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1 IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução à psicofarmacologiaà psicofarmacologiaà psicofarmacologiaà psicofarmacologia.... Farmacocinética e farmacodinâmica dos psicofármacosFarmacocinética e farmacodinâmica dos psicofármacosFarmacocinética e farmacodinâmica dos psicofármacosFarmacocinética e farmacodinâmica dos psicofármacos.... Os psicofármacos são medicamentos que atuam no sistema nervoso central (SNC) e, portanto, precisam necessariamente atravessar a barreira hematoencefálica. Os princípios que determinam os processos de absorção, distribuição, biotransformação e eliminação são os mesmos que para os demais fármacos (Gorenstein e Marcourakis, 2001). FARMACOCINÉTICAFARMACOCINÉTICAFARMACOCINÉTICAFARMACOCINÉTICA Absorção A absorção define a quantidade de fármaco capaz de atingir a corrente sanguínea. A difusão é o mecanismo básico para que o fármaco atravesse membranas biológicas. Moléculas lipossolúveis atravessam as barreiras biológicas por difusão lipídica simples. Moléculas hidrossolúveis pequenas passam através dos poros aquosos. Moléculas grandes difundem-se mais lentamente que as pequenas. A maioria dos fármacos são ácidos ou bases fracas e, portanto, para que ocorra a difusão é necessário que a molécula esteja na forma não-ionizada. O grau de dissociação, isto é, a proporção de moléculas que se encontra na forma ionizada, depende de propriedade química do fármaco (pKa) e do teor de acidez do meio (pH). Fármacos de caráter ácido são mais bem absorvidos no estômago, onde se encontram na forma não ionizada, enquanto os de caráter básico são absorvidos no intestino. A via de administração é um fator determinante na velocidade de absorção. As vias clássicas de administração são as enterais − oral, sublingual e retal − e as parenterais, que são as injetáveis − endovenosa, intramuscular e subcutânea − e as demais vias, pulmonar, dérmica, etc. A via endovenosa implica na administração diretamente na corrente sanguínea, permitindo uma rápida resposta com total controle da quantidade administrada. No entanto, esta via apresenta maior risco de efeitos adversos ou de superdosagem relativa. Efeitos tóxicos autonômicos e cardíacos podem ser observados com fármacos como clorpromazina ou amitriptilina, cuja administração endovenosa deve ser cautelosa. A via intramuscular é utilizada para a administração de volumes moderados, de veículos oleosos (ex. enantato e decanoato de flufenazina) e irritantes, sendo empregada na sedação de pacientes agitados e administração de neurolépticos de ação prolongada. O diazepam administrado por essa via apresenta absorção lenta e errática, com picos de concentração plasmática inferiores aos obtidos após administração oral, provavelmente devido à cristalização do fármaco no local da injeção. A via oral apresenta grande facilidade de administração, sendo, sempre que possível, a via de escolha. A absorção processa-se em toda a extensão do trato gastrintestinal, preferencialmente no estômago e jejuno. Quando o estômago está vazio a absorção gástrica é 2 maior; por outro lado, um rápido esvaziamento gástrico favorece a absorção intestinal. Assim, quando se deseja a absorção rápida de uma droga não irritante da mucosa gástrica, esta deve ser administrada em jejum; já para uma absorção mais lenta o recomendável é ingeri-la após as refeições. A formulação farmacêutica é muito relevante para os fármacos administrados por via oral. As fórmulas líquidas são absorvidas mais rapidamente do que as cápsulas, os comprimidos ou as drágeas, que dependem da velocidade de dissolução da forma sólida. A biodisponibilidade indica a fração do fármaco que tem acesso à circulação sanguínea. Durante o processo de absorção pode haver uma perda do fármaco quer pela dificuldade na própria absorção, quanto pela metabolização precoce, na parede do intestino ou pelo metabolismo de primeira passagem que ocorre no fígado antes mesmo do princípio ativo atingir a circulação sistêmica. Fármacos tais como cloropromazina, imipramina, doxepina, levodopa e metilfenidato sofrem efeito de primeira passagem. Distribuição Após a absorção o fármaco deve atingir o local de ação, e portanto, no caso dos psicofármacos, atravessar a barreira hematoencefálica. Desta forma, a velocidade de distribuição vai depender da capacidade do fármaco de interagir com proteínas plasmáticas, do grau de perfusão do órgão e da passagem pela barreira hematoencefálica. Muitos fármacos ligam-se de forma inespecífica à albumina e outros se ligam a proteínas carregadoras deslocando substâncias endógenas que são transportadas dessa maneira. Fármacos não polares acumulam-se também no tecido adiposo, não atingindo o seu local de ação. O acúmulo em um determinado tecido pode prolongar sua permanência no organismo, como ocorre, por exemplo, após administração endovenosa de tiopental, que se acumula no tecido adiposo e sofre redistribuição. Por outro lado, um deslocamento não controlado destes fármacos do tecido adiposo (competição com outro fármaco) pode resultar em concentrações plasmáticas acima das terapêuticas. Barreira hematoencefálica A barreira hematoencefálica caracteriza-se pela justaposição das células do endotélio dos capilares cerebrais, bem como pelas células gliais pericapilares. Este arranjo faz com que, apesar do alto fluxo sanguíneo cerebral comparado com outros tecidos, a entrada de fármacos no SNC seja lenta e controlada. A passagem de fármacos pela barreira hematoencefálica segue os mesmos princípios que regem a absorção, isto é, o fármaco precisa estar na forma lipossolúvel ou ser transportado ativamente. Vários fármacos são transportados para o SNC por sistemas transportadores dependentes de ATP. Estes transportadores têm alta seletividade pelo substrato e determinam a extensão de biodisponibilidade oral do fármaco. A expressão desses transportadores nas células endoteliais dos capilares da barreira hematoencefálica é crucial para limitar a entrada de toxinas no SNC. 3 A maioria dos psicofármacos são aminas secundárias ou terciárias que, sendo lipossolúveis, não encontram dificuldade na passagem para o cérebro. Para se aumentar a concentração cerebral de substâncias com baixa lipossolubilidade, como a dopamina e a serotonina, é necessária a administração de seus precursores, respectivamente, L-Dopa e L-triptofano. Os psicofármacos ligam-se com alta afinidade às proteínas plasmáticas (por exemplo, mais de 90% para antidepressivos tricíclicos e benzodiazepínicos), o que modula a sua passagem para o SNC. Indivíduos nos quais o conteúdo dessas proteínas está reduzido por desnutrição ou envelhecimento vão apresentar uma maior quantidade de fármaco livre, o que resultará numa maior concentração de droga ativa no SNC. Atualmente, tem-se dado atenção a uma glicoproteína transportadora de moléculas, expressa na membrana celular, denominada glicoproteína P ou MDR (multidrug resistant). Essas proteínas funcionam como uma bomba de efluxo, dependente de ATP, e fazem a transferência de drogas para fora da célula. Células intestinais, renais, hepáticas, placenta e endotélio encefálico expressam este tipo de proteína e, dependendo de sua localização e do agente envolvido, podem representar proteção ou toxicidade. A resistência ao tratamento antiepiléptico em alguns pacientes pode ser explicada pela superexpressão, geneticamente determinada, de bombas de efluxo na barreira hematoencefálica (Fromm, 2004). Biotransformação A biotransformação ocorre principalmente no fígado envolvendo enzimas da fração mitocondrial (monoaminoxidase, MAO, responsável pela degradação oxidativa de dopamina, noradrenalina, serotonina), da fração microssômica (sistema do citocromo P450 – CYP450, responsável pela biotransformação das drogas lipossolúveis) e da fração solúvel (ex.desidrogenases, amidases, transferases). As reações de biotransformação podem ser divididas em reações de fase I e de fase II. As de fase I incluem transformações por oxidação, redução e hidrólise e conferem pequena hidrossolubilidade. A maioria dos fármacos sofre metabolismo oxidativo via enzimas das famílias 1, 2 e 3 do citocromo P450 (em ordem decrescente: CYP3A4/5, CYP2C9, CYP2D6, CYP2C19, CYP1A2, CYP2C8 e CYP2B6). As reações de fase II consistem da combinação dos fármacos com moléculas, tais como o ácido glicurônico (glicuronidação), ácido acético (acetilação), ácido sulfúrico (sulfatação), radicais metila (metilação), etc., e têm a finalidade aumentar a hidrossolubilidade, facilitando a excreção. Diferenças genéticas podem afetar a forma de resposta aos fármacos já que são responsáveis por variações nas atividades de enzimas e transportadores envolvidos na absorção, distribuição, metabolismo e excreção de drogas. Os polimorfismos genéticos que ocorrem nas CYPs afetam principalmente o metabolismo dos fármacos que são substrato para essas enzimas, podendo levar a diferenças no efeito clínico, além de alterar o risco de reações adversas (Ingelman-Sundberg et al., 2007). 4 A subfamília 3A do citocromo P450 e as isoformas 3A3 e 3A4 (CYP3A3/4) são particularmente importantes em psicofarmacologia devido ao seu envolvimento no metabolismo de várias substâncias, tais como, antidepressivos, benzodiazepínicos e carbamazepina (Ketter et al., 1995). Os polimorfismos também podem interferir no padrão de efeitos colaterais. Com os antipsicóticos, por exemplo, o aumento de peso apresenta alta correlação com o dimorfismo na região promotora do receptor de serotonina 5-HT2C. Contribui para o maior risco de discinesia tardia dos antipsicóticos típicos (haloperidol) não apenas fatores ambientais (tabagismo), como também o polimorfismo genético do receptor de dopamina (D3) e da isoforma CYP1A2 envolvida no seu metabolismo (Malhotra et al., 2004). Muitos fármacos alteram a velocidade de biotransformação através do aumento (indução) ou da diminuição atividade enzimática (inibição). A maioria das CYPs está sujeita à indução (exceto a CYP2D6) e à inibição enzimática. O fenobarbital e a carbamazepina são exemplos de indutores enzimáticos (CYP3A4 e CYP2C19, respectivamente). A indução do CYP3A4 ocorre geralmente após alguns dias de tratamento e desaparece cerca de uma semana após a suspensão de seu uso. A consequência mais comum da indução enzimática é a necessidade de aumento da dose para obtenção dos efeitos originais (tolerância). Como essas enzimas são inespecíficas, o uso de um indutor pode causar aceleração da biotransformação de outras drogas administradas concomitantemente. Como cigarro é um indutor do CYP1A2, em fumantes pode ser necessário o ajuste de dose dos fármacos que fazem uso desta isoforma do CYP. A inibição enzimática acarreta acúmulo das substâncias degradadas pela enzima inibida, com exacerbação de seu efeito terapêutico ou tóxico. Muitas vezes são necessários ajustes de dose na introdução ou retirada do inibidor para evitar efeitos adversos ou níveis subterapêuticos. Um exemplo clássico em psiquiatria é o dos antidepressivos inibidores da MAO (IMAO). Seu uso promove acúmulo de neurotransmissores como a noradrenalina e, administrados conjuntamente com aminas simpatomiméticas (descongestionantes nasais, broncodilatadores). Quando associados a alimentos ricos em tiramina podem desencadear quadros de hipertensão arterial, perturbações do ritmo cardíaco e hemorragia cerebral potencialmente fatal. Alguns antidepressivos do mesmo grupo (inibidores seletivos de recaptação de serotonina) podem inibir diferentes isoformas da CYP: a fluoxetina e a paroxetina são potentes inibidores do CYP2D6, enquanto a fluvoxamina afeta predominantemente a atividade do CYP1A2 e CYP2C19. Excreção A excreção renal de psicofármacos está baseada nos processos gerais de filtração glomerular e reabsorção tubular. A filtração glomerular permite a eliminação de moléculas não muito grandes (peso molecular inferior a aproximadamente 20.000) e não ligadas às proteínas plasmáticas. As substâncias lipossolúveis, após serem filtradas, são reabsorvidas por difusão passiva nos túbulos renais. A reabsorção tubular é altamente influenciada pelo pH urinário, visto que apenas as formas não-ionizadas são reabsorvidas pelos túbulos renais. Assim, os ácidos fracos são 5 excretados melhor em urina alcalina, e as bases fracas em urina ácida. Em casos de superdosagem é possível alcalinizar a urina de pacientes intoxicados por barbitúricos ou acidificá- la para facilitar a eliminação de anfetamina. Todos os psicofármacos passam para o leite materno. Como vários quadros psiquiátricos estão associados ao puerpério, cada grupo de fármacos deve ser considerado com cuidado para evitar riscos para o recém-nascido. Por exemplo, o uso de antidepressivos é relativamente seguro com exceção da fluoxetina e da nefazodona. Os antipsicóticos atípicos, exceto a clozapina, são preferidos em relação aos antipsicóticos tradicionais devido a menor frequência de efeitos extrapiramidais. FATORES QUE INTERFEREM NO EFEITO DAS DROGASFATORES QUE INTERFEREM NO EFEITO DAS DROGASFATORES QUE INTERFEREM NO EFEITO DAS DROGASFATORES QUE INTERFEREM NO EFEITO DAS DROGAS Os fatores que interferem no efeito dos psicofármacos são basicamente os mesmos que alteram o efeito dos demais fármacos. Os fatores intrínsecos são os dependentes do organismo − variabilidade individual, fatores genéticos e idiossincrasia, idade, peso, composição corpórea, estado nutricional, estado patológico. Já os fatores extrínsecos são os dependentes do fármaco − características físico-químicas, formulação farmacêutica e condições de uso (via de administração, dose, administração aguda ou crônica e interação com outras drogas). A duração dos efeitos depende principalmente da meia-vida de eliminação do fármaco (tempo no qual as concentrações plasmáticas são reduzidas em 50%) ou de seus metabólitos ativos, pois esta determinará a ocorrência ou não de acúmulo. Fármacos de meia-vida de eliminação curta em geral são completamente eliminados antes da administração seguinte. Intervalos de administração inferiores a aproximadamente quatro vezes a meia-vida de eliminação (tempo necessário para a eliminação completa) provocarão acúmulo. Outro fator particularmente considerável no caso dos psicofármacos é o efeito placebo, ou seja, o efeito não atribuível à ação farmacológica. Esse efeito inespecífico, presente na administração de qualquer medicamento, resulta, entre outros, da interação médico-paciente e da expectativa do paciente em relação ao resultado do tratamento em termos de efeitos benéficos e colaterais. Sabe-se que, para qualquer tratamento, a melhora obtida é uma combinação de seu efeito ativo (específico), com a remissão espontânea e o efeito placebo (inespecífico), sendo difícil quantificar a contribuição de cada fator para a resposta final. O uso de técnicas de neuroimagem permitiu demonstrar que a administração de placebo produz efeitos biológicos no cérebro em várias condições clínicas (dor, doença de Parkinson, ansiedade, depressão). Estudos de neuroimagem em pacientes deprimidos demonstraram uma associação entre alterações cerebrais específicas - a ativação dos córtices frontal e cingulado posterior relacionadas - à melhora do humor observada tanto com o tratamento ativo como com o placebo (Mayberg et al., 2002). O achado sugere que, ao menos em parte, a remissão dos sintomas depressivos produzida pelo placebo seja mediada pelas mesmas alterações bioquímicas que os antidepressivos produzem no córtex cerebral. 6 Os mecanismos propostos para explicar o efeito placebo envolvem a sugestão verbal, a expectativa relacionada ao significado, o condicionamentoclássico provocado por experiências previas com tratamentos ativos, e o contexto da administração, entre outros. Entretanto, os determinantes sociais, psicológicos, neurobiológicos e genéticos dos diferentes efeitos placebo ainda não estão identificados (revisão em Benedetti, 2008). MODO DE AÇÃOMODO DE AÇÃOMODO DE AÇÃOMODO DE AÇÃO Os psicofármacos atuam sobre receptores específicos ou interferem com a neurotransmissão modificando a síntese, liberação ou término de ação (captação ou metabolização) de neurotransmissores. Considerando que o sistema nervoso central é uma rede integrada de circuitos que se comunicam diretamente, ou efetuam modulação positiva ou negativa, a resposta final é uma resposta complexa e multimediada. Apesar da complexidade do sistema, a compreensão de seus elementos básicos tem permitido um grande avanço no entendimento dos mecanismos de ação dos psicofármacos. Os principais neurotransmissores envolvidos na ação dos psicofármacos são as catecolaminas noradrenalina (NA), adrenalina (A), dopamina (DA); a serotonina (5-HT); a histamina (H); os aminoácidos excitatórios glutamato e aspartato; os aminoácidos inibitórios ácido gama-aminobutírico (GABA); e o óxido nítrico (NO). Em relação ao local de ação na terminação nervosa, os psicofármacos podem efetuar ações pré ou pós-sinápticas. Entre as ações pré-sinápticas estão as sobre a síntese, aumento (p.ex. pela L-Dopa, precursor da síntese de dopamina), ou diminuição (p.ex. p-clorofenilalanina que bloqueia a síntese de serotonina); facilitação da liberação (caso dos psicoestimulantes anfetamina e fencanfamina, que aumentam a liberação de DA e NA); inibição da metabolização (como os antidepressivos inibidores da MAO); e a inibição da captação (ex. tricíclicos, venlafaxina, duloxetina, que inibem a recaptação de NA e 5-HT; os inibidores seletivos recaptação de 5-HT, por exemplo a fluoxetina, paroxetina; NA, reboxetina; DA, bupropiona). Classicamente estas drogas que atuam sobre transportadores de membrana bloqueando a captação de neurotransmissores podem ser consideradas agonistas de ação indireta pois aumentam a disponibilidade do neurotransmissor na fenda sináptica e, portanto, a concentração nos receptores. A ação pós-sináptica ocorre principalmente em receptores. Distinguem-se receptores de outros sítios ativos como enzimas por serem moléculas capazes de transduzir um efeito, mas elas próprias não promovem uma ação. Dessa forma, os fármacos ligam-se aos receptores disparando uma cadeia de eventos que culminam com uma resposta celular. O desenvolvimento da teoria dos receptores iniciou-se com Langley em 1908 e foi primeiramente formulada por Clark por volta de 1920. Considerava-se então que o efeito produzido por fármacos seria diretamente proporcional à quantidade de complexo fármaco- receptor formado. A interação bimolecular era definida através da afinidade do fármaco pelo receptor livre. Quanto maior a afinidade menor a concentração necessária para produzir o efeito. 7 O efeito máximo gerado era função apenas da quantidade de receptores ocupados. Esta teoria ficou conhecida como Teoria da Ocupação. Na década de 1950 ficou evidente que o efeito máximo podia ser obtido sem que 100 % dos receptores fossem ocupados, o que permitiu entender que existe uma reserva de receptores. A partir da teoria da ocupação define-se o conceito de: 1. Agonista Total � exerce o efeito máximo do sistema de receptor, podendo ou não ocupar 100% dos receptores disponíveis. Apomorfina, LSD e muscimol são exemplos de agonistas nos receptores de dopamina, serotonina e GABA, respectivamente. 2. Agonista Parcial � produz efeito, mas este sempre é menor que o efeito máximo exercido pelo agonista total. Para produzir seu efeito máximo precisa ocupar 100% dos receptores. 3. Antagonista Competitivo � ocupa o receptor, mas não desencadeia resposta. Pode ser dividido em antagonista competitivo reversível ou irreversível. Como exemplo, o efeito antipsicótico dos neurolépticos é decorrente do antagonismo de receptores dopaminérgicos mesolímbicos D2 (clorpromazina, haloperidol, flufenazina, olanzapina, risperidona) ou D4 (clozapina), e do bloqueio de receptores 5-HT2A (ex. risperidona, olanzapina). O estudo dos benzodiazepínicos e de análogos do grupo das β-carbolinas evidenciou que ambos os fármacos atuavam num mesmo sítio ativo localizado no receptor ionotrópico GABAA. Os benzodiazepínicos aumentam a probabilidade de manter o canal aberto, levando a efeitos ansiolíticos e as β-carbolinas promovem efeito inverso, atuando sobre o mesmo sítio. O antagonista competitivo, flumazenil, bloqueava ambos os efeitos. Surgiu, então, a Teoria dos Estados do Receptor e o conceito do agonista inverso. Esta teoria propõe que o receptor pode estar no estado de repouso ou ativo independente da presença do agonista. Haveria sempre uma proporção de receptores no estado ativo e os agonistas além de serem classificados como total e parcial poderiam, ainda, ser subdivididos em: 1 Agonista Direto � tem uma afinidade maior pelo estado ativo, e desloca o equilíbrio para este estado. 2 Agonista Inverso � tem uma maior afinidade pelo estado inativo e inverte a resposta. 3 Antagonista Competitivo � tem afinidade igual por ambos os estados, mantendo o sistema no “status quo” e, portanto, inibindo o efeito tanto de agonistas diretos quanto de agonistas inversos. Mais recentemente foi mostrado que esta teoria também se aplica aos receptores acoplados à proteína G. No entanto, na maioria das vezes a quantidade de receptores no estado ativo na ausência do ligante é muito baixa. Experimentalmente, a superexpressão de receptores acoplados à proteína G confirmou que estes receptores podem estar no estado ativo mesmo na ausência do ligante. Os receptores podem ser classificados como receptores de membrana e receptores intracelulares. Para um fármaco atuar em receptores intracelulares este deve ter características lipofílicas, pois deve atravessar as membranas celulares (ex. hormônios esteroidais, tireoidianos e 8 ácido retinóico). Os fármacos que atuam em receptores de membrana podem ou não ser lipofílicos pois não há a necessidade que o fármaco atravesse a membrana celular. Os receptores de membrana estão divididos em duas grandes classes: receptores ionotrópicos e receptores metabotrópicos. Os receptores ionotrópicos são canais iônicos operados por ligantes (ex. colinoceptores nicotínicos, receptores GABAA e glutamatérgico). Já os receptores metabotrópicos são subdivididos em duas categorias: receptores acoplados à proteína G e receptores enzimas. Os receptores acoplados à proteína G desencadeiam respostas dependentes da fosforilação de proteínas quinases que fosforilam serina/treonina, desencadeando cadeias de sinalização. Esta é a maior classe de receptores conhecidos, incluindo receptores para neurotransmissores como noradrenalina (α e β), acetilcolina (muscarínicos), serotonina, dopamina e também para hormônios (melatonina, colecistoquinina), endorfinas, prostaglandinas, bem como receptores para luz e odores. Os receptores enzimas promovem fosforilação em tirosina, o que transforma o próprio receptor em uma âncora molecular de alta afinidade pelas proteínas acopladoras, organizando topograficamente cadeias de sinalização; como exemplo temos os receptores para fator de necrose tumoral (TNF), interleucinas, insulina, e outros. A sinalização dos receptores canais ocorre na faixa de nanosegundos, enquanto que a dos receptores acoplados à proteína G na faixa de segundos e a dos receptores tirosina quinase na faixa de minutos a horas. As vias de sinalização dos diferentes receptores apresentam informações cruzadas, o que implica em uma sinalização não só da resposta imediata como também de respostas mais tardias. Os receptores canais ouionotrópicos são formados por várias subunidades protéicas que atravessam a membrana. O receptor canal pode estar em 3 estados: repouso, aberto e inativo. Nos estados de repouso e inativo o canal não conduz. No entanto, um receptor canal no estado de repouso pode passar para o estado ativo, enquanto um receptor no estado inativo precisa ser modificado estrutural ou conformacionalmente para voltar para o estado de repouso. Portanto, isto demanda um tempo, no qual o número de receptores disponíveis para a atuação do agonista está reduzido. O canal no estado aberto pode deixar passar cátions, tais como sódio, potássio ou cálcio (receptores nicotínicos, glutamatérgicos, serotonérgicos) ou o ânion cloreto (receptor gabaérgico). O controle da abertura do canal pode ser feito por agonistas que atuam diretamente no sítio receptor, ou por ligantes que atuam em sítios alostéricos na própria proteína que forma o canal, modulando o tempo de abertura. Estes fármacos são chamados de moduladores alostéricos. Um exemplo clássico de modulador de canal são os barbitúricos, que atuam em um sítio alostérico do canal GABAA, aumentando a probabilidade do GABA manter o canal no estado aberto. Mais recentemente, foi visto que o anticolinesterásico galantamina aumenta o tempo de abertura do canal nicotínico α7, facilitando a corrente de cálcio. Este efeito é muito relevante para a ação da galantamina no tratamento da Doença de Alzheimer. A determinação das substâncias 9 endógenas que atuam sobre estes sítios alostéricos de ligação abre uma nova perspectiva para o estudo de várias afecções, visto que podem ser determinados novos marcadores para doenças de difícil diagnóstico. Os receptores acoplados à proteína G ou metabotrópicos quando ativados ligam-se a esta proteína trimérica (composta das subunidades α e βγ) e ativam as fosfolipases que, atuando em enzimas, vão desencadear a produção de segundos mensageiros (Fig. 1.1). A enzima adenililciclase pode ser ativada (proteína G estimulatória, Gs) ou inibida (proteína G inibitória, Gi) controlando as concentrações intracelulares de AMPc (Fig. 1.2). A fosfolipase C, ativada pela proteína Gq/G0, atua sobre o lipídeo de membrana fosfatidilinositolbisfosfato (PIP2), formando os segundos mensageiros inositol trifosfato (IP3) e diacilglicerol, responsáveis pelo aumento de cálcio intracelular e pela ativação da proteína quinase C, respectivamente. O estímulo dos receptores D1 ativa a adenililciclase e aumenta a concentração de AMPc; ao contrário, a interação com o receptor D2 promove inibição daquela enzima. Um exemplo de receptores que ativam pela via do diacilglicerol é o receptor 5-HT2 da serotonina e os receptores muscarínicos. Já o lítio age na cadeia de eventos bloqueando a formação do fosfatidilinositol pela inibição da enzima inositol monofosfatase. Fig. 1.1 - Ativação de receptor ligado à proteína G. A situação (a) apresenta o receptor em repouso e as subunidades da proteína G. Quando o neurotransmissor se liga ao receptor (b), ocorre uma modificação conformacional do receptor, que causa a aproximação da proteína G. Ocorre uma troca de GDP por GTP e a subunidade α se dissocia do dímero β-γ (que não se dissocia). A subunidade α e o dímero β-γ vão então agir em vários sítios, conforme indicado (c). Quando a atividade GTPásica da subunidade α hidrolisa o GTP em GDP, ocorre o término da ação (d). 10 Fig. 1.2 - Ativação de um receptor acoplado a uma proteína Gs. O complexo neurotransmissor- receptor liga-se à proteína G, fazendo com que a subunidade desta ative a adenilciclase, resultando na formação de AMPc. O AMPc é considerado um segundo mensageiro e tem como função ativar a enzima quinase A (PKA). Esta quinase fosforila resíduos de serina e treonina em diversas proteínas. Durante muitos anos foi aceito que a molécula do receptor acoplado à proteína G atuava de forma isolada. Recentemente, foi demonstrado que estes receptores atuam como dímeros (Bulenger et al., 2005). A constatação que o receptor metabotrópico GABAB existe obrigatoriamente como heterodímero foi a pedra fundamental desta nova conceituação. Foi observado que há dois subtipos de receptor GABAB, um que possui sítio para acoplamento com a proteína G e outro que possui o sinal peptídico necessário para a expressão na membrana plasmática. Além disso, considerações teóricas baseadas em estruturas de proteínas cristalizadas mostraram que o receptor acoplado à proteína G responsável pela visão (rodopsina) só se liga às subunidades α ou βγ da proteína G quando estes estão sob a forma de dímeros, o que implica em que dois receptores precisam estar trabalhando em conjunto para que a proteína G seja ativada (Pierce et al., 2002; Fig. 1.3). A formação de dímeros também foi confirmada no estudo de receptores metabotrópicos glutamatérgicos. O glutamato é capaz de gerar uma resposta funcional ligando-se a apenas uma molécula; no entanto a resposta máxima só é observada quando são formados dímeros. Os estudos de dimerização estão apenas começando e estes ganham importância não só nos estudos de potência e endereçamento de receptores para a membrana, como também no endereçamento de outras moléculas que devem estar junto aos receptores nos complexos protéicos formados nas regiões sinápticas. A dimerização heteróloga pode inclusive modificar a função constitutiva de um receptor. No caso dos receptores opióides existe uma grande diversidade de subtipos classificados farmacologicamente através das relações de potência de agonistas e do efeito de antagonistas seletivos (µ1, µ2, δ1, δ 2, κ1, κ2, κ3), no entanto, apenas foram clonados três genes para receptores opióides. A variedade de resposta depende da homo e heterodimerização destes receptores (George et al., 2002). 11 Fig. 1.3 - O receptor GABAB é um heterodímero que somente é funcional quando os receptores GABAB-1 e GABAB-2 são co-expressos na mesma célula. O receptor GABAB-1 possui o sítio de ligação para GABA e o GABAB-2 é responsável pela ativação da proteína G. Quando existem apenas receptores GABAB-1 este fica na membrana do retículo endoplasmático (RE) e não é expresso na membrana (a). Já a subunidade GABAB-2 é expressa na membrana mas não liga GABA (b). A expressão do dímero funcional ocorre porque as duas moléculas interagem, ainda no retículo endoplasmático através de uma alfa-hélice, conhecida como porção enovelada, da porção C terminal. Esta interação é conhecida como superenovelamento, ou super hélice. O receptor expresso como dímero é capaz de ligar GABA e ativar a proteína G (c). Figura modificada de Pierce e cols. (2002). Este conhecimento também é relevante para o planejamento de fármacos e para o entendimento de efeitos colaterais. Por exemplo, dímeros do agonista de receptor 5-HT1B, sumatripan, que é usado no tratamento de enxaqueca, apresentam uma afinidade ao receptor 100 vezes maior que o monômero. A dimerização de receptores de adenosina A1 com receptores de dopamina no estriado tem sido apontada como um dos fatores que poderiam levar à dicinesia tardia no tratamento da doença de Parkinson com L-Dopa. Os estudos dos receptores e das vias de transdução têm permitido não só evidenciar novos locais para a ação de fármacos, que pode ocorrer no receptor ou nos diversos pontos da cadeia de sinalização, mas também fazer melhores correlatos fármacoclínicos, como o exemplo da galantamina acima citado. FENÔMENOS DE NEUROADAPTAÇÃO FENÔMENOS DE NEUROADAPTAÇÃO FENÔMENOS DE NEUROADAPTAÇÃO FENÔMENOS DE NEUROADAPTAÇÃO A estimulação excessiva ou reduzida de receptores leva a fenômenos de adaptação que, na maioria das vezes, respondem pela redução ou exacerbação da resposta funcional. Na maioria dos receptores um excesso de estimulação leva a uma diminuição do número de receptoresdetectados na membrana por ligantes radiativos. Os colinoceptores nicotínicos centrais são exceção a esta regra, pois apresentam um aumento do número de receptores quando há excesso de estimulação em protocolos experimentais e em fumantes. Este número maior de receptores de 12 membrana, com uma redução da neutrotransmissão indica que o excesso de estimulação leva a uma dessensibilização do receptor. Em outras palavras, apesar do receptor estar presente e passível de ligar com o agonista, não há mais a resposta funcional. No caso dos receptores acoplados à proteína G há evidências de que a estimulação com altas concentrações de agonistas leva à fosforilação do receptor, o que reduz a afinidade pelo agonista. No tratamento agudo com antidepressivos que bloqueiam a recaptação de 5-HT, os auto-receptores inibitórios 5-HT1A, localizados nos corpos celulares dos neurônios serotonérgicos no núcleo da rafe, estão expostos a uma concentração mais alta de 5-HT. Em consequência, há uma diminuição no disparo neuronal e liberação de 5-HT. Já no tratamento prolongado ocorre uma dessensibilização desses receptores, levando a um aumento na liberação de serotonina, que se correlaciona temporalmente com a melhora clínica. Os primeiros estudos deste fenômeno foram feitos com os adrenoceptores β, onde foi verificado que o receptor podia ser fosforilado pela proteína quinase A, que é resultante da formação do segundo mensageiro AMPc, mas que em altos graus de estimulação ativa a proteína quinase ativada por receptor (BARK). Após ser fosforilado pela BARK ocorre a ligação de uma proteína conhecida como β-arrestina, que sinaliza o receptor para ser internalizado. A internalização do receptor faz com que a porção do receptor que estava dirigida para o meio extracelular fique voltada para o interior do endossomo. A β-arrestina, continua acoplada ao receptor endocitado e esta molécula também tem função de andaime, ancorando as enzimas da via da MAP-quinase, que é uma via importante de sinalização nuclear. Portanto, a internalização do receptor por excesso de agonista, não só tem como função proteger a célula do excesso de estimulação externa, como também desencadeia uma nova via de sinalização que será responsável por alterações de síntese protéica. Considerando que o receptor pode ser fosforilado por quinases ativadas por segundos mensageiros, há a possibilidade de haver dessensibilização heteróloga, abrindo um novo horizonte para o estudo da interação de fármacos. Nos últimos anos iniciou-se o estudo de outros mecanismos que são desencadeados pelo complexo agonista-receptor-arrestina. Dependendo do subtipo de arrestina que se liga ao complexo este pode ao ser internalizado ativar outras vias de transcrição. Entre estas se encontram vias das MAPquinases que interferem diretamente com a transcrição de pacotes de genes. O padrão de interação com arrestinas depende do tipo celular e do estado fisiopatológico do sistema. Estes achados abrem novas perspectivas para o entendimento das alterações adaptativas desencadeadas por ativação de GPCRs (revisão em Tobin et al., 2008). Outra linha de pesquisa que vem ganhando importância para a geração de fármacos é o conhecimento do local onde as proteínas quinases ativadas ancoram-se. Esta especificidade espacial confere uma seletividade de função. Foi mostrado que a ligação a membranas de superfície, de núcleo, retículo endoplasmático e mitocôndria ocorre por ligação proteína-proteína gerada por sinais altamente seletivos. Recentemente foram gerados peptídeos capazes de 13 bloquear estas ligações e, portanto, bloquear o efeito de proteínas quinases sobre regiões específicas de células (revisão em Costa-Junior et al., 2009). Em suma, os novos conhecimentos gerados nesta década indicam que haverá um aumento do arsenal terapêutico nos próximos anos baseado em uma alteração dos conhecimentos de funcionamento das vias de transdução de sinal. 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