXO A, p. 103 
 
 
 
 
 
9 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O Real não é uma espécie de ponto central intocável, sobre o qual não se 
possa fazer nada além de simbolizá-lo em termos diferentes. Não. A idéia de 
Lacan é que se pode intervir no Real. A dimensão fundamental da 
psicanálise, para Lacan, pelo menos o Lacan da maturidade, já não é da 
simples ressimbolização, mas a de que algo de fato acontece. Ocorre uma 
verdadeira mudança na psicanálise quando sua forma fundamental de 
jouissance [gozo], que é justamente a sua dimensão real como sujeito, se 
modifica. Portanto, a aposta básica da psicanálise é que você pode fazer 
coisas com as palavras, coisas reais, que lhe permitem mudar os modos de 
gozo, e assim por diante. 
 Zizek, Arriscar o impossível. 
 
 
 
 
 
 
10 
 
1. Introdução 
 
 
Questões decorrentes da prática na clínica psicanalítica me levaram a ingressar no 
mestrado, e ao desenvolvimento desta investigação. As indagações dizem respeito a casos de 
anorexia, bulimia, depressão, toxicomanias e síndrome do pânico, por mim atendidos. 
Pudemos constatar traços comuns dentre estes quadros que os distinguem dos demais. Os 
pacientes descreviam seus males através de um discurso distanciado, sem implicação, 
esvaziado de emoção, sem relevos, em um encadeamento monótono. A falta de historicidade1 
em seus relatos chamou a atenção como indicativa de uma debilidade na função simbólica, 
além de exprimir uma maneira atípica de resistência à entrada em análise. 
Esta situação direcionou perguntas, que consideramos linhas de condução desta 
pesquisa: até que ponto este discurso esvaziado delata certo apagamento do desejo? Qual a 
leitura da psicanálise para esses casos que se apresentam de forma distinta das psiconeuroses? 
Podemos considerar que se trata de sintomas no sentido de uma formação do inconsciente, 
que é oferecido como enigma a ser decifrado? Ou deveríamos circunscrever essas 
manifestações no que se conhece como excesso de gozo pulsional? E ainda, qual é a relação 
entre esses quadros de sofrimento e a cultura contemporânea uma vez que se tornam cada vez 
mais frequentes na atualidade? 
A frequência crescente dessas manifestações na atualidade leva a que sejam entendidas 
como novas. Apesar de sua incidência, tais patologias não constituem novidade. Há registros 
dessas manifestações clínicas que datam do século XVIII. No que diz respeito à psicanálise, 
encontramos uma descrição muito próxima no modelo das “neuroses atuais”, proposto por 
Freud em 1896 e elaborado ao longo de sua obra. Esta aproximação será aprofundada no 
terceiro capítulo desta dissertação. Arriscaríamos antecipar, então, que o que está relacionado 
à cultura contemporânea é mais o aumento e menos o aparecimento dessas manifestações 
clínicas. 
Estes fenômenos clínicos não serão entendidos aqui como uma estrutura, portanto, 
podem estar presentes na neurose, psicose ou perversão. Nesta dissertação iremos nos ater à 
neurose, por sua prevalência em minha prática clínica e para respeitarmos as limitações 
impostas por este estudo. Interrogados pela dificuldade de entrada em análise, apresentada por 
 
1
 Segundo encontra-se em Houaiss: 1 qualidade ou condição do que é histórico; historicismo 2 PSIC conjunto 
dos fatores que constituem a história de uma pessoa e que condicionam seu comportamento em uma dada 
situação. 
 
 
 
 
11 
 
esses pacientes, objetivamos construir, baseados nos autores selecionados, uma abordagem 
teórica desses fenômenos clínicos que nos auxilie a viabilizar o tratamento. 
A sociedade de consumo e a lógica capitalista excluem as diferenças, via régia da 
subjetividade. Prometem felicidade àquele que seguir suas normas, através das quais, se vê 
forçado a gozar daquilo que não tem utilidade. Destituído de sua singularidade, o sujeito se 
encontra submerso no imperativo da igualdade, sem espaço para as diferenças, compelido ao 
tamponamento compulsivo da falta, promovido pelo discurso da complementaridade no lugar 
da falta. A sociedade de consumo veicula a proposta de corresponder à demanda de 
completude e saber absolutos, obstruindo assim a emergência do desejo. 
Freud demonstrou a existência de um elo constitutivo entre cultura e inconsciente. 
Lacan (1958), em seu retorno ao texto freudiano, introduziu o conceito de Outro, demarcou o 
campo Simbólico e afirmou que o inconsciente é o discurso do Outro. A partir desta 
abordagem, diz: 
 
Que antes renuncie a isso (exercer a psicanálise), portanto, quem não 
conseguir alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época. Que o 
(analista) conheça bem a espiral a que o arrasta sua época na obra contínua 
de Babel, e que conheça sua função de intérprete na discórdia das línguas 
(Lacan, 1953, p.322). 
 
Seguindo estes preceitos, elegemos o par anorexia-bulimia como um dos objetos de 
estudo nesta pesquisa, por percebê-lo como um dos sofrimentos paradigmáticos no contexto 
da cultura contemporânea. Mas também e, principalmente, com o objetivo de ressaltar a 
perspectiva da psicanálise como contribuição à ciência. Sob o diagnóstico de distúrbios 
alimentares – anorexia e bulimia – são consideradas pelo discurso científico patologias que só 
devem ser tratadas através de abordagem cognitivista-comportamental e medicamentosa. O 
tratamento psicanalítico para esses casos significa, então, abrir uma via de acolhimento ao 
sujeito do inconsciente ali onde a ciência só tem reforçado sua exclusão. Um dos propósitos 
desta dissertação é evidenciar que se faz necessária a sistematização de uma proposta de 
tratamento psicanalítico para essas patologias. 
No primeiro capitulo, ressaltaremos a relação intrínseca, estabelecida por Freud, entre 
o conceito de inconsciente e a cultura. Para tanto, percorreremos alguns textos de Freud, 
Lacan, e outros autores que vêm se debruçando sobre esses temas: Fuks (2000; 2003); Birman 
(2006); Bauman (2000); Mousnier (1957); Debord ([1967] 2006). 
No segundo capítulo, faremos uma análise da clínica psicanalítica na 
contemporaneidade, no que diz respeito aos referidos quadros de sofrimento. Para nos auxiliar 
 
 
 
12 
 
acerca das questões levantadas, evocaremos alguns autores do campo psicanalítico, que têm 
se dedicado ao estudo desta temática: Roudinesco (2000); Kehl (2005); Birman (1999;2006); 
Sauret (2005); Recalcati (2004a, 2004b). 
O terceiro capítulo será dedicado às teorizações de Freud, no que dizem respeito às 
neuroses atuais, por termos encontrado aí semelhanças significativas com o que observamos 
na clínica na contemporaneidade. Daremos atenção ao conceito de transferência, uma vez que 
se trata de um operador clínico exclusivo da psicanálise, e ao conceito de gozo desenvolvido 
por Lacan, embasamento fundamental para as questões apresentadas nesta pesquisa. Para isto, 
recorreremos às obras de Freud, Lacan; Carneiro Ribeiro (2001); Recalcati (2004a); Dunker 
(2002); Braunstein (2007); Vallas (2001); Fink (1998); Rabinovich (2004); Goldemberg 
(2002). 
O quarto capítulo tratará da prática clínica. Teceremos considerações acerca da 
maquete subjetiva do sujeito contemporâneo, com a finalidade de provocar reflexões sobre a 
possibilidade de tratamento psicanalítico dos referidos quadros. À guisa de ilustração, será 
utilizado o filme “O Livro de Cabeceira”, de Peter Greenway (1996). Para nos acompanhar 
nessa tarefa, invocaremos Freud, Lacan e ainda os seguintes autores: Fuks (2001); Rabinovich 
(2004); Dunker (2002). 
O quinto e último capítulo se voltará especificamente à clínica da anorexia-bulimia 
que elegemos como um dos exemplos paradigmáticos do sofrimento na contemporaneidade. 
Buscamos apresentar abordagem psicanalítica e proposta de tratamento clínico. Nesse 
capítulo recorreremos aos trabalhos de Freud; Lacan; Sauret (2005); Pollo (2003); Recalcati 
(2004a); Rabinovich (2004). 
Ao longo de toda a dissertação estará presente uma preocupação em demonstrar a 
perenidade da eficácia da psicanálise nos dias atuais. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
13 
 
Capítulo 1. Psicanalista, um crítico da cultura 
 
 
1.1. Inconsciente e cultura 
 
Neste capítulo, de acordo com Freud e Lacan, propomos demonstrar a necessidade de 
que cada analista abrace a função de crítico da cultura que testemunha. 
Desde o século XIX, vinham ocorrendo debates filosóficos e políticos sobre a 
oposição cultura e civilização. Freud se colocou fora destes debates, uma vez que, para ele, 
estas duas dimensões da vida social eram articuladas entre si. Segundo Fuks (2003), para 
Freud, a cultura é a: 
 
[...] interioridade de uma situação individual – manifesta nos impulsos que 
vêm desde dentro do sujeito – e a exterioridade de um código universal, 
subjacente aos processos de subjetivação e aos outros regulamentos das 
ações do sujeito com o outro (Fuks, 2003, p.10). 
 
Do ponto de vista formal, Freud escreveu mais diretamente sobre cultura nos textos 
tardios de sua obra. Porém, desde o início, podemos destacar a presença do tema em seus 
escritos, como em Projeto para uma psicologia científica (1895), através do “Nebenmensch” 
(termo traduzido por complexo do semelhante ou assistência alheia, p.422). Defendeu a idéia 
de que o primeiro semelhante com o qual o ser humano se relaciona, que vem em seu socorro, 
atende seu primeiro grito, permitindo que sobreviva (em geral, a mãe), inaugura sua 
existência. O homem nasce desamparado e seu desamparo não é apenas biológico; o grito do 
bebê também apela por sentido para a angústia que sente. Assim, este primeiro semelhante 
não só atende como significa e nomeia as necessidades vitais, servindo de referência. Auxilia, 
permitindo ao pequeno ser julgar e reconhecer os mundos interno e externo, habilitando-o ao 
domínio da linguagem. Como nesse momento o bebê não possui discernimento algum, seu 
primeiro objeto é de satisfação ao mesmo tempo em que é hostil, fonte da experiência mítica 
de satisfação e prazer, que condena o homem à sua busca incessante, e também, uma presença 
estranha e ameaçadora (Fuks, 2003). 
Lacan (1949) sugeriu que o bebê antecipa, no plano imaginário, sua unidade corporal, 
identificando-se com a imagem do semelhante – estágio do espelho. Porém, para que este 
processo de constituição do eu se dê, é necessário o reconhecimento simbólico do Outro. O 
Outro - conceito lacaniano - designa o registro do Simbólico, a linguagem, a cultura. Com o 
 
 
 
14 
 
estágio do espelho, Lacan reitera o sentido fundamental que Freud imprimiu ao demarcar o 
surgimento do sujeito em sua dependência do semelhante e da linguagem – ou, do Outro. 
Freud, em sua obra, assinala outro paradoxo intrínseco a essa relação do sujeito com o 
Outro. A mãe – ao ocupar o lugar do Outro e representar a cultura – exerce a função de 
erotizar a criança, acordando-a para vida, despertando seus desejos, para em seguida, reprimi-
la. É através das intervenções da educação, fundamental para a convivência humana, que se 
vai impondo limites às realizações das pulsões eróticas e agressivas. Nas palavras de Freud: 
 
A relação de uma criança com quem quer que seja responsável por seu 
cuidado proporciona-lhe uma fonte infindável de excitação sexual e de 
satisfação de suas zonas erógenas. Isto é especialmente verdadeiro, já que a 
pessoa que cuida dela, que afinal de contas, em geral é a sua mãe, olha-a ela 
mesma com sentimentos que se originam de sua própria vida sexual [...] 
claramente a trata como um substitutivo de um objeto sexual completo. Uma 
mãe ficaria horrorizada se lhe fosse dito que todos os seus sinais de afeição 
estavam despertando as pulsões sexuais do filho e preparando-as para sua 
intensidade ulterior. [...] O que chamamos afeição infalivelmente mostrará 
seus efeitos, um dia também, nas zonas genitais. Além disso, se a mãe 
entendesse mais da alta importância do papel desempenhado pelas pulsões 
na vida mental como um todo – em todas as suas realizações éticas e 
psíquicas – ela se pouparia quaisquer autocensuras mesmo após ser 
esclarecida. Ela está apenas cumprindo o seu dever de ensinar o filho a amar 
(Freud, 1905, p. 229). 
 
Em 1920, Freud escreve Além do princípio de prazer e reformula sua teoria das 
pulsões, introduzindo o conceito de pulsão de morte que opôs às pulsões de vida. A tese 
freudiana de que o aparelho psíquico tem dois princípios reguladores: a busca de prazer e a 
evitação de desprazer, já não era mais suficiente diante dos impasses que a clínica colocava. 
Segundo Lacan, foi a percepção de um gozo pulsional no cerne do sintoma, um prazer na dor, 
ou seja, no próprio desprazer, que chamou a atenção de Freud. O conceito de pulsão de morte 
foi elaborado a partir da compulsão a repetir, da reação terapêutica negativa (como forma 
radical de resistência ao tratamento), do sentimento inconsciente de culpa, dos ganhos 
primário e secundário, relativos ao sintoma. Assim, nasceu a segunda tópica freudiana. 
Nela formulou do supereu: instância proibitiva que representa a internalização da 
cultura e das leis - função de censura - e ao mesmo tempo, tem sua raiz no id – reservatório 
das pulsões. Paradoxal, o supereu é um duplo comando inconsciente, impossível de se 
cumprir: “Você deveria ser assim (como seu pai)!” e “Você não pode ser assim (como seu 
pai)!” (Freud, 1923, p.49). Ao mesmo tempo em que regula o desejo, viabiliza e mantém o 
laço social, sendo igualmente responsável pelo sentimento de culpa. Quanto mais se renuncia 
 
 
 
15 
 
ao desejo, maior é a culpa, mais cruel e exigente é o supereu. Esta instância acumula ainda a 
característica de dentro e fora, de estranho e familiar, uma vez que é interno, íntimo, 
originário e, simultaneamente, representante do Outro, da cultura, efeito do ato de civilizar. 
De um modo geral, podemos dizer que desamparo, estranheza e angústia são noções que 
acompanham a apreensão que a psicanálise dá aos mais diversos processos do sujeito e da 
cultura (Fuks, 2003). 
Ao contradizer a repartição entre psicologia individual e coletiva, sustentada pela 
psicologia clássica, Freud inaugura uma nova maneira de conceber o indivíduo e seu contexto. 
A partir de sua prática clínica,passou a considerar as relações que um indivíduo tem com o 
outro como um fenômeno social, reconhecendo este outro como peça fundamental na 
constituição da subjetividade, uma vez que acumula a função de transmitir a cultura e a 
linguagem que o determina simbolicamente. No que diz respeito às experiências no campo 
coletivo, Freud (1929) afirma que o indivíduo irá se posicionar de acordo com as leis que o 
marcam. 
Porém, Freud chama a atenção para o cuidado que se deve ter para não se recair no 
equívoco de fazer uso de interpretações psicanalíticas selvagens e nem contribuir para a 
divulgação de jargões e estereótipos da psicanálise. Para isso, é necessário manter o vínculo e 
a direção da experiência clínica, que sempre foi o suporte do saber psicanalítico e de sua 
transmissão. É de onde partimos e para onde endereçamos todo nosso trabalho e pesquisa. 
A partir desta perspectiva propomos pensar impasses que têm surgido na clínica 
contemporânea, em sua relação com a cultura. 
 
1.2. Modernidade e modernismo 2 
 
Para pensarmos a cultura contemporânea iniciaremos com a contextualização do 
surgimento da própria psicanálise recorrendo à História e à Filosofia. 
Do ponto de vista da História, a modernidade se inicia em torno dos séculos XV e 
XVII. Caracteriza-se por ser uma nova visão que se contrapõe ao ponto de vista medieval. 
Essa nova perspectiva de mundo é decorrente do desenvolvimento da economia mercantilista, 
do descobrimento do Novo Mundo e das grandes navegações. Decorrente também da reforma 
protestante e das novas teorias científicas no campo da física e da astronomia, entre as quais, 
 
2
 Foram utilizados para esta pesquisa os livros: FREDERICK. O moderno e o modernismo, 1988; FUKS. Freud 
e a judeidade: a vocação do exílio, 2000. MARCONDES; JUPIASSÚ. Dicionário básico de filosofia, 1996, e 
ainda anotações das aulas ministradas em 17 e 26 de ag /2007, no curso: Movimento Psicanalítico, (mestrado em 
Psicanálise, Saúde e Sociedade), Universidade Veiga de Almeida, Campus Tijuca, Rio de Janeiro. 
 
 
 
16 
 
destacamos as de Galileu e Copérnico. Para as Artes, o Renascimento marca o surgimento da 
modernidade, contrapondo-se ao espírito medieval e à escolástica. Para a Filosofia, considera-
se que a modernidade inicia com Descartes e Francis Bacon. 
Antes da era moderna, a noção de indivíduo não era consistente, o homem vivia em 
comunidade e nela tinha suas referências; sua participação, atividade, a inscrição no grupo a 
que pertencia era o que o definia. O destino humano estava submisso às leis divinas e da 
natureza. As instituições, a hierarquia, o sistema e a aceitação dos dogmas e verdades 
estabelecidas caracterizavam a ordem social medieval. Já o pensamento moderno valoriza o 
indivíduo, a consciência, a subjetividade, a experiência e a atividade crítica. Neste sentido, 
identifica-se modernidade à idéia de progresso e ruptura com o passado. É a era da razão 
científica em oposição ao mundo do divino e da natureza. 
Com essa mudança, o indivíduo sofre um deslocamento para o centro do universo e o 
discurso da ciência passa a ocupar a posição de produção e agenciamento da verdade, 
substituindo progressivamente os discursos filosófico e teológico; a tecnologia transforma-se 
no principal instrumento do exercício do saber sobre o humano. Uma vez que a razão 
científica proporcionou ao homem autonomia diante da natureza e do mundo divino, a ciência 
adquiriu o poder, praticamente exclusivo, de determinar a veracidade dos enunciados e dos 
juízos. 
Em torno de 1870, surge um movimento crítico à modernidade: o modernismo. 
Fundamentado por peculiaridades referidas a cada lugar em que se desenvolveu, 
caracterizava-se distintamente em cada região aonde surgia. Por exemplo, o modernismo 
brasileiro diferenciava-se do vienense, ou do surgido em Paris, Praga, Berlim, e era possível 
localizar as variadas diferenças em cada um deles. O que havia de constante no modernismo, 
como movimento, era a crítica ao reino da razão e do eu, engendrado pela modernidade, que 
questionava sua veracidade, além do desafio à autoridade e ao status quo. 
O modernismo, caracterizado pela preocupação em inovar, para a literatura, trouxe 
novas vozes, novos artifícios, novas formas narrativas, uma nova linguagem. Nas artes 
plásticas, as cores traziam novidade, também foram desenvolvidas novas maneiras de 
utilização da tela, do espaço, do vazio, dando origem a novos arranjos estéticos. Na música, 
novos sons, novas progressões, novas sequências harmônicas. 
Foi neste contexto que nasceu a psicanálise. Após descentrar o homem de si mesmo, a 
disciplina freudiana passou a se configurar, segundo seu próprio criador, na terceira ferida 
narcísica sofrida pela humanidade. Dessa forma, golpeia contundentemente a ilusão da 
identidade entre consciência e psiquismo. Mas, em Viena, onde se originou a psicanálise, o 
 
 
 
17 
 
modernismo teve uma característica própria, que surtiu efeitos na obra de Freud. Na cidade 
natal da psicanálise o ataque à autoridade, ao pai (do patriarcado) era particularmente penoso. 
Havia ali um reconhecimento da autoridade dos antigos, uma valorização das tradições, que 
instalou um sentimento de lamentação, de decadência, contra o qual se deveria reagir, uma 
sensação de desabamento, de um futuro vago. 
Sobre isto, Lacan (1938) assinalou que no decorrer de sua obra, principalmente no que 
diz respeito à conceituação do complexo de Édipo e suas decorrências, Freud já demonstrava 
uma preocupação com o “declínio social da imago paterna”: 
 
Qualquer que seja seu futuro, esse declínio constitui uma crise 
psicológica. Talvez seja a essa crise que se deve relacionar o 
aparecimento da própria psicanálise. Apenas o sublime acaso do gênio 
talvez não explique que tenha sido em Viena – então centro de um Estado 
que era o melting-pot das formas familiares mais diversas, das mais 
arcaicas às mais evoluídas, dos últimos agrupamentos agnáticos dos 
camponeses eslavos às formas mais reduzidas do lar pequeno-burguês e 
às formas mais decadentes do casal instável, passando pelos 
paternalismos feudais e mercantis – que um filho do patriarcado judeu 
tenha imaginado o complexo de Édipo. Seja como for, são as formas de 
neurose dominantes no final do último século que revelaram que elas 
estavam intimamente dependentes das condições da família (Lacan, 1938, 
p.60). 
 
A questão da permanência da modernidade ou não caracteriza uma controvérsia 
contemporânea. São múltiplas as definições e caracterizações da modernidade, enunciadas 
ultimamente, como problemática de ordem filosófica, histórica, política, social e estética. 
Apesar de existirem exceções, de uma maneira geral, os analistas sociais se dividem em dois 
posicionamentos principais: a corrente norte-americana defende que a modernidade acabou e 
considera estarmos vivendo na pós-modernidade, ou pelo menos, na construção do mundo 
pós-moderno; a corrente européia supõe que o que vivemos na contemporaneidade é 
consequência de uma radicalização do projeto da modernidade, e apesar das diferenças 
existentes, se compararmos os dias de hoje a seu início, ainda são mantidos os mesmos 
pressupostos. 
As diferenças existentes entre essas correntes estão associadas não somente às origens 
históricas da modernidade, mas também aos seus desdobramentos na atualidade. Se a 
modernidade foi construída na Europa, logo, defender sua extensão aos dias de hoje significa 
reforçar e manter a influência européia, e seu lugar em escala mundial. Por outro lado, os 
norte-americanos preferem utilizar o conceito de pós-modernidade para descrever os novos 
tempos, justamente para afirmar que a influência e a hegemonia européias se tornaram 
 
 
 
18 
 
passado, junto com a modernidade. Os americanos enfatizama ruptura crucial no projeto da 
modernidade e a construção da pós-modernidade de maneira que sua hegemonia absoluta não 
se restrinja mais aos pontos de vista econômico e político, mas que fique claro que agora o 
american way of life é o estilo de vida da atualidade. 
Um dos analistas sociais mais representativos na discussão dessas questões é o 
sociólogo polonês Zygmunt Bauman3. Nasceu em 1925 e aos 14 anos, foi para Rússia com a 
finalidade de escapar do holocausto, durante a Segunda Guerra Mundial. Retornou à Polônia, 
após o fim da guerra, quando, então, se filiou ao partido comunista e ingressou na 
Universidade de Varsóvia. Foi ali que construiu sua carreira como professor. Permaneceu lá 
até surgir uma nova onda de anti-semitismo que o forçou ao exílio novamente. Após três anos 
em Israel, assumiu o departamento de sociologia na Universidade de Leeds, na Inglaterra, 
aonde reside, até hoje. 
Bauman é um dos autores mais produtivos e renomados no campo da sociologia. Uma 
das características de seu estilo é a escolha por temas abrangentes e variados: holocausto, 
globalização, sociedade de consumo, amor, comunidade, individualidade são alguns 
exemplos. Direciona sua análise para a vida cotidiana de homens e mulheres comuns, sempre 
dando ênfase à dimensão ética e humanitária que, segundo ele, deve nortear tudo o que diz 
respeito à condição humana. Bauman é uma das vozes a questionar, continuamente, a ação 
dos governos neoliberais, que em sua concepção, promovem e estimulam as forças do 
mercado, ao mesmo tempo em que renunciam ao dever de gerir justiça social. 
Os termos pós-moderno e pós-modernidade aparecem em títulos de quatro de seus 
livros. Por essa razão, Bauman foi considerado como um dos autores que defende a idéia de 
que uma mudança cultural e social, suficientemente grande, ocorreu e que devemos admitir já 
estarmos presenciando um novo período da história. Porém, em uma entrevista concedida à 
professora brasileira, Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke4, o próprio Bauman esclareceu que 
não gosta de ser enquadrado em nenhuma corrente, e por isso, cunhou os termos 
“modernidade sólida” e “modernidade líquida” (p.4) para evitar algumas confusões. Diz que 
seu interesse tem sido compreender o tipo de sociedade que vem surgindo, mas considera que 
esta ainda se mantém eminentemente moderna em suas ambições e em seu modus operandi. 
A distinção fundamental entre modernidade sólida e líquida é que esta última se 
encontra desprovida das antigas ilusões de que os objetivos a serem alcançados, estavam logo 
 
3
 BAUMAN apud PALLARES-BURKE, M. L. Garcia. Folha de São Paulo, São Paulo, 19 out. 2003. 
4
 Professora aposentada da Faculdade de Educação da USP e pesquisadora associada do Center of 
Latin American Studies, Universidade de Cambridge. 
 
 
 
19 
 
adiante. Diferentemente da sociedade moderna anterior - modernidade sólida - que 
desconstruía a realidade herdada com intenção de torná-la melhor e sólida novamente, a 
sociedade atual – modernidade líquida - carece da perspectiva de longa duração. Atualmente 
tudo está sendo constantemente desmontado e sem perspectiva alguma de permanência - tudo 
é temporário. 
É nesse sentido que Bauman (2000), em seu livro Modernidade líquida, sugere a 
metáfora da liquidez para caracterizar o estado da sociedade atual: “[...] como os líquidos, ela 
caracteriza-se pela incapacidade de manter a forma. Nossas instituições, quadros de 
referência, estilos de vida, crenças e convicções mudam antes que tenham tempo de se 
solidificar em costumes, hábitos e verdades ‘auto-evidentes’” (2003, p.4). Reconhece que 
Marx e Engels já apontavam para o caráter desenraizador, presente na vida moderna. Porém, 
enquanto antigamente isso era feito para ser enraizado outra vez, na atualidade tudo - 
empregos, relacionamentos, e mesmo o saber - tende a permanecer em fluxo, volátil, 
desregulado e flexível. 
Portanto, para Bauman, a era em que vivemos se caracteriza, não por quebrar as 
rotinas e subverter as tradições, e sim por evitar que padrões de conduta se congelem em 
rotinas e tradições. Seu interesse, então, é por ele definido como o de tentar compreender 
quais as consequências dessa situação para a lógica do indivíduo, para seu cotidiano, pois 
considera que virtualmente todos os aspectos da vida humana são afetados quando se vive a 
cada momento sem que a perspectiva de longo prazo tenha mais sentido. 
 
1.3. A contemporaneidade 
 
Com o objetivo de não ficarmos entre as oposições citadas, e para evitar confusões, 
decidimos adotar o termo contemporaneidade para nos referirmos aos dias de hoje. A partir 
dessa última análise, tendemos a concordar com a vertente que defende a persistência da 
modernidade, por reconhecer na atualidade, com todas as suas questões, a presença dos 
fundamentos instituídos pela era moderna. Mas, apesar desse reconhecimento, é essencial 
demarcar as diversas modificações que os sujeitos e a cultura sofreram desde o início da 
modernidade até hoje. Podemos nos referir às características do indivíduo burguês do 
capitalismo industrial como matriz daquilo a que assistimos surgir hoje, na 
contemporaneidade. Na primeira metade do século XVII, o burguês era descrito como um 
indivíduo forte, enérgico, inteligente, prático e pouco escrupuloso (Mousnier, 1957). Porém, a 
subjetividade constituída no início da modernidade era pautada nas noções de interioridade e 
 
 
 
20 
 
reflexão sobre si mesma, enquanto que, a partir do final dos anos sessenta, encontramos a 
descrição de um indivíduo extremamente exteriorizado, narcísico, que funciona, segundo a 
lógica capitalista da sociedade de consumo e que estende esta lógica a todas as suas relações, 
as quais passam a ter um tom frio, descartável e impessoal. Ao estabelecermos um paralelo 
entre os perfis dados à subjetividade, na aurora da modernidade e na contemporaneidade, 
observamos, hoje, uma retração da vida psíquica, uma vez que o espaço de reflexão interna 
diminuiu drasticamente. 
Guy Debord5, filósofo francês, foi, dentre outras coisas, um intelectual com uma 
prática política. Para atuar de acordo com toda sua crítica sobre a sociedade moderna 
burguesa, a que nomeou “sociedade do espetáculo” ([1967] 2006, p.45), criou o 
situacionismo, projeto político de crítica radical à vida cotidiana no capitalismo. Debord 
Fundou a Internacional Situacionista (IS) em 1958 e ele próprio a dissolveu em 1972. 
Em 1967, publicou a mais importante obra teórica dos situacionistas: A sociedade do 
espetáculo. O movimento situacionista opunha-se não somente à sociabilidade burguesa, mas 
também àqueles que se antepunham oficialmente a tal sociabilidade. Apesar de se referir ao 
trabalho de Marx e Hegel, Debord propunha o situacionismo como o negativo das negações 
formais da sociedade burguesa, pois considerava os projetos revolucionários de seu tempo 
como faces da mesma moeda das sociabilidades do projeto burguês, uma vez que apareciam 
historicamente como concorrentes, e quase sempre, como parceiros na mesma esfera 
institucional da sociedade burguesa. 
Para Debord (2006), a sociedade do espetáculo é o mundo regido pela economia do 
consumo, onde a mercadoria, como centro absoluto da vida social, engendra a passagem do 
ser para o ter: os objetos, substituindo valores éticos, onde ocorre uma ininterrupta fabricação 
de “pseudo-necessidades” (p.45). Ou seja, a inscrição de objetos como signos da felicidade, 
sempre prontos para o consumo voraz, dirige a imposição de uma dinâmica na qual o 
indivíduo acaba por ter suas escolhas condicionadas, a tal ponto que, até mesmo um outro ser 
humano poderá ser transformado em um gadget6, e servir como via de satisfação imediata. E, 
assim, tornar-se rapidamente descartável. O autor denominou esse processo de “fetichismo da 
mercadoria”(p.45). 
Debord descreve a contemporaneidade como o triunfo do individualismo em 
associação ao consumo e como demanda incessante de prazer, gerando modelos de 
 
5
 Para a pesquisa feita sobre Guy Debord e sua obra, além de seu livro A sociedade do espetáculo, foi consultado 
o artigo do Prof. Dr. João Alberto da Costa Pinto, professor Departamento de História da Universidade 
Fluminense de Goiás, UFG. 
6
 Objeto de consumo supérfluo, engenhoca. 
 
 
 
21 
 
subjetivação, que enfatizam a “exterioridade” e “autocentramento” (p.108). Outro ponto 
importante nas questões levantadas por ele é a modificação do tempo e suas consequências 
para o indivíduo contemporâneo: 
 
[...] o espetáculo, como a totalização da mercadoria na vida social, impõe a 
esta não só o absoluto da reificação, mas também a negação de um tempo 
histórico, que veja na sua irreversibilidade intrínseca a caracterização do 
sentido da experiência social. O espetáculo paralisa o sentido social da 
história e da memória, o espetáculo é a tradução da falsa consciência do 
tempo (Debord, 2006, p.108). 
 
Ele divide a transformação do tempo em três etapas: o tempo cíclico, característico da 
produção agrária; o tempo irreversível da produção industrial e o tempo reificado da sociedade de 
consumo. 
A burguesia afirmou-se historicamente no tempo do trabalho. Liberou a sociedade do tempo 
cíclico, o tempo das sociedades marcadas pelo modo agrário de produção e determinadas pelos 
ciclos temporais da natureza. O tempo do trabalho, o tempo da produção, ao romper com o tempo 
cíclico afirma a “vitória do tempo profundamente histórico” (p.107), como o nomeou Debord em 
oposição ao tempo cíclico. Seria a vitória da sociedade em autotransformação permanente e 
absoluta; mas ele também ressalta que “esse tempo é o tempo das coisas” (p.98) e o tempo das 
coisas elimina crescentemente o sentido do tempo vivido. Isto é, no ciclo das sociedades agrárias, o 
tempo, mesmo naturalizado, afirmava aos indivíduos a possibilidade real de um tempo histórico 
vivido. 
Com a produção industrial, o tempo torna-se irreversível, uma vez que esse tempo 
socialmente vivido é eliminado. Na passagem histórica das sociedades de tempo cíclico para as 
sociedades de tempo irreversível, formou-se a consciência histórica. Mas esta consciência tende à 
eliminação com a disseminação do tempo das mercadorias na vida social. 
A historicidade das sociabilidades passou a ser mediada pela historicidade das coisas-
mercadorias. Dessa maneira, o tempo só se diferencia pela quantidade das coisas: o tempo como 
valor de troca. Este é o “tempo-espacializado” (p.97), não humano, o tempo reificado. O tempo das 
coisas reconstituiu o caráter cíclico no cotidiano, a mercadoria naturalizou os homens. 
O novo “tempo-cíclico”, no cotidiano, realiza-se no tempo mercadoria dos “atos-
mercadoria” (p.98), como o consumo: o dia de trabalho, o dia de descanso, as férias (que inclusive 
passaram a ser vendidas). O tempo no cotidiano do capitalismo crescentemente perdeu o seu valor 
de uso, tornando-se efetivamente valor de troca e, nesse momento, o tempo irreversível dos 
acontecimentos é comandado pelo espetáculo; os homens, no cotidiano, podem apenas contemplá-
 
 
 
22 
 
lo, mas nunca vivê-lo, efetivamente. 
No cotidiano do viver capitalista, não existem mais acontecimentos, deixa de existir a 
irreversibilidade do tempo para o existir do falso-acontecimento do espetáculo. No cotidiano da 
reificação, não há história, mas o tempo cíclico das pseudo-necessidades, impostas pelo espetáculo: 
o carro novo, o computador de última geração etc. O tempo é matéria-prima de novas mercadorias. 
No tempo cíclico das pseudo-necessidades, a história deixa de existir. “O tempo pseudocíclico é o 
disfarce consumível do tempo-mercadoria da produção” (p.104). 
Com a globalização da economia capitalista, houve a unificação mundial do tempo, 
irreversível. Cria-se assim a história universal, ela torna-se uma realidade, uma vez que o mundo 
inteiro está reunido sob o desenvolvimento desse tempo: “o tempo da produção econômica, 
recortado em fragmentos abstratos iguais, se manifesta por todo o planeta como o mesmo dia.” 
(p.101), e esse momento de tempo unificado é o do mercado mundial, é o tempo unificado do 
espetáculo. 
Em 1967, Debord não só apresentava um diagnóstico de uma lucidez extraordinária, e que 
ainda é tão atual, como também, derivou as consequências desse diagnóstico; ao apresentar a lógica 
imperialista no mundo, anunciou a fragilidade das lutas promovidas pela esquerda mundial. Na 
crítica a quase todos os programas da agenda revolucionária, que lhe era contemporânea, Debord 
definia a revolução como o ato que haveria de reivindicar o viver do tempo histórico, e isso só seria 
possível na revolução da vida cotidiana. 
Quando Debord dissolveu a Internacional Situacionista em 1972, o fez para cumprir a 
regra que modelava o movimento. Naquela ocasião, compreendeu que o próprio movimento 
começava a requerer a liderança máxima, que nunca se quis como liderança, então para 
manter-se fiel aos seus propósitos ele mesmo a dissolveu. Mesmo depois da dissolução o 
situacionismo continuou sendo influente. Hoje, é inquestionavelmente uma referência clássica 
do marxismo contemporâneo e uma expressão da crítica que se faz ao universo 
espetacularizado da sociedade contemporânea. 
Com o desenvolvimento do capitalismo tardio podemos observar a intensificação dos 
efeitos da crise gerada pelo projeto da modernidade. A falta de referenciais sólidos, o fim das 
utopias, essa nova apreensão do tempo, somados a toda a demanda imposta pela sociedade de 
consumo, estimulou uma busca desesperada por soluções aliviadoras e imediatas, aliás, essa 
tem sido considerada uma das principais causas da psicanálise estar sendo questionada quanto 
a sua eficácia. 
 
 
 
23 
 
Seguindo, então, a proposta freudiana de pensarmos o sujeito e a cultura como 
entrelaçados, no próximo capítulo, partiremos para a análise mais aprofundada do que é a 
clínica psicanalítica na contemporaneidade e que questões ela nos impõe. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
24 
 
Capítulo 2. A psicanálise na contemporaneidade 
 
 
2.1. Pela defesa da psicanálise 
 
Para nos auxiliar com as questões que a clínica na contemporaneidade tem nos 
colocado, recorremos a autores do campo da psicanálise, que têm se dedicado ao estudo do 
tema. Dentre eles alguns consideram as patologias referidas, efeitos de uma nova forma de 
subjetivação, outros as pensam como uma (re)significação, ou atualização das mesmas formas 
de subjetivação já conhecidas e tratadas pela psicanálise. Porém, de uma maneira ou de outra, 
todos as relacionam aos fenômenos econômicos, culturais, sociais e políticos da 
contemporaneidade. A sociedade democrática moderna, em seu desenvolvimento atual, em 
nome da globalização e do sucesso econômico, quer abolir de seu horizonte os conflitos 
sociais, o infortúnio, a morte e a violência. Como já vimos no primeiro capítulo desta 
dissertação, em contrapartida aos primórdios da modernidade, quando os eixos constitutivos 
da formação subjetiva se baseavam na interioridade e na reflexão sobre si mesmo, hoje se 
baseiam no autocentramento e na exterioridade. O imperativo é o consumo, o sujeito é 
convocado, pela sociedade, como consumidor, seja de produtos, drogas, remédios, terapias, 
religião ou qualquer coisa que lhes reforce o narcisismo e os afaste do desejo, pois assim, o 
consumo torna-se sem fim. 
Em seu livro - Por que a psicanálise? Roudinesco (2000) defende a pertinência da 
psicanálise na atualidade, opondo-se às propostas da farmacologia e outras terapêuticas,que 
argumentam não haver mais nem tempo nem espaço para a prática psicanalítica na 
contemporaneidade. Esta autora diz que a morte, as paixões, a sexualidade, a loucura, o 
inconsciente e a relação com o outro moldam a subjetividade de cada um. Acredita que essas 
questões permanecerão sempre presentes apesar das diversas tentativas do projeto da 
modernidade para excluí-las. Diz ainda que a psicanálise tem sido fundamental para que a 
civilização avance sobre a barbárie, uma vez que resgata a idéia de que o homem é livre por 
sua fala, e que não se restringe nem é determinado por sua biologia. Dessa maneira, vislumbra 
um lugar para a psicanálise, no futuro: dar continuidade ao trabalho psicanalítico e “lutar 
contra as pretensões obscurantistas que almejam reduzir o pensamento a um neurônio ou 
confundir o desejo com uma secreção química” (p.9). 
A autora observa que o sofrimento psíquico, na atualidade, tende a manifestar-se como 
depressão, significante empregado para representar a mistura de apatia e tristeza que acomete, 
 
 
 
25 
 
cada vez mais, um número maior de indivíduos que não conseguem nem se dar o tempo de se 
interrogar sobre as origens de seu sofrimento. Deduz que a “era da subjetividade” está sendo 
substituída pela “era da individualidade” (p.14), que quanto mais a sociedade enuncia a 
igualdade e unificação, mais acentua as diferenças no sentido da exclusão. No âmago dessa 
proposta, cada um reivindica sua singularidade, mas sem querer identificar-se com as 
referências da universalidade já dadas como ultrapassadas. Dessa maneira, os indivíduos do 
mundo contemporâneo criam para si mesmos “a ilusão de uma liberdade sem limites, de uma 
independência sem desejo e de uma historicidade sem história, o homem de hoje transformou-
se no contrário de um sujeito” (p.14). 
Dentro de uma lógica de normatização, ou seja, de adequação dos indivíduos a 
padronizações impostas pela sociedade, o homem contemporâneo recorre à medicina e a 
propostas de terapias, que julga serem mais apropriadas ao reconhecimento de sua identidade. 
Esta é a causa, segundo a autora, para o crescimento tanto de práticas místicas e religiosas, 
quanto do cientificismo que valoriza o “homem-máquina” (p.15) em detrimento do homem 
desejante. Acrescenta ainda, que não se trata de mudança de estrutura e sim de uma mudança 
de paradigma, ou seja, “o contexto do pensamento, o conjunto das representações ou o 
modelo específico, que são próprios de uma época” (p.17). Entende que toda revolução 
científica é traduzida numa mudança desse porte, porém, afirma que nos campos da medicina, 
psiquiatria e psicanálise, um modelo novo não exclui o precedente, o inclui, atribuindo-lhe 
significação nova. Neste sentido, considera que a histeria não deixou de existir e hoje “é cada 
vez mais, vivida e tratada como uma depressão” (p.17). Afirma ainda que tal mudança de 
paradigma não é sem intenções, essa substituição vem junto a uma valorização dos processos 
psicológicos que têm como objetivo a normalização, em detrimento das formas de exploração 
do inconsciente. Desse modo, a depressão não é considerada neurose, psicose ou melancolia, 
e sim, uma entidade nova que remete a um estado de fadiga, déficit ou enfraquecimento da 
personalidade: 
 
Em outras palavras, a concepção freudiana de um sujeito do inconsciente, 
consciente de sua liberdade, mas atormentado pelo sexo, pela morte e pela 
proibição, foi substituída pela concepção mais psicológica de um indivíduo 
depressivo, que foge de seu inconsciente e está preocupado em retirar de si a 
essência de todo conflito (Roudinesco, 2000, p.19). 
 
 
 
 
26 
 
Além da depressão, a toxicomania também invade a sociedade contemporânea, não 
sem razão. Para Roudinesco, o toxicômano é outro exemplo paradigmático do indivíduo 
contemporâneo, símbolo do “anti-sujeito” (p.20), já que, uma vez condenado ao esgotamento 
pela falta de uma perspectiva revolucionária, recorre à droga ou à religiosidade ou ainda ao 
culto de um corpo perfeito como via para atingir o ideal de uma felicidade impossível. 
Em Sobre ética e psicanálise Kehl (2005), assim como Roudinesco (2000), considera 
a depressão, no final do século XX, como sintoma predominante do sofrimento psíquico. Kehl 
atribui este fato ao investimento da sociedade contemporânea em tentar eliminar todo o mal-
estar, assim como toda a angústia de viver, através de terapias exclusivamente 
medicamentosas, comportamentais, ou de técnicas de auto-ajuda ou ainda, através de novas 
formas de espiritualidade - uma espiritualidade que visa resultados práticos e materialistas - 
que partem do pressuposto de que o sujeito pode se livrar dos incômodos produzidos pelo 
inconsciente e se tornar um indivíduo pragmático, feliz, adaptado às expectativas transmitidas 
pela cultura do individualismo e do narcisismo: 
 
O homem contemporâneo quer ser despojado não apenas da angústia de 
viver, mas também da responsabilidade de arcar com ela; quer delegar à 
competência médica e às intervenções químicas a questão fundamental 
dos destinos das pulsões; quer, enfim, eliminar a inquietação que o habita 
em vez de indagar seu sentido. Mas não percebe que é por isso mesmo 
que a vida lhe parece cada vez mais vazia, mais insignificante (Kehl, 
2005, p.8). 
 
O sintoma da depressão denuncia que o sentido da vida não lhe é intrínseco, uma vez 
que tem como aspecto principal a perda de significado da existência. O homem está sempre 
tentando atribuir sentido à vida, à morte, ao sexo, ao desconhecido, mas esta produção de 
sentido não é individual – “seu alcance simbólico reside justamente no fato de ser coletiva, e 
seus efeitos, inscritos na cultura” (p.9). 
Essa autora conduz sua análise pelo viés das modificações causadas pelo projeto da 
modernidade e os efeitos do capitalismo tardio sobre ele. Afirma que enquanto os antigos 
tinham um “fundamento ético” (p.9), pelo qual se pautar, na modernidade o sentido da vida 
não podia mais ser ditado por uma verdade transcendental precedente à existência individual. 
Porém, a tarefa de dar sentido à vida é da cultura, uma tarefa simbólica, que se constitui 
através das narrativas e discursos sobre o que é, ou deve ser. 
Constata assim que, nas últimas décadas, houve um empobrecimento dos discursos 
dominantes, atribuído à prevalência das razões de mercado em detrimento das filosóficas, 
 
 
 
27 
 
anteriormente, mais valorizadas. Compreende que enquanto razões filosóficas e religiosas, e 
grandes utopias políticas, apontam sempre na direção de uma transformação do sujeito ou do 
mundo que ele habita, ou ainda, para alguma forma de gozo que não fique reduzida ao prazer 
corporal (como exemplo, a contemplação para os antigos, o êxtase para os místicos e o 
sublime para os românticos), as razões de mercado se consomem em si mesmas. Ou seja, sua 
satisfação não remete a nada além da fruição presente do objeto: 
 
As razões de mercado só nos oferecem a repetição de sua própria 
trivialidade, revestida das aparências de um ‘saber viver’ que só funciona se 
conseguimos reduzir a vida à sua dimensão mais achatada: o circuito da 
satisfação de necessidades (Kehl, 2005, p.10-11). 
 
Dentro da lógica de mercado, os objetos são objetos fetiche, uma vez que, ao invés de 
apontar para a falta, e consequentemente animar o desejo, são objetos oferecidos para saciar 
necessidades também criadas pelo mercado. Deste modo: 
 
[...] os discursos que organizam as razões de mercado consistem em cadeias 
metafóricas muito pobres, muito curtas, que vão do objeto ao sujeito (e não 
ao contrário) e se encerram quando promovem a ilusão de um encontro entre 
os dois (Kehl, 2005, p.11). 
 
Para a autora, todo esse quadro configura uma “crise ética” (p.12), dividida em duas 
vertentes: a dificuldade do reconhecimento da lei, e a desmoralização do código.A primeira 
diz respeito aos impasses criados pelo imperativo do gozo - mandamento contemporâneo - em 
reconhecer a lei da castração, ou a dívida simbólica: que é o preço que pagamos pela condição 
humana, ou seja, por sermos marcados pela linguagem e pela vida em sociedade, a relação 
intrínseca entre indivíduo e cultura, explanada no primeiro capítulo desta dissertação. Afirma, 
ainda, que as sociedades modernas, por terem feito de seus ideais liberdade, autonomia 
individual e valorização narcísica do indivíduo, criou novos modos de alienação, orientados 
para o gozo e consumo imediatos, agravados, nas últimas décadas do século XX, com o 
declínio da era industrial e ascensão da indústria virtual e da informática, e junto à enorme 
produção de bens supérfluos, serviços e lazer. Kehl, assim como os outros autores estudados, 
também ressalta como consequência disto uma falta de historicidade do sujeito; em suas 
palavras: 
 
Cada geração se constitui pelo rompimento com o que ainda teria restado 
de ‘tradição’ para as gerações anteriores. Cada indivíduo se crê pai de si 
mesmo, sem dívida nem compromisso com os antepassados, incapaz de 
 
 
 
28 
 
reconhecer o peso do laço com os semelhantes, vivos e mortos, na 
sustentação de sua posição subjetiva (Kehl, 2005, p.13-14). 
 
Desta maneira, a sustentação da lei pela cultura sofre grande enfraquecimento, e ao 
mesmo tempo, a dívida simbólica permanece. Ou seja, o gozo pleno é impossível e a origem 
da lei não se inscreve na história individual, a linguagem precede o sujeito, as estruturas de 
parentesco, ainda que formalizadas de maneiras bastante diversas das de outras épocas, 
determinam o pertencimento simbólico a um lugar: “[...] os desejos e fantasias de nossos pais 
emprestam significados à nossa existência muito antes do nosso nascimento. Esses são os 
fundamentos do inconsciente como discurso do Outro [...]” (p 15). Por isso, o efeito do 
imperativo do gozo da sociedade contemporânea é o de dificultar o reconhecimento da lei por 
faltar uma base discursiva que confira apoio e significado à impossibilidade do gozo. 
A outra vertente da crise da ética trabalhada por Kehl (2005) diz respeito à falência do 
código que regeu por dois séculos a vida burguesa, e submeteu outras classes sociais aos seus 
valores e ideais. Ressalta que desde a época de Freud, já se observava a decadência desses 
valores, mas nada comparado à indiferença com que as regras do convívio social são tratadas 
atualmente. A causa dessa desmoralização do código burguês se deu pela própria contradição 
entre ele e o individualismo, que sustenta imaginariamente os sujeitos na sociedade de 
consumo. Como no exemplo citado pela autora, do conhecido refrão: “é proibido proibir” 
(p.18), pichado nos muros de Paris, há mais de trinta anos, e que hoje pode ser lido como a 
bandeira da juventude consumista, encampada pela publicidade que os convoca a ir além de 
todos os limites. 
Ao contrário da lei, o código tem uma origem e depende de sua divulgação para se 
tornar consensual, dispensando então razões e explicações. O que demonstra sua vigência 
máxima é quando o código dispensa a explicação sobre seu motivo, sua causa. Quando se 
questiona o seu porquê, isto indica que sua sustentação simbólica já se esfacelou. 
Em resumo, Kehl (2005) deduz que os impasses apresentados pelos indivíduos na 
contemporaneidade têm como ponto central o que denominou: crise ética. Tal crise é fruto dos 
rumos que o projeto da modernidade tomou e das contraposições inerentes a ele mesmo. 
No que diz respeito às patologias cada vez mais frequentes na contemporaneidade, 
Kehl está de acordo com Roudinesco (2000), as concebendo como uma nova versão da 
neurose. Porém, adverte sobre a necessidade de uma construção ética para a 
contemporaneidade. Quanto a esta construção, destaca a psicanálise como contribuição 
 
 
 
29 
 
fundamental, uma vez que a psicanálise propõe um valor que toma como essencial para a 
humanidade - a alteridade: 
 
Para além do que a clínica psicanalítica pode propor como uma ética na 
condução da cura dos analisandos, o corpo teórico da psicanálise tem 
condições de sustentar, [...] que a aceitação do outro em sua semelhança 
na diferença é condição essencial para se construir alguma proposta ética 
para os tempos atuais (Kehl, 2005, p.192). 
 
2.2. A contemporaneidade como desafio à psicanálise 
 
O interesse dos sujeitos por psicoterapias breves e tratamentos biológicos, o 
ressurgimento de uma necessidade de crenças salvadoras no campo da religião, a procura do 
alívio imediato, oferecido pelos psicofármacos, e pelo êxtase das drogas, são pontos também 
destacados por Birman (1999). Diz ainda, que tudo isso é acompanhado de um desinteresse, 
também crescente, pelo tratamento psicanalítico. Porém, este autor se distingue dos demais 
por estar dentre os que consideram a mudança de paradigma uma transformação radical capaz 
de produzir novas subjetividades. Para ele, no quadro contemporâneo configura-se uma crise 
da psicanálise, na qual o que está em questão é a articulação entre os fundamentos da cultura 
atual e os fundamentos da psicanálise. Para este autor, a doutrina freudiana não é capaz de 
interpretar totalmente a situação histórica e antropológica. Mas acredita ser possível construir 
uma via que proporcione um resgate da psicanálise, posicionando-a face às problemáticas 
colocadas pela atualidade para os indivíduos, e através de reformulações de conceituação. 
Em outro livro seu: Arquivos do mal-estar e da resistência, Birman (2006) dá 
prosseguimento à sua análise. O autor destaca a categoria de desamparo na obra de Freud 
como estrutural e estruturante na construção da subjetividade. Considera que há uma 
intensificação do desamparo na atualidade que ele associa à humilhação imposta à figura do 
pai inerente ao projeto da modernidade. O autor atribui a esse contexto as condições do 
surgimento da própria psicanálise, que visa não só apontar os efeitos desta desordenação 
simbólica, como também uma reorientação do sujeito em direção ao pai. Como vimos, Lacan 
já havia demarcado o declínio da função paterna ao contextualizar o surgimento da 
psicanálise, fato que parece ter sido ignorado pelo autor. 
Birman (2006) presume que essa humilhação do pai colocou os sujeitos 
contemporâneos em uma condição extrema de desamparo e, por isso, pode-se constatar o 
surgimento de novas subjetividades - que seriam um efeito dessa condição de maior 
 
 
 
30 
 
desamparo. Sua hipótese é a de que a psicanálise foi surpreendida por essas transformações e 
ainda não sabe lidar com o que existe de inédito. 
O autor defende que, no lugar das “antigas modalidades de sofrimento” (Birman, 
2006, p.174), centradas no conflito psíquico, o mal-estar na atualidade se evidencia em três 
registros: do corpo, da ação e do sentimento. Essas novas formas de subjetivação são 
consequências de um excesso, que habita o fundamento do mal-estar contemporâneo. Num 
esforço para evitar a angústia resultante deste excesso, o sujeito contemporâneo cria saídas 
patológicas que servem como descarga pulsional. Aponta ainda outra característica, que 
entende como significativa e presente na atualidade – “a ausência do registro do pensamento” 
(p.189). 
Não concordamos com estas proposições. Parece-nos que com isso Birman apresenta 
leitura mais drástica dessa fragilidade da função simbólica, considerada como característica 
presente na atualidade, por diversos autores abordados nesta pesquisa. Utiliza a ausência do 
pensamento como argumentação para defender o surgimento de novas subjetividades, o que 
tem como decorrência a necessidade de reformular a psicanálise. 
Para Birman (2006), tanto o desamparo quanto o excesso são efeitos da derrocada do 
poder do patriarcado. Sendo assim, considera necessário superar o valoratribuído ao falo 
como signo da tradição patriarcal para que se possa iniciar um novo começo “pós-patriarcal” 
(p.300). Como se já não bastasse, o autor insiste: faz uma crítica aos primeiros textos de 
Freud, e a Lacan, afirmando que ambos teriam assumido uma posição “falocêntrica” (p.302). 
Diz que Lacan radicalizou esta posição com o destaque dado ao Nome-do-Pai e que para ele, 
a teorização lacaniana representa, e ao mesmo tempo, reforça, a “[...] superioridade 
hierárquica da figura do homem em relação à da mulher. Em decorrência disso, Lacan pôde 
enunciar incisivamente que a mulher não existe e, de forma correlata, que não existiria 
relação sexual.” (p.303). Afirma ainda que somente no final de sua obra, Freud se redimiu ao 
deslocar a feminilidade para a origem. 
Segundo nosso entendimento, o autor comete graves equívocos em sua leitura dessas 
obras. O que nos parece que Freud, através da psicanálise, inaugurou, foi justamente um 
campo de saber onde, na medida em que novas conceituações ou posicionamentos surgiam, os 
precedentes não eram extintos ou abandonados, e sim, reintroduzidos. Por exemplo, quando 
Freud conceituou a pulsão de morte e reformulou a teoria das pulsões, seus textos anteriores 
não perderam valor, nos revelam a presença muda, a música silenciosa de Tânatos desde a 
origem da psicanálise. 
 
 
 
 
31 
 
A feminilidade originária põe em evidência que a psicanálise não toma uma posição 
falocêntrica nem patriarcal: homens e mulheres são construídos pela lógica fálica e o outro 
sexo é a feminilidade originária. Lacan ressaltou isto na obra freudiana, através do 
desenvolvimento do conceito de gozo. A inexistência d’A Mulher, assim como a 
impossibilidade da relação sexual dizem respeito, justamente, ao campo para além do falo 
demarcado e conceituado por Lacan em seu ensino. Parece-nos faltar ainda, para o autor, a 
distinção marcada por Kehl (2005) entre o pai do patriarcado e o pai simbólico da lei, já que é 
a direção a este pai simbólico que a psicanálise propõe. 
 
2.3 Fenômenos psíquicos da atualidade 
 
Em Psychanalyse et politique, Sauret (2005) elege uma forma de abordar psicanálise e 
política: promover a análise das relações entre sintoma e campo social, do mesmo modo que 
encontramos nos textos freudianos sobre psicanálise e cultura e na teoria lacaniana acerca do 
laço social. Em seu entendimento, a psicanálise permite revisitar qualquer uma das questões 
que se coloque na sociedade, pois possui recursos de doutrina, de onde o campo social pode 
tirar proveito. 
O autor inicia sua análise, a partir do estabelecido por Freud: a função paterna marca a 
passagem do estado de animalidade para o de humanidade, garantindo a lei que interdita o 
incesto. Esta lei permite ao sujeito assegurar-se dos fundamentos de sua relação com a 
linguagem e com o gozo, sem os quais não existiria sociedade. O acesso à humanidade não é 
algo que está por ser feito e, portanto, aquele que se inscreve no laço social deve pagar sua 
cota de gozo à sociedade. Por conseguinte, o efeito da renúncia ao sexual, ao gozo, é a 
neurose, sequela da dessexualização que fundamenta a origem do sujeito. A partir desses 
pressupostos, a psicanálise se estabeleceu como prática de tratamento e teoria da neurose. 
Mas, não é todo gozo que passa à castração, portanto, sublinha Sauret, a entrada no laço social 
produz um resto, um além do princípio de prazer. É este resto de gozo, ineliminável, que o 
sintoma fixa. Dessa maneira, o neurótico encontra-se situado entre a relação sintomática com 
o sexual e com o social, e ao mesmo tempo, o caráter singular do gozo de seu sintoma fere 
esse mesmo laço social, fazendo objeção a ele. 
Toda essa elaboração, feita por Freud, foi renovada por Lacan. Ao destacar o 
Complexo de Édipo como estrutural, através da operação da metáfora paterna, introduz o 
significante do Nome-do-Pai como aquele que promove um ideal de renúncia ao gozo e opera 
no sentido da inclusão do sujeito em uma realidade dessexualizada. Qualquer que seja o ideal 
 
 
 
32 
 
proposto, ele se apresenta como um significante mestre, destacado como o significante que 
polariza um saber do exterior, que ordena aquilo que se apresenta em um discurso, presidindo 
sua lógica interna e ditando seu lugar aos sujeitos que o tomam. Por advir do exterior, o S1 é 
arbitrário. Ele toma como exemplo os significantes macho e fêmea, que inseridos num 
discurso teriam como S1, a biologia. 
O Nome-do-Pai, como significante mestre, ordena o sacrifício do gozo, cultivando as 
neuroses, uma vez que já trazem incluídos em seus sintomas, a necessidade e o meio de 
reiterar o laço social. O autor ressalta que o tratamento psicanalítico conduz o sujeito ao ponto 
de descoberta do que é irredutível aos outros, seus semelhantes, confirma, ou cria, uma via 
singular para instalar-se, renovando-se no laço social. Do que depreende que essa dimensão 
do social é indissociável do fim da análise. 
Sauret (2005) levanta uma questão sobre a perenidade da psicanálise, será que cem 
anos depois de sua invenção ainda é possível sustentar, com Freud, o caráter revolucionário 
da psicanálise? O autor responde que para pensar a contemporaneidade à luz da psicanálise, é 
preciso incluir elementos do ensino lacaniano, que não são homogêneos nem ao laço social, 
que funciona sob a ordenação simbólica, nem à neurose. Entende que existe uma 
homogeneidade de estrutura entre o laço social contemporâneo e a psicose. Ambos se referem 
a um gozo “deslocado” (p.13), à foraclusão da castração, e a uma tentativa imaginária de 
regulação. Porém, enfatiza que isso não significa que os sujeitos contemporâneos sejam 
psicóticos, e acrescenta que há, na sociedade atual, uma série de sujeitos não psicóticos que 
encontraram nessa rejeição do sexual um meio de se “desembaraçar das barras do sexual” 
(p.13). 
Coloca ainda que Freud percebeu que os neuróticos não adotavam uma solução 
religiosa que os dispensasse da neurose ou de criar para si mesmos uma resolução individual. 
Desse modo, chamou atenção para o protesto sintomático do neurótico contra a possibilidade 
de ser reduzido a um elemento do saber religioso. Nesse sentido, Freud afirmou que a neurose 
constituía um progresso sobre a religião. 
Mas, quanto às configurações presentes na sociedade atual, o autor diz que a situação 
parece ser muito diferente. O pensamento único, a ideologia dominante, é compatível com 
uma “desaparição das neuroses” (p.17). As patologias preponderantes, na atualidade, são 
feitas de localização, de acumulação, de proteção dos gozos particulares de cada um. Então, 
“[...] a sociedade, doravante, longe de exigir mais sacrifício, reivindica a presença como 
outros signos de riqueza: psicossomatização generalizada, toxicomania, e adições diversas, de 
um lado, e depressão, anorexia e bulimia, de outro” (p.17). 
 
 
 
33 
 
Além dessas manifestações clínicas, o autor aponta alguns outros destinos 
contemporâneos como um retorno ao religioso pela via das ideologias sectárias, racistas e 
integralistas, correspondente à tentativa de erigir um pai na desmesura do gozo, um Pai da 
Horda. Esforço para não deixar nenhum espaço de incerteza no lugar da lei, que é 
acompanhado por um aumento, sem precedentes, de atos e afazeres que colocam em causa, os 
políticos: 
 
Não está aí a marca da desaparição de uma das consequências do parricídio 
freudiano: a culpabilidade? Em seu lugar cinismo, indiferença, busca 
desenfreada de gozo, solipsismo. E a necessidade de retornar à velha 
ideologia racista para traçar os novos limites da comunidade: abandono do 
laço social pela horda primitiva! (Sauret, 2005, p.15)7. 
 
Isso não significa, diz o autor, que violência, racismo e exclusão não tenham existido 
antes. Contudo, hoje se inscrevem em outra lógica, a serviço desse novo laço social – o 
capitalismo-que lhe confere novo vigor. Porém, ao mesmo tempo, para Sauret, a existência 
de poetas, escritores, certos filósofos, e da própria psicanálise, prova que o discurso capitalista 
não é o único. 
Sauret (2005) defende a idéia de que a psicanálise se faz necessária, nesse contexto, 
pelo diagnóstico que apenas ela porta. O inconsciente, o caráter intelectual da sexualidade, o 
falo e a castração, o lugar do pai, a função do sintoma, a pulsão, o tratamento da neurose pelos 
meios da transferência e da interpretação, são conceitos e noções que o autor destaca como 
determinantes e que não existiriam sem Freud: “Após a invenção da psicanálise o mundo 
mudou” (p.65). E com ela, pode continuar mudando. 
Assim como Sauret (2005), Recalcati (2004b) nos oferece uma leitura da situação 
contemporânea à luz do ensino de Lacan. Entretanto, enquanto o primeiro dá ênfase ao campo 
social, para o segundo a clínica é preeminente. Em seu artigo intitulado: “A questão 
preliminar na época do Outro que não existe”, Recalcati (2004b) se debruça sobre questões 
em torno do atendimento psicanalítico, expondo teorizações sobre os denominados “novos 
sintomas” (p.1). Segundo o autor, hoje, há uma promoção do “sujeito-gadget” (p.1). Ou seja, 
o sujeito é chamado ao lugar de consumidor dentro da lei atual do mercado, que não o 
 
7
 “N’est-ce pás la marque de la disparition d’une des conséquences Du parricide freudien: la culpabilité?À la 
place, cynisme, indifférence, quête effrénée de jouissance, solipsisme. Et la nécessité de revenir à la vieille 
idéologie raciste du bouc émissaire pour tracer les nouvelle limites de la communauté: abandon du lien social 
pour la horde primitive!” (tradução livre da autora). 
 
 
 
34 
 
particulariza. Ela valoriza apenas a necessidade de produção de novos objetos, oferecidos 
como solução imediata para a falta-a-ser que habita o sujeito. Essa configuração associada ao 
discurso da ciência – promoção do saber especialista como solução pragmática do problema 
da verdade – realiza uma expulsão-anulação do sujeito do inconsciente. 
Para Recalcati (2004b), os “novos sintomas” são um efeito desta expulsão “[...] sendo 
produtos específicos do discurso capitalista em seu enredamento espectral com o discurso da 
ciência” (p.1). As toxicomanias, depressão, anorexia e bulimia, são incluídas, por esse autor, 
na nomenclatura de “novos sintomas”. 
Lacan (1966) sistematiza suas reflexões sobre o enlace entre a ciência positivista e a 
psicanálise, ao demonstrar que o sujeito da psicanálise é o mesmo sujeito da ciência. Na era 
clássica, o cartesianismo fundou o método científico da modernidade. Com a criação de sua 
conhecida reflexão “Cogito, ergo sum” (Penso, logo sou, 1619) Descartes permitiu emergir 
uma linguagem conceitual na qual objetos antes inapreensíveis passaram a ter existência. 
Assim, criou a possibilidade de fazer existir o sujeito como objeto do pensamento, distinto da 
imagem deste sujeito e distinto do real. 
Nesse sentido, Lacan afirmou que a psicanálise nasce da ciência por lidar com o 
sujeito como objeto do pensamento. Porém, enquanto a ciência quer se dedicar, 
exclusivamente, ao que é possível pensar, dizer e conceituar, a psicanálise, além de trazer à 
luz o que o saber científico tenta ocultar, se dedica, também, ao sujeito como vazio de 
significantes, ao impossível de pensar, de dizer, ao real do sujeito, que é justamente o que a 
ciência exclui. 
Podemos, então, referir a psicanálise à metodologia cartesiana por inserir-se nos 
mesmos fundamentos da ciência moderna. E tomar a disciplina fundada por Freud, assim 
como ele sempre o fez, como método de investigação, mas um método que tem como único 
intuito resgatar aquilo que a ciência, propriamente dita, exclui de seu âmbito: o sujeito. É 
neste ponto, justamente, que a psicanálise funciona como contribuição à ciência, na direção de 
fazer aparecer o sujeito aonde ele parecia estar excluído. 
Diante disso, Recalcati (2004b) sublinha que há uma “questão preliminar” (p.1) a ser 
pensada para que a psicanálise possa fazer resistência a esta expulsão-anulação do sujeito do 
inconsciente. Não que o autor destitua a existência do sujeito do inconsciente ou que suponha 
que não se possa mais considerar o inconsciente freudiano ao tratarmos do sujeito 
contemporâneo. Mas, sim, que o sujeito não é um dado de fato, há condições que propiciam 
ou não sua existência. Seu ponto de vista é o de que a cultura promovida pela sociedade de 
consumo, na medida em que tenta extinguir de seu horizonte os conflitos, caminha em uma 
 
 
 
35 
 
direção contrária ao sujeito dividido: 
 
Se realmente, na época de Freud, o inconsciente era o inaudito, o 
escandaloso, a peste, hoje parece confinado aos territórios arcaicos da 
superstição. Em outras palavras, a resistência social ao sujeito do 
inconsciente não assume mais a forma – descrita no tempo de Freud – da 
refutação escandalizada, mas a de um ceticismo desencantado. Enquanto, 
de fato, a histeria freudiana celebrava a verdade do sujeito do 
inconsciente, os novos sintomas negam cinicamente sua existência. Um 
programa de psicanálise aplicada ao social se impõe: como introduzir 
novos significantes para continuar a fazer existir o sujeito do 
inconsciente? (Recalcati, 2004b, p.2). 
 
Partindo desta questão, o autor propõe primeiramente um programa de aplicação da 
psicanálise no campo social como intervenção além da dimensão terapêutica. Especialmente 
em uma época em que constatamos o predomínio das psicoterapias de orientação cognitivo-
comportamental, que impõem um conceito de efeito terapêutico, totalmente adaptativo, 
reduzido à restauração das funções normais do sujeito. E, para a clínica, propõe um 
tratamento preliminar direcionado aos sujeitos que apresentam essas sintomatologias 
específicas. 
Para dar prosseguimento à sua proposta Recalcati evoca a teorização lacaniana acerca 
da questão preliminar. Inicialmente, Lacan se refere a esta questão no que diz respeito à 
clínica das psicoses, e depois a situa em relação à dialética do tratamento como tal. Nas 
psicoses, não há de fato recalque e como consequência, não há “realização simbólica do 
sujeito do inconsciente” (Recalcati, 2004b, p.2). O que ocorre é um retorno, diretamente no 
real, do que não pode ser simbolizado. 
Ao comparar a clínica das psicoses com a das neuroses, o autor ressalta que, no caso 
das neuroses, o real do gozo recebe um tratamento realizado pela operação da metáfora 
paterna, que tem como efeito a castração do gozo (do Outro) e que abre simbolicamente o 
lugar do sujeito. 
Já a clínica das psicoses se funda justamente sobre o fracasso desse tratamento 
preliminar do gozo ministrado pela operação simbólica, que gera a exigência de uma clínica 
que faça suplência a ele. Em outras palavras, é pela falência da função simbólica no nível da 
estrutura do sujeito, que Lacan reconhece a necessidade teórica e clínica de um tratamento 
preliminar no âmbito das psicoses. Nesse ponto, em conformidade com a análise também 
adotada por Sauret (2005), Recalcati (2004b) relaciona essa primeira direção da questão 
preliminar com as questões da clínica contemporânea: 
 
 
 
 
36 
 
É muito importante lembrar esta origem da questão preliminar em Lacan 
porque a clínica contemporânea confronta-se precisamente com a 
fraqueza estrutural e generalizada da metáfora paterna, com os efeitos – 
vários – do retorno do gozo no real que tornam irredutíveis os novos 
sintomas ao regime significante da equivalência sintoma = metáfora 
(Recalcati, 2004b, p.2). 
 
A respeito das entrevistas preliminares para além da clínica das psicoses, Recalcati 
ressalta a insistência de Lacan sobre a importância do exercício dessa prática. Esta insistência 
baseia-se no fato de o sujeito do inconsciente não

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