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DIREITO ADMINISTRATIVO AULA 1 Prof. Jackson Luiz de Luna 2 CONVERSA INICIAL Bem-vindo! Sou o professor Jackson Luiz de Luna, bacharel em direito, com pós-graduação e mestrado em direito administrativo, também sou engenheiro civil, com longa experiência na área de licitações. Nossa disciplina Direito Administrativo é de suma importância, haja vista a sua aplicabilidade na esfera pública. Nesta nossa primeira aula, iremos tratar sobre os princípios do direito administrativo, pois estes são os pilares norteadores da nossa disciplina. Estudaremos seis temas durante o nosso curso, quais sejam: 1. Princípios do direito administrativo 2. Administração Pública 3. Atividades administrativas 4. Licitações públicas 5. Contratos administrativos 6. Processo administrativo CONTEXTUALIZANDO Quais os princípios que envolvem a Administração Pública? Para que possamos entender bem a disciplina do Direito Administrativo, precisamos identificar a aplicabilidade de cada um dos princípios, pois estes são norteadores de todo conteúdo de nossa disciplina, como veremos a seguir. Nesta primeira aula, abordaremos os seguintes temas importantes: 1. Conceito de direito administrativo brasileiro 2. Princípios do direito administrativo 3. Princípio da supremacia do interesse público e princípio da legalidade 4. Princípios da impessoalidade e moralidade 5. Princípios da publicidade e eficiência Leitura obrigatória BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar. São Paulo: Max Limonad, 1998. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Editora Saraiva, 2005. 3 TEMA 1 – CONCEITO DE DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO Para Romeu Felipe Bacellar Filho: trata-se do regime jurídico administrativo, que confere unidade, coerência e autonomia científica ao ramo da ciência jurídica conhecido como “Direito Administrativo”. Sua importância é inegável, especialmente em virtude do foco ao qual se volta a atuação do Administrador: o bem público. Segundo Marçal Justen Filho: O direito administrativo é o conjunto de normas jurídicas de direito público que disciplinam as atividades administrativas necessárias à realização dos direitos fundamentais e a organização e o funcionamento das estruturas estatais e não estatais encarregadas de seu desempenho. Celso Antônio Bandeira de Mello, por sua vez, traz o seu conceito para o direito administrativo como sendo “o ramo do Direito Público que disciplina o exercício da função administrativa, e os órgãos que a desempenham”. Para Marçal Justen Filho: esse ramo do direito notabiliza-se por cuidar das questões relacionadas à Administração Pública e suas relações jurídicas. Dessa forma, quando nos deparamos com uma questão relativa a direitos e deveres do servidor público, licitações e contratos administrativos, ou mesmo questões relativas a pedágio ou serviço de telefonias, estamos diante de questões tratadas pelo direito administrativo. O professor Romeu Felipe Bacellar Filho diz, do ponto de vista da opção constitucional pelo processo administrativo, que a Constituição da República inovou ao introduzir em seu artigo 5°, LV, o processo administrativo, “este entendido em sentido amplo em face do servidor ou do particular, assegurando- se o contraditório e a ampla defesa com os meios e recursos inerentes.” Ademais, Bacellar Filho afirma que: a opção constitucional pelo termo processo administrativo ao invés de procedimento administrativo é mais profunda do que somente uma preferência pelo emprego deste termo jurídico. Ela envolve em seu emprego a obrigatoriedade do regime jurídico processual nas atividades administrativas trazidas pela Constituição Federal de 1988. Além do artigo 5°, LV, podemos citar outros dispositivos constitucionais que trazem a expressão processo administrativo: Art. 5°, LXXII: conceder-se-á “habeas-data”: 4 (...) b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo. Art. 37. A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público. § 1º O servidor público estável só perderá o cargo: (...) II – mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa. Desta análise, explica Marçal Justen Filho: podemos verificar que o conceito de processo não está aplicado de forma restrita, mas comporta a ideia de processualidade ampla, não se referindo somente à função jurisdicional, mas também sendo forma de desenvolvimento das funções administrativa e legislativa. TEMA 2 – PRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO Os princípios são orientadores das normas vigentes e auxiliam na formulação de leis e jurisprudências, ressalta Romeu Felipe Bacellar Filho. Podemos salientar que os princípios jurídicos funcionam como ideia central de um sistema, norteando a interpretação lógica, estabelecendo o alcance e sentido às regras existentes no mundo jurídico. “A palavra princípio vem do termo latino principium, nos dando a ideia de origem, de começo.” A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, estabelece cinco princípios básicos para a Administração Pública direta e indireta, vejamos: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência . 5 O professor Bacellar Filho diz que “A doutrina encontra ainda um número grande de outros princípios que também auxiliam o direito administrativo”. Logo, estudaremos os princípios trazidos na: Carta magna/88 e outros, encontrados implicitamente no diploma constitucional ou mesmo na legislação esparsa e infraconstitucional, todos eles tratados pela doutrina como basilares à inteligência do Direito Administrativo, não querendo esgotar o estudo dos princípios, pois existem outros que aqui deixamos de trazer. TEMA 3 – PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO E PRINCÍPIO DA LEGALIDADE O princípio da supremacia do interesse público, segundo Antonio Rodrigo Candido Freire: É considerado pela maioria dos doutrinadores como um dos mais importantes princípios, pois tem a finalidade pública como “conditio sine quo non” da administração. Este princípio está presente não somente na elaboração de normas, mas também na condução e execução do caso concreto. A Administração Pública no ofício de suas prerrogativas impõe atos a terceiros de forma imperativa e exige seu cumprimento com previsão de sanções aos que descumprirem. Tudo isso com o interesse maior que é o coletivo. O interesse coletivo tem prevalência sobre os individuais, diferenciando do direito privado. Essa condição coloca a administração em uma condição hierárquica, ressalta Roque Antonio Carrazza. Para Hely Lopes Meirelles: este supra princípio fundamenta todas as prerrogativas de que dispõe a Administração como instrumentos para executar as finalidades a que é destinada. Neste sentido,decorre do Princípio da Supremacia do Interesse Público que havendo conflito entre o interesse público e o privado, prevalecerá o primeiro, tutelado pelo Estado, respeitando-se, contudo, os direitos e garantias individuais expressos na Constituição, ou dela decorrentes. Como exemplo desses direitos e garantias, tem- se o art. 5º da CF/88, XXXVI, segundo “o qual a Administração deve obediência ao direito adquirido, à coisa julgada e ao ato jurídico perfeito”. Fica patente, portanto, que a forma e os limites da atuação administrativa são determinados pelos princípios constitucionais; dessa maneira, assim como ocorre com todos os princípios jurídicos. Quanto ao princípio da legalidade, Hely Lopes Meirelles diz que “a Legalidade é intrínseca a ideia de Estado de Direito, pensamento este que faz que ele próprio se submeta ao direito, fruto de sua criação, portanto esse é o motivo desse princípio ser tão importante, um dos pilares do ordenamento. É na legalidade que cada indivíduo encontra o fundamento das suas prerrogativas, assim como a fonte de seus deveres. 6 A administração não tem fins próprios, mas busca na lei, assim como, em regra não tem liberdade, escrava que é do ordenamento”. De acordo com Hely Lopes Meirelles, “o princípio da legalidade é uma das maiores garantias para os gestores frente o Poder Público”. Logo, seguindo o mesmo pensamento, esse princípio representa total subordinação do Poder Público à previsão legal, visto que os agentes da Administração Pública devem atuar sempre conforme a lei. Assim, o administrador público não pode, mediante mero ato administrativo, conceder direitos, estabelecer obrigações ou impor proibições aos cidadãos. A criação de um novo tributo, por exemplo, dependerá de lei. Nos ensinamentos do professor Marçal Justen Filho: “na licitação por exemplo, o Princípio da Legalidade possui atividade totalmente vinculada, ou seja, a falta de liberdade para a autoridade administrativa. A lei define as condições da atuação dos Agentes Administrativos, determinando as tarefas e impondo condições excludentes de escolhas pessoais ou subjetivas. Seria inviável subordinar o procedimento licitatório integralmente ao conteúdo de lei. Isso acarretaria a necessidade de cada licitação depender de edição de uma lei que a disciplinasse”. A estrita e absoluta legalidade tornaria inviável o aperfeiçoamento da contratação administrativa. A lei ressalva a liberdade para a Administração definir as condições da contratação administrativa. Mas, simultaneamente, estrutura o processo licitatório de modo a restringir a discricionariedade e determinadas fases ou momentos específicos. Por fim, relata Hely Lopes Meirelles “que esse princípio é vital para o bom andamento da Administração Pública, sendo que ele coíbe a possibilidade do gestor público agir por conta própria, tendo sua eficácia através da execução jurídica dos atos de improbidade, evitando a falta de vinculação à norma e, principalmente, a corrupção no sistema. Essa preocupação se faz constante para que seja atingido o objetivo maior para o país, o interesse público, através da ordem e da justiça.” O princípio da legalidade encontra-se expressamente disposto em nossa Constituição Federal nos seguintes artigos: 7 Art. 5° – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; (...) Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência Enquanto no art. 5º, II, CF, temos o Princípio da Legalidade disposto “sob a ótica individual, determinando que o Poder Público, para determinar o que se poderá e o que não se poderá fazer, deve elaborar leis, o que nos garante uma maior segurança jurídica”; temos, no art. 37 de nossa Carta Magna, o Princípio da legalidade sob a ótica da Administração Pública, “ao estabelecer que administrador público só poderá agir dentro daquilo que é previsto e autorizado por lei”. TEMA 4 – PRINCÍPIOS DA IMPESSOALIDADE E MORALIDADE Maria Sylvia Zanella Di Pietro diz que: O princípio da impessoalidade estabelece o dever de imparcialidade na defesa do interesse público, impedindo discriminações e privilégios indevidamente dispensados a particulares no exercício da função administrativa. Além do mais, possui outro aspecto importante, a atuação dos agentes públicos é imputada ao Estado, portanto, as realizações não devem ser atribuídas à pessoa física do agente público, mas à pessoa jurídica estatal a que estiver ligado. (Grifo nosso) Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “o próprio significado da palavra impessoalidade no dicionário português (que não se refere ou não se dirige a uma pessoa em particular, mas às pessoas em geral) já faz criar, por si só, um primeiro conceito: Aquele que muitas vezes denomina-se saber vulgar, saber primeiro, que é criado em nossa mente sem muitas formalidades. Seria esse primeiro conceito o de algo justo, sem diferenciação, equitativo, de forma totalitária. Pois é exatamente seguindo essa linha primária de raciocínio que se pode analisar os sentidos do princípio da impessoalidade.” 8 Embora a visão geral desse princípio não ser divergente entre os autores, muitos deles dividem a impessoalidade para um melhor estudo sob dois prismas: a finalidade e a vedação. Exigir portanto a impessoalidade na Administração Pública tanto pode ser em relação aos administrados como à própria Administração. De acordo com o autor Marcelo Alexandrino: A impessoalidade como prisma determinante da finalidade de toda atuação administrativa é a acepção mais tradicional desse princípio e traduz a ideia de que toda atuação da Administração deve visar o interesse público, deve ter como finalidade a satisfação do interesse público. (Alexandrino, Marcelo, Direito administrativo descomplicado, 17. ed., 2009, p. 200) Dessa forma percebe-se que a impessoalidade vem a impedir os atos administrativos que visem os interesses de agentes ou até mesmo de terceiros, buscando limites estabelecidos à vontade da lei, a um comando geral e abstrato. Esse princípio quanto finalidade impõe ao administrador público que os seus atos sejam sempre praticados para o seu fim legal. E esse fim legal segundo Hely Lopes Meirelles: “é unicamente aquele que a norma de Direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal” (Meirelles, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, 35. ed., 2009, p. 93). O que faz entender que o objetivo da finalidade em qualquer ato administrativo é o interesse público e que qualquer ato que não siga esse objetivo estará sujeito a invalidação por desvio de finalidade. Esta finalidade da atuação da Administração tanto pode vir expressa como implícita nas leis, existindo uma finalidade geral que é a satisfação do interesse público, e uma finalidade que se pode dizer específica por ser o fim direto o qual a lei pretende atingir. Maria Sylvia Zanella de Pietro define bem esse sentido da finalidade do princípio da impessoalidade quando diz que: o princípio estaria relacionado com a finalidade pública que deve nortear toda atividade administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento. Tamanha é a importância desses conceitos associando a impessoalidade à finalidade uma vez que exclui dentro da Administração qualquer tipo de satisfaçãode interesses próprios, de favoritismos, de perseguições e discriminações que venham a causar danos em relação aos agentes 9 governamentais. Trazendo esses conceitos para a prática do cotidiano temos como exemplo o combate à pratica do nepotismo, que é a nomeação de parentes para cargos que não exigem concurso público, e que apesar de ainda ser um fato corriqueiro tem sido cada dia mais banido e colocado em discussão devido ao uso adequado do princípio ora aqui discutido. Marcelo Alexandrino cita um exemplo que deixa bastante clara essa concepção de impessoalidade/finalidade e que demonstra a sua precisa importância quando diz: imagine-se que um servidor, um Auditor Fiscal da Receita Federal, peça licença para capacitação, prevista no art. 87 da lei 8.112/1990, a fim de participar de um curso de pintura em porcelana. São os seguintes os termos do citado dispositivo legal: Após cada quinquênio de efetivo exercício, o servidor poderá, no interesse da Administração, afastar-se do exercício do cargo efetivo, com a respectiva remuneração, por até três meses, para participar de curso de capacitação profissional (Alexandrino, Marcelo. Direito administrativo descomplicado, 17. ed., 2009, p. 201). Percebe-se perfeitamente nesse exemplo dado que houve desvio de finalidade do servidor para com a Administração Pública uma vez que o curso pretendido por ele não tinha nenhuma relação com a função exercida pelo mesmo no órgão público. É primando pela impessoalidade dentro da esfera pública que inúmeros abusos são fortemente evitados. Outro exemplo bastante didático e de fácil assimilação é o do uso correto do ato da remoção, aquele que tem por finalidade específica adequar o número correto de servidores lotados nas unidades administrativas à mão de obra necessária de cada loca. Esse ato nunca deveria ser usado, em face do princípio da impessoalidade, para por exemplo punir um servidor por mal comportamento. Esse ato torna-se nulo por total desvio de sua finalidade. Para Hely Lopes Meirelles: Do Exposto constata-se que o princípio em foco está entrelaçado como princípio da igualdade (arts. 5º, I e 19, III, da CF), o qual impõe à Administração tratar igualmente a todos os que estejam na mesma situação fática e jurídica. Isso significa que os desiguais em termos genéricos e impessoais devem ser tratados desigualmente em relação àqueles que não se enquadram nessa distinção. (Meirelles, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, 35. ed., 2009, p. 94). É importante dessa forma que a interpretação das normas administrativas seja feita corretamente garantindo o atendimento do fim público ao qual se dirige, vedando qualquer tipo de promoção pessoal de agentes ou autoridades. O segundo prisma do princípio da impessoalidade visto pelos renomados doutrinadores é a questão da vedação a que o agente público valha-se de algumas atividades que são desenvolvidas pela própria Administração Pública 10 para poder obter algum tipo de promoção pessoal e que está consagrada no § 1º do art. 37 da Constituição, nestes termos: A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos. Nesse segundo desdobramento o referido princípio da impessoalidade tem por objetivo claro a proibição da vinculação da Administração às pessoas dos administradores, evitando assim a promoção pessoal através da utilização da propaganda oficial. Os atos e provimentos não são imputáveis aos funcionários que os praticam e sim ao órgão ou entidade da Administração Pública. Por consequência disso as realizações governamentais não são do funcionário ou autoridade e sim da entidade pública em nome de quem as produzirão. Assim temos como exemplo uma obra pública realizada em determinada cidade e que não poderá nunca ser anunciada como realização do prefeito dessa cidade e sim como sendo uma obra realizada pela prefeitura da referida cidade. Também o posicionamento do STF no que diz respeito à essa questão é bastante rigoroso pois entende que nenhuma espécie de vinculação entre a propaganda oficial e a pessoa do titular do cargo público pode ser admitida, nem mesmo quando se trata da utilização, na publicidade do governo, com algum elemento que relacione a mensagem com algum partido político do administrador. Sobre o princípio da moralidade, Romeu Felipe Bacellar Filho observa que: Objetiva o princípio da moralidade, e os demais elencados no artigo 37 da CF, resguardar o interesse público na tutela dos bens da coletividade, “exigindo que o agente público paute sua conduta por padrões éticos que têm por fim último alcançar a consecução do bem comum, independentemente da esfera de poder ou do nível político- administrativo da Federação em que atue”. As restrições impostas à atuação do administrador público, pelo princípio da moralidade, e demais postulados do artigo 37 da CF: são autoaplicáveis, por trazerem em si carga de normatividade apta a produzir efeitos jurídicos, permitindo, em consequência, ao Judiciário exercer o controle dos atos que transgridam os valores fundantes do texto constitucional. Para Hely Lopes Meirelles: 11 A moralidade administrativa constitui hoje em dia, pressuposto da validade de todo ato da Administração Pública (Const. Rep., art. 37, caput). Não se trata – diz Hauriou, o sistematizador de tal conceito – da moral comum, mas sim de uma moral jurídica, entendida como “o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração”. Desenvolvendo a sua doutrina, explica o mesmo autor que o agente administrativo, como ser humano dotado da capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. Por considerações de direito e de moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme já proclamavam os romanos – “non omne quod licet honestum est”. A moral comum, remata Hauriou, é imposta ao homem para sua conduta externa; a moral administrativa é imposta ao agente público para a sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve, e a finalidade de sua ação: o bem comum (...) O certo é que a moralidade do ato administrativo, juntamente com a sua legalidade e finalidade, constituem pressupostos de validade, sem os quais toda atividade pública será ilegítima. Com sua peculiar maestria, Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina que: Não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa fé, ao trabalho, à ética das instituições. A moralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir; entre os sacrifícios impostos à coletividade e os benefícios por ela auferidos; entre as vantagens usufruídas pelas autoridades públicas e os encargos impostos à maioria dos cidadãos. Por isso mesmo, a imoralidade salta aos olhos quando a Administração Pública é pródiga em despesas legais, porém inúteis, como propaganda ou mordomia, quando a população precisa de assistência médica, alimentação, moradia, segurança, educação, isso sem falar no mínimo indispensável à existência digna. Em verdade, todo ato administrativo e todos os demais princípios da Administração Pública devem estar pautados peloprincípio da moralidade. Neste sentido, a lição lapidar de Cármen Lúcia Antunes Rocha, ministra do Supremo Tribunal Federal: O princípio da moralidade administrativa tem uma primazia sobre os outros princípios constitucionalmente formulados, por constituir-se, em sua exigência, de elemento interno a fornecer a substância válida do comportamento público. Toda atuação administrativa parte deste princípio e a ele se volta. Os demais princípios constitucionais, expressos ou implícitos, somente podem ter a sua leitura correta no sentido de admitir a moralidade como parte integrante do seu conteúdo. Assim, o que se exige, no sistema de Estado Democrático de Direito no presente, é a legalidade moral, vale dizer, a legalidade legítima da conduta administrativa. TEMA 5 – PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE E EFICIÊNCIA 12 A respeito do princípio da publicidade, Marçal Justen Filho diz que: “A publicidade sempre foi tida como um princípio administrativo e, por isso, este princípio tem seu campo natural de aplicação no Direito Administrativo, pelo entendimento de que o Poder Público, por ser público, deve agir com a maior transparência possível, a fim de que os administrados, ou seja, a população, sempre tenham conhecimento do que os administradores estão fazendo. É neste princípio, portanto, que observamos que a Administração Pública, tem a obrigação de manter plena transparência nas suas atitudes e decisões, tanto por parte da Administração como dos seus agentes, ressalvadas as hipóteses de sigilo prevista em lei.” A publicidade, como princípio da administração pública, abrange toda a atuação do Estado. Esta publicidade se dá, não apenas sob o aspecto da divulgação oficial de seus atos, como também a de propiciar a toda população, o conhecimento da conduta interna de seus agentes. Publicação esta que deve se dar de forma clara e eficaz. Portanto, publicidade não é apenas tornar público, isto é, tornar do conhecimento público, mas, principalmente, tornar claro e compreensível ao público. É fazer com que a publicidade cumpra o papel essencial de verdadeiramente informar o público. Importante ressaltar que a prestação da publicidade por parte da Administração Pública é obrigação de todas as funções da república – Judiciário, Legislativo e Executivo. A saber: Do Legislativo, espera-se prestação tanto do dinheiro público gasto no seu sustento como do mandato popular, legitimada pelo voto. Quanto ao Judiciário, a própria Constituição estatui em seu artigo 93, inciso IX, regra específica quanto à publicidade de seus atos que devem ser fundamentados, com exceção dos que possam atingir a intimidade dos envolvidos ou quando o interesse social assim o exigir previsto no inciso LX do artigo 5º da Constituição – “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. 13 No que diz respeito ao Poder Executivo, o caput do art. 37 trata explicitamente, alinhando outros princípios a que deve obediência o administrador: “A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...”. Uadi Lamêgo Bulos, em seus ensinamentos, ressalta que a atenção ao princípio da publicidade tem como escopo “manter a total transparência na prática dos atos da Administração Pública”, associando-o assim à garantia de acesso do cidadão aos registros públicos. O que é importante assinalar é que o dispositivo assegura o direito à informação não só para assuntos de interesse particular, mas também de interesse coletivo ou geral, com o que se amplia a possibilidade de controle popular da Administração Pública. Podemos concluir com base no artigo 1º, parágrafo único da Constituição Federal, que “Não pode haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside do povo, ocultamento aos administrados (o povo), de assuntos que a todos interessam”. Portanto, devem a Administração e seus agentes ser cristalinos em seus comportamentos. Partindo dessa premissa, concluímos que não há possibilidade de cabimento da barganha política, considerando que seria muito incômodo e vexatório torná-la pública. Em relação ao princípio da eficiência, para Hely Lopes Meirelles, “a Eficiência é a capacidade de aptidão para obter um determinado efeito, força, eficácia, proveniente do latim efficientia”. Para o conceituado Dicionário Aurélio, o termo eficiência significa ação, força virtude de produzir um efeito, eficácia. Já a vocábulo eficácia designa aquilo que produz o efeito desejado. Para Di Pietro (2005) “o princípio constitucional em questão é dirigido a toda Administração Pública, possuindo duas interpretações”. A primeira está intrinsecamente ligada ao modo de atuação do agente público. Já a segunda interpretação, está relacionada diretamente com a maneira estrutural, organizacional e disciplinar da Administração Pública, 14 também com a finalidade de alcançar os melhores resultados na gestão pública, para que o bem comum seja alcançado da forma mais adequada. A emenda constitucional nº 19 de quatro de junho de mil novecentos e noventa e oito, denominada Reforma Administrativa tornou expresso esse princípio a ser observado pela Administração Pública Brasileira seja direta ou indireta, presente no caput do artigo 37 da Constituição Federal. Todavia, menciona Moraes (2004) que “tal princípio já existia na legislação infraconstitucional, a exemplo do Decreto-lei 200/67, da Lei nº 8.987/95 das Concessões e Permissões e do Código de Defesa do Consumidor”. A eficiência é representada na expressão: o dever da boa administração, conforme dispõe o direito italiano, para o doutrinador Moraes (2004) verifica-se ainda a presença em outras legislações alienígenas tais como, a Constituição da República das Filipinas, de 1986 e a Carta Portuguesa no artigo 267. De fato, a eficiência pressupõe a realização das atribuições com máxima presteza (rapidez e prontidão), com qualidade perfeita e de forma proficiente. A eficiência deve ser compreendida tanto qualitativa como quantitativamente. Ainda sob a égide constitucional o princípio da eficiência detém uma relação de intrinsecabilidade com o Direito do Consumidor, na medida em que a sociedade, através da prestação de serviços públicos, se caracteriza como usuária e consumidora destes, fazendo com que a eficiência seja um elemento indispensável no fornecimento dos bens e serviços pela Administração Pública. Destaque-se, também, que a busca pela eficiência na execução dos serviços públicos através de meios eficazes e capazes para a consecução do interesse social resulta na integridade do princípio constitucional da dignidade humana. O princípio da eficiência possui o condão de gerar mudanças no comportamento funcional da Administração, o artigo 39, § 7º, da C.F/88, dispõe que: “a União, Estados, Distrito Federal e Municípios disciplinarão a aplicação de recursos orçamentários provenientes da economia com despesas correntes em cada órgão para aplicação no desenvolvimento de programas de qualidade e produtividade, treinamento e desenvolvimento, modernização, reaparelhamento e racionalização do 15 serviço público, inclusive sob a forma de adicional ou prêmio de produtividade”. Para Celso Antônio de Mello “a eficiência diz respeito tanto à otimização dos meios quanto a qualidade do agir final”. O administrador público está compelido a agir tendo como parâmetro o melhor resultado estando atrelado ao princípio da proporcionalidade, o qual estará sujeito à aferição do controle jurisdicional. Como ratifica Modesto (2001), “existem duas dimensões que se conferem ao princípio da eficiência, sendo elas a exigência da economicidade e avaliação deresultado as quais devem conviver com o controle de legalidade”. OUTROS PRINCÍPIOS RELEVANTES O princípio da segurança jurídica Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, entende-se como princípio da boa-fé dos administrados ou da proteção da confiança. A ele está ligada a exigência de maior estabilidade das situações jurídicas, mesmo aquelas que na origem apresentem vícios de ilegalidade. A Lei 9.784/99 veda a aplicação retroativa de nova interpretação. Sendo assim, segundo Di Pietro pode-se admitir a sanatória ou o convalescimento do ato nulo. Em muitas hipóteses, o interesse público prevalecente está na conservação do ato que nasceu viciado, mas que, após, pela omissão do Poder Público em invalidá-lo, por prolongado período de tempo, consolidou nos destinatários a crença firme na legitimidade. Se ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, todo o ato do Poder Público deve trazer consigo a demonstração de sua base legal e de seu motivo. A parte dispositiva deve vir precedida de uma explicação ou exposição dos fundamentos de fato (motivos-pressupostos) e de direitos (motivos- determinantes da lei). O simples fato de não haver o agente público exposto os motivos de seu ato bastará para torná-lo irregular. Certos atos administrativos oriundos do poder discricionário dispensam a justificação, bastando evidenciar a competência para o exercício do ato e a conformação do ato com o interesse público. 16 Em outros atos, que afetam o interesse individual do administrado, a motivação é obrigatória para o exame da legalidade, finalidade e moralidade administrativas. A motivação é ainda obrigatória para assegurar a garantia de ampla defesa e do contraditório; sempre que a motivação for indispensável para o exercício destes direitos, será constitucionalmente obrigatória. • teoria dos motivos determinantes: a motivação deve apontar a causa e os elementos determinantes da prática do ato administrativo, bem como o dispositivo legal em que se funda. A motivação deve ser explícita, clara e congruente. Se não permitir o seu devido entendimento, a motivação não atenderá o seu fim, podendo acarretar a nulidade do ato. Permite-se a motivação aliunde, que consiste em declaração de “concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato” (Lei 9.784/99, art. 50, §1º). A motivação é obrigatória quando os atos: neguem, limitem ou afetem direitos e interesses; imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública; dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório; decidam recursos administrativos; decorram de reexame de ofício; deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais; importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de atos administrativos. O princípio da ampla defesa e do contraditório Celso Antônio Bandeira de Mello diz que: a Constituição não mais limita o contraditório e a ampla defesa aos processos administrativos (punitivos) em que haja acusados, mas estende a garantia a todos os processos administrativos punitivos ou não punitivos, ainda que neles haja simples litigantes. 17 Logo, não é necessário que o conflito seja qualificado pela pretensão resistida. SÍNTESE Diante do que foi abordado, percebemos que o direito administrativo faz parte do cotidiano de toda esfera pública, pois sem ele a Administração Pública não tomaria rumos dentro do devido processo legal. Hely Lopes Meirelles ressalta que “de maneira geral é imprescindível o conhecimento dos princípios, até mesmo para o nosso cotidiano, pois quanto mais entendemos os princípios das coisas, mais facilmente as coisas ficam entendidas.” Logo, o princípio jurídico, e qualquer que seja ele, dentro do sistema jurídico de que faça parte, além de nos indicar a sua origem, seu começo, nos dá os subsídios necessários para a sua interpretação, adequação, e também para a sua concretização. 18 REFERÊNCIAS ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar. São Paulo: Max Limonad, 1998. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2001. 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Exemplos citados por Hely Lopes de Meirelles: “aqueles que não têm qualquer subordinação hierárquica ou funcional, e só sujeitos aos controles constitucionais de um Poder pelo outro.” A partir do artigo 18 daConstituição Federal de 1988, temos a primeira classificação da Administração Pública, que compreende: Administração Federal; Administração Estadual; Administração do Distrito Federal; Administração Municipal. Nesta aula, trataremos dos seguintes temas relevantes: 1. Conceito de Administração Pública direta 2. Administração Pública indireta 3. Autarquias e empresas públicas 4. Empresas de economia mista e fundações públicas 5. Poderes da administração e agentes públicos LEITURAS OBRIGATÓRIAS DESTA AULA DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2002. FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. 3 TEMA 1 – CONCEITO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA “Administração Pública é todo o aparelhamento do Estado, preordenado à realização de seus serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas” (Meirelles, 1991, grifo nosso). “Administrar é gerir os serviços públicos; significa não só prestar serviço, executá-lo, como também, dirigir, governar, exercer a vontade com o objetivo de obter um resultado útil” (Mello, 1974). Além disso, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello diz que “existe uma íntima sintonia entre a Administração Pública e o Serviço Público, fazendo pressupor, clara e nitidamente, que a execução deste seja feita privativamente por aquela, quer diretamente, quer por delegação”. Aliás, Gaston Jèze afirma: “O fim do Estado é organizar e fazer funcionar os serviços públicos”. Outrossim, supõe, igualmente, “que a Administração Pública executa o Serviço Público, porque considera indispensável à sociedade a sua existência e, mencionamos, o seu funcionamento”. (Cirne Lima, 1962). Hely Lopes Meirelles depreende “o princípio da obrigatoriedade do desempenho da atividade pública, em que a Administração Pública sujeita-se ao dever de continuidade da prestação dos serviços públicos”. Nesse particular, mencionamos Celso Antônio Bandeira de Mello, quando descreve: O interesse público que à Administração incumbe zelar, encontra-se acima de quaisquer outros e, para ela, tem o sentido de dever, de obrigação. É obrigada a desenvolver atividade contínua, compelida a perseguir suas finalidades públicas. (Mello, Celso Antonio Bandeira de) Segundo Marçal Justen Filho, “em face da legislação em vigor, a Administração Pública apresenta-se da seguinte maneira: 1 – Administração Direta ou Centralizada. 2 – Administração Indireta ou Descentralizada”. A administração direta ou centralizada é constituída dos serviços integrados na estrutura da Presidência da República e dos ministérios. No âmbito estadual, constitui-se do gabinete do governador e das secretarias de estado. Já no âmbito municipal, constitui-se do gabinete do prefeito e das secretarias municipais. Para Marçal Justen Filho: 4 a Administração Indireta ou Descentralizada é aquela atividade administrativa, em que o Estado descentraliza o desempenho da atividade para outras pessoas jurídicas de direito público ou privado. Integram a Administração Indireta: 1 – Autarquias; 2 – Empresas Públicas; 3 – Sociedades de Economia Mista; 4 – Fundações. Diz o art. 18 da Constituição Federal: “A organização político- administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” A partir dessa determinação constitucional, chega-se a uma primeira classificação da Administração Pública que corresponde a: Administração Federal; Administração Estadual; Administração do Distrito Federal; Administração Municipal. Em relação à Administração Pública direta, Hely Lopes Meirelles ressalta que: a característica determinante da administração direta é a sua composição: os órgãos públicos pertencentes a ela estão ligados diretamente ao poder executivo federal, estadual ou municipal. Neste sentido, estes órgãos de fato integram essas pessoas federativas (Federação, Estados e Municípios) e são responsáveis imediatos pelas atividades administrativas do Estado. Além disso, segundo Hely, “não possuem personalidade jurídica própria, patrimônio e autonomia administrativa, uma vez que seus orçamentos são subordinados às esferas das quais fazem parte.” Como exemplo de órgãos da administração direta pode-se citar os ministérios do governo federal, as secretárias dos estados federativos e dos municípios. Trazemos uma classificação dos órgãos públicos, classificando-os em relação à sua posição ocupada na escala governamental ou administrativa, em órgãos independentes, autônomos, superiores e subalternos, segundo Marçal Justen Filho: https://luz.vc/pacotes-de-planilhas/pacote-geral-de-gestao-com-11-planilhas?utm_source=blog.luz.vc&utm_medium=referral&utm_content=link&utm_campaign=adm_direto 5 Órgãos independentes: São os originários da CF: Legislativo, Executivo, Judiciário. Têm funções políticas já definidas anteriormente, exercidas por seus membros que são agentes políticos com mandato eletivo, enquanto seus servidores são agentes administrativos. São também chamados órgãos primários e estão sujeitos aos controles constitucionais de um Poder pelos outros. Como exemplos, as casas legislativas e as chefias do executivo; Órgãos autônomos: Constituem a cúpula da Administração. Têm ampla autonomia administrativa, financeira e técnica. São órgãos diretivos com funções de planejamento, supervisão, coordenação e controle das atividades na área de sua competência. Participam das decisões governamentais. São os Ministérios, Secretarias de Estado, de Municípios. Seus funcionários são agentes políticos, nomeados em comissão. Como exemplo, os Ministérios, as Secretarias Estaduais e Municipais; Órgão Superiores: Têm poder de direção, controle, decisão e comando em assuntos de sua alçada específica. São os Chefias de Gabinete dos Ministros, Delegacias da Receita Federal, Superintendências Regionais do INCRA e outros desta natureza. Como exemplo, os gabinetes, as coordenadorias e os departamentos; Órgão Subalternos: São aqueles que têm reduzido poder decisório e predominância de atribuições de execução. Sua função é a execução de tarefas e serviços de rotina. Como exemplo, as portarias e as seções de expediente. TEMA 2 – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA A Administração Pública Indireta é constituída das entidades dotadas de personalidade jurídica e que compreende as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas e as sociedades de economia mista. Segundo Paulo Cesar Fulgencio, “a Administração Pública Indireta são os órgãos dotados de personalidade jurídica própria, pública ou privados, que, embora vinculadora à administração direta, dela se destacam por terem sido criados para a consecução, descentralizada de um objetivo específico do entre 6 público, como as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas e as sociedades de economia mista”. De acordo com Meirelles (2002), “as autarquias herdam da entidade estatal que as instituiu os privilégios administrativos (não políticos), vantagens tributárias e as prerrogativas processuais da Fazenda Pública, além dos que lhe são concedidos por lei como necessários ao bom desempenho das suas atribuições.” Hely Lopes Meirelles diz que “são alguns desses privilégios: imunidade de impostos sobre seu patrimônio, renda e serviços vinculados às suas finalidades essenciais ou delas decorrentes” (Constituição Federal, art. 150, § 2º); O professor Meirelles diz que a “prescrição quinquenal de suas dívidas passivas” (Decreto lei 4597 de 1942); Para Meirelles a “execução fiscal de seus créditos inscritos” (Código de Processo Civil, art. 578); Ainda segundo Meirelles “ação regressiva contra seus servidores culpados por danos a terceiros” (Constituição Federal, art. 37 § 6º);Ainda nos mesmos ensinamentos do professor Meirelles “impenhorabilidade de seus bens e rendas” (Constituição Federal, art. 100 e §§). Alguns exemplos de autarquias, como as primeiras entidades administrativas autônomas, criadas por lei específica, com patrimônio próprio e atribuições estatais específicas são: O Banco Central (BC), o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Superintendência de Seguros Privados (SSP) e as agências reguladoras são exemplos de autarquias. Entre elas, pode-se destacar, pela sua importância, o Banco Central, subordinado ao Ministério da Fazenda. O BC é a principal autoridade monetária do país. Seus principais objetivos são o controle monetário (inflação), equilíbrio do Balanço de Pagamentos e estímulo da economia nacional. TEMA 3 – AUTARQUIAS E EMPRESAS PÚBLICAS O conceito legal de autarquia, ressalta a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro de autarquia, está no art. 5º, I, do Decreto-Lei n. º 200/67. Vejamos: Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se: 7 “I – Autarquia - o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada”. Logo a autarquia sempre se reveste de personalidade jurídica de direito público. Sua criação decorre sempre de lei específica, a qual também é responsável pela concessão de sua personalidade jurídica. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “há consenso entre os doutrinadores de que as autarquias possuem as seguintes características: 1. Criação por lei; 2. Personalidade jurídica pública; 3. Capacidade de autoadministração; 4. Especialização dos fins ou atividades; 5. Sujeição a controle ou tutela”. Por exercerem atividades típicas da Administração Direta, as autarquias não estão sujeitas à falência. As aquisições e alienações por ela realizadas têm que observar as regras previstas na Lei n. º 8.666/93, e a contratação de servidores deve ser feita mediante concurso público. Maria Sylvia Zanella Di Pietro diz que “as autarquias, ademais, podem se sujeitar a um regime comum ou especial, a depender das características e privilégios que lhes forem outorgados em sua lei instituidora. São exemplos de autarquias:” • O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia de regime comum; • O Banco Central do Brasil (BACEN), autarquia de regime especial. Quanto às empresas públicas, Maria Sylvia Zanella Di Pietro diz que: empresa pública é pessoa jurídica de capital público, instituída por um ente estatal, com a finalidade prevista em lei. No Brasil as empresas públicas se subdividem em duas categorias: empresa pública unipessoal (com patrimônio próprio e capital exclusivo da União) e empresa pública de vários sócios governamentais minoritários, que 8 unem seus capitais à União, tendo, esta, a maioria do capital votante. A empresa pública tanto pode ser criada, originariamente, pelo Estado, como ser objeto de transformação de autarquia ou de empresa privada. Maria Sylvia Zanella Di Pietro ressalta que: quanto ao capital, difere-se das sociedades de economia mista, porque naquelas, ainda que a titularidade também seja do Poder Público, o capital social é dividido também entre particulares, que adquirem suas quotas por meios da compra de ações. Assim, para Di Pietro: a empresa pública é a pessoa jurídica criada com força de autorização legal, como instrumento de ação do Estado, dotada de personalidade de direito privado mas submetida a certas regras decorrente da finalidade pública, constituídas sob qualquer das formas admitidas em direito, cujo capital seja formado por capital formado unicamente por recursos públicos de pessoa de administração direta ou indireta. Pode ser federal, municipal ou estadual. Sua criação e extinção dependem de autorização específica. A administração das empresas públicas no Brasil é feita por dirigentes nomeados pelo presidente da República, sendo, via de regra, pessoas do próprio quadro funcional. A partir da Emenda Constitucional n. º 19 de 1998, “contemplou-se como princípio à atuação da empresa pública o princípio da eficiência, cujo objetivo é uma maior credibilidade e celeridade dos atos praticados pelas mesmas”. Maria Sylvia Zanella Di Pietro explica que: o ingresso na carreira do emprego público se dá somente por meio de concurso público, assegurado o acesso por todo brasileiro ou estrangeiro naturalizado. Além dos empregados públicos de carreira, há outros trabalhadores que cumprem funções nestas empresas. É o caso dos terceirizados, estagiários e voluntários. Por fim, Maria Sylvia Zanella Di Pietro “cita exemplos de empresas públicas no Brasil a Caixa Econômica Federa, o Banco Nacional de 9 Desenvolvimento Econômico (BNDES), a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, dentre outras.” TEMA 4 – EMPRESAS DE ECONOMIA MISTA E FUNDAÇÕES PÚBLICAS Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro: empresa de economia mista, ou, mais precisamente, sociedade de economia mista, é uma sociedade na qual há colaboração entre o Estado e particulares, ambos reunindo recursos para a realização de uma finalidade, sempre de objetivo econômico. (Grifo nosso) “A sociedade de economia mista é uma pessoa jurídica de direito privado e não se beneficia de isenções fiscais ou de foro privilegiado.” De acordo com o STF, na Súmula nº 517, de 03/12/1969: “As sociedades de economia mista só têm foro na justiça federal, quando a união intervém como assistente ou opoente.” E de acordo com a Súmula nº 556 do STF, de 15/12/1976: “É competente a justiça comum para julgar as causas em que é parte sociedade de economia mista.” O Estado deve ter uma participação majoritária, ou seja, mais da metade das ações com direito a voto devem pertencer ao Estado. A sociedade de economia mista deve ser constituída sob a forma de sociedade anônima e seus funcionários são regidos pela CLT. Marçal Justen Filho faz saber que “frequentemente têm suas ações negociadas em Bolsa de Valores como ocorre com algumas sociedades de economia mista tais como Banco do Brasil, Petrobras, Banco do Nordeste e Eletrobrás. ” Logo, diferem das empresas públicas, tendo em vista que nestas o capital é 100% público. Diferem-se também das sociedades anônimas, em que o governo tem posição acionária minoritária, pois nestas o controle da atividade é privado. O conceito de sociedade de economia mista está fixado em lei pelo artigo 5º, inciso III, do Decreto-Lei nº 200/1967. 10 No que concerne às fundações públicas, o professor Romeu Felipe Bacellar Filho diz que a “conceituação de fundação pública mais encontrada é a disposta no art. 5º, IV do Decreto-Lei nº 200/67, com redação dada pela Lei nº 7.596/87, in verbis:” Para o professor Bacellar Filho: a fundação pública é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes. Maria Sylvia Zanella Di Pietro explica que: fundações públicas devem se destinar às atividades de assistência social, assistência médica e hospitalar, educação e ensino, pesquisa e atividades culturais, todas de relevo coletivo o que justifica a vinculação de bens e recursos públicos para sua realização. A Lei nº 7.596/87 veio alterar dispositivos do DL nº 200/67, incluindo a alínea “d” no inciso II do artigo 4º, estabelecendo “as fundações instituídas por lei federal como entidades da AdministraçãoIndireta e conceituando-as como fundações públicas” nos artigos 2º e 5º, IV, do referido decreto, cita Di Pietro. A Constituição Federal de 1988 manteve o entendimento da Lei nº 7.596/87 uma vez que “as fundações públicas continuaram fazendo parte da Administração Indireta” (art. 37, XIX), mas estabeleceu a necessidade de lei específica para sua criação. Maria Sylvia Zanella Di Pietro diz que “a Emenda Constitucional nº 19/98 a redação original do inciso XIX foi modificada e a necessidade de lei específica permaneceu apenas para a criação das autarquias, enquanto as empresas estatais e as fundações públicas careciam somente de lei específica que autorizasse sua criação”. Mas, por outro lado, explica Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “passaram a requerer lei complementar que definisse suas áreas de atuação, objetivando, assim, especializar as fundações públicas e coibir a 11 criação pouco criteriosa de novas entidades desse tipo, como ocorria anteriormente”. Segundo Di Pietro, “os dispositivos constitucionais que se referem às fundações são aplicáveis ao gênero, independentemente da personalidade jurídica ser pública ou privada”. Di Pietro esclarece que “numa tentativa de estabelecer a área de atuação das fundações instituídas pelo Poder Público, implementando o que dispõe o art. 37, XIX, última parte da Constituição, tramita atualmente na Câmara o projeto de Lei Complementar nº 92-A/2007. Esse projeto de lei é direcionado principalmente à área da saúde, setor em que foram criadas diversas fundações públicas com regime jurídico de direito privado, mas também procura definir outras áreas de atuação dessas entidades como, por exemplo: assistência social, cultura, desporto, ciência e tecnologia, meio ambiente, previdência complementar do servidor público, comunicação social e promoção do turismo nacional.” Por fim, o referido projeto visa estabelecer distinção entre a fundação pública com regime jurídico de direito privado e aquela com regime jurídico de direito público, evitando assim, a criação de entidade que alguns doutrinadores chamam de “autarquia fundacional” (art. 1º, caput). Na exposição de motivos referente ao projeto de Lei Complementar, o Ministro Paulo Bernardo Silva explica a determinação trazida pelo art. 1º: no caso da fundação estatal de direito privado, o Projeto prevê que somente poderá ser instituída para desempenho de atividades estatais que não sejam exclusivas de Estado, de forma a vedar a criação de entidade de direito privado para exercício de atividades em áreas em que seja necessário o uso do poder de polícia. Como exemplos de pronunciamentos do STF sobre o assunto, temos o RE nº 101.126/84 (Rel. Min. Moreira Alves), de onde se extraiu o seguinte trecho do acórdão: nem toda fundação instituição pelo Poder Público é fundação de direito privado. As fundações, instituídas pelo Poder Público, que assumem a gestão de serviço estatal e se submetem a regime 12 administrativo previsto, nos Estados-membros, por leis estaduais, são fundações de direito público, e, portanto, pessoas jurídicas de direito público. Tais fundações são espécie do gênero autarquia, aplicando- se a elas a vedação a que alude o § 2º do art. 99 da Constituição Federal. A norma questionada aponta para a possibilidade de serem equiparados os servidores de toda e qualquer fundação privada, instituída ou mantida pelo Estado, aos das fundações públicas. Sendo diversos os regimes jurídicos, diferentes são os direitos e os deveres que se combinam e formam os fundamentos da relação empregatícia firmada. A equiparação de regime, inclusive o remuneratório, que se aperfeiçoa pela equiparação de vencimentos, é prática vedada pelo art. 37, inc. XIII, da Constituição brasileira e contrária à Súmula 339 do Supremo Tribunal Federal. Precedentes.”(ADI 191/RS, Rel. Min. Carmen Lúcia, julgamento em 29-11-07, DJE de 7-3-08)”. Como se vê, a Suprema Corte admitiu, e continua admitindo, a possibilidade de instituição de fundações pelo Poder Público com regime jurídico público ou privado. Sua natureza jurídica predominante é a de que o ente público instituidor pode atribuir à fundação personalidade de direito público ou de direito privado (Di Pietro, Diógenes Gasparini, Miguel Reale, Cretella Jr.), há ainda a posição de Celso A. Bandeira de Mello que adota a tese de que todas as fundações públicas são pessoas jurídicas de direito público, e, por fim, o entendimento de Hely Lopes Meirelles, Carvalho Filho e Marçal Justen Filho, dentre outros[01], de que todas as fundações são de Direito Privado, independentemente de serem instituídas pela Administração Direta. Comecemos a detalhar alguns dos posicionamentos doutrinários por Celso A. Bandeira de Melo (2007, p. 179/180) que assim preconiza: É absolutamente incorreta a afirmação normativa de que as fundações públicas são pessoas de Direito Privado. Na verdade, são pessoas de Direito Público, consoante, aliás, universal entendimento, que só no Brasil foi contendido. Saber-se se uma pessoa criada pelo Estado é de Direito Privado ou de Direito Público é meramente uma questão de examinar o regime jurídico estabelecido na lei que a criou. Se lhe atribuiu a titularidade de poderes públicos, e não meramente o 13 exercício deles, e disciplinou-a de maneira a que suas relações sejam regidas pelo Direito Público, a pessoa será de Direito Público, ainda, que se lhe atribua outra qualificação. Na situação inversa, a pessoa será de Direito Privado, mesmo inadequadamente nominada. Segundo essa teoria, a questão se de direito público ou privado é inerente apenas ao regime jurídico estabelecido na lei que as criou, assim haveriam fundações públicas com regime jurídico (e não personalidade jurídica) privado. Tal tese não oferece solução prática à celeuma, ao final parece dizer a mesma coisa dos que pregam a teoria dualista, com a diferença de que sempre se dirá que as fundações públicas são pessoas jurídicas de Direito Público, tratando-se, na verdade, mais de uma discussão de nomenclatura do que efetivamente institucional. Passando à tese majoritária de que o ente público pode instituir fundação de direito público ou privado, Di Pietro (2007, p. 404) leciona: Quando o Estado institui pessoa jurídica sob a forma de fundação, ele pode atribuir a ela regime jurídico administrativo, com todas as prerrogativas e sujeições que lhe são próprias, ou subordiná-la ao Código Civil, neste último caso, com derrogações por normas de direito público. Em um e outro caso se enquadram na noção categorial do instituto da fundação, como patrimônio personalizado para a consecução de fins que ultrapassam o âmbito da própria entidade. Em cada caso concreto, a conclusão sobre a natureza jurídica da fundação – público ou privada – tem que ser extraída do exame da sua lei instituidora e dos e dos respectivos estatutos. Ainda que a legislação federal considere a fundação como pessoa jurídica de direito privado, nada impede que a lei instituidora adote regime jurídico-publicístico, derrogando, no caso concreto, as normas gerais estabelecidas pelo Decreto-lei nº 200/67, com as alterações introduzidas pela Lei nº 7.596/87, da mesma forma como tem sido feito em relação às sociedades de economia mista e empresas públicas, instituídas, estas últimas especialmente, sob formas inéditas, não previstas em qualquer lei anterior que discipline as sociedades comerciais. Trata-se de aplicar o art. 2º, § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil, em consonância 14 com o qual “a lei nova que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes não revoga nem modifica a lei anterior”. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro “a fundação definida como de direito privado, “submete-se ao direito comum em tudo aquilo que não forexpressamente derrogado por normas de direito público que podem constar da Constituição, de leis ordinárias e complementares federais, bem como da lei que instituiu a entidade, quanto às fundações estaduais as normas de direito público encontram-se nas mesmas fontes legais aplicáveis às fundações federais, pois só à União cabe legislar sobre Direito Civil” (art. 22, I, da CF).” Carvalho Filho (2005, p. 413) pontua ao tratar dessa corrente que: Por esse entendimento, as fundações de direito público são caracterizadas como verdadeiras autarquias, razão por que são denominadas, algumas vezes, de fundações autárquicas ou autarquias fundacionais. Seriam elas uma espécie do gênero autarquias Por sua vez, Marçal Justen Filho (2008, p. 195/196 e 197), que segue a tese de que todas as fundações públicas são pessoas jurídicas de direito privado, assim expõe seu entendimento: o campo próprio para as fundações públicas é aquele de atividades administrativas que possam ser desempenhadas por sujeitos dotados de personalidade de direito privado. Se a natureza das atividades impuser o regime de direito público, será descabida a criação de uma fundação pública. Seria caso, então, de instituir autarquia. TEMA 5 – PODERES DA ADMINISTRAÇÃO E AGENTES PÚBLICOS Romeu Felipe Bacellar Filho relata que: os poderes da Administração Pública são instrumentos que o Estado tem para preservar o interesse público. Portanto, os poderes da Administração são prerrogativas que ela possui para atingir a finalidade pública. Assim, os poderes da Administração decorrem da supremacia do interesse público. https://jus.com.br/tudo/direito-civil 15 Segundo o professor Bacellar Filho, “alguns também chamam de poderes-deveres ou deveres-poderes, pois a Administração tem a obrigação de utilizá-los (e caso o administrador não use, ele pode ser penalizado). Logo, também não podem ser renunciados.” Se, no exercício desses poderes o administrador não buscar o interesse público, haverá abuso de poder (na modalidade excesso de poder caso ultrapasse os limites de suas atribuições, o que é vício de competência; na modalidade desvio de poder caso o agente vise finalidade diversa que deve perseguir, o que é vício de finalidade). Espécies: Poder vinculado – Maria Sylvia Zanella Di Pietro “entende que não é um poder, mas sim a mera observância dos ditames legais. Entendem que é um tipo de ato administrativo. Trata-se do dever da Administração de obedecer a lei em uma situação concreta em que ela só possui esta opção (a Administração fica inteiramente presa ao enunciado da lei). Só há um único comportamento possível, e ele é o que a lei determina. O administrador não tem liberdade de atuação, apenas deve seguir o que a lei prescreve.” Poder discricionário – Parte da doutrina entende que não é um poder, mas sim um tipo de ato administrativo. Para os que defendem ser poder, é este exercido em situação em que é possível juízo de conveniência e oportunidade. Há mais de um comportamento possível. A escolha do ato se dá com base em juízo de valor, observando a conveniência e a oportunidade. O administrador certa liberdade de atuação (mas dentro da lei). Também é exercido diante de conceitos jurídicos indeterminados dados pela lei. OBS: Discricionariedade ≠ Arbitrariedade (que é a atuação fora dos limites da lei – é cabível, então, a apreciação judicial). Poder normativo (ou regulamentar) – “chamam de poder normativo, outros chamam de poder regulamentar. 16 As expressões são consideradas sinônimas por alguns, e para essas pessoas, a Administração utilizará este poder para expedir atos normativos (decretos, resoluções, instruções normativas, portarias etc.) Para quem não considera expressões sinônimas, o poder regulamentar serve só para expedir regulamentos e o poder normativo serve para expedir todos os demais atos.” Através deste poder – seja nomeado normativo ou regulamentar – a Administração pode expedir atos normativos. Portanto, o poder que a Administração Pública tem para editar atos normativos é o poder normativo (ou poder regulamentar), e os atos normativos advêm do Poder Executivo (Administração Pública). São atos normativos os regulamentos, as instruções, as portarias, as resoluções, os regimentos etc. Os atos normativos precisam de uma lei prévia. Logo, o poder normativo é derivado da lei, do ato normativo originário. Poder hierárquico – Maria Sylvia Zanella Di Pietro diz que “é utilizado pela Administração para que ela possa organizar, estruturar, estabelecer relações de coordenação e subordinação entre seus órgãos e seus servidores (distribuir competências internamente).” A hierarquia traz a ideia de dar e receber ordens. A organização administrativa decorre da distribuição de competências e da hierarquia, que compreende a ideia de coordenação e de subordinação. De um grau mais elevado da hierarquia para um mais rebaixado há relações de subordinação. Já em um mesmo grau hierárquico não há mando- obediência, e sim a ideia de condenação (órgãos do mesmo patamar hierárquico não se subordinam entre si; não há subordinação, há coordenação; os órgãos se coordenam entre si). Importante ressaltar que a hierarquia só existe entre órgãos e seus agentes. Na Administração Indireta, entre ente instituidor e pessoa jurídica instituída não há hierarquia, não há relação de subordinação. Há relação 17 de vinculação. A pessoa jurídica instituída tem autonomia, mas é controlada pelo ente instituidor por tutela administrativa ou supervisão ou controle finalístico. Poder disciplinar – Maria Sylvia Zanella Di Pietro explica que “serve para apurar infrações e aplicar sanções, aos agentes públicos pela lei, aos contratados, pela lei e pelo contrato e, segundo parte da doutrina, aos particulares submetidos à disciplina da Administração (ex: alunos de escolas públicas).” Portanto, em regra, é um poder que se dirige àqueles sujeitos à autoridade interna da Administração Pública (agente público à sujeito à hierarquia) – poder interno. Mas, segundo alguns, também pode ser aplicado ao particular sujeito à disciplina da Administração (ex: aluno de escola pública) e aos contratados da Administração. A partir da ideia de subordinação dentro da Administração Pública, o poder disciplinar visa impor disciplina, forçar o seguimento das ordens, estando diretamente relacionado aos servidores públicos (agentes públicos), que tem vínculo especial com a Administração, especificamente, para apurar infrações e aplicar sanções aos servidores, através do processo administrativo disciplinar, que serve para apurar as infrações e aplicar as sanções ao servidor, se comprovada a infração. As sanções, portanto, tem natureza administrativa (mas a mesma irregularidade pode, de forma independente, ter sanções penais e civis, em outras esferas do Direito). O poder disciplinar é discricionário (em geral) de forma limitada. Outorga-se à Administração a possibilidade de avaliar, no momento da aplicação da pena, qual será a sanção correta (pela definição da infração), assegurado o contraditório e a ampla defesa, e qual será a quantificação da sanção. Poder de polícia – “objetiva condicionar/limitar/restringir/disciplinar o exercício dos direitos e atividades de particulares para a preservação do interesse público. Assim, visa garantir o bem-estar coletivo, buscando assegurar que não sejam os direitos individuais ameaçados pelo seu exercício ilimitado, de modo que assegura a liberdade individual limitando-a.” 18 Está conceituado no art. 78 do Código Tributário Nacional, pois ele é fato gerado por um tributo (a taxa). É custeado por taxa. Os limites do poder de polícia são os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, mas também devem ser a base do poder de polícia os princípios da legalidade e da supremacia do interesse público.O poder de polícia refere-se à polícia administrativa (que difere da polícia judiciária). Quanto aos agentes públicos, Maria Sylvia Zanella Di Pietro define que “Agente Público é todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função pública”. Tal definição tem origem na Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), em seu art. 2º. De forma sucinta, percebemos que agente público é toda pessoa física que presta serviços ao Estado, remuneradamente ou gratuitamente, permanentemente ou transitoriamente, politicamente ou administrativamente.” Espécie de agentes públicos: Agentes políticos; Servidores públicos (estatutários, empregados públicos e servidores temporários); Militares; Particulares em colaboração com o Poder Público, sendo estas espécies sobre a ótica da professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Regime jurídico estatutário: Marçal Justen Filho esclarece que “o regime jurídico dos servidores públicos é o conjunto de princípios e regras referentes a direitos, deveres e demais normas que regem a sua vida funcional. A lei que reúne estas regas é 19 denominada de Estatuto e o regime jurídico passa a ser chamado de regime jurídico Estatutário.” No âmbito de cada pessoa política – União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios – há um Estatuto. A lei 8.112/90, de 11/12/1990, com suas alterações, “é o regime jurídico Estatutário aplicável aos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias e fundações públicas federais, ocupantes de cargos públicos”. O regime estatutário envolve as normas jurídicas que regem os servidores públicos estatutários ocupantes de cargos públicos. Trata-se de regime jurídico próprio das pessoas de direito público e dos respectivos órgãos públicos. As principais características do regime estatutário podem ser assim resumidas: Pluralidade normativa, segundo Marçal Justen Filho: Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, cada ente federativo possui autonomia para estabelecer as normas estatutárias que regem os seus respectivos servidores (ex.: em âmbito federal, a Lei nº 8.112/1990); Vínculo legal: O servidor estatutário, ao ser nomeado e empossado no cargo, submete-se às normas legais que disciplinam a sua relação funcional, inexistindo relação contratual; Competência para o processo e julgamento dos servidores estatutários: Justiça comum (Justiça federal: estatutários federais; Justiça estadual: estatutários estaduais e municipais). Apesar de controvérsias sobre o tema, a doutrina majoritária e a jurisprudência dos tribunais superiores sustentam que o Regime Jurídico Único – RJU, previsto no art. 39 da Constituição Federal de 1988 para pessoas jurídicas de direito público, deve ser o regime estatutário. Resume ainda o professor Marçal que a “estabilidade é a garantia de permanência no serviço público reconhecida ao servidor público estatutário, ocupante de cargo efetivo, após três anos de efetivo exercício da função e 20 aprovação na avaliação especial de desempenho (art. 41 da Constituição federal de 1988)”. SÍNTESE Aprendemos que a Administração Pública é o nome dado a todos os órgãos, agentes e pessoas jurídicas os quais têm como objetivo desempenhar a função administrativa do Estado. De acordo com Constituição Federal de 1988, a organização político- administrativa do Brasil compreende a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, todos autônomos nos termos da Constituição. REFERÊNCIAS ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar. São Paulo: Max Limonad, 1998. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2001. CIRNE LIMA, Ruy. Princípios de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1962. COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Controle jurisdicional da Administração Pública. São Paulo: Editora Saraiva, 2002. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2002. FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. 21 FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. Atos administrativos. São Paulo: Editora Saraiva, 1980. FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 1999. GABARDO, Emerson. Princípio constitucional da eficiência administrativa. São Paulo: Dialética, 2002. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Editora Saraiva, 2005. MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ato administrativo e direitos dos administrados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981. _____. Curso de direito administrativo. 14. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1974. v. I. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. DIREITO ADMINISTRATIVO AULA 3 Prof. Jackson Luiz de Luna 2 CONVERSA INICIAL Nesta nossa terceira aula, iremos tratar sobre as atividades administrativas. Estudaremos seis temas durante o nosso curso, quais sejam: 1. Princípios do direito administrativo 2. Administração Pública 3. Atividades administrativas 4. Licitações públicas 5. Contratos administrativos 6. Processo administrativo CONTEXTUALIZANDO Como se procede a manifestação unilateral do ato administrativo? O professor Hely Lopes Meirelles diz que “o ato administrativo se contextualiza através de toda manifestação unilateral da vontade da Administração Pública, que agindo nessa qualidade tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administradores e a si própria”. E é claro que agindo dessa maneira, terá sempre como condição sine qua non, ou seja, como condição essencial e primordial a prática dos atos administrativos visando zelar e atender o interesse público. Nesta aula, serão explorados os seguintes temas pertinentes: 1. Conceito e requisitos das atividades administrativas 2. Atributos do ato administrativo 3. Modalidades de extinção do ato administrativo 4. Revogação e cassação 5. Uso e abuso do Poder Público e excesso de poder 3 LEITURA OBRIGATÓRIA DESTA AULA JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Editora Saraiva, 2005. TEMA 1 – CONCEITO E REQUISITOS DAS ATIVIDADES ADMINISTRATIVAS De acordo com o professor Marcelo Harger: entende-se como atividade administrativa todo o gesto do Poder Público que tem como objetivo gerir a complexa gama de serviços garantidos pelo ente representante da coletividade. Ou seja, a Administração Pública é a forma do poder representativo do povo de se manifestar, e este possui a expectativa de ter serviços essenciais postos à disposição pelo seu representante. Tais serviços só se tornam possíveis, especialmente a condução do Estado, com a atividade administrativa, seja está em âmbito municipal, estadual ou federal, na sua organização direta ou indireta. Ao exercitar seus poderes, a administração acabará por se encontrar em uma situação inusitada pois, ao mesmo tempo em que assume uma posição de superioridade diante dos seus administrados, como órgão responsável pela
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