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A RESOLUÇÃO DO CONTRATO NO NOVO CÓDIGO CIVIL Daniel Ustárroz Publicado na Revista Jurídica nº 304, p. 32 Sumário: I. Introdução. 1. Necessárias precisões terminológicas. 1.1 Rescisão. 1.2 Resolução. 2. A Resolução do Contrato por Incumprimento do Devedor. 3. Responsabilidade civil na resolução por inadimplemento. 4. O restabelecimento do statu quo ante. 5. A Resolução do contrato por excessiva onerosidade superveniente. 5.1 Particularidades da resolução por onerosidade excessiva II. Principais conclusões. III. Referências bibliográficas. I. Tal como as pessoas, o contrato também nasce, cresce e morre. Este último fenômeno, sua extinção, pode dar-se de diversas maneiras: seja comumente pelo adimplemento, assim como pela vontade da(s) parte(s), pelo implemento do termo ou condição fixados, etc. Enfim, a relação obrigacional é um processo complexo que conta com início, meio e fim. Dentro dos contratos bilaterais, nos quais a obrigação de um sujeito é a causa da do outro, normalmente se verifica uma relação de reciprocidade. Isto é, as prestações oferecidas pelas partes possuem valor similar, de forma que a razão de uma existir é exatamente a obrigação alheia (a velha regra: toma lá – dá cá). Dentro desse contexto, somente interessa ao obrigado prestar, quando o parceiro também o fizer. Do contrário, desaparece a razão de ser do contrato. Para corrigir tal anomalia, verificada a partir da quebra do sinalagma funcional e da conseqüente descaracterização 1 da economia contratual, existe a figura da resolução, cujo escopo é extinguir a relação negocial tão-logo seja verificado o incumprimento.1 Portanto, pressuposto lógico para a resolução do contrato é a inexecução. Esta, uma vez configurada, pode abrir ao credor uma série de direitos, dentre os quais a opção pela execução específica da prestação convencionada ou a própria extinção do vínculo criado, sem embargo da reparação dos danos ocasionados, uma vez caracterizada a falta alheia.2 A resolução surge a partir do sentimento de eqüidade que deve pautar as relações humanas, facultando à vítima do comportamento antijurídico (inadimplemento) o direito de extinguir o vínculo mediante unilateral manifestação de vontade. Cumpre, por isso, função de cunho preventivo, na medida em que encerra a relação obrigacional, livrando o contraente fiel do pesado encargo de seguir prestando sem obter a contraprestação, ou mesmo necessitar socorrer-se das vias judiciais, cujo custo, econômico e temporal, é por todos conhecido. Em preciosa monografia sobre o tema, o Professor RUY ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR definiu a resolução como um instituto do Direito das Obrigações, conseqüência de fato superveniente à celebração do contrato, com efeito extintivo st s s t i t r 1 Anota ORLANDO GOMES que nos contratos bilaterais a interdependência das obrigações ju ifica a sua resolução quando uma das partes se torna inadimplemente. Na sua execução, cada contratante tem a faculdade de pedir a resolução, se o outro não cumpre as obrigações contraídas. E ta faculdade resulta de estipulação ou de presunção legal. Quando a partes acordam-na, diz-se que estipulam o pacto comissório expresso. Na ausência de estipulação, tal pacto é presumido pela lei, que suben ende a existência da cláusula resolut va. Neste caso, diz-se que é implícita ou tácita. (In Con ratos, p.171) 2 Nesse sentido, acerca da dificuldade da execução específica, observa DELL’AQUILLA que ed il ricorso assai più frequente all’istituto della risoluzione, rispetto all’azione di manutenzione, è certamente dovuto al fatto che i mezzi di coazione in grado di constringere il debitore ad eseguire la prestazione sono divenuti nel corso del empo via via più deboli ed inefficaci, di guisa che spesso il creditore preferisce por e termine a un rapporto dal quale ritiene ormai di non poter trarre alcuna utilità, e la cui sopravviveza costituisce per lui solo un incomodo ostacolo nella sua vita di relazione con gli altri soggetti di diritto. (In La ratio della risoluzione del contratto per inadempimento, p.836) 2 sobre a relação bilateral.3 Efetivamente, a resolução decorre de fato posterior à formação da avença e que impede que o mesmo atinja os fins a que se propunha. O regime da resolução contratual foi significativamente alterado pelo novo Código Civil, a começar pela própria nomenclatura utilizada, que tomou o lugar da dita rescisão contratual. Outra importante inovação diz respeito ao aproveitamento da onerosidade excessiva como causa de resolução contratual. Dentro desse contexto de meditação acerca da valia do novo diploma civil, breves considerações serão alinhavadas. 1. Antes de ingressar na resolução propriamente dita, necessário apontar para o significado contextualizado de alguns termos que serão doravante empregados. Tal medida tem por fito, longe de representar qualquer amor ao tecnicismo exagerado, contribuir para que as idéias sejam expostas e entendidas com maior clareza. Já se disse que a extinção dos contratos pode resultar de diversos fatores, cujo mais comum é o adimplemento. Todavia, nada impede que as partes extingam o pacto por comum acordo, ou mesmo alterem-no naquilo que lhes interessar. Pode acontecer, também, que um sujeito simplesmente perca o interesse em prestar, frustrando a expectativa do par. Outras vezes, será a alteração das circunstâncias externas que determinará a impossibilidade de cumprir a obrigação. Nessa medida – atento às peculiaridades do direito material discutido - o direito confere um tratamento específico para cada hipótese aventada. 3 In A Extinção do Contrato por Incumprimento do Devedor, p. 16. 3 Sabe-se que, no Direito brasileiro, costuma-se utilizar indiscriminadamente conceitos diversos, como resolução e rescisão, tal como se sinônimos fossem.4 Quiçá o maior motivo para que não exista ainda no direito brasileiro homogeneidade na utilização desses termos (rescisão e resolução) seja justamente a preferência feita pelo legislador de 1916 ao disciplinar a matéria. Felizmente, o novo Código intentou colocar os termos em seus precisos lugares. Veja-se, por exemplo, a redação do novo art. 475 (a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos), que toma o posto do parágrafo único do vetusto art. 1.092: a parte lesada pelo inadimplemento pode requerer a rescisão do contrato com perdas e danos. s t Nesse sentido, oportuno registrar que essa discussão, acerca da correta nomenclatura, não foi observada tão-somente no Brasil. Já no livro quinto do Código Civil suiço de 1911 (conhecido popularmente por Código das Obrigações), ela se encontrava presente. Com efeito, dispunha o art. 107, ao tratar do tormentoso problema do inadimplemento contratual, sobre o droit de résiliation assentando que: 1. Lorsque, dans un contrat bilatéral, l’une des parties est en demeure, l’autre peut lui fixer ou lui faire fixer par l’autoritá compétente un délai convenable pour s’exécuter. 2. Si l’exécution n’est pas intervenue à l’expiration de ce délai, le droi de la demander et d’actionner en dommages-intérêts pour cau e de retard peut toujours être exercé; cependant, le créancier qui en fait la déclaration immédiate peut renoncer a ce droit et réclamer des dommages-intérêts pour cause d’inexécution ou se dépar ir du contrat. t4 Já advertiaORLANDO GOMES que a matéria da extinção dos con ratos não se acha ordenada numa teoria geral que ponha termo à confusão proveniente inicialmente da terminologia usada na legislação e na doutrina, e, em seguida, das divergências e vacilações nos conceitos, classificações e distinções necessárias. In Contratos, p. 169. 4 Dentro desse contexto, pertinente, antes que se entre propriamente no objeto do presente estudo, conceituar fenômenos distintos do processo obrigacional, no caso a rescisão e a resolução. Adiante, trataremos de cada qual. 1.1 Ocorre a rescisão do contrato, quando é verificado vício contemporâneo a sua formação. Isto é, na rescisão há um problema no contrato, em virtude de uma situação existente já à época de sua formação. 5 De regra, a rescindibilidade tutela a parte que se encontrava sob estado de perigo ou de necessidade, assumindo, para si, um negócio altamente lesivo. O exemplo clássico é a lesão, ora re-incorporada ao direito brasileiro, através do novo código civil, no artigo 157.6 O novo Código Civil traz ainda outras hipóteses de cabimento da rescisão contratual, como o estado de perigo, que sucede sempre que alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa (conforme art. 156). Novamente, observa-se que o vício é contemporâneo à própria celebração do contrato.7 Como refere BIANCA, l’irregolarità del contratto non è data dalla iniquità in sé considerata ma dall’iniquità risultante dall’approfittamento di una situazione di t 5 Não é outro o alvitre do Professor ARAKEN DE ASSIS: em realidade, a ‘rescisão’ constitui modalidade de abertura do negócio jurídico ante defeito anterior à contratação, como deflui do chamado vício oculto (art. 1.101 do Código Civil) ou do objeto. (In A Resolução do Contrato por Inadimplemento, p. 77). 6 Reza o dispositivo: ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. 7 Já prelecionava ORLANDO GOMES que rescisão é ruptura de con rato em que houve lesão. Não é sempre que a lesão determina a dissolução do contrato, porquanto pode ser salvo, restabelecendo-se o equilíbrio das prestações com a suplementação do preço (...) Outra hipótese da rescisão é a do contrato estipulado em estado de perigo, muito semelhante à anulação pelo vício da coação. Não se confundem, todavia, porque a rescisão requer, para ser decretada, o concurso de dois elementos: a) a ciência, por uma das partes, do estado de necessidade em que se encontra a outra; b) a iniqüidade das condições nas quais as obrigações são contraídas. (In Contratos, p.188). 5 anomala alterazione della libertà negoziale. Le cause di tale alterazione possono essere assimilate ai vizi del consenso poiché l’eccezionale pressione esercitata dal pericolo o dal bisogno esula dalle comuni motivazioni del contrarre fino a privare il soggetto della normale libertà decisionale.8 Como dito, a grande confusão ocorrida entre os termos, rescisão e resolução, foi causada pela redação do parágrafo único do art. 1.092 do Código de 1916. Este labutou em equívoco ao referir-se a rescisão, onde, pela mensagem do texto, conclui-se que se tratava da disciplina da resolução.9 1.2. A resolução é fenômeno que ocorre após a celebração do contrato e durante sua execução. Decorre de fato posterior (inexecução do pactuado) que tem o condão de tornar sem valia prática o negócio jurídico estabelecido. É direito que se conserva ao contratante fiel em contratos bilaterais, que o exercita mediante manifestação de vontade, sujeitando o outro aos efeitos desta, posto que se trata de direito formativo. Como assevera ANTUNES VARELA, o titular do direito de resolução goza, efetivamente, do poder de, mediante um simples ato unilateral (isolado ou coadjuvado por decisão de autoridade judicial), alterar a esfera jurídica do outro contraente, destruindo os efeitos do contrato. Ao poder do titular do direito de resolução não corresponde, da parte do outro contratante, nenhum dever jurídico, mas um estado de sujeição. O outro contraente está apenas sujeito, enquanto pende o 8 In Diritto Civile, Il Contrato, p. 682. 9 PONTES DE MIRANDA criticou o legislador de 1916: lê-se, no art. 1.092, parágrafo único, do Código Civil, que ‘a parte lesada pelo inadimplemento pode requerer a rescisão do contrato com perdas e danos`. O termo ‘rescisão`, aí erro crasso, deve ser evitado. De ‘resolução` é que se trata. (In Tratado de direito privado, v. 35, p. 337) 6 direito de resolução, a que o respectivo titular, a seu puro arbítrio, mantenha ou destrua os e eitos do contrato.10 f A resolução pode ser legal ou convencional. Diz-se legal aquela que encontra fonte na lei, enquanto convencional quando resultante da vontade das partes, através da previsão explícita de determinado evento no próprio contrato. Enquanto na primeira modalidade, a cláusula é implícita, em razão da bilateralidade do pacto, na segunda, vem expressa. A grande vantagem da opção pela resolução convencional reside na circunstância de que ninguém melhor do que os próprios contraentes para saber quais os inadimplementos que, por sua natureza, são tão importantes de modo a frustrar substancialmente a operação econômica havida pelo contrato. Mediante a expressa previsão das atitudes ou omissões que podem acarretar desequilíbrio no sinalagma funcional, as partes garantem-se contra as incertezas do futuro (sidera litium).11 t r r 10 In Direito das Obrigações, v.2, p. 281. Partilha MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA de idêntico entendimento: define-se a resolução como o acto de um dos contraentes dirigido à dissolução do vínculo contratual, em plena vigência deste, e que tende a colocar as partes na situação que teriam se o contrato não se houvesse celebrado. É comum aos contratos de prestações instantâneas e aos contratos duradouros. (In Direito das Obrigações, p.281). Sobre o alcance da indenização discorremos a seguir. Semelhante o alvitre de ARAKEN DE ASSIS: o fato lesivo que desencadeia o mecanismo resolutório surge no curso da relação contratual e, conquanto superveniente aos trâmites formativos, escapa ao plano da validade. Das causas de invalidade as de resolução se assemelham somente porque umas e outras ensejam desconstituição. Contudo, o instrumento resolutivo supõe uma declaração de vontade para seu atingimento, e não déficit do negócio bilateral, concretamente realizado, em relação ao suporte abstrato. (Op. cit. 85) 11 Refere AULETTA que Infatti, nel contratto le parti, collo stabilire che, quando si verificano quei determinati inadempimenti, la vittima dell’inadempimento ha il potere di risoluzione, implitamente stabiliscono che gli inadempimenti previsti hanno il caratteri di gravità. L ‘accordo su detto carattere impedisce che posteriormente una delle parti possa con estare la gravità dell’inadempimento.(...) In tal modo il potere di risoluzione viene nel contratto attribuito per inadempimenti specificamente determinati da cui le parti possono valutare il g ado di importanza. D’altra parte, se fosse concesso contestare l’importanza di un inadimpimento previsto nel contratto e quindi l’esistenza del potere di risoluzione in seguito al verificarsi dello stesso, finirebbe il maggio vantaggio della clausola risolutiva espressa. (...) Il vero vantaggio, dunque, della risoluzione per clausola espressa, è quello che, verificato si l’inadempimentoprevisto nel contratto e notificata la dichiarazione di risoluzione, il dichiarante è sicuro 7 Como corolário lógico dessa legítima concretização da autonomia da vontade, que é tutelada com especial carinho pelo direito, não há espaço para o contratante faltoso argüir em juízo a nulidade ou irrelevância da cláusula que expunha a hipótese de inadimplemento. Decorre essa orientação do princípio da boa fé objetiva, que aqui assegura ao contraente fiel a higidez das expectativas que formou quando da celebração da avença. Ora, se, ao firmarem o pacto, as partes apontam de antemão casos nos quais o contrato é resolvido, descabe ao Judiciário outra conduta que não a de chancelar suas vontades. Dentro desse contexto, qualquer alteração do conteúdo do contrato deve se dar mediante o reconhecimento das figuras que permitem a anulação do negócio jurídico e jamais pela mera vontade do julgador e sua idéia particular de justiça. Quer isto dizer que, caso o contrato tenha sido celebrado longe de vícios, não cabe a terceiros analisar a gravidade ou não da conduta prescrita na cláusula resolutiva, pois a mesma fora elaborada pelos próprios interessados. Excetua-se, aqui, por evidente, as relações negociais havidas não pelo consenso dos participantes, mas pela adesão de uma parte à vontade alheia, pois nestas hipóteses não há espaço para se falar em consagração da autonomia da vontade. Soma-se a essa vantagem, outra de cunho econômico. Com efeito, reza o art. 474 que a cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial. Quer isto dizer que, tão logo seja verificado o inadimplemento, em situação prevista no contrato, a avença é eliminada no momento em que o contraente fiel dá ciência de sua intenção ao parceiro faltoso. Independe, portanto, de t della risoluzione e può, perciò, disporre con sicureza della prestazione a sua carico, senza temere che questa possa in seguito risultare dovuta all’inadempien e per mancanza di risoluzione. Dare all’autorità giudiziaria il potere di indagare sull’importanza dell’inadempimento significa distruggere questo vantaggio. (Risoluzione e rescissione dei contratti, prima puntata, p. 648-9) 8 qualquer iniciativa judicial, circunstância que proporciona sensível economia de tempo e dinheiro. A resolução legal, como o próprio nome diz, opera-se através do reconhecimento judicial. Daí aduzir RUY ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR que na resolução legal, sendo ela efeito de sentença judicial, é preciso, além da manifestação da vontade do interessado no desfazimento da relação descumprida, seja esse direito deduzido através de ação ou de reconvenção, a fim de que sobrevenha sentença constitutiva negativa, extinguindo a relação obrigacional, isto é, ao exercício do direito formativo pelo titular deve juntar-se o ato estatal do juiz e só então se tem por resolvida a relação.12 Muito se discutiu na doutrina acerca dos efeitos e da eficácia preponderante da sentença que reconhecesse o direito à resolução do contrato. Tal polêmica foi fomentada pela peculiaridade dos efeitos que a decisão ensejava, isto é, a ordem para que fosse restabelecido o statu quo ante com a reposição patrimonial das partes, tal como antes da avença, acrescida da condenação referente ao interesse positivo. Com efeito, ninguém duvida que a sentença que determina a resolução, no que toca à modalidade decorrente do inadimplemento, possui eficácia ex tunc, na medida em que busca corrigir, dentro do possível, a situação patrimonial dos contratantes frustrados, mediante a restituição patrimonial. Como conseqüência, podem os efeitos da sentença retroagir até a data da violação positiva. E essa característica, própria de sentenças declaratórias (mas também das constitutivas, excepcionalmente), causou grande celeuma. 12 In A Extinção do Contrato por Incumprimento do Devedor, p.29. 9 2. O contrato existe para ser cumprido e alcançar, assim, as finalidades almejadas pelos participantes. A relação obrigacional, vista como um processo, é polarizada pelo adimplemento. Este é o objetivo traçado pelas partes quando da celebração do negócio jurídico e que vai espelhado na prestação que incumbe a outra. Considera-se adimplido o contrato, quando ambas as partes satisfazem as causas das obrigações. Dentro da normalidade dos casos, o que ocorre é a satisfação das expectativas, isto é, as partes extinguem a relação obrigacional mediante o cumprimento recíproco das prestações ajustadas. Paulo dirige-se até um corretor de imóveis que lhe apresenta um apartamento. Interessado, adquire-o, mediante pagamento de uma entrada e trinta e seis parcelas. Decorridos três anos, saldado todo débito, a relação vai extinta. É isso o que sucede na maioria dos casos e, se assim não o fosse, a vida em sociedade restaria impossível, pois, dependente que é do intercâmbio de bens, o homem necessita de segurança em sua vida negocial. Mas, em casos extraordinários, sucede que, por uma série de motivos, o adimplemento é inviabilizado, surgindo a crise no processo obrigacional. Não sendo cumprida a prestação na forma acordada, caracterizado está o não cumprimento, que se origina a partir de diversas situações, como se verá.13 Como se viu, a resolução pressupõe: objetivamente, isto é, externamente ao sujeito, a existência de um contrato bilateral válido e o incumprimento do devedor; subjetivamente, a decisão pessoal de escolha da via resolutiva, e a sua condição de não inadimplência. i 13 Alerta ALMEIDA COSTA sobre o inadimplemento: este conceito representa, todavia, um simples ponto de partida, visto que na sua moldura ampla se incluem várias situações com efeitos juridicos muito diferentes. (In Direito das Obr gações, p.955) 10 Quanto à causa, o inadimplemento pode decorrer da ação ou omissão praticada pelo devedor contrariamente à obrigação assumida (inadimplemento imputável ao devedor) ou sem a participação decisiva do devedor, como em virtude de caso fortuito, força maior, da lei, fato de terceiro, etc. Quanto à gravidade do inadimplemento, este pode dividir-se em grave, quando afeta a economia do contrato (inadimplemento definitivo), ou sanável, quando mediante atos ulteriores ainda é possível salvar o interesse do credor em receber a prestação (casos do inadimplemento defeituoso e do atraso). O inadimplemento definitivo afeta, de forma insanável, o interesse do credor, inviabilizando que o negócio jurídico alcance os fins a que se destinava. O credor, em virtude do inadimplemento definitivo, perde o interesse na manutenção do negócio jurídico. Imaginemos a contratação de uma banda para animar o baile dos formandos de uma turma de Arquitetura. Caso, por qualquer motivo, os integrantes do conjunto não consigam estar presentes no local do espetáculo, na data aprazada, um concerto posterior em nada agradaria aos já arquitetos, que contavam com a pontualidade no cumprimento da obrigação. Situação diversa ocorreria caso a mesma turma tivesse contratado com uma gráfica a confecção de convites para a cerimônia de formatura e essa os entregasse com dez dias de atraso, porém a tempo de que os mesmos fossem distribuídos a todos convidados. Neste caso, o inadimplemento não teria o condão de afetar a estrutura do negócio, pois alguma utilidade restaria para ambas as partes. Haveria, isto sim, mora no compromissode prestar assumido pela empresa. Entretanto, é certo que tal situação poderia ser regularizada com a entrega tardia da coisa, sem embargo de eventual 11 indenização. Já no primeiro caso, nunca haveria lugar para o adimplemento atrasado, e sim resolução com eventual pleito indenizatório.14 Interessante registrar que, no Direito brasileiro, a mora depende fundamentalmente da culpa do devedor, que mediante fato ou omissão antijurídica atinge a esfera jurídica do credor. Nessa linha, é sempre possível ao devedor afastar a figura da mora, demonstrando que o inadimplemento não lhe pode ser imputável. Dessa forma, elide eventual direito de indenização. 15 Todavia, existem tipos de obrigações nas quais os riscos pelo inadimplemento são assumidos pelo devedor, mesmo que decorrentes de fatos extraordinários. Daí que a mora – e mesmo o direito de resolver – possam depender da natureza da obrigação assumida. A mora encerra caráter transitório, pois, ou é purgada por iniciativa do devedor, ou finda por constituir-se em inadimplemento definitivo, quando o interesse do credor sucumbe. Comentando o regime da mora no Código de 1916, que vai reiterado no de 2002, o Professor ARAKEN DE ASSIS anota que ao credor a prestação tardia parece ‘inútil`, segundo os dizeres do art. 956, parágrafo único, do Código Civil, se o descumprimento momentâneo rompe o ajuste qualitativo da reciprocidade obrigacional, porque o bem prestado – ou prometido prestar – teve seu valor alterado, fazendo o negócio desvantajoso, ou porque a incerteza quanto ao adimplemento retardado quebra o interesse na manutenção do vínculo. Sendo inútil ou de escassa utilidade o cumprimento serôdio, em vista de tais motivos, admite-se a rejeição do credor, e o inadimplemento, de relativo, passa a absoluto. Enquanto mora, 14 Nessa linha, o parágrafo único do art. 395: se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos. 15 Assim o novo Código Civil, em seu art. 396: Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora. 12 o descumprimento do obrigado não implica o florescimento do direito à resolução do contrato bilateral.16 Neste ponto, o que é importante ressaltar é o fato de que a regra pela qual a mora por si só não gera direito à resolução deve ser interpretada com parcimônia, pois não é justo ordenar que o credor aguarde indefinidamente por uma prestação convencionada com termo preciso. A mora é por natureza transitória. Ou vira inadimplemento definitivo ou é purgada com prontidão, de modo que, uma vez caracterizada e não enjeitada, permite ao contratante fiel que busque outros meios para conseguir os objetivos negociais, resolvendo o inútil contrato celebrado. Terceira espécie do inadimplemento é o cumprimento imperfeito. Nestes casos, ainda que o devedor tenha prestado sua obrigação, ele o faz não de forma perfeita, satisfazendo tão-somente em parte o interesse do credor. Novamente, o critério norteador para que se oferte ao credor a alternativa da resolução é o interesse que restou em receber a prestação corrigida. Analisa-se, assim, a importância da violação positiva operada em comparação com a economia global da relação. Caso persista o interesse na repetição da prestação, essa pode ser conseguida. Entretanto, se o defeito afetar a utilidade do negócio, sua resolução é direito do credor. Exatamente dentro do adimplemento defeituoso que se insere a doutrina da substancial performance, hoje sufragada em todas as cortes, sob a roupagem do adimplemento substancial. Esta figura visa justamente salvaguardar relações negociais que, se não lograram alcançar êxito pleno, muito próximo disto estiveram. Veja-se o exemplo do Recurso Especial nº 272.793, no qual a parte buscava reaver o bem que alienara para a outra com o compromisso de pagamento de sessenta parcelas. Tendo 16 Op.cit.p.111. 13 sido constatado que restava em aberto apenas a última, de nada valeria resolver o contrato e ordenar o restabelecimento da situação anterior, posto que o interesse do credor não fora substancialmente afetado, mormente porque a derradeira prestação fora depositada em juízo.17 Dentro do adimplemento defeituoso, a doutrina alemã elaborou a doutrina da violação positiva do contrato (Positivevertragsverle zungen). Haveria, assim, a quebra positiva do contrato sempre que o contratante, após executar sua prestação, praticasse atos que causassem outros danos a seu par. O exemplo clássico nos é dado por LARENZ, quando relata o caso no qual um sujeito, após consertar um telhado para o qual havia sido contratado, permite que o mesmo se incinere, ao provocar fogo na residência.18 t Questão interessante se põe sobre a possibilidade, ou não, da quebra antecipada do contrato. Indaga-se se seria possível, dentro do sistema brasileiro, permitir a resolução contratual mesmo antes do termo final previsto para o adimplemento da obrigação. Essa discussão ganha atualidade com a promulgação do novo código, afinal novos princípios norteadores da relação obrigacional nele vão positivados, como a função social dos contratos e o abuso de direito, ambos coloridos pela boa fé objetiva. t . 17 Integra da ementa: ‘Alienação Fiduciária. Busca e apreensão. Falta da última prestação. Adimplemento substancial. O cumprimen o do contrato de financiamento, com a falta apenas da última prestação, não autoriza o credor a lançar mão da ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante. O adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução, que não é o caso. Na espécie, ainda houve a consignação judicial do valor da última parcela Não atende à exigência da boa-fé objetiva a atitude do credor que desconhece esses fatos e promove a busca e apreensão, com pedido liminar de reintegração de posse. Recurso não conhecido.` (Resp. 272.793, STJ, 4ª Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Fonte: DJ:02/04/2001, p. 299 e RSTJ v. 150, p. 398) 18 Derecho de obligaciones, v.1, p.362 e ss. Apud Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Extinção dos contratos por incumprimento do devedor, p.124-5. 14 Com razão, é de se admitir a quebra antecipada do contrato sempre que, em face das circunstâncias adjacentes ao negócio jurídico, reste evidente que o mesmo será inadimplido na forma e no tempo combinados. É o caso, por exemplo, da manifestação séria do devedor cujo teor vai de encontro aos escopos almejados ou mesmo comportamentos dúbios que trazem insegurança à relação. Mormente nos dias atuais, nos quais a velocidade das transações comerciais é imperiosa para a segurança das relações sociais, de todo conveniente que, uma vez evidenciada a impossibilidade da prestação, as partes sejam liberadas do pacto e possam buscar a satisfação perante terceiros, em novo negócio. Figuremos o exemplo no qual uma construtora, após adquirir um terreno, prometendo em 24 meses erguer um edifício para que seu contratante obtenha moradia, ao fim de 20 meses sequer tenha iniciado os trabalhos. Pouco adiantaria ao contratante aguardar os meses derradeiros, ciente, de antemão, da impossibilidade prática de que o pacto fosse adimplido. É bem verdade que parcela dos problemas ocasionados pela previsão de inadimplemento são solucionados mediante a exceção de inseguridade, que assegura aocontratante fiel o direito de somente adimplir sua parcela quando o outro dê sinais de que estará em condições de ofertar a sua. Entretanto, tal previsão em casos não raros será insuficiente, afinal para que a mesma tenha lugar há que se demonstrar a diminuição de patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou (art. 476). A questão aqui se coloca na necessidade de se proteger a parte livrando-a do pesado encargo de aguardar o escoamento do tempo, ciente de que o processo obrigacional está fadado ao fracasso. No caso das obrigações simultâneas, a figura mostra-se bastante útil. Todavia, nas hipóteses de prestações sucessivas, cuja duração é prolongada no tempo, sua valia pode ser contestada. 15 Como regra, apenas o inadimplemento absoluto possibilita ao credor a resolução do negócio. O inadimplemento relativo, normalmente, é vício que pode ser corrigido pela purga da mora ou pela correção da prestação. Mas essas regras devem ser vistas com tempero, afinal, caso o inadimplemento relativo jamais abrisse a porta ao remédio resolutório, periclitaria a ordem negocial. Daí que cada país tenha se preocupado com o grave problema da satisfação dos interesses do credor e da função social do contrato, elaborando meios do contratante frustrado conseguir curar a relação afetada pela mora. Como se vê, em oportunidades não raras será muito difícil de precisar se o cumprimento da prestação ainda interessa ao credor, ou se esse teve suas expectativas frustradas. Atento a tal situação, o direito comparado buscou regular meios para tutelar essa realidade. Analisando os principais ordenamentos europeus, observaremos que existe uma linha de raciocínio semelhante, embora as soluções não sejam uniformes. Cada país apresenta um quadro peculiar que merece breve menção. No Código napoleônico, cuja redação original não contemplava expressamente o remédio resolutório (que foi incorporada tão-somente após a revisão, embora fosse figura amplamente conhecida) o tratamento dispensado revela-se singelo. Tal orientação deve-se em parte ao pensamento dominante naquela época, que bem retrata a teoria voluntarista, no sentido de que em todo e qualquer contrato bilateral, mesmo que não fosse convencionada, sempre existiria uma cláusula dando conta da necessidade de manter-se a causa do contrato, seu sinalagma, de modo que, uma vez frustrada a expectativa do credor, em virtude da inadimplência do devedor, já não haveria razão para o pacto ser mantido.19 Em França, salvo em hipóteses tratadas pelo t 19 Salienta, novamente, DELL’AQUILA: In effetti essa si fonda sul dato – considera o certo – che nel contratto vi sia una clausola risolutiva. Si ritiene, infatti, che anche se essa non è stata insertia in modo espresso nel programma contrattuale, la sua esistenza può igualmente esser dedotta per mezzo di una 16 direito comercial, cujos usos e costumes servem de preciosa fonte, a regra no âmbito civil vem disciplinada no art. 1.184, que ordena ao interessado demandar a resolução mediante processo judicial.20 O Código alemão mostrou-se mais flexível ao tema da resolução. O legislador tedesco elaborou dois meios para que o credor resolvesse o contrato: judicial e extra. O critério utilizado para que se desse preferência a um, em detrimento do outro, era a utilidade da prestação. Assim, caso o inadimplemento fosse de tal importância que nenhum interesse restasse ao contraente fiel, este poderia, mediante manifestação unilateral de vontade, resolver o vínculo, liberando-se de suas obrigações negociais. Entretanto, na hipótese de que o inadimplemento não fosse de tal gravidade, consta regra geral, pela qual é necessário que, antes de se considerar resolvido o contrato, seja ofertado ao devedor um prazo para que o mesmo satisfaça a obrigação, regularizando a relação obrigacional. Na oportunidade em que o credor comunicasse ao parceiro do interesse em obter a prestação tardia, podia aquele advertir-lhe que, passando o prazo in albis, a avença era desfeita. O Código das Obrigações da Suiça soube sistematizar o pensamento de seu tempo em torno do tema, ordenando que o credor emitisse duas declarações de vontade, a fim de extinguir o vínculo (art. 107). A primeira tinha por fito la fixation d’un délai. A segunda, em caso de nova mora do devedor, tinha o condão de extinguir a relação, com efeitos ex tunc, retroativos a data do inadimplemento original. interpretazione che tenga conto della volontà (ipotetica) dei contraenti, nel caso che questi avessero tenuto presente l’eventualità dell’inadempimento. L’esposta teoria, sotto mutate vesti, è nella sostanza una nuova formulazione di quell’antica posizione dottrinaria che supponeva l’esistenza nel contratto di una clausola (o condizione) tacita o sottintesa, convenuta tra le parti in modo inespresso, la quale opererebbe nel senso di far cessare il rapporto contrattuale quando accada che uno dei contraenti diviene inadempiente.(Op. cit. p. 850) 20 Art. 1.184: La résolution doit être demandeé en justice. 17 Na Itália, vige regramento semelhante, porém ainda mais flexível, conhecido na doutrina como a diffida ad adempiere. Por força do Código Civil de 1942, o credor poderá resolver o contrato tanto pela via judicial como extra. Neste último caso, para que ela se perfectibilize, é necessário que o mesmo dê ciência ao devedor de seu estado de mora e oferte um prazo, nunca inferior a quinze dias, para que a prestação seja satisfeita. Não atendida a solicitação, uma vez ultrapassado o lapso temporal, o contrato é resolvido automaticamente, sem necessidade de custoso processo judicial. A Common Law inglesa, de seu turno, não requer a fixação de prazo para execução no caso de adimplemento completo. Ciente do inadimplemento absoluto, o credor pode, mediante mera manifestação de vontade, acabar com a relação negocial, sujeitando o parceiro faltante a indenização pelos prejuízos ocasionados. O critério para que seja determinado o grau de inadimplemento não é outro que o valor que este tem perante a economia do contrato. Caso se configure relevante (fundamental breach), haverá lugar para a repudiation (nome que se dá ao ato informativo do credor no sentido do extinção da relação). Na terminologia britânica, são chamadas de conditions as cláusulas principais, enquanto de warranties as secundárias que não refletem a causa do negócio jurídico. A violação dessas últimas abre ensanchas tão- somente ao ressarcimento do dano e à execução específica, não à resolução. Por fim, na Espanha, em que pese a ausência de previsão legislativa, vez que omisso o Código Civil sobre o tema, o Tribunal Supremo estatuiu um princípio pelo qual é justo que a parte leal possa resolver o contrato, sem necessidade de iniciativa judicial, contanto que dê ciência ao alter e que o vício afete o interesse do credor. No Brasil, nunca existiu semelhante dispositivo que permitisse ao credor libertar-se do negócio jurídico, facultando prazo peremptório ao devedor. Seguiu, 18 nesse aspecto, a orientação francesa. Como assinala ANTUNES VARELA, para libertar o credor de tais situações, em que a prestação vai perdendo gradualmente a sua utilidade por culpa do devedor, é que algumas legislações, como a portuguesa, lhe concedem a faculdade de fixar à outra parte um prazo razoável para a realiza ão da prestação, com a cominação de, uma vez findo o prazo sem que a prestação tenhasido efetuada, se considerar não cumprida definitivamente a obrigação. O direito brasileiro não atribui semelhante faculdade ao credor.21 ç O tema não sensibilizou o novo Código Civil. Entretanto, é certo que esse permite que a cláusula resolutiva, quando convencionada, opere automaticamente de pleno direito, tão logo seja verificado o inadimplemento. Entretanto, no caso da resolução tácita, para que esta seja legalmente reconhecida é imprescindível a interpelação judicial (art. 474). Como de regra, os casos graves de inadimplemento aparecem regrados do contrato, tão-logo haja inadimplemento, que constitui instantaneamente em mora o devedor, há a resolução. O problema é quando as partes não contam com o inadimplemento e este é desprezado no regramento contratual. Nesses casos, em que o tempo do processo é por demais custoso, o parceiro negocial que se encontra em melhor posição de direito material tende abusar dessa situação, tirando vantagens que o ordenamento não lhe assegura, valendo-se do processo para procrastinar a solução do conflito. 3. Com o inadimplemento da obrigação, em vezes não raras, o contratante fiel sofrerá danos diretos em razão da expectativa frustrada pelo comportamento r 21 Op.cit, p.59. Mas o professor português a seguir alerta: mas, precisamente por faltar uma disposição adequada ao caso, não devem os tribunais aplicar com excessiva rigidez o critério da inutilidade da prestação tardia. Deve-se reconhecer ao credor de obrigação sinalagmática a faculdade de recusá-la resolvendo o contrato, a partir do momento em que, por culpa do devedor, a prestação perca parte substancial da sua utilidade para o credo , tornando objetivamente justificada a decisão do credor de se libertar da sua obrigação. Idem, p.60. 19 antijurídico de seu par. Nesse particular, surge a responsabilidade civil contratual para regular as relações jurídicas que, a partir do inadimplemento culposo, podem se dar. Já se viu que não é qualquer inadimplemento que pode dar ensejo a indenização do credor, mas tão-somente aquele provocado pelo devedor, ou melhor, que a ele seja imputável (seja em razão de comportamento ilícito, como em virtude da própria natureza da obrigação – v.g. de resultado ou de garantia). Esse tormentoso problema de disciplinar o dever de indenizar a partir da ocorrência do inadimplemento foi bem resumido por CESARE BIANCA: l‘inadempimento comporta quindi una situazione antigiuridica che esige la riparazione dell’interesse leso, ma subordinatamente ad una valutazione di imputabilità dell’inadempimento in cui possono avere rilevanza per l’inadempiente determinate cause di esonero dalla responsabilità. La rilevanza di queste cause trova il suo fondamento nell’esigenza di fissare dei limiti al sacrificio imposto al soggeto nell’altrui interesse.22 Daí mais um fundamento para a orientação predominante da doutrina brasileira pela exigência de culpa como condição do dever contratual de indenizar. Uma vez configurado o dever de indenizar, pela soma do inadimplemento imputável e do dano que dele decorre, surge o problema de apurar qual será o dano que deve ser efetivamente ressarcido. Isto é, como precisar o objetivo da indenização? Colocar o credor na mesma situação em que se encontrava antes da obrigação ser celebrada ou ofertá-lo desde logo os benefícios que a mesma razoavelmente lhe iria proporcionar? A questão é ainda hoje atual. Com razão, identificar se apenas o dano negativo (que decorre da celebração do contrato), ou, além dele, também o positivo (que decorre da não 22 L’Obbligazione, p. 23. 20 satisfação das prestações) é devido não é questão que possa ser singelamente respondida. MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA aponta que, em Portugal, a solução ofertada pelo legislador e acolhida pela doutrina dominante vai ao encontro do acolhimento dos danos negativos, extirpando da pretensão do credor os danos positivos. É o que se vê na seguinte passagem: na verdade, optando o lesado pela resolução do contrato, seria em substância contraditório que, ao mesmo tempo, pedisse a indemnização pelo seu não cumprimento. O que decorre da lógica e coerência dessa opção é colocar o prejudicado na situação em que se encontraria se o contrato não houvesse sido celebrado. Portanto, não só exonerá-lo da obrigação que assumiu ou restituir-lhe a prestação por ele já efectuada, mas também indemnizá-lo do prejuízo que teve do facto de celeb ar o contrato (dano ‘in contrahendo`). De resto, o interesse contratual negativo, do mesmo modo que o interesse contratual positivo, abrange, em princípio, tanto os danos emergentes como os lucros cessantes (ar . 564, n. 1). Ao p ejudicado cabe assim o direito de exigir o ressarcimento, quer dos danos que representam uma desvalorização ou perda patrimonial, quer ainda dos que se traduzem numa não valorização ou frustração do ganho. Estes últimos, na esfera do interesse contratual negativo, reconduzem-se, ‘maxime`, aos lucros ou vantagens proveniente de outros negócios que se realizariam e não tivesse sido celebrado o negócio resolvido.23 r t r s r i 23 Direito das Obrigações, p.967-8. Na doutrina brasileira, a mesma posição é defendida pelo professor ARAKEN DE ASSIS: é por demais evidente a total incompatibilidade lógica entre a primeira teoria e a eficácia extintiva do remédio resolutório. Realmente, como situar o credor em posição equivalente à que resultaria do cumprimento, se o contrato foi destruído retroativamente? Por isso, embora o tema seja marginal à resolução e ao presente trabalho, o art. 1.092, parágrafo único, do Código Civil brasileiro contempla o chamado ‘inte esse negativo`; por conseguinte, a inden zação outorgada ao parceiro que cumpriu ou se ofereceu a isso recompõe o dano originado de se ter contratado inutilmente. A seguir, prossegue com ainda maior clareza: mas, na demanda de resolução, que implica retorno ao estado anterior, indenizar o interesse ‘positivo` implica conceder ao compromitente aquela vantagem – preço- devidamente corrigida, mais o respectivo lucro, ou seja, a valorização do imóvel. Ora, isto não se 21 Opinião diversa é sustentada pelo saudoso PONTES DE MIRANDA, em seu Tratado de Direito Privado. Para o professor pernambucano, o interesse negativo é o que vem em primeira plano. Pre ensão pelo interesse negativo é a pretensão a que se preste ao figurante do negócio jurídico aquilo que pode dar ao titular do negócio jurídico o que há de repor na situação em que estaria se não houvesse contado com a eficácia do negócio jurídico. (...) No direito brasileiro, não se indeniza só o que concerne ao interesse negativo, como em direito suíço. O que o contraente ou pré- contraente deixou de ganhar também é indenizado. Toma-se por base, por exemplo, o que valeria no momento da prestação da indenização o bem a ser prestado. O que se indeniza é o dano que resultou de se ter tornado sem efeito o que se cria que teria efeito.24 t A divergência que se observa na doutrina, mormente quando analisada a partir de modelos diversos do direito comparado, aponta para a não uniformidade do tema, que ganha novo fôlego com o novo Código. Com efeito, dentro do direito brasileiro, o art. 475 dispõe que a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo,em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos, os quais abrangem, além do que foi efetivamente perdido, também o que razoavelmente deixou-se de lucrar.25 Agora justifica, consoante o programa contratual: ao compromitente, que reterá o objeto da promessa no seu patrimônio, não se afigura razoável incorporar, ainda, a valorização da coisa, já integrada naquele, descontado o preço. (In Resolução do Contrato por Inadimplemento, p. 133-4). ANTUNES VARELA é bastante claro ao externar sua posição: se optar pela rescisão do contrato, o credor não pode, evidentemente, vir a reclamar da outra parte o lucro que ele teria alcançado, se o contrato tivesse sido cumprido e a prestação realizada na altura própria. O benefício que ele fundadamente pode reclamar, optando pela rescisão, é o lucro que teria obtido, se o contrato não tivesse sido realizado. É o chamado interesse contratual negativo ou o interesse da confiança (Direito das Obrigações, v.2, p.135). 24 In Tratado de Direito Privado, t. 38, p. 340. 25 Lapidar a lição de CAIO MÁRIO: na sua apuração, há de levar-se em conta que o fato culposo privou o credor de uma vantagem, deixando de lhe proporcionar um certo valor econômico, e também o privou de haver um certo benefício que a entrega oportuna da res debita lhe poderia granjear, e que 22 indaga-se: as perdas e danos se referem tão-somente ao interesse negativo ou, além dele, ao positivo? Sistematicamente, e de acordo com a cultura brasileira, tanto os interesses negativos são contemplados com perdas e danos, assim como os positivos, senão vejamos. Em que pese a orientação predominante dos sistemas europeus pela exclusão dos interesses positivos do âmbito indenizatório da resolução culposa, aqui no Brasil a solução deve ser diferente. Isto porque a razão do instituto da resolução é a eqüidade, de modo que essa não seria respeitada caso, na presença de culpa, a parte lesada somente pudesse contar com a reposição patrimonial tal como se achava antes da negociação, sendo privada dos benefícios que a mesma lhe traria, por ato culposo imputável a seu parceiro.26 Figuremos o seguinte exemplo: uma empresa produtora de eventos contrata uma prestigiada cantora para que no dia 13 de maio se apresente em , , i s também se inscreve na linha do dano. Como sua finalidade é restaurar o equilíbrio rompido seria insuficiente que o credor recebesse apenas a prestação em espécie, ou o seu equivalente pecuniário porque assim estaria reintegrado no seu patrimônio tão-somente o que lhe faltou, em razão do dano sofrido, mas continuaria com o desfalque correspondente ao benefício que a prestação completa e oportuna lhe poderia proporcionar. Não haveria, conseguintemente, restabelecimento patrimonial no estado em que ficaria, se o devedor tivesse cumprido a obrigação, e, ipso fato, não seria inden zado. As perdas e danos compreendem, em con eqüência, a recomposição do prejuízo correspondente ao que o credor efetivamente perdeu, e que as fontes denominam damnun emergens. Mas para serem completas deverão abranger também o que ele tinha fundadas esperanças de auferir, e que razoavelmente deixou de lucrar, parcela designada como lucrum cessans, e que nós chamamos lucro cessante. In Instituições, v.II, p. 214. 26 Nesse sentido, a seguinte ementa: “Promessa de compra e venda. Resolução. Mora configurada do promitente - comprador. Retenção por benfeitorias. Requisitos de admissibilidade. Art-744, parágrafo primeiro, incisos III e IV, CPC. Não merece amparo a pretendida indenização por benfeitorias, vez que esta não dispensa a prova de sua existência, conforme reza o artigo 744, parágrafo 1 e incisos, CPC, e deste ônus não se desimcumbiram os autores, vez que não comprovaram qualquer desembolso a titulo de benfeitorias no imóvel. Indenização. Perda do sinal de pagamento a titulo de indenização dos prejuízos oriundos da desistência do promitente - comprador. Manifesta a violação do interesse positivo da promitente vendedora no interesse do cumprimento do contrato implica em perda do sinal pago pelos promitentes compradores e indenização pelo uso do imóvel. Apelação parcialmente provida. (AC nº 598167831, 18ª C.C, TJRS, Rel. Des. Jorge Luís Dall’agnol, julgado em 17/12/98). 23 determinada Cidade. O contrato é celebrado, com o pagamento de substanciosa remuneração. Uma semana antes do evento, todos os ingressos já estão vendidos e diversos contratos de patrocínio são firmados, de modo que não há dúvidas de que o negócio seria altamente lucrativo para a produtora. Sucede que, um dia antes do evento, a música decide tirar férias pelo período de 10 dias, restando impossibilitada de cumprir o compromisso. Dentro dessa conjetura, certo que a produtora poderia, além de buscar o valor pago pela apresentação frustrada (interesse negativo), também aquilo que, caso o contrato fosse cumprido pontualmente, iria alcançar (interesse positivo, materializado na venda do televiosamento, nos bilhetes vendidos, nos patrocínios conseguidos). O cálculo da indenização deve levar em conta tanto o prejuízo suportado, como o grau de culpa do contraente agressor. Aqui, novamente o Código traz importante inovação, ao atenuar a aplicação do princípio da reparabilidade integral dos danos. O temperamento vem com a recepção da culpa como critério norteador para aferição da soma indenizatória.27 Aqui, dentro da responsabilidade contratual, a norma mostra-se preciosa, funcionando como meio de evitar o depauperamento injusto da parte que mediante culpa levíssima causa grandes danos à outra. O grande problema é definir quais os limites dessa proporcionalidade. A norma parece ter sido elaborada para coibir as situações extremas, de modo que sua utilização também deve limitar-se a tais hipóteses. Possui uma função secundária no sistema da responsabilidade civil, que é a de atenuar os efeitos que a aplicação cega do princípio da reparação integral dos prejuízos poderia importar. 27 Assim reza o art. 944: a indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização. 24 De toda sorte, enquanto não pacificado o tema pelas cortes, contam as partes com uma importante figura para disciplinar o tratamento da responsabilidade civil no que toca à avaliação da extensão do dano indenizável. Trata-se da cláusula penal, cuja função precípua, ao lado de quantificar atempadamente o dano sofrido, é limitar a responsabilidade decorrente do negócio jurídico, ofertando segurança aos contratantes à medida que obtêm ciência, de antemão, dos riscos a que se expõem. 4. Uma vez resolvido o contrato, por força da eficácia ex tunc da sentença desconstitutiva, é ordenado o restabelecimento do patrimônio jurídico das partes, tal como se encontrava antes da relação negocial. Em outras palavras, o estado anterior à celebração do contrato merece ser reposto, transferindo-se tudo aquilo que fora prestado. O raciocínio parece lógico, afinal se o contrato é anulado nada mais natural que seus efeitos também o sejam. Como não poderia deixar de ser, tal regra serve a contento para aquelas relações negociais de rápida duração, cujas prestações não são prolongadas no tempo e se podem individualizar facilmente. Se Viviane transfere sua biblioteca a Handel, sob o compromisso deste em oferecer o preço em três parcelas, uma vez restando inadimplente o varão, poderá a donzela resolver o contrato, hipótese naqual será obrigada a devolver aquilo que nosso personagem houvesse prestado. A restituição é realizada in integrum, salvo de ser constatada alguma avaria indenizável nos livros. Todavia, muitas vezes sucede que a relação negocial se prolonga no tempo, e por um período considerável oferta satisfação aos participantes. Figuremos a hipótese na qual uma empresa durante anos fornece café a outra firma, que o embala e coloca no mercado. Caso a segunda, abusando de seu direito e resvalando no princípio da boa fé objetiva, alienasse o produto fabricado para outra empresa concorrente da primeira, por seguro aquela poderia resolver o contrato, inclusive ressarcindo-se dos danos. 25 Entretanto, de pouca ou nenhuma valia seria para os litigantes uma decisão que ordenasse a devolução do dinheiro recebido por uma e do café pela outra durante o período que antecedeu a falta – mesmo porque tal seria impossível. Daí a conveniência do provimento jurisdicional ajustar-se às particularidades do direito material posto em causa e reconhecido.28 Nesse sentido, resta evidente que, ao menos nos contratos de trato sucessivo, a restituição é, além de difícil execução, indesejada.29 A restituição, assim, deve preservar a comutatividade existente na relação, sendo inútil sua aplicação nos casos em que as partes obtiveram parcial satisfação com o negócio jurídico, ao menos antes do mesmo ruir pela conduta imputável ao devedor. Dessa circunstância, apercebeu-se ENRICO DELL’AQUILA concluindo que se l’evitare un depauperamento del patrimonio del contraente non inadempiente è stata la ragione che ha spinto il legislatore ad introdur e nell’ordinamento l’istituto della risoluzione per inadempimento, ci sembra che una interpretazione dell’art. 1.458 c.c., che tenga conto dello scopo della norma, debba far propendere nem senso che sia disposta la restituzione parziale – e non totale – della somma che l’associante ha ricevuto, p oporzionandosi l’entità della res ituzione alla misura in cui egli abbia eseguito le proprie prestazione e, quindi, in rapporto all’utilità conseguita dall`associato.30 r r t f r 28 Nesse sentido, o próprio Código Português de 1966, ao dispor sobre os casos em que a resolução é admitida, traça, em seu art. 432, um anteparo ao remédio resolutivo, proibindo a parte que, por circunstâncias não imputáveis ao outro contraente, não estiver em condições de restituir o que houver recebido de resolver o contrato. 29 No mesmo sentido, ORLANDO GOMES: extinto o contrato pela resolução, apaga-se o que se executou, devendo-se proceder a restituições recíprocas, se couberem. Contudo, só é possível remontar à situação anterior à celebração do contrato se este não for de trato sucessivo, pois, do contrário, a resolução não tem efeito em relação ao passado; as prestações cumpridas não se restituem. O e eito da resolução entre as partes varia, pois, confo me o conteúdo. In Contratos, p.175. 30 In La Ratio della Risoluzione del contratto per inadempimento, p. 863-4 26 Uma situação bastante corrente em nossas Cortes diz respeito à resolução de promessa de compra e venda de bens imóveis. Em muitos casos, o promitente- comprador utiliza-se do imóvel enquanto mensalmente vai saldando as parcelas, até compor o preço total, dia no qual a propriedade do bem lhe é transferida. Entretanto, por circunstâncias diversas, pode ocorrer que algum dia o comprador não tenha mais condições de honrar as mensalidades, abrindo ao promitente-vendedor a via da resolução contratual. A conseqüência natural dessa iniciativa é a restituição patrimonial das partes, tal como se encontravam antes da avença. Entretanto, pode ter passado muito tempo desde a formação do vínculo até sua eliminação. Isso sem contar com o benefício havido pelo promitente comprador com a utilização do imóvel, com a qual livrou-se do pagamento de alugueres durante o período. A seu benefício, podem ser incluídas as benfeitorias que tenha realizado, as quais, juntas com o bem, retornarão ao patrimônio alheio. Enfim, todas essas peculiaridades devem ser levadas em conta, de modo que já na restituição ao statu quo ante tais valores sejam analisados e eventualmente compensados, com o fito de se evitar o enriquecimento ilícito.31 31 Nessa linha, inúmeras as manifestações do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: “ Promessa de compra e venda. Resolução. Restituição. Seja no sistema do Código Civil, seja no do Código de Defesa do Consumidor, a resolução do negócio leva a restituição das partes à situação anterior, nela incluída a devolução das parcelas recebidas pela vendedora, a quem se reconhece o direito de reter parte das prestações para indenizar-se das despesas com o negócio e do eventual benefício auferido pelo comprador quando desfrutou da posse do imóvel. - A perda do sinal em favor da promitente vendedora, - parcela de valor significativo, que a sentença não deferiu por excluída do pedido de restituição, - já é suficiente para satisfazer o direito de retenção, descabendo impor à promitente compradora, no caso, mais a perda de um percentual calculado sobre a "poupança". - Divergência não configurada. Recurso não conhecido.” STJ, Recurso Especial 171.951/DF, 4ª Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ:13/10/1998, p.129, RT, v.762, p.205. Em semelhante sentido: “ Promessa de compra e venda. Anulação do negócio. Restituição. Anulado o negócio e restituídas as partes à situação anterior, entre as parcelas a considerar está o valor correspondente à ocupação do imóvel pelos promissários compradores. Recurso conhecido em parte e parcialmente provido.” STJ, Recurso Especial 236.281/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ: 28/02/2000, p.89. Ainda: “ Promessa de compra e venda. Resolução do contrato. Restituição das parcelas pagas. Benfeitorias voluptuárias. A restituição das parcelas pagas pela promissária compradora pode Ser compensada com a indenização devida a promitente vendedora pelo uso do imóvel durante mais de 4 anos. Acertamento que deve ser feito pela sentença que desfaz o negócio. As benfeitorias voluptuárias, se o proprietário não optar por indenizá-las, podem ser levantadas pelo possuidor, quando não ocasionar o detrimento da coisa. Recurso não 27 Como se vê, merece temperamento a aplicação da restituição integral das prestações, pois alguns efeitos, a despeito da extinção do contrato, merecem ser mantidos como forma de estabilizar as relações jurídicas havidas. 5. A doutrina da resolução pela onerosidade excessiva encontrou na Itália seu berço legislativo. Dispunha o art. 1467, do Código Civil, que nei contratti a esecuzione continuata o periodica ovvero a esecuzione differita, se la prestazione di una delle parti è divenuta eccessivamente onerosa per il verificarsi di avvenimenti straordinari e imprevedibili, la parte che deve tale prestazione può domanda e la risoluzione del contratto, con gli effetti stabiliti dall`art. 1458. A seguir, vinham estabelecidas limitações: La risoluzione non può essere domandata se la sopravvenuta onerosità rientra nell`alea normale del contra o. La parte contro la quale è domandata la risoluzione può evitarla offrendo di modificare equamente le condizioni del contratto.32 r tt A preocupação do legislador peninsular era a de proteger os contraentes contra eventuais desproporções das prestações assumidas em razão do largo tempo decorrido entre a estipulação do contrato e sua execução. É certo que tanto mais próximoseja o adimplemento, quanto menor será o risco de que, em virtude de eventos extraordinários, sua prestação torne-se subitamente demasiado onerosa para conhecido.’ STJ, Recurso Especial 64.147/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ:18/12/1995, p. 44.580. 32 Seguiam outros dois artigos para disciplinar o instituto: art. 1468 (Contratto con obbligazioni di una sola parte). Nell`ipotesi prevista dall`articolo precedente, se si tratta di un contratto nel quale una sola delle parti ha assunto obbligazioni, questa può chiedere una riduzione della sua prestazione ovvero una modificazione nelle modalità di esecuzione, sufficienti per ricondurla ad equità. E art. 1469 (Contratto aleatorio). Le norme degli articoli precedenti non si applicano ai contratti aleatori per loro natura (1879) o per volontà delle parti (1448, 1472). 28 uma das partes. Daí a razão da figura da onerosidade excessiva, a qual visa tutelar primordialmente a vida dos contratos de execução diferida no tempo. A doutrina foi assimilada pelo Código Português de 1966, o qual, em seu artigo 437, disciplinando a figura da resolução por onerosidade excessiva, dispôs: 1.Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato. 2. Requerida a resolução, a par e contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior. t t Sem dúvida, o Código lusitano melhorou a redação do artigo, substituindo a expressão ‘imprevisível` pela dicção ‘anormal`. Tal mudança em parte supera o grave problema suscitado na Itália em razão do vocábulo ‘prevedibile`. Lá, os magistrados enfrentaram grandes dificuldades para precisar quais eventos que poderiam ser tidos como imprevisíveis. Primeiro, recorreu-se a fórmula do uomo diligente, assentando-se a regra de que imprevisíveis seriam os fatos que o bom pai de família não pudesse imaginar ao tempo da contratação. Entretanto, logo se viu que a fórmula era por demais imprecisa, afinal a mente humana é capaz de imaginar os mais extraordinários eventos. Eventos estes graves e que podem afetar a reciprocidade da relação contratual, como a guerra e as epidemias. Buscando superar o desconforto apontado, GIUSEPPE AULETTA propôs interessante exegese, na linha do próprio ordenamento português. Assevera o professor que a mio parere, sia il concet o di straordinarietà che quello di prevedibilità possono, con risultati di chiarezza, essere ricondotti al concetto di probabilità: se un evento non 29 è probabile, non è da ritenersi prevedibile.33 Com razão, se o escopo das normas relativas à onerosidade excessiva não é outro que o de re-equilibrar uma relação obrigacional que, em decorrência de eventos anormais, oferta enriquecimento a uma parte e, ao mesmo tempo, sensível empobrecimento a outra, o critério norteador para avaliar a ‘previsibilidade` do evento não pode ser outro que a sua probabilidade ou normalidade. A onerosidade excessiva também vem contemplada no novo Código Civil brasileiro. Neste, dispõe o art. 478 que: se nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se torna excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. A complementação necessária se dá através do art. 479, quando afirma que a resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.34 Embora encontre-se inserida no capítulo que trata da resolução do contrato, a onerosidade excessiva bem poderia ter sido posta em local destinado a disciplina da revisão do contrato, pois existe a possibilidade da resolução ser evitada mediante a modificação eqüitativa das condições do contrato. r Como se vê do texto legal, em que pesem as boas intenções do legislador nacional, no sentido de ofertar segurança aos contratos de execução diferida, acabou por cair na mesma armadilha do direito italiano (que, não à toa, lhe serviu aqui de modelo). Isto porque o texto deixa margem a interpretação no sentido de que, uma 33 In Risoluzione e rescissione dei contratti, seconda puntata, p.175. 34 A complementação se dá através do art. 480: se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva. 30 vez abstratamente previsível o evento, não há lugar para a figura da onerosidade excessiva. Essa interpretação, por evidente, não pode prosperar, pois, do contrário, a norma ali insculpida restará carente da mais mínima concretização, afinal o homem diligente é justamente aquele que mais imagina hipóteses abstratas (como a disparada do dólar ou da inflação), mas, no jogo das probabilidades, as têm por remotas. Portanto, o critério norteador é a normalidade dos eventos e não a previsibilidade abstrata de ocorrência (afinal nenhum fenômeno sob o céu é inédito, sendo sempre possível imaginar sua repetição). Outro requisito bastante criticável eleito pelo legislador brasileiro diz respeito a existência de extrema vantagem para a parte. Essa condição, com a máxima vênia de entendimento diverso, não se justifica, pois ainda que o credor tenha restado na mesma situação em que se encontrava – de modo que a onerosidade do par não lhe oferte extrema vantagem – a revisão ou resolução do contrato é possível. Justifica-se tal medida pela própria natureza da onerosidade excessiva, que é restabelecer o sinalagma funcional do negócio jurídico, livrando a parte ingênua de atingir seu patrimônio em virtude de circunstâncias alheias a que não deu causa. A medida é o dano do contratante afetado, e não o proveito do parceiro. Seja como for, valendo-se da redação italiana, portuguesa ou brasileira, é certo que a inspiração de todos os diplomas é similar, e isso se vê da própria semelhança dos textos, que retratam a preocupação com a higidez dos objetivos traçados quando da avença, mediante a precaução contra incertezas do destino. 5.1 Uma vez assentado o critério pelo qual se deva admitir ou não a resolução, qual seja a probabilidade do evento desestabilizador e não sua mera 31 previsibilidade, resta ainda considerar algumas questões relativas a onerosidade excessiva. De plano, convém seja esclarecida até que ponto estaria vedada a aplicação da resolução por onerosidade excessiva em contratos aleatórios. Estes, é sabido, caracterizam-se justamente pelo risco que os contratantes conscientemente assumem. Nessa medida, uma análise apressada poderia sugerir que a onerosidade excessiva jamais pudesse ser reconhecida em contratos desse jaez. Tal não é a melhor exegese, como se verá. Com razão, para que se bem precise o quão aleatório o contrato é, urge que apontemos quais os riscos que foram assumidos pelas partes e quais hipóteses, dada sua remota probabilidade, deixaram se ser ventiladas, afinal raros são os contratos em que os parceiros aceitam uma álea total. Nesse ponto,GIUSEPPE AULETTA traz interessante julgado da Corte de Florença, na qual uma pessoa comprometera-se com uma empresa a abster-se de trabalhar para outra concorrente. Como contraprestação, receberia um valor mensal até o final de sua vida. Como se vê, estava-se diante de um contrato aleatório, afinal ninguém saberia ao certo por quantos anos viveria o contraente. Entretanto, sobrevém um grave surto inflacionário na Itália que corrói a soma mensal ajustada. Esta situação, portanto, afetou substancialmente a economia e a reciprocidade do contrato. Insatisfeito, o florentino ingressa com ação de resolução, a qual é rejeitada pela Corte em razão de a onerosidade excessiva não poder ser aplicada em contratos aleatórios. A decisão não parece ter sido a melhor, afinal, pois mais aleatório que fosse o contrato, não havia dúvidas de que, ao menos esse evento, não estava coberto pelos riscos normais da contratação (a troca de prestação mensal para digna subsistência por auxílio no mercado concorrencial).35 35 In Risoluzione e rescissione dei contratti. Seconda puntata. 32 Como se vê, de todo conveniente que, antes de aplicarmos uma fórmula abstrata, no sentido de que em contratos aleatórios não há espaço para resolução por onerosidade excessiva, apontemos o raio da álea contratual, pois somente dentro dessa circunferência é que estará afastada a resolução. Quanto aos demais eventos, que afetem aspectos externos ao círculo, não há óbice para o reconhecimento da resolução. Outra questão interessante que se impõe registrar é a possibilidade do contratante inadimplente lançar mão da resolução por onerosidade excessiva, quando o evento atormentador tenha ocorrido após sua mora. No Direito italiano, não há dúvidas de que tal medida não é cabível. Entretanto, há que se estar ciente de que essa orientação pode acarretar de vez a extinção do vínculo e, em vezes não raras, importar em enriquecimento injustificado de um parceiro em detrimento do outro. Daí a conveniência de se vedar ao credor a opção da execução específica do pactuado quando essa prestação tenha se tornado manifestamente desproporcional e a mora de mínima duração. Resolve-se, por exceção, tudo por perdas e danos. Por fim, justifica-se a idéia de que a resolução por onerosidade excessiva não dá ensejo à responsabilização patrimonial pelo fato de que ela se assemelha ao inadimplemento inimputável. Ou seja, na excessiva onerosidade, não há como censurar o comportamento do devedor, que restou a mercê de acontecimentos improváveis e sofreu significativo ataque a seu patrimônio. Daí descaber indenização nesta hipótese de resolução. II. Já se vê que o novo Código alterou significativamente a disciplina da resolução contratual. Todavia, para que essas alterações específicas sejam entendidas, deve-se atentar para os novos paradigmas do direito contratual, também traçados pelo 33 diploma, através da incorporação de novos princípios, como a função social dos contratos e a boa fé objetiva. Não está a ruir o princípio da estabilidade do pacto, pois todos sabemos que o homem moderno, cada vez mais dependente dos pares, entabula vínculos negociais com notável freqüência, e sem o cumprimento sente-se inseguro. Entretanto, o contrato deve ser visto dentro do papel que lhe confia a sociedade, isto é, como elemento propulsor de trocas econômicas. Essas devem ser asseguradas e, somente por justificada exceção, inibidas. No que toca à resolução, observa-se a preocupação com a manutenção do contrato sempre que a troca abstratamente prevista quando de sua celebração tenha sido substancialmente alcançada. Quer isto dizer que não é todo e qualquer inadimplemento que gera a resolução, mas aqueles que, por sua gravidade, tornem sem valia o relacionamento havido. III. AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos Cont atos por Incumprimento do Devedor. Rio de Janeiro: Aide, 1991. r ___ O poder judiciário e a concretização das cláusulas gerais: limites e responsabilidade. In Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 18/221. ___ A Convenção de Viena e a resolução do contrato por incumprimento. In Revista de Informação Legislativa, v. 31, n. 121, p. 211-225, jan-mar, 1994. ALMEIDA COSTA, Mário Júlio de. Direito das Obrigações. 8. ed. Coimbra: Almedina, 2000. 34 ANTUNES VARELA, João de Matos. Das Obrigações em Geral, v. 1. 10.ed. Coimbra: Almedina, 2000. ___ Direito das Obrigações, v.2. Rio de Janeiro:Forense, 1978. ASSIS. Araken de. Resolução do Contrato por Inadimplemento. 3.ed. São Paulo: RT, 1999. ___ Dano positivo e dano negativo na dissolução do contrato. In Revista da Ajuri , 60. s AULETTA, Giuseppe. Importanza dell´inadempimento e diffida ad adempiere. In Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. Milano: Giuffrè, 1955. ___ Inadempimento imputabile e non imputabile. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, anno 1959, v.3-4, p. 1.050-1.067. ___ Risoluzione e rescissione dei contratti. Prima puntata. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1948, p.641-653. ___ Risoluzione e rescissione dei contratti. Seconda puntata. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1949, 170-181. BIANCA, Massimo Cesare. Diritto Civile. 3. Il Contratto. 2. ed. Ristampa. Milano: Giuffrè, 2000. CERVELLI, Francesco Maria. Profili della risoluzione del contratto per inadempimento. 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