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DIREITO ADMINISTRATIVO Rafael Oliveira 1 DE JANEIRO DE 2015 CURSO FÓRUM TV Carreiras Jurídicas 2015 Página 1 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira Introdução ............................................................................................... 9 Origem do Direito Administrativo .............................................................................................. 9 Objeto ........................................................................................................................................11 Modelos de Estado e Histórico Brasileiro ...................................................................................11 Fontes ........................................................................................................................................14 Interpretação ..............................................................................................................................14 Integração ..................................................................................................................................15 Princípios do Direito Administrativo ..........................................................................................15 Princípio da Legalidade ..........................................................................................................15 Princípio da Impessoalidade ...................................................................................................17 Princípio da Moralidade .........................................................................................................17 Princípio da Publicidade .........................................................................................................17 Princípio da Eficiência............................................................................................................18 Princípios não expressos na Constituição ................................................................................18 Princípio da Razoabilidade e da Moralidade .......................................................................18 Testes da Proporcionalidade ou Subprincípios .................................................................19 Supremacia do Interesse Público sobre o Interesse Privado ..................................................20 Princípio da Continuidade ..................................................................................................22 Princípio da Autotutela .......................................................................................................22 Princípios da Consensualidade e da Participação ................................................................23 Princípio da Segurança Jurídica, Confiança Legítima e Boa-Fé ...........................................23 Organização Administrativa ...................................................................25 Técnicas de Organização Administrativa....................................................................................27 Desconcentração ....................................................................................................................27 Descentralização ....................................................................................................................27 Nomenclaturas ...................................................................................................................27 Terceiro Setor .................................................................................................................30 Órgãos Públicos .........................................................................................................................31 Teorias: Relação entre PJ, órgãos e agentes públicos ...............................................................31 Criação e Extinção .................................................................................................................32 Capacidade Processual e Contratual .......................................................................................33 Contrato de Gestão .............................................................................................................34 Classificações .........................................................................................................................35 Administração Indireta ..............................................................................................................36 Autarquias .............................................................................................................................37 Criação da Autarquia ..........................................................................................................37 Atividade ............................................................................................................................38 Página 2 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira Regime de Pessoal ..............................................................................................................39 Patrimônio .........................................................................................................................41 Responsabilidade Civil........................................................................................................42 Prerrogativas ......................................................................................................................43 Agência Executiva e Agência Reguladora ...........................................................................43 Agência Executiva ..........................................................................................................43 Agência Reguladora ........................................................................................................44 Associação Pública .............................................................................................................44 Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista (EP e SEM) ...........................................45 Características Comuns ......................................................................................................47 Fundações Estatais .................................................................................................................51 Controle das Fundações Estatais .........................................................................................55 Concessões e Permissões de Serviços Públicos ........................................57 Serviço Público ..........................................................................................................................57 Conceito.................................................................................................................................57 Elementos Básicos ..................................................................................................................60 Princípios ...............................................................................................................................60 Classificações .........................................................................................................................64 Destinatários: Uti Universi e Uti Singuli ................................................................................64 Titularidade Federativa: federais, estaduais, distritais, municipais, comuns. ........................64 Objeto: administrativos, econômicos, sociais.......................................................................65 Essencialidade: essencial, não essencial ...............................................................................65Titularidade estatal: Próprios ou Impróprios .......................................................................65 Criação: inerentes, por opção legislativa ..............................................................................66 Aplicação do CDC aos serviços públicos ................................................................................68 Interrupção do serviço público por inadimplemento do usuário ..............................................69 Execução Direta e Indireta .....................................................................................................71 Delegação de Serviço Público.....................................................................................................71 Diferenças entre Concessão e Permissão .................................................................................71 Classificação das Concessões ..................................................................................................74 Diferenças entre Concessão Comum e PPP .........................................................................75 Formas de Extinção dos Contratos de Concessão ...................................................................77 Autorização de Serviço Público ..............................................................................................80 Terceiro Setor .........................................................................................82 Conceito ....................................................................................................................................82 Fundamentos .............................................................................................................................82 Características Comuns ..............................................................................................................83 Página 3 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira Qualificações Jurídicas ...............................................................................................................84 Serviços Sociais Autônomos (Sistema S) .................................................................................86 Organização Social (OS) e Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) ......87 Controvérsias .............................................................................................................................89 Poderes Administrativos .........................................................................93 Poder Normativo .......................................................................................................................95 Decreto Autônomo ................................................................................................................96 Poder de Polícia ....................................................................................................................... 100 Poder Hierárquico e Poder Disciplinar ..................................................................................... 106 Atos Administrativos ............................................................................ 112 Conceito .................................................................................................................................. 112 Elementos / Requisitos do Ato Administrativo ........................................................................ 115 Agente Público Competente ................................................................................................. 116 Forma .................................................................................................................................. 118 Finalidade ............................................................................................................................ 118 Motivo ................................................................................................................................. 119 Objeto .................................................................................................................................. 122 Ato Vinculado e Ato Discricionário ......................................................................................... 123 Controle Judicial do Ato Discricionário................................................................................ 125 Atributos / Características do Ato Administrativo .................................................................... 127 Presunção de Legalidade e Veracidade ................................................................................. 127 Imperatividade ..................................................................................................................... 128 Autoexecutoriedade ............................................................................................................. 128 Classificações ........................................................................................................................... 128 Espécies ................................................................................................................................... 134 Extinção .................................................................................................................................. 135 Convalidação ou Sanatória ...................................................................................................... 143 Licitação .............................................................................................. 148 Princípios ................................................................................................................................. 153 Destinatários da Licitação ........................................................................................................ 155 Contratação Direta .................................................................................................................. 157 Licitação Dispensada (art. 17) .............................................................................................. 157 Licitação Dispensável ou Dispensa de Licitação (art. 24) ...................................................... 159 Licitação Inexigível ou Inexigibilidade (art. 25) .................................................................... 162 Modalidades de Licitação ........................................................................................................ 164 Procedimento ........................................................................................................................... 170 Contratos da Administração Pública ..................................................... 175 Página 4 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira Contrato Administrativo .......................................................................................................... 177 Características ...................................................................................................................... 177 Cláusulas Exorbitantes ......................................................................................................... 179 Alteração Unilateral do Contrato ...................................................................................... 179 Duração do Contrato Administrativo ....................................................................................... 181 Inexecução do Contrato ........................................................................................................... 182 Sanções Contratuais ............................................................................................................. 185 Reajuste e Revisão ...................................................................................................................187 Bens Públicos ....................................................................................... 190 Domínio Eminente e Domínio Patrimonial .............................................................................. 191 Classificações ........................................................................................................................... 192 Afetação e Desafetação ............................................................................................................ 193 Regime Jurídico ....................................................................................................................... 195 Uso Privativo do Bem Público ................................................................................................. 197 Intervenção do Estado na Propriedade .................................................. 202 Intervenções Brandas ou Restritivas ......................................................................................... 203 Servidão ............................................................................................................................... 203 Requisição Administrativa ................................................................................................... 206 Ocupação Temporária .......................................................................................................... 206 Limitação Administrativa ..................................................................................................... 208 Tombamento ........................................................................................................................ 210 Classificação ..................................................................................................................... 213 Efeitos .............................................................................................................................. 215 Intervenção Drástica ou Supressiva .......................................................................................... 217 Desapropriação .................................................................................................................... 217 Modalidades ..................................................................................................................... 218 Objeto .............................................................................................................................. 220 Fases ................................................................................................................................ 222 Retrocessão ...................................................................................................................... 227 Desapropriação Indireta ................................................................................................... 229 Agentes Públicos .................................................................................. 231 Agente Político ........................................................................................................................ 233 Particular em Colaboração ....................................................................................................... 234 Servidor Público....................................................................................................................... 234 Servidor Temporário ............................................................................................................ 236 Cargos Públicos .................................................................................................................... 238 Cargo Efetivo ................................................................................................................... 238 Página 5 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira Cargo Vitalício ................................................................................................................. 239 Cargos Comissionados ...................................................................................................... 239 Acumulação de Cargos ......................................................................................................... 240 Provimento no Cargo Público ............................................................................................... 241 Promoção ......................................................................................................................... 241 Readaptação ..................................................................................................................... 242 Reversão ........................................................................................................................... 242 Aproveitamento ................................................................................................................ 243 Reintegração ..................................................................................................................... 243 Recondução ...................................................................................................................... 243 Remuneração ....................................................................................................................... 243 Greve ................................................................................................................................... 245 Responsabilidade Civil do Estado ......................................................... 246 Evolução Histórica ................................................................................................................... 246 Excludentes do Nexo Causal .................................................................................................... 248 Quem tem Responsabilidade Objetiva? ..................................................................................... 250 Denunciação da Lide ............................................................................................................... 252 Omissão ................................................................................................................................... 253 Prescrição ................................................................................................................................ 254 Irresponsabilidade do Estado ................................................................................................... 254 Ato Legislativo ..................................................................................................................... 255 Ato Judicial .......................................................................................................................... 256 Página 6 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira B I B L I O G R A F I A B Á S I C A : R A F A E L O L I V E I R A : C U R S O D E D I R E I T O A D M I N I S T R A T I V O MA N U A L D E I M P R O B I D A D E A D M I N I S T R A T I V A – R A F A E L O L I V E I R A E D A N I E L N E V E S A D M I N I S T R A Ç Ã O P Ú B L I C A , C O N C E S S Õ E S E T E R C E I R O S E T O R – R A F A E L O L I V E I R A P R I N C Í P I O S D O D I R E I T O A D M I N I S T R A T I V O – R A F A E L O L I V E I R A A C O N S T I T U C I O N A L I Z A Ç Ã O D O D I R E I T O A D M I N I S T R A T I V O – R A F A E L O L I V E I R A Outros autores: Curso de Direito Administrativo – Alexandre Santos Aragão Manual de Direito Administrativo – José dos Santos Carvalho Filho Direito Administrativo – Maria Sylvia Zanella Di Pietro Curso de Direito Administrativo – Celso AntônioBandeira de Mello Bibliografia complementar por temas: Princípios do Direito Administrativo Rafael Oliveira – Princípios do Direito Administrativo Rafael Oliveira – A Constitucionalização do Direito Administrativo Organização Administrativa Maria Sylvia Zanella Di Pietro – Parcerias na Administração Pública Administração Pública, concessões e terceiro setor – Rafael Oliveira Agências Reguladoras Agências Reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico – Alexandre Santos de Aragão Direito regulatório – Diogo de Figueiredo Moreira Neto Administração Pública, concessões e terceiro setor – Rafael Oliveira Direito administrativo regulatório – Marcos Juruena Villela Direito Administrativo Econômico Regulação da atividade econômica (princípios e fundamentos jurídicos) – Salomão Filho A Ordem Econômica na Constituição de 1988 – Eros Grau Direito administrativo econômico – Carlos Ari Sunfeld Página 7 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira Consórcios Públicos Consórcios públicos – Carvalho Filho Consórcios Públicos: comentários à Lei 11.107/2005 – Odete Medauar e Gustavo Justino de Oliveira Nova organização administrativa brasileira – Paulo Modesto (Coord.) Administração Pública, concessões e terceiro setor – Rafael Oliveira Serviços públicos, concessões (Comuns e PPP) e permissões Direito dos serviços públicos – Alexandre Aragão Teoria Geral das concessões de serviço público – Marçal Justen Filho Administração pública, concessões e terceiro setor – Rafael Oliveira Parcerias público-privadas – Carlos Ari Sundfeld (Coord.) Terceiro setor Direito do terceiro setor – Gustavo Oliveira (Coord.) Administração pública, concessões e terceiro setor – Rafael Oliveira Controle dos atos administrativos O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário – M. Seabra Fagundes Controle jurisdicional da Administração Pública – Germana de Oliveira Moraes DA convalidação e da invalidação dos atos administrativos – Weida Zancaner Licitações e Contratos Administrativos Licitações e contratos administrativos – Flávio Amaral Garcia Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos – Marçal Justen Filho Pregão: comentários à legislação do pregão comum e eletrônico – Marçal Justen Filho Licitações e contratos administrativos – Rafael Oliveira Comentários à lei das licitações e contratações da Administração Pública – Jessé Torres Pereira Júnior Improbidade administrativa Improbidade Administrativa – Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves Manual de Improbidade Administrativa – Daniel Neves e Rafael Oliveira Página 8 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira Processo Administrativo Processo Administrativo – Egon Bockman Moreira Processo administrativo federal – José dos Santos Carvalho Filho A processualidade no direito administrativo – Odete Medauar As leis de processo administrativo – Carlos Ari Sundfeld (Coord.) Bens Públicos Bens Públicos- Floriano de Azevedo Marques Neto Desapropriação A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência – José Carlos de Moraes Salles Responsabilidade Civil do Estado Responsabilidade civil do Estado – Juarez Freitas (Coord.) Página 9 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira INTRODUÇÃO ORIGEM DO DIREITO ADMINISTRATIVO Aula 01 – 11/03/2015 – Pt. 011 O Direito Administrativo que conhecemos surge juntamente com o Estado de Direito. Antes do Estado de Direito, vigorava o Estado Absolutista, quando era impensável o Direito Administrativo como ramo autônomo do Direito. Afinal, o Estado não encontrava limites na ordem jurídica. O Estado absolutista era ilimitado – não encontrava qualquer limite para sua atuação. Nesse contexto, o próprio Estado se confundia com a figura do Monarca. O Rei e o Estado eram praticamente a mesma coisa, lembrando aqui da frase do Rei Sol, Luís XIV, “O Estado Sou Eu”. Durante muito tempo, esse monarca fundamentava seu poder numa legitimidade divina. Ou seja, o rei se autoproclamava o representante de Deus na Terra. Se o Estado era o Rei, e o Rei era o Estado, e o Rei era uma espécie de representante de Deus na Terra, e Deus é infalível, então o Rei também não errava. Ora, se o Rei não erra e o Rei é o Estado, então o Estado não erra. Era a ideia do Estado irresponsável, que não poderia ser responsabilizado perante os seus súbitos. Essa etapa de irresponsabilidade civil do Estado é justamente a Absolutista, The King Can Do No Wrong. Se o Estado era ilimitado, não havia como pensar num Direito Administrativo tal como conhecemos, que justamente estuda as relações entre o Estado e o cidadão, ou o Estado e o próprio Estado. Nesse período, ocorrem revoluções liberais, tal como a Revolução Francesa de 1789. A revolução derruba o Estado Absolutista que vigorava até então, consagrando três grandes limites para atuação do Estado. Ou seja, o Estado que era ilimitado passa então a ter limites na sua atuação: (i) princípio da legalidade: embora o p. da legalidade tenha previsão em outros documentos mais antigos, como obras filosóficas e a Magna Carta de 1215, ele é consagrado de forma definitiva na Revolução Francesa. A legalidade é concebida nesse momento como uma limitação para atuação do Estado e como uma habilitação para atuação do Estado. Hely Lopes Meirelles dizia que a Administração Pública só pode fazer aquilo que a lei autoriza. Essa concepção da legalidade é repetida até hoje: o Estado só pode fazer o que a lei autoriza. O povo elege seus representantes, que teoricamente falam em seu nome. Portanto, se o Rei só agiria quando houvesse autorização legal, isso na prática significaria que o Rei só faria o que o povo autorizasse por meio dos seus representantes. (ii) Consagração definitiva de um p. de separação de poderes. A ideia de separação de funções ou de poderes é contrária à concentração desses poderes, que levaria potencialmente a novas arbitrariedades. Concentrar poderes nas mãos de um 1 Estou dispersa. Pode faltar alguma coisa. Página 10 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira órgão ou pessoa é um caminho à arbitrariedade. A separação de função ou de poderes teria objetivo de limitar o poder estatal. (iii) Declaração de direitos do homem e do cidadão: é uma espécie de catálogo de direitos fundamentais, chamados pela doutrina de “primeira geração”: direito de propriedade, direito à liberdade... Enfim, são direitos que colocam para o Estado um dever de abstenção. Portanto, a partir da Revolução Francesa o Estado é limitado. Caracterizamos então um novo modelo de Estado, saindo de cena o Estado Absolutista e entrando o Estado de Direito, que conhecemos até hoje. Com o surgimento do Estado de Direito, o Estado tem limites na sua atuação e é possível pensar num ramo do Direito que regulará as relações estatais. Podemos falar num Direito Administrativo, que estuda as relações internas do Estado e as relações entre o Estado e os cidadãos. Os Manuais de Direito Administrativo dizem que o surgimento deste seguimento foi com o caso BLANCO, julgado em 1783, antes mesmo da Revolução Francesa. O Judiciário francês apontou para este novo ramo do Direito. O Caso Blanco envolvia o atropelamento de uma criança chamada Agnes Blanco em Bordeaux, por uma vagonete que transportava fumo. A família buscou uma reparação. Na França, temos um sistema de dualidade de Jurisdição: uma Justiça julga casos envolvendo particulares(Corte de Cassação), aplicando o direito privado, e outra Justiça julga casos envolvendo o Estado (Conselho de Estado). Houve um conflito de competências nesse caso: a Corte de Cassação disse que não teria competência para apreciar a questão, porque a vagonete que atropelara a criança pertencia a uma concessionária prestadora de serviço público. Portanto, detrás do caso havia uma prestação de serviço público, atividade do Estado que ensejaria aplicação de regras próprias, e não o Código Civil napoleônico. Já o Conselho de Estado entendeu que não lhe competia julgar isso, porque havia uma empresa privada contra uma criança. Para tal sorte de conflitos, existe o Tribunal de Conflitos. Neste caso, entendeu que o Conselho de Estado, com seu contencioso administrativo, seria o competente para apreciar a questão, já que envolvia o serviço público, mesmo que o Estado não estivesse diretamente envolvido. Teria nascido aí o direito administrativo, atrelado à concepção de serviço público. Pt. 02 Página 11 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira OBJETO Ramo do Direito Público que tem por objeto as regras e os princípios aplicáveis à atividade administrativa preordenada à satisfação dos direitos fundamentais. Mas o que é atividade administrativa? Prevalece na doutrina um conceito residual: Odete Medauar, Diogo de Figueiredo Neto, dentre outros, dizem que trata-se da atividade que não seja legislativa (inovar na ordem jurídica com generalidade e abstração) e nem jurisdicional (resolver conflitos de interesse com força de definitividade – coisa julgada). Portanto, o que não for atividade legislativa e nem jurisdicional é uma atividade administrativa. MODELOS DE ESTADO E HISTÓRICO BRASILEIRO Estado Liberal é o Estado de Direito que surge após a Revolução Francesa. Vigorava, antes dele, o Estado Absolutista. Portanto, com o surgimento do Estado de Direito, as pessoas tinham medo do Estado. No surgimento do Estado de Direito, as pessoas tinham medo do Estado. Logo, a função a ser por ele exercida seria negativa, tímida: garantir propriedade, liberdade e outros direitos de primeira geração. O Estado é visto como um “mal necessário”, para evitar a guerra de todos contra todos. Por isso, é um Estado abstencionista, que deixa o mercado se auto- regular (mão invisível do mercado). Isso gerava um problema, porque o mais forte impunha a sua visão em detrimento do mais fraco: empregador em relação ao empregado, o fornecedor sobre o consumidor, etc. O estado abstencionista gerou desigualdades materiais. A crise da bolsa nos EUA em 1929 coloca em xeque esse modelo de Estado. Deixar tudo para ser regular pelo próprio mercado não deu certo, o mercado quebrou, sobreindo a grande depressão econômica. Vem o New Deal, com um pacote de intervenções para recuperar o país. Teoricamente surge na Europa um segundo modelo de Estado, o Estado Social de Direito. Ao contrário do modelo anterior, seria um Estado mais ativo, prestacional. Esse Estado seria prestador de serviços, fornecedor de bens... O Estado faz mais intervenções na ordem econômica e social para tentar propiciar uma igualdade material entre os indivíduos. Esse Estado também entra em crise, porque acabou assumindo inúmeras funções: prestava diretamente serviços de telecomunicações, energia, saúde, transporte... Chegou um momento em que esse Estado Social de Direito ficou “inchado”, com muitas tarefas e sem velocidade e eficiência que seriam necessárias. O grande símbolo foi na década de 80, quando começa uma crise fiscal ao redor do mundo. Ou seja, começa um movimento mundial de ajuste fiscal, percebendo que o Estado não pode fazer tudo aquilo, seja pela falta de dinheiro ou de eficiência. Página 12 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira Na década de 90, começa o nosso movimento no Brasil de diminuição do Estado, seja pela crise fiscal ou pela ausência de eficiência e de dinheiro para novos investimentos. Por opção política, o Estado resolve fazer um redimensionamento, diminuindo seu tamanho. Foi o programa nacional de desestatização. No Brasil, na déc. 90, o Estado começa a enxugar a máquina administrativa, devolvendo atividades econômicas para particulares e delegando a eles serviços públicos (permissionárias e concessionárias). Falamos “devolver” porque atividade econômica é livre iniciativa; além, entrega-se serviços públicos através de delegação. Várias entidades estatais são privatizadas. Seguindo este movimento, teríamos um Estado liberal, que não faz intervenções na economia e está enxugado ao máximo. Mas, como vimos, isso não deu certo nos EUA. Depois da crise de 1929, os EUA criaram lá agências reguladoras. O Brasil copiou isso: na déc. 90, após enxugar a máquina o Estado adotou a terceira via, de Estado Regulador. Na déc. 90, quando o Brasil desestatizava atividades e delegava serviços públicos, devolvendo atividades econômicas, também criou agências reguladoras inspiradas no modelo americano. Ao invés de o Estado ser o prestador da atividade, ele se limitará a regulá-las. Tais agências reguladoras não prestam atividades para os consumidores usuários, mas regulam a prestação dessas atividades pelas concessionárias ou permissionárias. A prestação, portanto, é indireta, via regulação. O Estado só prestará atividades subsidiariamente, se o particular não tiver interesse ou condições práticas de prestar por si mesmo. A década de 90 faz transformação profunda no Direito Administração. Ali surge não apenas um “novo” tipo de Estado (regulador, subsidiário), mas também um novo perfil de Administração Pública, que se convencionou chamar de Administração Pública GERENCIAL Essa Administração Pública GERENCIAL também é conhecida como Administração Pública DE RESULTADOS, tendo como principal símbolo a EC 19/98. Dentre outras coisas, essa EC inseriu no art. 37 CF o princípio da eficiência. Essa inserção do p. da eficiência foi mais simbólica, mas a EC também trouxe mecanismos concretos de eficiência, como o art. 37, §8º CF (contrato de gestão interno2), aumenta o prazo para aquisição da estabilidade e exige para tanto uma avaliação de desempenho (art. 41). Também foi inserida a perda de cargo para o servidor estável em caso de insuficiência de desempenho. Essa Administração Pública GERENCIAL substitui a Administração Pública BUROCRÁTICA. Se a AP até então estava preocupada com procedimentos formais e 2 Contrato celebrado dentro da própria Administração Pública. O Poder Público coloca para seus órgãos e entidades administrativas metas de desempenho. Em contrapartida, a autonomia do órgão ou entidade seria aumentada. Página 13 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira burocracia, ela muda o seu perfil para se preocupar com a eficiência e, portanto, com os resultados da atividade estatal. Por exemplo, embora o contrato administrativo em regra deva ser escrito, a jurisprudência admite que a Administração deve pagar o contrato verbal que foi celebrado numa situação de emergência, em virtude da boa-fé e da vedação de enriquecimento ilícito. Note que um formalismo foi desrespeitado, mas numa Administração que prima por outros princípios, ainda assim exige-se o cumprimento do acordo. Pt. 03 O Neoconstitucionalismo surge após a 2ª G.M. Naquela época, foram praticadas atrocidades, com perseguição a grupos minoritários, com base na legislação vigente. Percebeu-se, portanto, que durante a 2ª G.M. o Estado cometeu arbitrariedades respaldado pela lei, o que mostrou que a lei não era suficiente para legitimar uma atuação doEstado. A ideia positivista de que o Direito se resumia à Lei e de que bastaria respeitá-la para a atuação ser correta foi mitigada após a 2ª. G.M. Entra em cena um novo constitucionalismo, com três características comuns: (i) consagração do Regime Democrático; (ii) controle de constitucionalidade; (iii) previsão de direitos fundamentais, que passaram a figurar numa posição central, especialmente a dignidade da pessoa humana. Essas novas Constituições acabaram reaproximando direito e moral, como ficou claro pela consagração de diversos princípios éticos, que a partir de agora pautariam a atuação do Estado. Alguns autores falaram em ‘pós-positivismo’, expressão que surge no Brasil com Paulo Bonavides. A principal novidade é que o pós-positivismo garante força normativa primária para os princípios jurídicos (caráter normativo primário, força vinculante). Até então, durante o período do Positivismo, os princípios até eram normas, mas sua força normativa era subsidiária ou secundária. LINDB, art. 4º - aplicação dos princípios apenas quando houver lacunas, ou seja, na ausência de regras regendo o tema. Majoritariamente, afirma-se que as normas jurídicas se dividem em duas categorias: normas e princípios. Princípio da Juridicidade significa que não basta ao agente público respeitar a lei: para que sua atuação seja válida, ele deve respeitar todo o Direito, inclusive os Princípios. O p. da juridicidade é um plus em relação ao p. da legalidade. Pelo p. da legalidade, basta o agente público respeitar a lei; pelo p. da juridicidade, ele deve respeitar todo o Direito. A centralidade nos direitos fundamentais traz uma mudança de perfil e de interpretação do ordenamento. A partir de agora, interpreta-se o Direito Público e o Direito Privado de forma preordenada a satisfazer direitos fundamentais. Página 14 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira FONTES a) Lei (juridicidade) -> é a concepção clássica de que o administrador só pode fazer o que a lei autoriza. Com o neoconstitucionalismo e pós-positivismo, há uma juridicidade, porque o administrador não pode se satisfazer em obedecer apenas à lei, ele deve observar o Direito como um todo, incluindo princípios. b) Doutrina -> os autores trazem opiniões técnicas, que de alguma forma influenciam o administrador ou intérprete. Falamos que a doutrina é fonte indireta, porque de alguma forma é trazida por aqueles que farão as normas de conduta. Logo, a doutrina não é fonte direta. c) Jurisprudência d) Costumes – alguns autores dizem que o costume é fonte do Direito Administrativo, mas para isso é preciso relativizar o conceito clássico de p. da legalidade administrativa. Temos três ordens de costumes: (i) secundum legem -> de acordo com a lei (a própria lei faz menção à utilização do costume para solucionar a questão); (ii) praeter legem -> utilizado na lacuna da lei (art. 4º LINDB); (iii) contra legem -> não é admitido no ordenamento, não podendo servir como fonte do Direito Administrativo. e) Precedentes Administrativos – são as decisões tomadas no âmbito da Administração Pública. Observar um precedente é garantir isonomia e coerência administrativa, ou seja, em casos iguais o Estado decidirá da mesma maneira. INTERPRETAÇÃO a) Interpretação lógico-gramatical b) Interpretação histórica – considera o contexto de produção da norma e o momento em que ela foi produzida. c) Interpretação sistemática – todo o ordenamento jurídico deve ser interpretado em conjunto, havendo harmonia na interpretação das normas. d) Interpretação teleológica Pt. 04 Página 15 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira INTEGRAÇÃO Integração é a expressão utilizada quando há lacunas no ordenamento jurídico. Para tanto, existem vários mecanismos, como notamos no art. 4º LINDB. O principal instrumento para superação de lacunas é a ANALOGIA, que pode ser de 2 tipos: a) Analogia Legal ou kgis b) Analogia Jurídica ou iuris Diogo de Figueiredo admite analogia legal no Direito Administrativo, mas não a analogia jurídica. Porém, a maioria da doutrina admite ambos os tipos de analogia no Direito Administrativo. Na analogia legal, o intérprete busca no ordenamento jurídico uma regra que trata de caso semelhante, utilizando-a para resolver a lacuna. Ou seja, aplica a regra expressa ao caso concreto que não tem regulação específica. A analogia jurídica é feita quando, ao invés de o intérprete buscar regra para aplicar à lacuna, ele olha sistematicamente para o ordenamento. Sem trazer regra específica, retira da interpretação sistemática do ordenamento uma norma, com a qual resolverá o caso lacunoso. PRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO Art. 37 CF + art. 2º da Lei 9.784/99 Como vimos, os princípios hoje são considerados normas jurídicas de primeiro grau (primárias), vinculando tanto quanto as regras. Houve um aumento de sua importância nos últimos anos. No Direito Administrativo, temos princípios expressos e não expressos (implicitamente colocados na CF, mas reconhecidos por doutrina e jurisprudência). Neste último caso, falamos em princípios implícitos ou reconhecidos. A tendência é que os princípios implícitos se transformem em algum momento em princípios expressos. São reconhecidos pela doutrina e jurisprudência, então em algum momento o legislador resolve positivá-los. Ex.: art. 2º da Lei 5.427 do ERJ PRINCÍPIO DA LEGALIDADE No Brasil, temos uma concepção clássica de legalidade, cuja grande referência é o Hely Lopes Meirelles: legalidade significa que a Administração Pública só pode fazer aquilo que a lei autoriza, já para os particulares, a legalidade significa que o particular pode fazer tudo aquilo que a lei não proíbe. Página 16 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira Essa afirmação destaca a autonomia da vontade: o indivíduo tem autonomia, ele faz o que quiser, pois se não há previsão em lei não há proibição. Críticas em relação à versão clássica: Pela versão anterior, o particular pode fazer o que quiser, em liberdade que só é restringida pela lei. Na lacuna, o indivíduo faria o que quisesse, mas não é bem assim hoje, sobretudo com a constitucionalização do Direito Civil (aplicação horizontal dos direitos fundamentais – aplicação direta da CF em relações privadas). Ex.: caso da associação de compositores musicais que excluiu um associado sem qualquer motivação, alegando previsão no estatuto e ausência de lei que obrigasse à exposição de motivação. O STF disse que a associação estava equivocada, porque o particular pode fazer tudo o que a lei não proíba e nem seja proibida pela CF. Portanto, a atitude não pode violar preceitos fundamentais da CF, dentre eles o devido processo legal, que exige motivação. Sem ela, o excluído não tem como saber as razões da exclusão e, portanto, não tem como se defender, o que viola contraditório e ampla defesa, além do que essa exclusão imotivada pode mascarar perseguições por razões de religião, de sexo, de etnia, etc. Portanto, o particular não deve observar apenas a lei, mas sim a juridicidade. Também ficou mitigada a ideia de que o Estado não pode fazer nada sem uma lei autorizadora, abrindo-se cada vez mais hipóteses, p.e., em que é cabível o decreto autônomo (desacompanhado de uma lei). Pensemos nas Resoluções do CNJ e do CNMP. O CNJ pode editar resoluções normativas mesmo sem lei prévia, como ocorreu no caso do nepotismo. Depois, o STF estendeu a proibição de nepotismo para todos os Poderes, entendendo que pouco importa a lei, já que a vedação do nepotismo deriva de princípiosconstitucionais da moralidade, eficiência, igualdade... Por trás da concepção clássica do Hely, existem duas ideias: (i) supremacia da lei; (ii) reserva da lei. Porque a lei é suprema, no conflito de um ato com a lei, esta prevalece, considerando-se o ato ilegal. A reserva de lei significa que algumas matérias devem estar previamente estabelecidas em lei. Se a lei não tratou daquele assunto, o agente público não poderá atuar. O Estado só pode fazer o que a lei autoriza, sem lei o Estado não atua. Por isso, na concepção clássica de legalidade administrativa, vigoram tanto a supremacia da lei quanto a reserva de lei. Doutro lado, se o particular pode fazer tudo o que a lei não vedar, segundo a ideia do Hely haveria a supremacia da lei (porque se um contrato contrariar a lei é esta quem vale), mas não a reserva de lei. Afinal, o particular não precisa que a matéria venha tratada na lei para atuar. Página 17 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira Para a legalidade administrativa, é reserva de lei + supremacia de lei. Para o particular, só a supremacia de lei. Mais do que respeitar a lei, como vimos o Administrador deve respeitar todo o Direito, ao que chamamos de p. da juridicidade. Aula 02 – 11/03/2015 – Pt. 01 PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE A impessoalidade comporta 2 sentidos diversos. No primeiro, confunde-se com igualdade / isonomia. O Estado deve tratar igualitariamente as pessoas, tendo por base uma igualdade material (e não apenas formal). A segunda ideia é a proibição de promoção pessoal. Quando o agente público atua, não deveria satisfazer interesses próprios – ele deve é satisfazer interesse público. Também neste sentido, ele atua de forma impessoal. Não deve promover seus interesses privados por meio de suas atividades. Art. 37, §1º, CF. PRINCÍPIO DA MORALIDADE Art. 37 CF + art. 2º da Lei 9.784/99 Para a atuação ser válida, não basta respeitar a lei. Por isso, tecnicamente moralidade e legalidade não se confundem. Legalidade seria respeitar a lei, moralidade seria atuar segundo padrões éticos, de boa-fé... V. S.V. 13 – aqui, o STF conclui que, mesmo não havendo previsão em lei, a contratação de parentes para cargos comissionados violaria, dentre outros princípios, a moralidade. O perigo deste princípio é que, na prática, ele se torne uma moralidade pessoal do juiz, pelas suas inspirações religiosas, sua experiência de vida, etc., aplicada aos casos concretos. Isso transformaria a atuação judicial em tão arbitrária quanto o próprio Estado. Esse princípio significa que o Estado deve atuar de forma ética, moralmente adequada. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE Vem atrelada à ideia de transparência pública: os atos do Poder Público devem ser publicizados, disponibilizados às pessoas em geral. Esse princípio em grande medida viabiliza o direito à informação (art.5º CF) e a Democracia. O sigilo é uma exceção e deve haver um ônus argumentativo maior para legitimá-lo. Prevaleceu, p.e., que p extrato de cartão corporativo deve ser publicizado. Cada vez mais o ordenamento jurídico pede transparência e publicização dos atos. Página 18 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira São instrumentos para garantir esse princípio o direito de petição, o direito de certidão, o mandado de segurança e o habeas data. Qualquer pessoa pode peticionar perante a AP para fazer valer seus direitos ou apresentar denúncias, direito de petição que não pode ser condicionado ao pagamento de valores. Também há um direito de requerer certidão.. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA Pt. 02 Art. 37 CF, pela EC 19/98 Esse princípio sinaliza a transformação da AP burocrática na AP gerencial. A atuação do Estado seria pautada pela efetivação das finalidades impostas. A AP gerencial, ao contrário da Administração burocrática, relativiza as formalidades e dá maior ênfase ao resultado que deve ser alcançado pela atividade estatal. Há vários instrumentos que foram incorporados a partir da déc. 90 para garantir a eficiência da atuação estatal, como os contratos de gestão interno (art. 37, §8º CF) e a avaliação de desempenho para adquirir estabilidade (art. 41, §4º) ou exoneração por insuficiência de desempenho (ainda não tem aplicação prática porque o §1º remete a uma regulamentação por LC, que não foi promulgada). Outro exemplo é a duração razoável do processo, seja administrativo ou judicial. PRINCÍPIOS NÃO EXPRESSOS NA CONSTITUIÇÃO Embora não sejam mencionados na Constituição (implícitos), muitos deles foram positivados nas normas infraconstitucionais (e, portanto, tornam-se explícitos nestes diplomas). PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E DA MORALIDADE Discute-se no Direito Constitucional se estes princípios seriam fungíveis, ou seja, se serviriam para a mesma coisa. Alguns, como Humberto Ávila, entendem que esses dois princípios seriam aplicados a diferentes situações, fazendo uma situação entre ambos. A doutrina, porém, tem usado proporcionalidade e razoabilidade como se fossem fungíveis, apesar de sua diversidade histórica. Neste segundo caso está o Barroso, que defende uma aplicação fungível entre razoabilidade e proporcionalidade. O STF tem usado os dois termos quase como sinônimos. A razoabilidade surge nos EUA, a proporcionalidade surge na Alemanha. A razoabilidade nasce da interpretação da cláusula do devido processo legal. A Suprema Corte Americana retirou o p. da razoabilidade ao interpretar o devido processo legal, que por meio tempo Página 19 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira nos EUA tinha conteúdo procedimental. Portanto, respeitar o devido processo legal seria respeitar regras processuais (ex.: contraditório, ampla defesa...). Ao lado deste, passou-se a falar em devido processo legal substantivo, sinônimo de razoabilidade, significando que o Estado não pode atuar de forma arbitrária e desmedida. Com base nessa razoabilidade, poderiam ser anulados atos da Administração Pública. Na Alemanha, o p. da proporcionalidade é estabelecido pela Suprema Corte alemã a partir da cláusula constitucional do Estado de Direito (seria impossível imaginar um Estado de Direito que atue sem respeitar proporcionalidade. O Estado que atua de forma desproporcional é arbitrário, e não de Direito). Estamos agora num Estado que observa a ordem jurídica e que, portanto, não atua com excessos. Retira-se a proporcionalidade também das normas constitucionais que consagram direitos fundamentais. Se o Estado deve respeitar propriedade e segurança, precisa atuar com proporcionalidade, sem excessos. A própria exigência de direitos fundamentais pressupõe que a atuação do Estado seja proporcional. No Brasil, a CF não trouxe expressamente esses princípios, embora os reconheça implicitamente. Podemos retirá-los tanto do devido processo legal (inspiração norte- americana), previsto no art. 5º, quanto do art. 1º que fala em Estado Democrático de Direito e dos artigos que consagram direitos fundamentais (inspiração alemã). T E S T E S D A P R O P O R C I O N A L I D A D E O U S U B P R I N C Í P I O S 1) Adequação (ou idoneidade) 2) Necessidade 3) Proporcionalidade em sentido estrito Se a atuação estatal esbarrar num desses 03 testes, será considerada desproporcional e, portanto, invalidada. ADEQUAÇÃO (IDONEIDADE) -> para ser proporcional, o ato estatal deve ser idôneo, adequado para o cumprimento da sua finalidade, ao menos em tese. Qual o fim que o Estado está buscado? X. O meio escolhido é teoricamente adequado ou por meio deste caminho jamais alcançará aquela finalidade? Se não cumprir a finalidade perseguida, percebemosdesde já que o ato é desproporcional. Ao falar de adequação, Humberto Ávila diz que “não dá para tapar o sol com a peneira”. Se o meio é inadequado, se ele não consegue levar àquele objetivo, então ele será desproporcional. Ex.: o STF declarou desproporcional a exigência de capacidade técnica ou formação universitária para as funções de corretor e jornalista. O STF entendeu que essas exigências (capacidade técnica para corretor, ou diploma para jornalista) não seriam adequadas para a finalidade perseguida, qual seja, garantir profissionais de melhor qualidade nessas áreas. Página 20 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira Pense, p.e., de um ex-jogador de futebol que nunca fui à escola, mas que sabe comentar muito melhor o jogo desportivo do que aquele profissional que se formou na faculdade de jornalismo. NECESSIDADE => se o Estado tem 02 ou mais caminhos para alcançar uma mesma finalidade, deve escolher o caminho que restringe menos direitos. 02 caminhos Ambos alcançam o mesmo objetivo O Estado deve usar o caminho menos restritivo de Direitos Por este subprincípio, se é possível resolver um problema de saúde na perna através de uma incisão, é desproporcional amputá-la; se é possível resolver o problema de poluição com a instalação de um filtro, é desproporcional a interdição da fábrica. Note que, nos nossos exemplos acima, qualquer das medidas poderia resolver o problema. Ou seja, em tese todas são adequadas para atender àquela finalidade, mas uma medida é muito mais restritiva que a outra, enquanto ambas atendem à mesma finalidade. Pela proporcionalidade, deve-se optar pela opção menos restritiva. Pt. 03 PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO => muitos autores do Direito Constitucional dizem que nesse 3º teste está a ponderação entre normas, entre princípios. Ou seja, aqui teríamos que fazer uma ponderação entre princípios colidentes no caso concreto. Assim, determinar-se-ia se no caso concreto prevalecerá o princípio A ou B. SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O INTERESSE PRIVADO Esse é um princípio antigo, mas que atualmente tem levantado um largo debate. Tradicionalmente, os autores do direito administrativo afirmavam que existe um p. de supremacia do interesse público sobre o interesse privado. Celso Antônio entende que este princípio seria tão importante que funcionaria como uma “pedra de toque” do Direito Administrativo. Di Pietro também ressalta sua importância. Essa doutrina tradicional nunca chegou a afirmar que todo e qualquer interesse público que realmente prevaleceria sobre o interesse privado. Ou seja, mesmo a doutrina mais tradicional, que sempre falou a supremacia, nunca chegou a dizer que ela seria absoluta e que todo e qualquer interesse público prevaleceria sobre o interesse privado. Fazia-se a distinção entre interesse público primário e secundário. Essa distinção vem da doutrina italiana e por aqui no Brasil foi Celso Antônio quem se inspirou na ideia, sendo imitado por outros. Interesse público primário traduz interesses que dizem respeito às finalidades do próprio Estado. Para que o Estado exige? Para proteger liberdade, propriedade, vida, etc. Isso Página 21 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira constitui o interesse público primário, que traduz a efetivação dos direitos fundamentais, com as verdadeiras finalidades perseguidas pelo Estado. O interesse público secundário também é chamado de interesse público instrumental. Engloba instrumentos dos quais o Estado se vale para alcançar suas finalidades, ou seja, para alcançar o interesse primário. A educação é interesse primário, mas para concretizar isso o Estado precisa contratar professores, desembolsar dinheiro, adquirir um imóvel... O interesse secundário envolve bens, os agentes do Estado e recursos orçamentários. Para a doutrina clássica, a supremacia do interesse público sobre o interesse privado na verdade é uma supremacia do interesse PRIMÁRIO. Ex.: o Estado formaliza contrato com empresa privada, que fornece tempestivamente os serviços contratados. Um dia, o Estado resolve parar de pagar e ainda assim a empresa deve continuar prestando os serviços. Esse interesse de parar de pagar seria um interesse público secundário, que não prevalece sobre o interesse particular. Ademais, o Estado não pode usar um pseudo-interesse público para oficializar um calote, ou seja, para formalizar um ilícito contratual. De algum tempo para cá, surgiram autores criticando o p. da supremacia do interesse público sobre o interesse privado. O primeiro deles foi o Humberto Ávila, depois vieram Daniel Sarmento, Alexandre Santos de Aragão, Gustavo Binenbojm, Ricardo Schier... Cada um foi escrevendo artigos sobre esta crítica, até que resolveram se unir numa obra coletiva intitulada Interesses Públicos versus Interesses Privados. A escola de SP continua defendendo a supremacia do interesse público, aliás foi editado um livro coordenado pela Di Pietro parecendo rebater a obra anterior. Os críticos dizem que não haveria supremacia abstrata de um ‘pseudo-interesse público’ sobre o interesse privado. Sarmento chega a dizer que hoje, ao invés de supremacia do interesse público, haveria uma supremacia do interesse privado. São 02 argumentos principais para crítica: I) A CF não estabeleceu a primazia de um interesse sobre o outro. Fala na necessidade de proteger o bem comum (interesse público, talvez) logo nos seus primeiros artigos, mas consagra no art. 5º ss direitos individuais privados, como o direito à saúde, à educação... Como essas normas são originárias e não há inconstitucionalidade de norma originária, e o Estado deve velar por interesses individuais, então não há uma hierarquia em tese de um interesse sobre o outro. Ambos os interesses aparecem na redação originária da CF, e para resolver isso só por meio de ponderação no caso concreto. II) Quem disse que o interesse público é contrário ao interesse privado? Muitas vezes, a implementação do interesse público passa necessariamente pela implementação do interesse privado. A matrícula de uma criança é direito individual privado à educação, mas também há aí um interesse público. A CF fala em garantir o bem comum (e não interesse público), o que perpassa eventualmente pela satisfação de interesses privados. Muitas vezes, satisfazer o interesse privado é satisfazer o interesse público, então ao invés de uma colisão com supremacia em abstrato haveria um diálogo entre esses interesses. Para saber Página 22 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira se o direito é legítimo, devemos analisar o caso concreto, se há previsão no ordenamento jurídico, como o ordenamento abarca o tema, etc. Para a maioria, ainda prevalece o interesse público sobre o interesse privado. Pt. 04 PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE Esse princípio sempre foi atrelado à prestação dos serviços públicos, por isso muitos autores falam em p. da continuidade dos serviços públicos. Os serviços públicos devem ser prestados de forma contínua, ininterrupta. Se há serviços públicos que garantem direitos básicos das pessoas, a sua paralisação levaria à inefetividade dos direitos fundamentais. Por isso, a regra é que esse serviço deve ser prestado de forma contínua. Art. 6º, §1º, Lei 8.987/95. A continuidade não significa necessariamente que o serviço deve ser prestado 7 dias por semana, 365 dias por ano. Depende do serviço. Quanto mais essencial o serviço, mais contínua deve ser sua prestação, e vice-versa. Uma biblioteca pública, por exemplo, não precisa funcionar 24 horas por dia, 365 dias por ano. Quem vai à biblioteca às 7 da manhã de sábado?Razoavelmente, não se espera que ninguém faça isso, então é possível estabelecer horários mais restritos para seu funcionamento, até em virtude da proporcionalidade. O contrário, p.e., para hospitais com atendimentos de emergência. Veremos ao longo do programa discussões concretas relacionadas a esse princípio. Ex.: interrupção do serviço público perante usuário inadimplente (ex.: se Joãozinho não pagou a conta de luz, a concessionária pode interromper o fornecimento? Como regra, o STJ tem admitido a interrupção do serviço público por falta de pagamento – art. 6º, §3º, II) e greve de servidores públicos estatutários (o STF diz que se aplica, por analogia, a lei de greve do celetista, L. 7783/89, para os servidores públicos estatutários). Outra polêmica é a exceção de não cumprido em contratos administrativos, se ela é cabível ou não, o que admitiria paralisar o cumprimento de um contrato administrativo (e não rescindir, já que o particular não pode rescindir unilateralmente contratos administrativos – ele precisa de concordância da Administração ou recorrer à via judicial). Art. 78, inc. XIV e XV, Lei 8.666 – a lei expressamente admite a exceção de contrato não cumprido, inclusive por atraso de pagamento pelo Estado em tempo superior a 90 dias. PRINCÍPIO DA AUTOTUTELA Tutela é controle. Logo, quando falamos de autotutela, estamos falando de ‘autocontrole’, significando que o Estado pode controlar seus próprios atos. Página 23 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira O Estado edita determinado ato. Tem o dever de verificar se tal ato é válido e se é conveniente e oportuno. Se não o for, o ato deve ser retirado do mundo jurídico. Quando o Estado faz o controle dos seus próprios atos, ele tem basicamente dois grandes caminhos: (1) deve anular o seu ato se houver ilegalidade (dever); (2) se o ato é legal, mas se tornou inconveniente ou inoportuno, pode revogá-lo. V. S. 346 e 473 STF Art. 53 e 54 da Lei 9.784/99 PRINCÍPIOS DA CONSENSUALIDADE E DA PARTICIPAÇÃO A atuação do Estado tem sido cada vez mais consensualizada. O Estado cada vez mais busca instrumentos de consenso para agir; obviamente, ele pode simplesmente agir e impor isso ao indivíduo, mas a decisão estatal tem sido cada vez mais criada a partir de um diálogo com a sociedade. Ex.: art. 39, L. 8.666 – audiências públicas para licitações de grande vulto. As leis que criaram as agências reguladoras preveem audiências públicas para edição de normas técnicas; a PPP também seria precedida de audiência pública. Também é expressão daqui o consenso quando a AP, ao invés de multar pela poluição ambiental, permite que o particular invista aquele mesmo dinheiro em melhorias ambientais, o TAC na ACP, acordos de leniência.. Tudo isso reforça a legitimidade democrática das decisões e atos administrativos. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA , CONFIANÇA LEGÍTIMA E BOA -FÉ Segurança jurídica e Estado de Direito são duas faces da mesma moeda, por isso o p. da segurança jurídica sempre esteve presente na doutrina administrativista. A segurança jurídica comporta 02 sentidos, um objetivo e outro subjetivo. No sentido objetivo, está-se analisando a relação jurídica; no sentido subjetivo, analisamos os seus sujeitos. No sentido objetivo, segurança jurídica significa estabilidade social, estabilidade das relações jurídicas (ex.: art. 5º, XXXVI, CF). No sentido subjetivo, focando no sujeito, a relação jurídica pretende proteger o sujeito, a boa-fé, a confiança que o Estado gera nos seus destinatários. Se o Estado faz uma promessa e depois a descumpre, sua atuação gera insegurança por violar as expectativas geradas nos indivíduos. Portanto, nesse sentido subjetivo há uma proteção da boa-fé tanto do Estado quanto do indivíduo. Página 24 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira O princípio da proteção da confiança legítima passou a ficar tão importante (protege direito adquirido, CJ, ato jurídico perfeito, como também as expectativas, quando o direito sequer foi incorporado) que passou a ser destacado pela doutrina brasileira. Com esse nome, o princípio da proteção da confiança surge na Alemanha, no famoso caso da viúva de Berlim. Era uma senhora cujo marido falecera na II G.M., quando as Alemanhas ainda eram divididas. Ela residia na Alemanha oriental e a Alemanha ocidental garantia uma pensão vitalícia, mas para isso exigia a sua mudança. Ela se muda para a Alemanha Ocidental e começa a receber a pensão. Depois, verifica-se que a pensão era ilegal, a viúva não havia preenchido um requisito legal, então a pensão é cassada. O Tribunal alemão determinou o retorno do pagamento até a morte da viúva, pelo p. da confiança legítima, que surge como forma de limitar a autotutela do Estado. Se há má-fé do administrado, a confiança não é legítima e, portanto, não goza de proteção. Não é também uma expectativa qualquer que será protegida. Exige-se uma expectativa qualificada, quando há de forma notória um ato do Estado que gere em homens médios uma intenção. O efeito negativo do princípio é impedir que o Estado anule seu ato, sob pena de violar a confiança legítima. Também há efeitos positivos: por esse princípio, pode-se exigir uma ação do Estado, tal como a convocação daqueles candidatos aprovados dentro das vagas do edital do concurso público. O STF usou expressamente o p. da confiança legítima para dizer que se há 20 vagas no edital e 30 pessoas passam, os 20 primeiros têm o direito de serem convocados, pela sua confiança legítima. Pela confiança legítima, o Estado não pode ir contra seus próprios atos (venire contra factum proprium). Se o Estado realiza a vistoria no veículo, através do DETRAN, dizendo que está tudo ok, não pode em seguida multá-lo por uma falha no veículo. Seria o caso de o sujeito acabar de sair da vistoria, onde o veículo é aprovado, e ao virar a esquina encontrar uma blitz, onde é aplicada uma multa, caberia até a anulação desse auto de infração, por violar a confiança legítima do administrado e representar um venire contra factum proprium. Página 25 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira Aula 03 – Pt. 01 – 18/03/2015 ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA O Brasil adota a forma federativa de Estado. A Federação envolve descentralização política do Poder, o que significa que o Poder será politicamente descentralizado, distribuído entre entes federativos, que portanto serão dotados de autonomia política. Cada ente federado tem autonomia política, que envolve pelo menos três grandes capacidades: Auto-organização -> cada ente federado tem autonomia para se organizar através de suas próprias normas. Por isso, temos normas federais, estaduais, distritais e municipais. Autogoverno -> significa que cada ente federado tem autonomia para eleger seus próprios governantes. Autoadministração -> significa que cada ente federado tem atribuições próprias, com competências administrativas próprias. Portanto, cada ente federado presta de forma autônoma seus serviços. Cada ente federado terá autonomia para se organizar administrativamente. Se um serviço deve ser prestado pelo Município, outro pelo Estado e outro pela União, cada ente federado dirá como prestará seu próprio serviço. O ente pode fazê-lo diretamente, por meio de seus próprios agentes públicos, ou pode criar uma pessoa jurídica nova, passando-lhe a incumbência de prestar o serviço. Por fim, ao invés de prestar diretamente ou criar PJ nova, o ente pode delegar o serviço para pessoa que já existe no mercado. Aqui, falamos na concessão e permissão de serviços. Cada ente federado tem autoadministração, ou seja, autonomia parase organizar ao prestar seus respectivos serviços. Essa divisão de atribuições, listada na CF, faz com que cada ente federativo tenha autonomia na prestação dos seus serviços, decidindo como vai fazê-lo, se é por meio de prestação direta, criando PJ ou delegando para uma pessoa que já existe no mercado. Ex.1: No Município X, temos uma escola pública com vários alunos matriculados. Depois, vem uma Lei X, que garante gratuidade para os estudantes na rede pública de ensino no Município nos transportes (passe livre). Nessa escola, estuda o Joãozinho, que reside no Município ao lado, o Y. Joãozinho pega um ônibus na porta da sua residência que o leva diretamente à porta da escola pública em X. Ele percebe que todos os amigos têm passe livre, menos ele, então a mãe o representa para propor uma ação em face do Município X para que também lhe conceda o passe livre. É descabido o passe livre, porque o Município X não tem legitimidade para falar desse transporte intermunicipal. Aliás, se a Lei X falasse desse transporte, ela seria inconstitucional. Página 26 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira O Município cuida de transporte intramunicipal (art. 30, inc. V, CF), enquanto o Estado cuida de transporte intermunicipal e a União cuida de transporte interestadual. Portanto, no nosso caso acima Joãozinho teria que acionar o Estado, verificando se ele tem alguma lei concedendo a gratuidade. Se não houver tal lei, Joãozinho teria que pagar sua própria passagem. Ex.2: o STF tem algumas decisões no que toca aos serviços de telecomunicações, declarando inconstitucionais leis estaduais que tratam desse serviço, mesmo que a justificativa teórica seja uma proteção ao consumidor. Art. 21, inc. XI, CF. Além do princípio federativo, não podemos olvidar a Separação de Poderes ou Separação de Funções. Temos uma tripartição de poderes típica dos Estados Ocidentais (Judiciário, Executivo e Legislativo), feita a partir de um critério de preponderância da função exercida por cada poder. Quando a CF faz a separação tripartite de poderes, fá-lo considerando o critério de preponderância: no Executivo, prepondera a função administrativa; no Legislativo, prepondera a função legislativa de inovar na ordem jurídica, trazendo direitos e obrigações; no Judiciário, prepondera a função julgadora, de resolver conflitos de interesse com força de definitividade. Pelo critério da preponderância, cada Poder exerce uma função de forma preponderante; aliás, é essa função preponderante que dá o nome a cada Poder. A separação de poderes, porém, não quer dizer que cada poder exerce apenas uma função, e sim uma função típica (preponderante) e funções atípicas, que em princípio seriam exercidas pelos outros Poderes. O Poder Judiciário normalmente julga, resolvendo conflitos, mas ele também exerce poder normativo (ex.: competência para os Tribunais fixarem seus regimentos internos) e função administrativa (ex.: concessão de férias a um servidor ou sua lotação ou sua punição em processo disciplinar). O Poder Legislativo em regra legisla, mas de maneira atípica exerce função judicante, como é o caso de o Senado processar e julgar o PR por crime de responsabilidade. Também exerce função administrativa ao dar férias para seus servidores, por exemplo. Onde houver função administrativa, aplicaremos os institutos do Direito Administrativo. E essa função é encontrada não apenas no Poder Executivo, mas em todos os Poderes. Logo, ao falarmos de função administrativa, não estamos nos limitando ao Executivo, mas nos referimos a todos os Poderes, porque todos exercem, ainda que de forma atípica, a função administrativa. Art. 37 CF – note que ele fala em “quaisquer poderes” Página 27 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira O que é função administrativa? O critério adotado pela maioria da doutrina é residual. Ou seja, função administrativa é aquela que não envolve criação de direitos e obrigações por normas abstratas, nem envolve resolução de conflitos de interesses com força de definitividade. Pt. 02 TÉCNICAS DE ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DESCONCENTRAÇÃO Na Desconcentração, o Poder Público realizará uma distribuição interna das funções estatais. União, Estados, DF e Municípios, pessoas jurídicas públicas, podem optar pela desconcentração. A pessoa jurídica pública faz, dentro da sua própria estrutura, uma distribuição de competências e atividades estatais. Logo, o que o ente federado pretende fazer é só uma especialização interna de funções: dentro da sua própria estrutura, ele diz quem é competente para falar sobre um assunto e sobre o outro. Chamamos esses setores internos para os quais se dá a desconcentração de órgãos. A PJ divide funções internamente para seus respectivos órgãos. Portanto, não é criada uma pessoa jurídica nova, nem são transferidas atividades para pessoas jurídicas já existentes. A característica mais basilar dos órgãos é não serem pessoas, ou seja, eles não têm personalidade jurídica. DESCENTRALIZAÇÃO O Estado transfere suas atividades para pessoas (em regra, pessoas jurídicas). Há duas possibilidades nesse ponto: o próprio Estado cria uma pessoa jurídica e transfere para ela a atividade (ex.: criação de autarquia, EP, SEM ou fundação estatal), ou transferir a atividade para pessoa que já existe no mercado, isto é, para um particular que em regra será pessoa jurídica (concessão e permissão de serviço público, em que, via contrato, transfere serviço público para pessoa do mercado). Obs.: a lei permite que a permissão se dê em prol de pessoas físicas. Ex.: táxi no MRJ. Na descentralização, o Estado transfere atividade para uma pessoa. Em regra, será pessoa jurídica. Esta terá capacidade para celebrar contratos e negócios jurídicos em geral, assim como tem capacidade processual, para propor suas próprias ações. NOMENCLATURAS Espécies de Descentralização (Di Pietro): Página 28 de 258 DIREITO ADMINISTRATIVO | Rafael Oliveira a) Territorial (ou geográfica) => essa descentralização envolveria a atribuição de Poderes administrativos a uma determinada parcela do território (região). É como se o Estado delimitasse uma área geográfica e dissesse que a partir de agora ela teria capacidades, competências e atividades próprias. O Estado atribuiria a essa área geográfica personalidade jurídica. Isso é comum dos Estados Unitários europeus, onde se atribuem competências para comunas, regiões, etc. Ou seja, para áreas geográficas, a fim de facilitar a execução dos serviços. No Brasil, seria o caso dos Territórios, que hoje não existem. b) Por serviços (ou funcional ou técnica) => o Estado cria uma pessoa jurídica e, por lei, transfere a atividade administrativa. c) Por colaboração => o Estado transfere a atividade administrativa por negócio jurídico para uma pessoa da iniciativa privada. Uma segunda proposta de nomenclaturas é do Hely Lopes Meireles: A) Outorga B) Delegação OUTORGA DELEGAÇÃO Instrumento que formaliza a descentralização Lei Negócio Jurídico O que é transferido? O Estado transfere a própria titularidade da atividade. Como quem transfere o mais transfere o menos, junto com a titularidade também é transferida a execução. Transfere apenas a execução do serviço. A titularidade permaneceria com o Estado lato sensu. Na Outorga, o Hely incluía a Administração Indireta, como autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações estatais. Como delegação, estariam as concessionárias e permissionárias de serviços públicos, feitas por meio de contratos e que transfeririam
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