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Universidade de Bras´ılia Departamento de Matema´tica Prof. Celius A. Magalha˜es Ca´lculo III Notas da Aula 03∗ Func¸o˜es de Va´rias Varia´veis Considere o problema de descrever o relevo de uma determinada regia˜o, como ilustra a figura ao lado. O primeiro passo e´ introduzir um sitema de eixos Oxyz e identificar a re- gia˜o com um subconjunto D ⊂ R2. Com essa identificac¸a˜o, a cada ponto (x, y) ∈ D corresponde uma u´nica altura z. Dizemos que a altura z e´ uma func¸a˜o do ponto (x, y), e indicamos essa dependeˆncia por z = f(x, y). x y z Figura 1: Um relevo A superf´ıcie que descreve o relevo, isto e´, a “casquinha” que separa a terra do ar, e´ dita o gra´fico da func¸a˜o. Matematicamente, o gra´fico e´ o conjunto Figura 2: Curva de Nı´vel G(f) = {(x, y, z) ∈ R3; (x, y) ∈ D e z = f(x, y)} Em Cartografia, em que os mapas sa˜o planos, e´ comum indicar o relevo por meio das curvas de n´ıvel. Grosso modo, essas curvas corres- pondem a projetar, sobre o plano Oxy, as linha pretas que aparecem na Figura 1. Essas linhas pretas indicam os pontos sobre o gra´fico que esta˜o a uma mesma altura. Logo, as curvas de n´ıvel correspondem aos pontos do domı´nio nos quais a func¸a˜o altura assume valores constantes. A figura ao lado representa as curvas de n´ıvel da func¸a˜o f . O interessante e´ que, olhando apenas para essa figura, percebe-se que existe um“morro”no terceiro e quarto quadrantes. Matematicamente, a curva de n´ıvel de f : D → R no n´ıvel k e´ o conjunto Ck(f) = {(x, y) ∈ D; f(x, y) = k} Em geral, uma func¸a˜o f , definida em D ⊂ R2 e com valores em R, e´ uma regra que a cada ponto (x, y) ∈ D associa um u´nico nu´mero z = f(x, y) ∈ R. Usamos o s´ımbolo f : D → R para indicar a func¸a˜o juntamente com o seu domı´nio D e o seu contra-domı´nio R. Para o caso geral, tanto o gra´fico quanto as curvas de n´ıvel sa˜o definidos de maneira ana´loga ao que se fez acima, e cada um tem uma interpretac¸a˜o pro´pria dependendo da interpretac¸a˜o da func¸a˜o f . Por exemplo, se f e´ a temperatura de uma chapa D ⊂ R2, isto e´, f(x, y) e´ a temperatura do ponto (x, y) ∈ D, enta˜o o gra´fico da func¸a˜o representa as mudanc¸as da temperatura ao longo da chapa. Ainda nesse exemplo, uma curva de n´ıvel representa os pontos da chapa que esta˜o a` uma mesma temperatura, e e´ dita uma isoterma da chapa. Exemplo 1. Descrever as curvas de n´ıvel e o gra´fico da func¸a˜o f : R2 → R dada por f(x, y) = 1 2 (4− x− 3y). Soluc¸a˜o. E´ claro que a curva de n´ıvel, no n´ıvel k ∈ R, e´ o conjunto Ck(f) = {(x, y) ∈ R2; f(x, y) = k} = {(x, y) ∈ R2; x+ 3y = 4− 2k} ∗Texto digitado e diagramado por Yuri Santos a partir de suas anotac¸o˜es de sala Adre Carina Realce que representa um reta no plano Oxy de vetor normal n = (1, 3). Como o vetor normal e´ o mesmo para todas as retas, segue-se que as curvas de n´ıvel sa˜o retas paralelas. Em particular, para o n´ıvel k = 0, a reta passa por (4, 0) e (0, 4/3), como ilustra a Figura 3. x y C2 C0 C −2 Figura 3: Curvas de Nı´vel x y z Figura 4: Gra´fico Em relac¸a˜o ao gra´fico, tem-se que G(f) = {(x, y, z) ∈ R3; (x, y) ∈ R2 e z = f(x, y)} = {(x, y, z) ∈ R3; x+ 3y + 2z − 4 = 0} representa o plano em R3 que passa por (4, 0, 0), (0, 4/3, 0) e (0, 0, 2). Este plano e´ o gra´fico da func¸a˜o, coerente com as curvas de n´ıvel como ilustra a Figura 4. � Exemplo 2. Obter a expressa˜o da func¸a˜o f : R2 → R cujo gra´fico corresponde a` rotac¸a˜o da para´bola z = y2 em torno do eixo Oz. Soluc¸a˜o. A Figura 5 ilustra a para´bola juntamente com um ponto y0 > 0 e sua imagem z0 = y 2 0. Para rotacionar a para´bola em torno de Oz deve-se ter o seguinte: sempre que o ponto (x, y) for tal que √ x2 + y2 = y0, enta˜o f(x, y) = y20. Veja mais uma vez a Figura 5. Substituindo o valor de y0, deve-se ter que f(x, y) = x 2+y2, sendo esta a expressa˜o procurada. Dito de outra maneira, assim como a para´bola, a cada ponto (x, y) a func¸a˜o f deve associar o quadrado de sua distaˆncia a` origem. Como a distaˆncia a` origem e´ √ x2 + y2, obte´m-se que f(x, y) = x2 + y2. Como verificac¸a˜o, observe que as curvas de n´ıvel da func¸a˜o y0 y20 y x Figura 5: Rotac¸a˜o f(x, y) = x2+y2 sa˜o c´ırculos centrados na origem, o que e´ uma caracter´ıstica dos gra´ficos de rotac¸a˜o. Ale´m disso, ao longo do eixo Oy, tem-se que f(0, y) = y2 e´ exatemente a para´bola original. � Exemplo 3. Esboc¸ar as curvas de n´ıvel e o gra´fico da func¸a˜o f : D → R, onde D = {(x, y) ∈ R2; x2 + y2 ≤ pi2} e f(x, y) = cos(√x2 + y2) + 1. Soluc¸a˜o. Comec¸ando com as curvas de n´ıvel, tem-se que Ck(f) = {(x, y) ∈ D; f(x, y) = k} = {(x, y) ∈ D; cos( √ x2 + y2) = k − 1} = {(x, y) ∈ D; √ x2 + y2 = arccos(k − 1)} isto e´, Ck(f) e´ um c´ırculo de centro na origem e raio arccos(k−1). A Figura 6 ilustra alguns desses c´ırculos. Observe que, para k = 0, tem-se arccos(−1) = pi (pois cos(pi) = −1), e portanto o n´ıvel zero corresponde ao c´ırculo de raio pi. Ja´ para k = 2, o maior n´ıvel, tem-se arccos(1) = 0 (pois cos(0) = 1), e portanto nesse n´ıvel esta´ apenas a origem (0, 0). Como as curvas de n´ıvel sa˜o c´ırculos, o gra´fico da func¸a˜o e´ certamente de rotac¸a˜o, e resta enta˜o saber como e´ o perfil do gra´fico ao longo de um dos eixos, por exemplo, o eixo Oy. Ao longo desse eixo a func¸a˜o e´ f(0, y) = cos(|y|) + 1, cujo gra´fico esta´ ilustrado na Figura 7. Coletando essas informac¸o˜es, o gra´fico da func¸a˜o pode ser ilustrado como na Figura 8. Ca´lculo III Notas da Aula 03 2/6 pipi 2 C2 C1 C0 Figura 6: Curvas de Nı´vel pipi 2 1 2 Figura 7: Perfil x y z Figura 8: Gra´fico � Exemplo 4. Esboc¸ar as curvas de n´ıvel e o gra´fico da func¸a˜o f : R2 → R dada por f(x, y) = y2 − x2. Soluc¸a˜o. Este e´ um exemplo diferente, em que o gra´fico na˜o e´ de rotac¸a˜o. Comec¸ando com as curvas de n´ıvel, tem-se que Ck(f) = {(x, y) ∈ R2; f(x, y) = k} = {(x, y) ∈ R2; y2 − x2 = k} de onde segue-se que essas curvas sa˜o hipe´rboles de ass´ıntotas y = ±x. Essas hipe´rboles cortam o eixo Oy se k > 0, e o eixo Ox se k < 0. Se k = 0, as curvas sa˜o exatamente as retas y = ±x. As figuras abaixo ilustram esses casos. x y C2 C1 x y C0 x y C −1 C−2 Para visualizar o gra´fico, pode-se ainda corta´-lo por planos verticais que conteˆm o eixo Oz. Por exemplo, a intersec¸a˜o do gra´fico com o plano Oyz e´ a para´bola f(0, y) = y2, com concavidade voltada para cima. Ja´ a intersec¸a˜o com o plano Oxz e´ a para´bola f(x, 0) = −x2, com concavidade voltada para baixo. Veja a Figura 9. Juntamente com as curvas de n´ıvel, essas informac¸o˜es fornecem um esboc¸o do gra´fico, com ilustrado na Figura 10. x y z Figura 9: Cortes x y z Figura 10: Gra´fico � Ca´lculo III Notas da Aula 03 3/6 Sobre Abertos e Fechados Lembrando: O caso da Reta A importaˆncia de um intervalo I ⊂ R ser aberto ou fechado e´ que essas caracter´ısticas teˆm reflexos importantes no comportamento das func¸o˜es nele definidas. Por exemplo, g : (0,∞) → R, dada por g(x) = ln(x), e´ tal que limx→0+ g(x) = −∞. Diz-se que a func¸a˜o se torna ilimitada em vizinhanc¸a do ponto x0 = 0. Isso ocorre em raza˜o do intervalo I = (0,∞) ser aberto, e a func¸a˜o na˜o estar definida no ponto x0 = 0. x y Figura 11: A func¸a˜o g(x) = ln(x) x y Figura 12: A func¸a˜o g(x) = √ x Situac¸a˜o diferente ocorre com a func¸a˜o g : [0,∞)→ R, dada por g(x) = √x. Nesse caso, limx→0+ g(x) = 0. Isso ocorre porque o intervalo I = [0,∞) e´ fechado, e a func¸a˜o esta´ definida em x0 = 0. Diz-se enta˜o que a func¸a˜o e´ limitada em vizinhanc¸a de x0 = 0. Assim, ser limitada em vizinhanc¸a de um ponto esta´ relacionado com o domı´nio ser aberto ou fechado. Para entender melhor essas questo˜es, o pro´ximo passo e´ introduzir a noc¸a˜o de ponto interior: um ponto x0e´ dito interior a um intervalo I se existe δ > 0 tal que (x0−δ, x0+δ) ⊂ I. O intervalo I(x0, δ) = (x0 − δ, x0 + δ) e´ dito uma vizinhanc¸a de x0 e, com essa notac¸a˜o, o ponto x0 e´ interior se existe uma vizinhanc¸a de x0 toda contida no intervalo. Com essa notac¸a˜o e´ fa´cil caracterizar os intervalos abertos: sa˜o aqueles em que todos os pontos sa˜o interiores! Por exemplo, I = (0,∞) e´ um intervalo aberto, pois todos os seus pontos sa˜o interiores; tembe´m sa˜o abertos os intervalos da forma I = (a, b). x0x0−δ x0+δ Figura 13: Vizinhanc¸a I(x0, δ) a Figura 14: Ponto interior a Figura 15: Ponto de fronteira A fronteira do intervalo I = (a, b) e´ o conjunto ∂I = {a, b}, constituido dos pontos extremos do intervalo. Em termos de vizinhanc¸as, os pontos de fronteira podem ser carac- terizados da seguinte maneira: x0 ∈ ∂I se, e somente se, qualquer vizinhanc¸a I(x0, δ) de x0 inclui pontos de I e de fora de I. Observe que, sendo I um intervalo aberto, os seus pontos sa˜o todos interiores, e portanto I ∩ ∂I = ∅. Um intervalo I e´ fechado se ele inclui a sua fronteira, isto e´, se ∂I ⊂ I. Por exemplo, I = [0,∞) e´ fechado, pois a sua fronteira e´ apenas o ponto ∂I = {0} que esta´ contida no intervalo. Tambe´m sa˜o fechados os conjuntos da forma I = [a, b]. Finalmente, observe que um intervalo na˜o e´, necessariamente, aberto ou fechado. Por exemplo, I = [a, b) na˜o e´ aberto, pois inclui o ponto a que na˜o e´ interior, e na˜o e´ fechado, pois na˜o inclui o ponto de fronteira b. O Caso do Plano As mesmas observac¸o˜es feitas acima se aplicam no caso dos aberto e fechados do plano R2. Por exemplo, considere a func¸a˜o f(x, y) = ln(y2 − x2) definida no domı´nio D = {(x, y) ∈ R2; 0 < y2 − x2} = {(x, y) ∈ R2; |x| < |y|} que na˜o inclui as retas y = ±x. Como limt→0+ ln(t) = −∞, x y Figura 16: O Domı´nio D Ca´lculo III Notas da Aula 03 4/6 segue-se que f(x, y) tende a −∞ quando o ponto (x, y) ∈ D se aproxima de uma dessas reta, e a func¸a˜o se torna ilimitada nesse caso. A situac¸a˜o e´ diferente com a func¸a˜o g(x, y) = √ y2 − x2 definida no domı´nio {(x, y) ∈ R2; |x| ≤ |y|}, que agora inclui as retas y = ±x. Nesse caso, a func¸a˜o g per- manece limitada quando o ponto (x, y) ∈ D se aproxima de uma dessas reta. De acordo com as definic¸o˜es a seguir, o domı´nio da func¸a˜o f e´ um conjunto aberto, enquanto o da func¸a˜o g e´ fechado. Essa diferenc¸a no domı´nio explica em parte a diferenc¸a de comportamento das duas func¸o˜es. Definic¸a˜o 1. A bola de centro em P0 ∈ R2 e raio δ > 0 e´ o conjunto B(P0, δ) = {P ∈ R2; ‖P − P0‖ < δ} Escolhendo δ > 0 pequeno, a bola B(P0, δ) inclui os pontos pro´ximos de P0, isto e´, pontos que esta˜o a uma distaˆncia de P0 menor do que δ. E´ comum referir-se a essas bolas como vizinhanc¸as do ponto P0. A pro´xima definic¸a˜o usa bolas para definir ponto interior, uma noc¸a˜o que sera´ importante ao longo de todo o curso. Observe a analogia com o caso da reta. Definic¸a˜o 2. Um ponto P0 e´ interior a um conjunto D ⊂ R2 se existe δ > 0 tal que B(P0, δ) ⊂ D. x0 y0 δ Figura 17: A bola B(P0, δ) x0 y0 Figura 18: Ponto interior x0 y0 Figura 19: Ponto de fronteira Por exemplo, se P0 = (x0, y0) e´ um ponto tal que 0 < x0 < y0, enta˜o P0 e´ ponto interior ao conjunto D = {(x, y) ∈ R2; |x| < |y|}. De fato, indicando por d > 0 a distaˆncia de P0 a` reta y = x, basta escolher δ = d/2 para se ter que B(P0, δ) ⊂ D. Em geral, conjuntos definidos por desigualdades estritas sa˜o conjuntos abertos. Definic¸a˜o 3. Um ponto P0 e´ de fronteira de um conjunto D ⊂ R2 se, para todo δ > 0, a bola B(P0, δ) conte´m pontos do conjunto e de fora do conjunto. Por exemplo, se P0 = (x0, y0) e´ um ponto tal que 0 < x0 = y0, enta˜o P0 e´ ponto de fronteira do conjunto D = {(x, y) ∈ R2; |x| < |y|}. Com efeito, nesse caso na˜o importa qua˜o pequeno seja δ > 0, a bola B(P0, δ) sempre tera´ pontos P = (x, y) do conjunto (com x < y) e pontos de fora do conjunto (com x > y). Definic¸a˜o 4. A fronteira, ou bordo, de D ⊂ R2 e´ o conjunto ∂D = {P ∈ R2;P e´ ponto de fronteira de D} No exemplo que esta´ sendo estudado, do conjuntoD = {(x, y) ∈ R2; |x| < |y|}, e´ claro que a fronteira e´ o conjunto das duas retas y = ±x, isto e´, ∂D = {(x, y) ∈ R2; y = x ou y = −x}. Observe que D∩∂D = ∅, e portanto os pontos de fronteira na˜o esta˜o no conjunto. De acordo com a pro´xima definic¸a˜o, essa propriedade caracteriza os conjuntos abertos. Definic¸a˜o 5. Um conjunto D ⊂ R2 e´ aberto se todos os seus pontos sa˜o interiores. E´ claro que, se todos os pontos sa˜o interiores, o conjunto na˜o conte´m ponto de fronteira, e portanto D ∩ ∂D = ∅. A situac¸a˜o oposta, em que ∂D ⊂ D, caracteriza os conjuntos fechados, de acordo com a definic¸a˜o a seguir. Ca´lculo III Notas da Aula 03 5/6 Definic¸a˜o 6. Um conjunto D ⊂ R2 e´ fechado se inclui a sua fronteira. E´ o caso do conjunto D = {(x, y) ∈ R2; |x| ≤ |y|}, cuja fronteira sa˜o as duas retas y = ±x, isto e´, ∂D = {(x, y) ∈ R2; y = x ou y = −x}. E´ claro enta˜o que ∂D ⊂ D. Um conjunto na˜o e´, necessariamente, aberto ou fechado. Entre ser aberto (D ∩ ∂D = ∅) e ser fechado (∂D ⊂ D), existe a situac¸a˜o intermedia´ria em que uma parte da fronteira esta´ no conjunto e a outra parte na˜o. Nesse caso, o conjunto nem e´ aberto e nem e´ fechado. 1 2 Figura 20: Um anel Por exemplo, considere o anel D = {P ∈ R2; 1 ≤ ‖P‖ < 2} ilustrado na figura ao lado. E´ claro que a fronteira e´ a unia˜o dos dois c´ırculos ∂D = C1 ∪ C2, onde C1 = {P ∈ R2; ‖P‖ = 1} e C2 = {P ∈ R2; ‖P‖ = 2}. Assim, D na˜o e´ aberto, pois inclui os pontos de fronteira que esta˜o em C1; e tambe´m na˜o e´ fechado, pois na˜o inclui os pontos da fronteira que esta˜o em C2. Ca´lculo III Notas da Aula 03 6/6
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