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ÉTICA PARA O MEIO AMBIENTE

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ÉTICA PARA O MEIO AMBIENTE 
 
Para Flávia Neto, em memória. 
 
André Brayner de Farias
1
 
 
Introdução 
 
O tema da ética ambiental e do direito dos animais ganhou relevância a partir das 
discussões sobre a crise ecológica ou crise dos recursos da natureza, surgidas já no 
século XIX, mas intensificadas principalmente ao longo da segunda metade do século 
XX. De uma maneira geral a ética ambiental enquadra o conjunto das abordagens éticas 
que enfatizam a responsabilidade humana diante do meio ambiente, primeiramente 
entendido como os elementos da natureza, mas cada vez mais ampliando-se para 
envolver o conjunto de tudo o que nos envolve. A ética ambiental pode ser entendida 
como uma estratégia em vista da sustentabilidade ecológica da vida no planeta, que 
significa buscar respostas para questões do tipo: de que modo regular nossas ações para 
que as mesmas não comprometam as gerações futuras? Certamente, tais questões só 
podem surgir a partir do diagnóstico geral da crise ecológica, que vai tender 
inevitavelmente a encontrar sua principal causa no padrão de nossa atual civilização 
industrial e tecnológica. 
A discussão da ética ambiental, em geral, tem deslocado o acento antropocêntrico que 
caracteriza a tradição ética do ocidente. De fato, a tendência majoritária do discurso da 
ética ambiental vai buscar um equilíbrio de consideração moral entre animais humanos 
e não humanos, mais ou menos acentuado na direção de um igualitarismo, a depender 
da corrente de pensamento em questão. Mais ou menos radicais em sua defesa dos 
animais não humanos, as éticas ambientais tenderão a criticar o antropocentrismo de 
nossa tradição ético-filosófica. 
A crítica da racionalidade tecnocientífica, origem da civilização industrial, está 
frequentemente presente no debate da ética ambiental, constituindo um importante 
núcleo de entendimento e justificativa da questão. A análise é, em geral, a seguinte: o 
pensamento científico moderno surge com o pressuposto da objetividade da natureza e 
 
1
 Oceanólogo e Doutor em Filosofia. UCS/PUCRS. 
com o desenvolvimento do método experimental, a natureza torna-se cada vez mais 
objeto de experiência científica, objeto do conhecimento científico e, em seguida, objeto 
da produção e da transformação industrial, o que leva a natureza a ter os seus processos 
intensivamente acelerados, ao ponto de chegar aos seus limites e de esgotar a sua 
capacidade produtiva – é a chamada crise dos recursos naturais. Ou seja, partimos da 
racionalidade científica, avançamos para a tecnologia, a aliança entre a ciência e a 
técnica, daí para a industrialização e o uso intensivo da natureza, e finalmente chegamos 
ao ponto culminante, a escassez dos recursos naturais. Sem a oferta de recursos naturais, 
a vida está ameaçada. É necessária, então, uma relação mais crítica com a racionalidade 
que fundamenta e alimenta todo o processo, toda a cadeia de eventos que nos leva ao 
esgotamento da natureza como ameaça à sustentabilidade da vida. 
Outra questão que está em jogo na ética ambiental é a concepção de natureza: o que 
entendemos pelo termo natureza quando queremos ‘salvar a natureza’? O que nos 
permite separar o espaço da natureza do espaço da não-natureza, que chamamos de 
cultura? O que sustenta a ideia que fazemos de nós mesmos como seres culturais? A 
ideia de natureza tem uma história, e a nossa concepção de natureza, tecnicista e 
salvacionista, é tributária dessa história. Quando a ética ambiental levanta a questão de 
nossa responsabilidade face à natureza, obviamente que precisamos tomar consciência 
do estado atual da história da ideia de natureza. No mínimo porque a relação 
problemática que a nossa civilização mantém com a natureza, que tem levado ao quadro 
crítico de esgotamento de recursos, deriva de uma determinada representação, científica 
e objetificadora, que reduz a natureza a reserva de matéria-prima. Quando tomamos 
consciência do desequilíbrio ecológico e advogamos a favor da preservação ambiental, 
contribuindo, dessa forma, para uma certa ‘sacralização da natureza’, nossa adesão à 
causa da natureza está de fato apontando para uma outra representação da natureza ou 
está apenas mostrando o outro lado da ideia objetificadora, que responde, como 
sabemos, pelo mesmo desequilíbrio ecológico que nos desperta o amor pela natureza? 
Tais questões estão em jogo no debate da ética ambiental. 
Uma ética ambiental que seja propositiva deve ser crítica do atual modelo de 
desenvolvimento econômico, baseado na produção intensiva de bens e serviços e no 
consumo descartalizante, não apenas pelo fato óbvio do acúmulo de lixo e do 
desperdício de energia e de recursos, mas principalmente pela racionalidade 
objetificadora que projeta o modelo econômico. O discurso da ética ambiental precisa 
despertar a consciência de que a questão da crise ecológica, o esgotamento da natureza 
coincide com a questão do esgotamento de um modelo de racionalidade econômica. E a 
tendência do modelo econômico é adaptar-se a demanda do equilíbrio ecológico, 
tornando-se uma economia verde
2
. Mas a economia verde continua jogando o mesmo 
jogo da produção intensiva e do consumismo que descarta e entulha. Nossa tendência é 
tornarmo-nos consumidores verdes, quando reduzimos o discurso da ecologia a uma 
discussão estritamente econômica, acreditando cegamente no poder autorregulador do 
mercado e na ação de uma suposta mão invisível. A ética ambiental deseja se 
comprometer com uma mudança mais estrutural - da matriz axiológica e da cultura, o 
que envolve também a economia. Mas não se trata de uma discussão econômica da qual 
se esperaria a proposição de um novo modelo de produção. O que se deve esperar, a 
partir do discurso da ética ambiental, uma vez que ele tem espaço, vez e voz, é que 
qualquer que seja o modelo econômico ele deve ser necessariamente sustentável
3
, ou 
seja, ele deve saber responder às demandas das gerações futuras, deve considerar a 
viabilidade da sociedade humana do ponto de vista de sua reprodutibilidade, de seu 
fluxo, de sua duração. 
O presente capítulo está dividido em três partes, sem contar a introdução e a conclusão: 
a primeira parte fará uma apresentação geral e uma discussão comparativa das 
principais correntes da ética ambiental. O elenco de perspectivas de ética para o meio 
ambiente é grande e foge às dimensões deste capítulo. Dadas as limitações optamos pela 
análise de três correntes bastante significativas do ponto de vista do debate filosófico: o 
sencientismo, o biocentrismo e o ecocentrismo – o objetivo da primeira parte é estudar o 
estado atual da discussão filosófica em ética ambiental; a segunda parte propõe uma 
problematização da ideia de natureza no contexto da crise ecológica, o objetivo dessa 
discussão é a superação crítica de certos dilemas que envolvem o pensamento ecológico 
de cunho ético e político em defesa da natureza. A terceira parte dedica-se a apontar 
novos caminhos de desenvolvimento de uma ética para o meio ambiente a partir das 
consequências críticas da problematização filosófica da natureza, chamaremos tal 
perspectiva de ética ambiental vitalista. 
 
2
 Ricardo Abramovay em Muito além da economia verde propõe que o novo modelo de vida econômica 
seja fundamentado numa nova aliança entre sociedade e natureza, economia e ética: “A importância da 
ética na vida econômica não é apenas uma nova e longínqua aspiração filosófica alternativa, e sim um 
traço decisivo da vida social e que a sociedade da informação em rede valoriza de forma inédita”. 
(ABRAMOVAY, 2012. p. 25). 
3
Para uma abordagem doconceito de desenvolvimento sustetável, consultar NOBRE, Marcos; 
AMAZONAS, Maurício de Carvalho (Orgs.). Desenvolvimento sustentável – a institucionalização de um 
conceito, e também LEFF, Enrique. Discursos sustentáveis. Referências completas ao final. 
 
1. Paradigmas da ética ambiental: o estado atual da discussão 
 
Em geral as correntes da ética ambiental dividem-se conforme o alcance de seus 
critérios de consideração moral. O foco principal e comum é o valor moral da 
natureza, e aqui se inscreve a tendência que distancia as éticas ambientais das 
éticas tradicionais. A abordagem ambiental tende a criticar o antropocentrismo 
que, em linhas gerais, caracteriza o discurso da abordagem tradicional. O 
antropocentrismo das éticas tradicionais não admite nenhuma consideração 
moral além do ser humano, e mesmo quando se trata de responder aos 
problemas da crise ecológica, os argumentos continuam centrados nos interesses 
humanos: devemos salvar a natureza não exatamente porque ela mereça uma 
consideração moral, mas porque percebemos que dela dependemos: toda nossa 
condição econômica, portanto nossa sobrevivência, está baseada nos recursos 
dos ecossistemas. As éticas ambientais propõem linhas de argumentação que 
ampliam o nicho da consideração moral para além dos interesses humanos, e 
nesse sentido, rompem com o antropocentrismo tradicional. 
Abordaremos a seguir algumas das principais correntes, procurando entender o 
núcleo argumentativo de cada uma, bem como propondo pontos de 
problematização para que o debate permaneça aberto e não linear. Não 
partiremos aqui para buscar verdades, mas antes para propor divergências 
afirmativas e não exclusivistas de perspectivas, pois nenhuma corrente de 
pensamento deveria se pretender suficiente. 
1.1 O sencientismo 
O argumento central do sencientismo
4
, também chamado de ética do bem 
estar animal, baseia-se na senciência. Entende-se por senciência a 
capacidade dos animais para sentirem dor e prazer, permitida pela presença 
de consciência e sensibilidade. Esta corrente enquadra-se na ética 
utilitarista
5
, que baseia a decisão moral nas consequências da ação e não em 
regras gerais a priori. Segundo a doutrina utilitarista a melhor ação é aquela 
 
4
 Para uma abordagem apurada do sencientismo ver: FELIPE, Sônia T. Antropocentrismo, sencientismo e 
biocentrismo: perspectivas éticas abolicionistas, bem-estaristas e conservadoras e o estatuto de animais 
não humanos. Revista Páginas de Filosofia, v.1, n.1, jan-jun/2009. 
5
 Ver neste Manual de ética o capítulo O consequencialismo, de Cinara Nahra. 
capaz de gerar as melhores consequências para o maior número de 
envolvidos, e as melhores consequências são sempre aquelas que podem 
gerar maior felicidade, maior prazer e maior bem estar, ou, negativamente, 
aquelas ações capazes de diminuir o grau de infelicidade e sofrimento. O 
raciocínio da moral utilitarista rompe com o critério das éticas tradicionais 
baseado na racionalidade: a moralidade não se restringe à comunidade dos 
seres racionais, mas à comunidade dos seres sencientes, ou seja, são dignos 
de consideração moral todos os animais capazes de sentir dor e prazer. O 
utilitarismo propõe que ao invés de perguntarmos sobre se é capaz de 
pensar, perguntemos sobre se é capaz de sofrer. O sencientismo é a vertente 
utilitarista da ética ambiental e seu principal representante contemporâneo é 
o filósofo Peter Singer.
6
 
Na ética do bem-estar animal o ponto de partida é uma classificação dos 
animais conforme o critério da senciência. É a capacidade de experimentar 
dor e prazer a condição para a entrada do animal na comunidade dos seres 
dignos de consideração moral. A observação empírica demonstra a 
capacidade dos animais em expressar a dor e o prazer, e quanto mais 
evoluídos, quanto maior é a tendência de especialização do sistema nervoso, 
mais sencientes se tornam os animais. Esse é um aspecto problemático da 
abordagem senciocêntrica, pois a teoria pressupõe uma certa objetividade da 
capacidade de sentir dor e prazer, dificilmente verificada na experiência. A 
divisão tende a ser forçosa por falta de condições objetivas que 
fundamentem com precisão a capacidade biológica de sentir dor e prazer, e 
também deve admitir uma certa linearidade, problemática, do processo 
evolutivo da vida
7
. Obviamente que os vertebrados parecerão mais dignos 
moralmente, pois o seu comportamento de reação à dor é bastante 
semelhante ao nosso. Um certo antropocentrismo parece querer se insinuar 
na medida em que a ética da senciência toma como referência o 
comportamento semelhante ao nosso. Mas o que nos autoriza a negar a 
senciência ao invertebrado incapaz de gemer ou de gritar? Eis uma 
dificuldade do argumento utilitarista: como entender ou como escutar a 
 
6
 Autor, dentre outras obras, de Ética prática e Libertação animal. 
7
 No próximo item apresentaremos uma visão não linear de evolução da vida, que permitirá novos focos 
de análise. 
sensibilidade e consciência
8
 dos animais em geral para além do código 
comportamental comum à maioria dos vertebrados? Como decidir sobre a 
senciência em geral se nossa compreensão a respeito da capacidade de sentir 
deriva de nossa própria senciência? Essas questões encontram uma resposta 
na perspectiva biocêntrica. 
A partir do momento em que podemos decidir quais são os que sofrem e 
quais são os que não sofrem, a partir do momento em que aceitamos que o 
sofrimento é uma categoria biológica, localizada no sistema nervoso, e 
concluir que uns sofrem e outros não, ampliamos o nicho da moralidade para 
abrigar os animais que sofrem. Os seres morais do sencientismo são aqueles 
que, segundo o nosso critério de senciência, expressam sensibilidade à dor e 
sofrimento. O argumento utilitarista estabelece a nossa obrigação moral na 
comunidade senciente: agir de modo que as consequências da ação não 
signifiquem sofrimento e, de preferência, que elas resultem no incremento 
do bem estar. 
1.2 O biocentrismo 
A abordagem biocêntrica
9
 da ética ambiental amplia a comunidade dos seres 
morais a todo organismo vivo. O argumento central estabelece que toda vida 
constitui um centro teleológico, todo organismo vivo tem uma finalidade. A 
ação moral deve, portanto, reconhecer o interesse inerente ao ser vivo de 
permanecer vivendo, ou seja, cumprindo a sua finalidade. O critério da 
senciência é alvo de crítica, pois a capacidade de sofrer não resolve o 
problema da moralidade ambiental: para o biocentrismo a capacidade de 
viver, por ser anterior e mais fundamental, é que deve pautar o decisionismo 
moral. Ainda que não sejamos capazes de compreender o valor inerente que 
toda forma de vida constitui, é possível que sejamos capazes de intuí-lo: o 
esforço mais próprio e genuíno da vida, o da manutenção de si mesma, é 
 
8
 Entenderemos consciência como dimensão coextensiva da vida, tal conceito será aprofundado 
proximamente. 
9
 Consultamos para este item: STÖHR, Andreas. Ética e ecologia: um levantamento sobre os 
fundamentos normativos da ética ambiental. Em: NOBRE, M; AMAZONAS, M. C. (orgs.). 
Desenvolvimento sustentável – a institucionalização de um conceito; FELIPE, Sônia T. Antropocentrismo, 
sencientismo e biocentrismo – perspectivas éticas abolicionistas, bem-estaristas e conservadoras e o 
estatuto de animais não-humanos; TAYLOR, Paul W. The Ethics of Respect for Nature, disponível em: 
www.umweltethic.at, acesso em junho de 2013. Indicamos também o volume especial da revista ETIC@, 
Revista Internacionalde Filosofia da Moral, da UFSC, dedicado ao tema da ética ambiental. O volume 
apresenta uma excelente abordagem sobre o debate em ética ambiental, apresentando autores como 
Tom Regan, Paul Taylor e Kenneth Goodpaster, expoentes do pensamento ambiental estadunidense. 
aquilo que produz e indica o valor da vida. Está em questão o 
reconhecimento da autonomia prática das formas de vida, ou seja, a tomada 
em consideração do valor que constitui a capacidade inerente à vida de 
autoprover-se. 
A crítica ao antropocentrismo toma a forma radical do combate à 
discriminação especista, sustentada por um modelo linear de evolução
10
. 
Uma ética que tem como centro de decisão o conceito de vida simplesmente 
não vai admitir nenhuma vantagem moral a espécies mais evoluídas. O grau 
evolutivo deixa de valer como critério moral a favor do valor inerente da 
vida. 
A objeção mais óbvia ao modelo de ética biocêntrica diz respeito a própria 
sustentabilidade da vida, que impõe aos organismos a necessidade de se 
alimentarem de outros organismos, processo que a ecologia chama de cadeia 
alimentar. O biocentrismo parece sugerir um igualitarismo que problematiza 
o encadeamento alimentar que sustenta a vida, e que nos levaria a considerar 
a morte de um ser humano tão condenável quanto a morte de qualquer outro 
animal. A resposta biocêntrica é que a interferência na vida de outros seres 
impõe uma justificativa razoável. Em princípio, não há nenhum dado 
objetivo que torne uma forma de vida mais valiosa ou mais merecedora de 
consideração do que outra, apenas a necessidade de sobrevivência pode 
justificar a interferência na vida de outro organismo. Assim, de acordo com 
o biocentrismo, a morte de um ser humano resultante de uma ação extrema 
de autodefesa pode ser justificada da mesma forma como a morte de um 
animal para prover a necessidade de sobrevivência em circunstâncias 
igualmente extremas; por outro lado, não tenho razão moral para esmagar 
uma fileira de formigas simplesmente porque tenho nojo desses insetos. É 
preciso que as razões sejam fortes o suficiente, e elas não podem favorecer 
sempre o interesse humano, pois o centro do interesse é a vida sem distinção 
de espécie. 
 
10
 No próximo item tratamos do conceito de especismo em sua relação com o modelo linear de evolução 
biológica. 
O modelo biocêntrico de Paul Taylor
11
 propõe quatro regras básicas que 
devem ser seguidas se quisermos levar a sério o respeito pela natureza: a 
não-maleficência, a não-interferência, a fidelidade e a justiça restitutiva. 
Por não-maleficência entende-se a regra que nos obriga a não praticar ações 
que possam fazer mal ao paciente moral. Entende-se por paciente moral o 
partícipe da comunidade moral incapaz de compreender as ações que pratica 
ou sofre ou todo ser que age sem o comando de uma autoconsciência 
deliberativa. Obviamente que pacientes morais não cometem maldade, 
simplesmente porque não são capazes de compreender suas próprias ações, 
portanto, não podem ser responsabilizados. Agente moral é todo ser humano 
capaz de deliberar e compreender as consequências de suas próprias ações. A 
regra da não-maleficência obriga o agente moral a não praticar ações que 
privem qualquer espécie viva de sua própria vida ou que prejudiquem sua 
comunidade. 
Por não-interferência entende-se a regra que nos impede de interferir na 
liberdade de outros seres vivos. O organismo é livre quando goza de todas as 
condições naturais para o seu autoprovimento, como alimentação, abrigo e 
possibilidade de escolher o seu território e constituir a sua comunidade. Toda 
ação que interfira em qualquer desses processos da vida livre deve ser 
evitada. São compreendidas como interferentes também as ações de manejo 
e controle da vida selvagem, como são, em geral, as práticas 
conservacionistas, e não importa se tais medidas são bem intencionadas, pois 
elas partem de um pressuposto autoritário que impõe à natureza um 
ordenamento artificial e centrado no interesse humano. Assim, qualquer 
forma de captura, controle e confinamento da vida, para o bem ou para o 
mal, não pode ser justificada do ponto de vista biocêntrico, pois significa o 
prejuízo da liberdade dos indivíduos, condição básica para o exercício de sua 
autonomia prática. 
Por fidelidade entende-se a regra que obriga o agente moral a não trair a 
confiança que recebe em seu convívio com os outros animais. A confiança é 
a condição mais básica da relação pacífica entre indivíduos, ela é inocente, 
pois implica na entrega das armas quando ocorre o encontro. Um animal é 
 
11
 Filósofo estadunidense, uma das principais referências da ética biocêntrica, autor da obra Respect for 
nature: studies in moral, political and legal philosophy. 
capaz de conviver pacificamente com o outro quando sua relação é capaz de 
produzir confiança mútua e, consequentemente, mútua recusa de autodefesa. 
Significa a capacidade de acolher eticamente a existência do outro.
12
 A 
ausência de articulação intelectual por parte dos animais não humanos abre o 
código da confiança para horizontes ampliados, que fogem do nosso alcance 
de compreensão. Os animais se entregam a nós a partir de seus horizontes e 
nós, em geral, nos aproveitamos da nossa inteligência para ludibriar a 
confiança que os animais nos dão tão genuína e gratuitamente. O mesmo 
acolhimento responsável que somos capazes de dar a um bebê humano 
recém nascido devemos aprender a dar aos animais, que como os bebês não 
articulam intelectualmente, são pacientes morais. Segundo o biocentrismo, 
não só aos animais, a todo ser vivo animal e vegetal. A regra da fidelidade 
diz simplesmente que não temos o direito de trair a confiança dos animais 
nas relações que compomos com eles. 
Por justiça restitutiva entende-se a obrigação de restituir aos animais e 
plantas os danos que lhes provocamos. Preferencialmente que ela seja a 
última alternativa, pois, por exemplo, se respeitamos a regra da não-
interferência, a justa restituição não precisa ser mobilizada. Obviamente que 
se quisermos imaginar uma sociedade decidida a viver conforme o modelo 
ético biocêntrico, dificilmente conseguiremos imaginar a justiça restitutiva 
não ser a regra mais frequentemente aplicada, tardaríamos muito em 
aprender a viver conforme a regra da não-interferência, e, portanto, teríamos 
que restituir com muita frequência. Digamos que o ideal de justiça 
biocêntrica seja uma sociedade capaz de viver sem provocar interferência, 
para que não corra o risco de causar mal, para que não corra o risco de trair a 
confiança e, finalmente, para que não necessite restituir. 
(Um inevitável questionamento. Nossa sociedade teria que primeiro restituir 
bastante, por bons períodos de duro aprendizado, até que conseguiríamos 
viver em sociedade não interferente. Sejamos aqui bem francos: é muito 
difícil imaginar uma tal composição ecológica entre as comunidades bióticas 
 
12
 Ricardo Timm de Souza discute a questão ambiental a partir da categoria da alteridade, situado, 
sobretudo, na teoria ética de Emmanuel Levinas. Para o autor, uma ética ambiental deveria acolher a 
natureza como alteridade ética, e não ficar iludida com uma visão holística e ingênua de natureza. Esta 
proposta está de acordo com a ideia de confiança, muito sensível e significativa para a chamada ética da 
alteridade levinasiana. 
humanas e não humanas. Primeiramente é muito artificial e ilusória a 
divisão que esta teoria pressupõe que exista entre natureza e sociedade 
humana ou cultura.É muito difícil que uma tal sociedade, bastante 
hipotética, diga-se, de um realismo e de um pragmatismo remotos, não tenha 
que estabelecer áreas de proteção ambiental para isolar a natureza das 
violentas e não merecedoras de confiança sociedades humanas. Como se as 
sociedades tivessem brotado do nada, de uma não natureza, como se não 
fôssemos o trabalho livre da própria natureza, o princípio natural da 
indeterminação que ganha corpo no psiquismo humano. O biocentrismo é 
uma reverência incondicional ao valor da vida, sem distinção de espécie, e 
nesse aspecto, é o exemplo mais elevado de ética ambiental autêntica, mas 
padece ainda de uma visão romântica de natureza, quando idealiza um 
mundo onde humanos não interferem na vida que julgam natural. Como não 
admitir que não temos saída a não ser convivendo com a natureza e todos os 
seres vivos? Talvez o biocentrismo possa privilegiar a regra da fidelidade, 
pois certamente não tem melhor lição a ser aprendida por nós humanos do 
que a da confiança. Creio que seja muito menos artificial e mais fácil de 
imaginar uma cultura capaz de acolher a natureza e todos os seus seres como 
se acolhe alguém em sua própria casa. Seria esta uma sociedade 
autenticamente biocêntrica). 
1.3 O ecocentrismo 
O ecocentrismo é o conjunto das correntes de ética ambiental que estendem o 
critério de consideração moral para além das entidades vivas. Passam a merecer 
valor moral as paisagens, os rios, a atmosfera, as florestas, as montanhas. 
Ganham voz as noções de ecossistema e biotic community (comunidade biótica). 
O conceito clássico de ecologia, cunhado pelo darwinista alemão Ernst Haeckel 
(1834-1919), que acentua o caráter da interação, entre indivíduos e destes com 
seu meio, é apropriado para enfatizar o valor supremo da comunidade. Se no 
biocentrismo, a vida é o centro de gravidade da moral, no ecocentrismo, o valor 
moral é desindividuado: o indivíduo não vale tanto quanto a sua comunidade, ou 
antes, vale na medida de sua relação com a comunidade. O foco se volta para o 
coletivo, não o indivíduo, mas a população; e não só a comunidade biótica, mas 
a paisagem física, os rios, as montanhas. 
É preciso haver um equilíbrio na composição das populações. Se uma população 
se sobressai a outras algo está errado, um prejuízo para a biodiversidade que 
mantém a beleza e a integridade dos ecossistemas. A saúde dos indivíduos está 
subordinada à saúde da população; a saúde da população está subordinada à 
saúde da comunidade de populações; a saúde da comunidade está subordinada à 
saúde do ecossistema, que por sua vez está subordinada à saúde da biosfera, o 
planeta Terra. O individual se dilui no todo, por isso o ecocentrismo é um tipo 
de ética ambiental holística, o valor está no todo e as partes valem enquanto 
estão integradas, ou seja, dependendo da forma como estão integradas nesse 
todo. 
O paradigma do ecocentrismo
13
 é a ética da Terra de Aldo Leopold (1887 – 
1948), certamente uma das mais importantes corrente de ideias que influenciou o 
movimento ecológico, notadamente estadunidense, no século XX. Em seu 
pequeno artigo intitulado Ética da Terra (The Land Ethics), presente no livro A 
Sand County Almanac (1949), encontramos a fórmula básica do ecocentrismo: 
“Uma coisa está certa quando tende a preservar a integridade, a estabilidade e a 
beleza da comunidade biótica; está errada quando tem a tendência inversa” 
(LEOPOLD, 1949.). O desequilíbrio entre populações traz como consequência o 
prejuízo da comunidade biótica, que se torna feia, instável e desintegrada. É 
necessário evitar que isso aconteça promovendo o controle das populações. 
Dado que o ecocentrismo também não discrimina por espécie, é uma ética não 
especista, toda e qualquer população é alvo de controle e está sujeita a medidas 
radicais para sua contensão. O que significa concretamente que, da mesma 
forma como controlamos com veneno uma determinada praga de insetos 
transmissores de doenças, teríamos que promover o extermínio de populações 
humanas para devolver a estabilidade, a beleza e a integridade do ecossistema. 
Mas teríamos antes que decidir os critérios para distinguir os elimináveis. 
 
13
 Algumas referências sobre ecocentrismo consultadas para a produção deste item: STÖHR, Andreas. 
Ética e ecologia: um levantamento sobre os fundamentos normativos da ética ambiental. Em: NOBRE, 
M.; AMAZONAS, M.C. (Orgs.). Desenvolvimento sustentável – a institucionalização de um conceito; 
GALVÃO, Pedro. O dilema da ética da Terra (Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa), que analisa 
sobretudo as implicações ecofascistas do modelo ecocêntrico de Aldo Leopold, retirado de: 
http://pedrogalvao.weebly.com/artigos.html, acesso em junho de 2013; FERREIRO, Maria de Fátima 
Palmeiro. Paisagens invisíveis: a ética da Terra segundo Aldo Leopold, retirado de: 
www.apdr.pt/siterper/numeros/RPER20/20.8.pdf, acesso em junho de 2013; DIÉGUES, Antônio Carlos. 
O mito moderno da natureza intocada, sobretudo o capítulo I, onde se analisa a ética da Terra na 
história do pensamento e do movimento conservacionista nos Estados Unidos. 
Sabemos que o Nazismo se fez com base em argumentos muito semelhantes a 
este, que reverenciavam a grandeza da raça ariana e justificavam o genocídio. 
De fato, a ênfase no valor da comunidade em detrimento do indivíduo e o caráter 
não especista da ética da Terra abrem espaço para a acusação de que o 
ecocentrismo seria uma ética ambiental fascista, um ecofascismo. Embora seja 
muito improvável que um genocídio se pratique atualmente em nome do 
equilíbrio ecológico, ao menos temos razões para esperar que um Estado que o 
fizesse deliberadamente seria condenado moral e politicamente pelos 
organismos internacionais responsáveis; embora não pareça justo acusar de 
fascistas os adeptos do argumento ecocêntrico, temos razões de sobra para temer 
as consequências práticas e políticas de levarmos a sério o projeto social e 
ecológico de um modelo como o da ética da Terra. Sobretudo por que parece 
bastante ingênuo e pouco consistente o argumento que nega o valor moral da 
individualidade, transferindo-o para o coletivo, e se tem algo com o qual a 
filosofia não pode conviver é a ingenuidade e a falta de consistência. 
Não podemos ser ingênuos, em nenhum aspecto. 
No que diz respeito a ideia fundamental que mobiliza o discurso da ética 
ambiental, sintetizada no nosso dever de respeitar a natureza, duas observações 
são importantes: primeiramente, pecamos por ingenuidade acreditando que 
estaremos salvando a natureza através da implantação de unidades de 
conservação; depois, pecamos por má-fé se continuarmos a praticar os abusos 
que tem levado ao quadro geral da crise socioambiental, criando ilusões que 
justificam a continuidade inevitável e irrecusável do crescimento econômico, 
que por mais verde que possa ser, nunca vai deixar de pressionar negativamente 
o planeta. 
Há uma necessidade urgente que se coloca para a ética ambiental, que 
certamente passa pela revisão de nossa ideia de natureza e da relação que temos 
que ter com ela. 
 
2. Sobre a ideia de natureza desde uma perspectiva não linear da evolução 
Certamente um grande mérito de Darwin foi mostrar que o homem é tão animal 
como qualquer outro animal da natureza. O pensamento evolucionista é, nesse 
sentido, um golpe contra o antropocentrismo. Ao mesmo tempo o animal mais 
inteligente da natureza está na ponta da lança da evolução, e o darwinismo não 
consegue escapar do modelo linear de interpretação da vida, herdeiro de 
Aristóteles. Por conta de uma tendência linear ou unilateral o evolucionismo de 
Darwin ao mesmo tempo em que deslocao ser humano do centro, posiciona-o 
na condição de mais evoluído. Se o evolucionismo não se presta para uma 
apropriação moral, dado que Darwin está analisando fenômenos da natureza, 
onde vigora um determinismo independente da construção deliberada e 
consciente de valores, no entanto ele está no fundo do argumento 
antropocêntrico que sustenta a supremacia ou a exclusividade da condição moral 
do ser humano. 
Os defensores de uma ética para os animais acusam a tradição moral majoritária 
do ocidente de ser especista. O especismo é a posição que discrimina o valor 
moral dos animais conforme o grau evolutivo de sua espécie. O argumento do 
especista é semelhante ao do racista e do sexista: a diferença de espécie, de cor 
da pele e de sexo implicariam em diferença de valor moral. E da mesma forma 
como discriminar moralmente um indivíduo pela cor de sua pele ou pelo seu 
sexo é absurdo e arbitrário, discriminar pelo grau evolutivo da espécie também 
carece de fundamento. Obviamente que o especismo é anterior ao 
evolucionismo, provavelmente se confunde com a própria história do Homo 
sapiens, mas a teoria evolutiva fortalece a convicção de nossa superioridade 
moral, ao mesmo tempo em que abre perspectivas para o descentramento 
humano. 
Um evolucionista não precisa ser necessariamente um especista, basta que ele 
consiga admitir para o fenômeno da vida um desenvolvimento não linear. 
O filósofo francês Henri Bergson (1859 – 1941) propõe em sua obra Evolução 
criadora (1907) um modelo de evolução que rompe com o esquema da 
linearidade. Bergson entende que a vida evolui não em uma única direção, mas 
tomando vias divergentes. O movimento da vida obedece a um princípio de 
diferenciação, que consiste na variação dos caminhos pelos quais a vida 
encontra saídas para expandir o seu fluxo. O princípio de diferenciação não 
obedece a uma finalidade dada a priori nem se reduz à teoria da adaptação 
darwiniana, que tende a uma explicação mecânica da interação entre organismo 
e meio. O princípio da diferenciação e a ideia das linhas divergentes propostos 
por Bergson tem a dupla vantagem de fortalecer argumentos não especistas e de 
problematizar a ideia de natureza pelas consequências do desenvolvimento da 
inteligência. Essas vantagens interessam, como veremos, para o projeto de uma 
ética do meio ambiente. 
Segundo Bergson, três são as direções fundamentais que a vida toma no 
processo evolutivo, são elas: o torpor vegetativo, o instinto e a inteligência. A 
vida ou, mais especificamente, o impulso vital é uma espécie de consciência que 
invade a matéria forçando-a a assumir as variadas formas dos seres vivos. Cada 
organismo é um resultado mais ou menos exitoso desse processo que é o 
movimento de expansão do impulso vital. A consciência está presente em toda 
forma de vida, embora na grande maioria permaneça adormecida, e tudo indica 
que ela está mais associada à função locomotora da vida animal. Quanto mais se 
complexifica a função locomotora, mais a consciência se expande. 
Os vegetais tendem à fixação, produzindo e armazenando continuamente energia 
através do processo fotossintético. Os animais tendem ao movimento e 
desenvolvem dispositivos para assimilar a energia produzida pelas plantas e por 
outros organismos. A atividade animal vai se desenvolver em duas grandes vias, 
o instinto, que prevalece na vida invertebrada, e a inteligência, que evolui na 
direção dos vertebrados. O mais importante a se notar nesse modelo de Bergson 
é o caráter divergente do movimento de expansão da vida: a inteligência não é a 
superação evolutiva do instinto, nem o instinto uma espécie inferior de 
inteligência, senão que instinto e inteligência configuram dois métodos distintos 
e eficientes de solução para os problemas da vida animal. São tendências da 
vida, e entre elas vigora uma diferença de natureza e não apenas de grau: o 
esquema tradicional, linear, não reconhece a importância da diferença de 
natureza porque se acostumou a ver na evolução da vida apenas uma graduação 
que se desdobra dos vegetais até a vida inteligente. 
O processo de diferenciação é uma seleção de tendências que diferem por 
natureza: a via dos invertebrados é adequada para o desenvolvimento instintivo, 
que chega a seu ápice nos insetos himenópteros, formigas e abelhas; a via dos 
vertebrados é adequada para o desenvolvimento da inteligência, que chega a seu 
ápice no ser humano. Mas a diferenciação não exclui a outra tendência, ainda 
que selecione e privilegie o desenvolvimento de uma delas. Obviamente que não 
deixamos de ser instintivos porque nos tornamos inteligentes, aliás o instinto 
permanece sendo a grande força de sustentação da vida. 
Mas importa saber em que o instinto difere da inteligência. O que há em cada 
tendência que só se observa nela? A consciência encontra na rota dos 
vertebrados, os animais que desenvolvem o sistema cérebro-espinhal, um 
caminho mais livre para se expandir, que proporcionará formas de vida cada vez 
mais capazes de selecionar e fazer escolhas. Tudo indica que a consciência 
deseja encontrar a máxima liberdade possível ou proporcionar a forma de vida 
mais apta a selecionar e deliberar. Essa observação da consciência sinaliza a 
diferença mais visível e reconhecida entre instinto e inteligência: o gesto 
instintivo é mais automático, como se só pudesse ter aquela direção enquanto 
que o gesto inteligente é mais seletivo porque consegue dispor de uma variação 
de alternativas; o instinto é um movimento espontâneo, de consciência 
entorpecida, a inteligência é um movimento calculado, de consciência desperta. 
O animal basicamente instintivo obedece ao ritmo da natureza; o animal 
inteligente tende a imprimir o seu próprio ritmo ao da natureza, tentando imitar, 
mas criando novidade. O instinto não surpreende a natureza, a inteligência sim. 
A natureza contém o instinto, a inteligência expressa a vontade de conter a 
natureza.
14
 
O protótipo da vida instintiva é o formigueiro e a colmeia. Nessas sociedades 
vigora uma ordem perfeita na medida em que toda ação é internamente regulada 
e como que orientada para dentro: o indivíduo vive em função de sua 
comunidade e, dessa forma, a individualidade não tem sentido. Não existe 
liberdade porque a ação é programada e determinada naturalmente. Não há 
distinção significativa entre um formigueiro e outro da mesma espécie de 
formiga, a não ser alguma variação devida a circunstâncias ambientais. 
O protótipo da inteligência é, obviamente, a vida humana. Em nossas sociedades 
a ordem está bem distante da perfeição e ela só é aproximadamente conquistada 
através de dispositivos regulatórios que devem ser internalizados: o indivíduo 
 
14
 Bergson tem várias formas de distinguir as duas tendências da vida animal, numa delas diz que o 
instinto é a capacidade de fabricar e utilizar instrumentos organizados e a inteligência é a capacidade de 
fabricar e utilizar instrumentos inorganizados (Ver BERGSON, 2001. p. 131). O instrumento do animal 
instintivo é o corpo do organismo, pinças, antenas, garras; o instrumento do animal inteligente são 
coisas tomadas da natureza e transformadas pela intenção do indivíduo. O instintivo fabrica um 
instrumento de função limitada e, em geral, exclusiva a um ponto determinado da natureza e o tipo de 
ação que tal instrumento proporciona cumpre perfeitamente o seu objetivo; o inteligente fabrica um 
instrumento de ação ilimitada, aplicável em diversas circunstâncias, porém o instrumento nunca cumpre 
com perfeição o seu objetivo, o que leva o organismo a querer aperfeiçoar o aparelho inventado. O 
instinto é repetitivo, a inteligência é inventiva, capaz de variação.não vive espontaneamente em função do grupo, ele precisa aprender a conviver 
e tal processo é variável em cada sociedade e entre sociedades. A complexidade 
da vida inteligente se deve ao alcance da liberdade, proporcional ao nível de 
abertura da consciência. Como a possibilidade de escolha é larga, o critério 
tende a favorecer o próprio indivíduo: a liberdade acena para a individualidade. 
O grande desafio da sociedade humana é a conjugação das liberdades. 
Duas forças antagônicas estão implicadas na vida social dos humanos: a força da 
coesão social e a força da liberdade; a pressão externa para manter o vínculo 
com o grupo e a pressão interna, individual, para manter o vínculo apenas 
consigo mesmo. O equilíbrio entre essas duas forças quase nunca é satisfatório, 
pois os indivíduos devem se contentar com limites estreitos para o exercício de 
suas liberdades. 
Tal interpretação vitalista da inteligência e da vida social dos seres inteligentes 
permite superar certos impasses de nossa relação com a natureza. No fundo de 
toda ética ambiental palpita uma determinada concepção de natureza. O exame 
da crise ecológica, em geral, leva ao entendimento de que a atividade humana é 
quase que necessariamente predatória e que a natureza para ser salva precisa ser 
isolada e protegida da sociedade humana. Porém, tal análise só parece possível 
se desconsiderar o fato de que a vida inteligente é filha legítima da natureza. 
Temos que admitir como natural o princípio inteligente de negação do 
determinismo natural. Obviamente que tal consideração não sinaliza nenhuma 
possibilidade de justificativa moral do prejuízo que a humanidade inteligente 
tem causado ao chamado mundo natural. Trata-se, antes, de atualizar a nossa 
concepção de natureza, ainda demasiadamente herdeira de uma modernidade 
que primeiramente objetifica e instrumentaliza para, posteriormente e após haver 
se ressentido, idealizar e romantizar. O pensamento ecológico contemporâneo 
ainda padece de um certo romantismo ressentido da modernidade. 
Uma ética ambiental não pode carregar tal ressentimento, não pode ter pena da 
natureza, porque esta natureza merecedora de piedade pode deixar de existir se 
recuperarmos uma relação mais autêntica com a nossa natureza (interior e 
exterior). Para tanto devemos formar outro imaginário da natureza, porque o que 
temos não nos serve, seja porque violentamos, seja porque sacralizamos. 
Precisamos formar outro imaginário da natureza para nos livrar do hábito quase 
automático de consumir a natureza na produção de utilitários e também do mito 
da natureza intocada, de que nos fala Antônio Carlos Diégues. O hábito e o mito 
se retroalimentam e se autoiludem. O resultado de tal ilusão é que tendemos a 
conceber éticas ambientais pregadoras de um retorno mítico à vida selvagem, 
por um lado, e por outro a escapar para versões sofisticadas e onerosas de 
desenvolvimento sustentável, ambas alternativas pouco viáveis e pouco efetivas. 
O desenvolvimento sustentável não consegue frear a voracidade consumista do 
mundo globalizado, aliás tem se sustentado da mesma voracidade e da mesma 
saciedade insuficiente e também tem produzido boas relações com as propostas 
de retorno mítico, (veja-se o mercado ecológico e sua oferta de opções de 
viagens para os paraísos ecológicos protegidos ao redor do planeta). 
A natureza é algo que contem em si o princípio de sua mutação. Os seres vivos 
são as unidades indivisíveis – indissociáveis desse todo orgânico e 
profundamente dinâmico – que representam a luta perpétua do impulso vital 
para fazer durar a matéria viva do planeta. 
A natureza é o conjunto das infindáveis estratégias de sobrevivência do impulso 
vital, é o movimento único da vida que se estende em diversas direções em 
busca da saída mais sofisticada para os problemas que vão surgindo na medida 
em que a vida inventa e reinventa suas formas. A força íntima e fundamental da 
vida é o instinto, por conta dele a natureza mantem a sua perenidade e o seu 
vigor. Mas o instinto é repetitivo porque sua consciência é dormente. É pela via 
da inteligência que a natureza encontra as formas mais adequadas para a sua 
própria reinvenção, para sua diversificação. O ser humano é o salto mais ousado 
e mais arriscado do impulso vital, porque é através dele que a consciência 
desperta plenamente, a ponto de escapar do determinismo e forjar as suas 
próprias condições. A liberdade é o maior risco da vida e o seu maior achado, 
seu mais precioso tesouro. A natureza, ao criar condições para a vida inteligente 
e livre abre para si um campo variado de possibilidades. 
A cultura não é a negação da natureza, mas a sua diferenciação, o reencontro de 
seu próprio princípio de criação. 
 
3. Ética para o meio ambiente – uma proposta vitalista 
A expansão inteligente e humana da consciência é abertura da natureza para 
futuro indeterminado. O princípio da temporalidade histórica foi introduzido na 
natureza, mas por ela própria. A mesma ciência ecológica que reage 
politicamente à apropriação da natureza pela cultura, abrindo espaço para as 
propostas de retorno mítico, admite pelo paradigma da interação dos elementos a 
continuidade entre a história natural e a história humana. A consciência humana 
expandida em liberdade é o ponto de abertura da natureza para fora de seu 
determinismo. O destino antiecológico da humanidade não é inevitável, é apenas 
uma entre tantas outras possibilidades igualmente corrigíveis ou aperfeiçoáveis 
pelo mesmo princípio de abertura e de diferenciação que a consciência 
expandida da inteligência pressupõe. 
Escapar ao determinismo implica em assumir a responsabilidade de seu próprio 
destino liberado. Cabe à ética ambiental problematizar a fatalidade de tal destino 
e isto implica em repropor a relação entre liberdade e responsabilidade.
15
 O 
desafio do paradigma ecológico é converter a cultura em campo de 
problematização ética, começando pela tomada de consciência de nossa 
responsabilidade de existir culturalmente. 
Qual o sentido da cultura? Por que produzimos artefatos? O que fazemos quando 
transformamos as coisas naturais em utilitários? A resposta óbvia e imediata é 
que essa é a forma como damos conta de sobreviver e reproduzir. Produzimos 
objetos porque não estamos determinados pelas coisas que nos rodeiam e porque 
já temos necessidades que exigem a invenção de objetos, que por sua vez 
despertarão novas necessidades que levarão a novas invenções. Produzimos 
cultura porque somos livres e para que possamos sê-lo ainda mais. É provável 
que seja este o sentido da cultura: a liberdade.
16
 
Mas Também produzimos objetos para nos habituar a eles, e não estamos 
falando apenas em coisas materiais, pois, obviamente, também faz parte da 
cultura a criação de ideias e crenças. Uma cultura não teria sentido se não 
quisesse se manter, ser transmitida, gerar valores que transformamos em bens 
herdáveis. Toda cultura tende a virar tradição, que desejará se perpetuar 
produzindo inclusive crenças e ideologias a favor de sua conservação. Com o 
 
15
 O princípio responsabilidade de Hans Jonas é um exemplo de esforço nessa direção, focalizado na 
crítica da civilização tecnológica. Remeto o leitor ao capítulo Ética, ciência e técnica, de Itamar Soares 
Veiga e José Carlos Köche, deste Manual de ética. 
16
 Uma indicação para essa linha de interpretação encontramos em Vilém Flusser: “No fundo, o que é 
bom é apenas a liberdade. As coisas são boas apenas na medida em que contribuem para me libertar. E 
isto é exatamente também a medida da cultura. Tecnologia não é cultura. E tecnocracia (governo da 
tecnologia não controlado)é anticultura. Em suma: cultura é tecnologia mais liberdade.” FLUSSER, V. 
Natural:mente – vários acessos ao significado de natureza. São Paulo: Annablume, 2011. p. 55. 
tempo, aquilo que significou conquista de liberdade pode vir a significar 
exatamente o contrário, pois nada impede ninguém de querer viver de maneira 
avessa a sua própria cultura. Nada impede ninguém de desejar trair, em nome de 
sua própria liberdade, a sua tradição cultural. A cultura vive da consagração do 
hábito e a moral do hábito tende a gerar um novo determinismo e, 
consequentemente, a minar o espaço da liberdade. Mas, se aceitamos que o 
sentido de nossa existência cultural é a liberdade, somos eticamente convocados 
a superar o determinismo dos nossos próprios hábitos. 
A crise ecológica é certamente um reflexo de nossa crise cultural. Não é difícil 
compreender que o esgotamento dos recursos naturais revela a saturação de 
nossos hábitos e a necessidade urgente de mudança em nossos padrões de 
comportamento. A análise de tal fenômeno é difícil, pois tende a se estender em 
diversas direções, não respeitando fronteiras, por isso não é exagero tratar a 
questão ambiental como mudança de paradigma. A ecologia solicita uma nova 
visão da natureza: orgânica, não mecanicista, não utilitária; um novo 
entendimento de nossa relação com a natureza: responsável, solidário, não 
objetificante; uma nova cultura, que não se contente em mudar hábitos a partir 
de um jogo onde as cartas já estão marcadas, que não seja simplesmente a 
conversão para uma economia verde onde nos contentaríamos em ser 
consumidores ecologicamente conscientes, mas uma cultura nascida da 
superação da esgotada dicotomia entre natureza e cultura. Uma cultura, enfim, 
que leve adiante o impulso criador da vida, o que demanda uma visão integrada 
da natureza e uma relação responsável e solidária com o ser vivo. 
O caminho que tomamos até aqui, que situa a expansão da consciência humana 
no quadro geral da evolução da vida, nos permite conceber a ética em 
coextensão à vida. Isto não implica numa visão naturalista da ética, pois se 
desenvolvemos biologicamente um psiquismo capaz de ação refletida e livre 
significa que nossas ações são indetermináveis, não são controláveis pela 
natureza, somos capazes de surpreender a nós mesmos e à natureza, somos 
capazes de objetificar a árvore em madeira e o rio em hidrelétrica. Conceber a 
ética em coextensão à vida é afirmar o movimento da vida na nossa condição 
ética, como se o drama ético da vida representasse o seu próprio movimento 
criador, poético, no sentido da poiésis,
17
 como se a expansão do impulso vital 
continuasse forçando a vida, introduzindo através do ser humano a 
temporalidade na natureza, a abertura para o futuro, aquilo que não se pode 
prever. Exatamente porque somos livres, ou seja, capazes de causar surpresa, 
inventamos a moral, ou seja, aquilo que vai nos determinar a agir corretamente, 
o que quer dizer sem causar surpresa. Os valores morais são como artefatos que 
inventamos, e eles prescrevem, se tornam velhos e inoperantes, substituíveis 
como qualquer outro artefato. Por isso o mais importante é fazer da vida moral 
uma vida ética. Quero dizer que devemos afirmar a nossa capacidade de 
criação de mundo, que pressupõe a consciência aguda e atenta do nosso 
condicionamento moral. Voltamos assim ao problema do hábito, essa força de 
repetição da vida: fazer da vida moral uma vida ética é enfrentar a força do 
hábito, desviar da repetição, se convocar para a criação de si mesmo e do 
mundo. 
Ao encontro dessa perspectiva, uma ética para o meio ambiente se compromete 
com uma concepção aberta de ecologia
18
, de natureza e de cultura. O 
pensamento ecológico deve ser variado da predominância científica e ser 
vitalizado por uma filosofia intuitiva, ao estilo bergsoniano, capaz de elaborar 
um novo imaginário da natureza. Uma ecologia contaminada por tal filosofia 
devolve à natureza a sua organicidade, altamente prejudicada por uma visão 
majoritariamente científica e tecnológica.
19
 Uma ecologia filosófica, sem deixar 
 
17
 Conceito da filosofia antiga que expressa a potência ou capacidade humana da criação, típica dos 
poetas, mas não restrita a estes. 
18
 O conceito de ecologia menor proposto por Ana Godoy é muito apropriado para uma ética ambiental 
afirmativa da vida enquanto psiquismo criador. A autora contrapõe à ecologia maior, esta que 
encontramos nos compêndios científicos e que domina as políticas voltadas para a natureza, quase que 
invariavelmente de caráter conservacionista e territorialista, a ecologia menor, que libera a vida das 
fórmulas abstratas da ciência porque parte do entendimento de que a vida é estado de criação que 
compõe a sua própria ecologia (menor) reinventando-se constantemente. 
19
 A ética ambiental aqui proposta não é do tipo que teme a tecnologia, é diferente, portanto, da 
proposta de Hans Jonas, baseada na chamada heurística do temor. A responsabilidade não precisa estar 
associada ao medo do que a tecnologia pode causar. Jonas tem razão a respeito do fato de que 
produzimos tecnologia tão complexa que as consequências desastrosas são cada vez mais prováveis, e 
que, portanto, a civilização tecnológica deve estar calcada no princípio da responsabilidade. Isto é 
absolutamente incontornável. Mas a responsabilidade não precisa ser uma relação movida pelo temor 
do que pode acontecer. Uma ética ambiental de estilo vitalista, como a que estamos propondo, concebe 
a responsabilidade como o ato livre da vida inteligente, afirmativo e não reativo, portanto não 
temeroso. O temor enfraquece a consciência, embora provenha dela, pois a zona de possíveis que a 
consciência ilumina produz hesitação e pode levar a paralisar a ação. Obviamente que o medo tem uma 
função vital fundamental, mas a vida não evolui sem boa dose de risco. A responsabilidade deve ser 
afirmativa e livre e não reativa ou condicionada pelo temor do que pode acontecer, ela não pode ser 
de ser científica, pode ultrapassar o impasse da dicotomia entre natureza e 
cultura, elevar tanto a noção de cultura para além do mero impulso fabricador e 
utilitário, favorável à vida mas não suficiente enquanto modelo de psiquismo, 
quanto elevar a noção de natureza para além do esquematismo geométrico 
cartesiano, base metafísica da objetificação técnica, e para além da sacralização 
romântica e ressentida que norteia o pensamento e o movimento ecológico que 
em nada ameaçam o modelo econômico e exploratório da vida no mundo 
contemporâneo, no máximo lhe investe de sentimento culposo que deverá gerar 
medidas compensatórias de conservação da natureza pretensamente intocada. 
Uma ética para o meio ambiente afirma uma noção de cultura não antagônica 
mas solidária à noção de natureza, porque parte de uma perspectiva orgânica e 
não mecanicista de natureza, ou seja, uma natureza que gera e abriga o conceito 
de cultura. 
Está em questão a recuperação de um dinamismo afirmativo e criador da vida, 
que corresponderia a um modelo vitalista de ética ambiental. 
O pensamento ecológico majoritário é predominantemente conservacionista e 
preservacionista, calcado, portanto, na ideia de que a natureza deve ser 
conservada ou preservada e, para tanto isolada da população humana. Uma ética 
para o meio ambiente de cunho vitalista não pode se alimentar do mito da 
natureza intocada e não pode se contentar com o reducionismo de uma ecologia 
científica e matemática, que retém da natureza apenas aquilo que pode ser 
previsto para que possa ser dominado, não fazendo diferença se para o bem ou 
para o mal. Não se trata de pregar o retorno mítico a um estado inexistente eartificial de natureza, mas de reafirmar o estado criador da natureza assumindo 
a cultura como movimento ético. O problema da sustentabilidade da vida na 
Terra é mais radical do que supõem as fórmulas abstratas da ciência ecológica. 
Um outro olhar se impõe, não protecionista, não temeroso, não reativo; um outro 
modo de relação precisa surgir, sensível, solidário e responsável pela vida e pelo 
 
sinônima da hesitação, que é uma fraqueza da consciência. Não pode haver liberdade autêntica sem 
responsabilidade. Mas também, não temer a tecnologia não significa ser cegamente confiante em nosso 
destino tecnológico, que se não é feliz não é por conta da tecnologia em si mesma, mas da relação de 
dependência que temos inventado com ela e que tem escravizado as pessoas seja pelo acesso seja pela 
exclusão. O princípio da responsabilidade é o mesmo da liberdade, ele não tem saída, a não ser acolher 
o que pode acontecer, assumindo o risco. Temer a tecnologia não é o mesmo que rejeitar a relação de 
dependência que tem minado o campo da civilização tecnológica para as boas condições de 
sustentabilidade da vida. 
ser vivo. Criar valores que potencializem um novo olhar sobre a natureza e a 
cultura e uma nova relação de solidariedade com a vida é o desafio que se 
impõe a uma ética ambiental de inspiração vitalista. 
 
Conclusão 
O ponto decisivo do debate sobre ética ambiental é certamente a crítica do 
antropocentrismo. As correntes mais representativas dessa ordem de discurso 
concordam que o ser humano não pode continuar ocupando com exclusividade o 
território da comunidade moral do ecossistema terrestre, mesmo que as respostas 
dadas a tal questão variem. Seja qual for o caminho, um novo olhar sobre nossa 
relação com a natureza e com a cultura – capaz de elaborar mudanças de atitude, 
novos padrões de hábito, novo entendimento da vida, de nossa liberdade e de 
nossa responsabilidade – é irrecusável. O desafio do paradigma ecológico é 
grandioso e não irá se contentar com soluções paliativas ou reformistas do 
modelo vigente. Ele exige o mergulho nas disposições mais profundas que 
sustentam nossa posição no mundo e nossa história. 
Nesse sentido, e tomando a etimologia da palavra eco-logia – o estudo da casa, 
deveríamos proceder num estudo dinâmico da casa, aberto, que leve a casa a 
revelar suas interações, o modo como ela resolve a interferência de suas 
externalidades, suas estratégias homeostáticas. É preciso fazer uma ecologia 
com portas e janelas abertas, entender a nossa casa como processo temporal, 
capaz de afirmar e acolher as externalidades que inevitavelmente produz. A 
natureza é um acontecimento dinâmico, constantemente se autoproduzindo e 
buscando novos padrões de equilíbrio, ela não pode ficar confinada na unidade 
de conservação enquanto fazemos das cidades espaços cada vez mais voltados 
para o confinamento e a automatização da vida. Ao isolar a natureza na unidade 
de conservação, confinamos a nossa vida nos aglomerados urbanos. A ciência 
ecológica proveniente de tal concepção arcaica de natureza é abstrata porque 
acredita que pode estudar a casa sem abrir suas portas e janelas. O resultado de 
tal estudo abstrato é uma visão artificial e mercadológica da natureza. 
Se o estudo da casa for aberto e dinâmico, a cultura terá a chance de se 
reencontrar novamente, de tomar o controle de si mesma, de fazer as pazes com 
a natureza porque terá percebido que ela mesma é processo de produção da 
natureza. A situação existencial em tal cultura e natureza de portas e janelas 
abertas é a da liberdade. 
A complexidade de tal estudo dinâmico de ecologia problematiza as soluções e 
exige diálogo de perspectivas, pluralidade e não linearidade. A divergência é 
salutar e o nível filosófico do debate, que foi privilegiado aqui, exige que 
mantenhamos o horizonte da crítica. Mas ele não pode ser excludente, pois todas 
as perspectivas produzem intuições capazes de iluminar caminhos novos e 
interessantes. Dificilmente um modelo pode se afirmar de modo universal. O 
estudo dinâmico da natureza e da cultura exige que a ecologia abra as portas e 
janelas da casa. Uma ética para o meio ambiente necessita fazer o mesmo. 
 
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Leitura 1: SERRES, Michel. O contrato natural. (p. 64-65) 
Existe um ou diversos equilíbrios naturais, descritos pelas mecânicas, as termodinâmicas, a 
fisiologia dos organismos, a ecologia ou a teoria do sistemas. As culturas inventaram de 
igual modo um ou diversos equilíbrios de tipo humano ou social, decididos, organizados, 
defendidos pelas religiões, os direitos ou as políticas. Precisamos de pensar, construir e 
colocar em prática um novo equilíbrio global entre esses dois conjuntos. 
Porque os sistemas sociais compensados em si mesmos e fechados sobre si próprios, 
influenciam com o seu novo peso as suas relações, objetos-mundos e atividades, os sistemas 
naturais por si mesmos compensados, tal como outrora os segundos faziam correr riscos aos 
primeiros, na época em que a necessidade se sobrepunha em força aos meios da razão. 
Cega e muda, a fatalidade natural negligenciava então o estabelecimento de um contrato 
expresso com os nossos antepassados por ela esmagados: eis-nos agora vingados desse 
arcaico abuso por um abuso moderno recíproco. Resta-nos pensar num novo equilíbrio, 
delicado, entre esses dois conjuntos de equilíbrios. O verbo pensar, próximo de compensar, 
não conhece, que eu saiba, outra origem para além desta justamente pesada. É a isso que 
hoje chamamos pensamento. Eis o direito mais geral para os sistemas mais globais. 
 
Leitura 2: FLUSSER, Vilém. Natural:mente – vários acessos ao significado de natureza. (p. 
51-52) 
A observação da chuva pela janela é acompanhada de sensação de aconchego. Lá fora, os 
elementos da natureza estão em jogo e sua circularidade sem propósito gira como sempre. 
Quem está preso em seu círculo fica exposto a forças incontroladas. Parte impotente de seu 
girar violento. Cá dentro, estão em jogo processos diferentes. Quem está dolado de dentro 
dirige os eventos. Eis a razão da sensação do abrigo: é a sensação de quem está na história e 
cultura, e contempla a turbulência sem significado da natureza. As gotas que batem contra a 
vidraça, projetadas pela fúria do vento, mas incapazes de penetrar a sala, representam a 
vitória da cultura contra a natureza. Quando observo a chuva pela janela, não apenas me 
encontro fora dela, mas em situação oposta a ela. Tal situação caracteriza cultura: 
possibilidade de contemplação distanciada da natureza. 
No entanto (e infelizmente), não é isto que temos em mente ao falarmos em conquistas da 
cultura: estarmos sentados em lugar seco e quente, contemplando a chuva fria, fumando 
cachimbo e ouvindo Mozart. Infelizmente, temos em mente coisas como “controle da 
chuva”. Pretendemos mudar a estrutura dos eventos da natureza. Romper sua circularidade, 
fazê-los correr linearmente em busca de um propósito por nós escolhido. Chuva não mais 
como fase da circulação eterna da água, mas como fase de uma deliberada irrigação do meu 
campo. Se a chuva tivesse sido vencida, não mais cairia como cai agora (“chuva de 
setembro, de todo setembro desde sempre”), mas cairia como “esta chuva programada para 
as quatro horas da tarde de hoje”. Seria chuva histórica, porque sujeita a programas, 
portanto, parte da cultura, não da natureza. Vista da janela, tal chuva não se distinguiria 
daquela que está caindo agora, e, no entanto, estaria caindo do lado de cá, não de lá, da 
janela da cultura. 
 
Leitura 3: SOUZA, Ricardo Timm de. Alteridade e Ecologia (p. 159-160) 
A Natureza somente pode ser concebida, fora das conveniências da ideologia da 
acumulação infinita, como absolutamente Outra – ou seja, somente pode ser concebida 
eticamente. Todas as outras formulações, que se inclinam à suavização desta Alteridade, são 
apenas estratégias de protelação da questão básica – a existência mesma, apesar da 
Totalidade, de uma realidade não dependente desta Totalidade. 
 
Leitura 4: GODOY, Ana. A menor das ecologias. (p.152) 
O Outro da casa é o Outro do mundo, a terra a ser descoberta, mundos possíveis que não se 
esgotam no atual, mas que o confrontam. As ecologias que a vida produz dizem respeito a 
outros modos de sentir e pensar, de se relacionar, outros modos de existência para além da 
conservação – que já não é só a da espécie para reprodução, mas de um pensamento que 
atribui à vida esta finalidade –, que abalam a casa ao habitá-la como estrangeiro, investindo-
a da força de um arquipélago para fazer coexistirem as diferenças “sem lei e sem rei”. 
Vontade que arrisca, potência de invenção que experimenta todas as forças habitantes do 
corpo-casa, abrindo-se para outras e tantas formas de coexistência irredutíveis à virulência 
das unificações, e que apontam outros modos de encarar a relação com o outro. 
 
Leitura 5: GUATTARI, Félix. As três ecologias. (p. 14-15) 
Se não se trata mais – (...) – de fazer funcionar uma ideologia de maneira unívoca, é 
concebível em compensação que a nova referência ecosófica indique linhas de 
recomposição das práxis humanas nos mais variados domínios. Em todas as escalas 
individuais e coletivas, naquilo que concerne tanto à vida cotidiana quanto à reinvenção da 
democracia – no registro do urbanismo, da criação artística, do esporte etc – trata-se, a cada 
vez, de se debruçar sobre o que poderiam ser os dispositivos de produção de subjetividade, 
indo no sentido de uma re-singularização individual e/ou coletiva, ao invés de ir no sentido 
de uma usinagem pela mídia, sinônimo de desolação e desespero. Perspectiva que não exclui 
totalmente a definição de objetivos unificadores tais como a luta contra a fome no mundo, o 
fim do desflorestamento ou da proliferação cega das indústrias nucleares. Só que não mais 
tratar-se-ia de palavras de ordem estereotipadas, reducionistas, expropriadoras de outras 
problemáticas mais singulares resultando na promoção de líderes carismáticos.

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