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Paulo Freire e o MOVA-SP.pdf

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1 
 
 
Paulo Freire e o Projeto Mova-SP 
 
Sílvia Telles1 
 
Falar em Paulo Freire nas décadas de 70 e 80, junto a grupos de Educação de Adultos, era 
sinônimo de estar engajado em um trabalho de jovens e adultos não escolarizados visando 
à transformação da realidade daqueles que socialmente se encontravam marginalizados de 
uma sociedade letrada e, na maioria dos casos, vivendo um processo de exclusão social. 
No entanto, “tudo começou”, no hoje denominado Período das Luzes da Educação de 
Adultos - EDA (1959-1964), marcado pelo Congresso de EDA (1958) que se caracterizou 
pela “intensa busca de maior eficiência metodológica e por inovações importantes neste 
terreno, pela reintrodução da reflexão sobre o social no pensamento pedagógico brasileiro 
e pelos esforços realizados pelos mais diversos grupos em favor da educação da população 
adulta”2. 
Esse período é marcado fundamentalmente por um grande número de pessoas atuando 
junto aos movimentos populares por entenderem que a educação permitia uma ação 
política de transformação social, pois “não é no silêncio que os homens se fazem, mas na 
palavra, no trabalho, na ação-reflexão”3 como nos ensinou Paulo Freire. 
Participando intensamente desse momento turbulento, Paulo Freire nos traz vários debates 
sobre a prática da alfabetização de adultos, numa proposta de pedagogia crítico-libertadora 
que inclui elementos filosóficos fundamentais tais como a dialogicidade, a leitura da palavra 
não dissociada da leitura do mundo, a importância do saber e da cultura do educando, o 
educando enquanto sujeito de sua história e tantos outros que estas referências acabaram 
por se transformar, no imaginário de muitos educadores, também em um método de 
alfabetizar o adulto. 
Apesar do golpe militar de 1964 e de seu exílio, Paulo Freire continua sua luta por uma 
educação libertadora nas suas andanças pelo mundo e, no Brasil, nas décadas de 1960 a 
1980, os movimentos populares e inúmeros militantes continuam seus trabalhos de 
alfabetização de adultos na clandestinidade. Momentos extremamente duros, mas que 
foram muito alimentados pelo ideário e pelas experiências do grande educador, que mesmo 
longe não deixava de contribuir para a resistência de um trabalho político-social-educativo 
em um mundo que precisava ser transformado e humanizado. 
Na década de 1980, num processo lento de redemocratização da política nacional do Brasil, 
que Paulo Freire volta de seu longo exílio e, em 1988, Luiza Erundina é eleita Prefeita do 
Município de São Paulo. Um de seus primeiros atos foi convidar e nomear o professor Paulo 
Freire Secretário de Educação da cidade. 
As quatro prioridades que nortearam as políticas da Secretaria Municipal de Educação 
foram: o direito de crianças, jovens e adultos terem acesso à escola:“Democratização do 
Acesso”; o direito de permanecer nesta escola: “Nova Qualidade de Ensino”; o direito 
de intervir nos rumos dessa escola e na política educacional mais global:“Democratização 
da Gestão”; e “Educação de Jovens e Adultos”, uma vez que existia não só no 
 
1
 Coordenadora do Projeto Mova-SP na gestão Luiza Erundina (1989-92). Professora de Educação de Jovens e 
Adultos do Centro Universitário 9 de Julho. 
 
2
 HADDAD, S. e DI PIERRO, M.C. Revista Brasileira de Educação, mai/jun/jul/ago/2000, nº 14, Número 
Especial – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. 
 
3
 FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1977. 
 
2 
 
município de São Paulo, mas em todo Brasil, altos índices de analfabetismo, baixos níveis 
de escolarização e alto nível de exclusão na população trabalhadora de baixa renda. 
Em 1989, no município de São Paulo, as estimativas revelavam que cerca de um milhão de 
pessoas com mais de quinze anos de idade não eram alfabetizadas e dois e meio milhões 
de jovens e adultos possuíam menos de quatro anos de escolaridade. 
A Constituição Federal de 1988, previa em seu artigo 208, inciso 1º, que o Ensino 
Fundamental fosse obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso 
em idade própria e, praticamente, da mesma forma, a Constituição Estadual de São Paulo, 
no artigo 240 e a Lei Orgânica do Município de São Paulo, no artigo 203, prevendo o 
atendimento de jovens e adultos no Ensino Fundamental.4 
Em Educação de Jovens e Adultos, a figura do professor Paulo Freire representava para 
muitos e principalmente para aqueles que se constituíram em grupos de resistência às 
práticas educativas calcadas no ideário do Mobral, a possibilidade da definição de uma 
política que incorporasse a importância da educação de jovens e adultos na transformação 
social da cidade e não somente uma educação visando o processo produtivo da Nação. Isso 
porque, “a prática educativa, reconhecendo-se como prática política, se recusa a deixar-se 
aprisionar na estreiteza burocrática de procedimentos escolarizantes; lidando com o 
processo de conhecer, a prática educativa é tão interessada em possibilitar o ensino de 
conteúdos às pessoas quanto em sua conscientização”.5 
Ao ser anunciado para Secretário de Educação o nome do professor Paulo Reglus Neves 
Freire - conhecido pela “Pedagogia do oprimido”, educador popular por excelência, 
responsável pela existência política de vários dos movimentos existentes - a expectativa de 
todos os educadores tornou-se enorme. Os movimentos imediatamente se reuniram e, 
antes mesmo de iniciar a gestão, lideranças dos movimentos populares discutiam um 
projeto em que estes tivessem participação efetiva no processo de alfabetização de jovens 
e adultos. 
Nos primeiros dias da gestão Paulo Freire, educadores populares e representantes da 
Secretaria de Educação iniciaram a discussão de um projeto conjunto entre governo e 
movimentos populares e, em março de 1989, uma comissão do movimento popular já 
estava entregando oficialmente um projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos. Esse foi 
um processo de ampla discussão, junto aos educadores da rede municipal de ensino, 
movimentos populares e educadores ligados às mais expressivas experiências de educação 
de jovens e adultos. 
Nasce assim o MOVA-SP: uma proposta de participação popular e ação cultural na 
organização de um amplo Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos. Nessa direção 
o projeto visava assegurar, aos jovens e adultos não escolarizados da cidade de São Paulo, 
o direito à alfabetização e à continuidade do processo educativo, de forma a viabilizar o 
cumprimento da meta constitucional de erradicação do analfabetismo e universalização do 
ensino fundamental; garantir a participação popular, num reconhecimento ao saber 
acumulado pelos Movimentos Populares já engajados nessa luta e à importante 
contribuição que estes tinham a dar na construção de uma política de Educação de Jovens 
e Adultos, por meio de um projeto que iria somar esforços na direção de consolidar as 
diretrizes políticas da Educação de Adultos, na cidade de São Paulo. 
O MOVA-SP não se constituiu em uma ação isolada, e deve ser analisado num contexto 
 
4
 O final da década de 1980 também foi marcado por um movimento internacional de combate ao 
analfabetismo, definido pela declaração da UNESCO, onde o ano de 1990 seria o “Ano Internacional da 
Alfabetização”, com a proposta de erradicar o analfabetismo em dez anos. 
 
5
 FREIRE, Paulo. Política e educação. São Paulo: Cortez, 1992. 
 
3 
 
mais amplo da atuação da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo pois, juntamente 
com o Programa de Educação de Jovens e Adultos (EDA) e o Programa de Alfabetização de 
Funcionários, fez parte de uma entre as quatro prioridades básicas que nortearam a ação 
política daquele governo. 
Essa era a primeira vez que um governo da cidadede São Paulo colocava em suas 
diretrizes políticas de educação uma preocupação explícita com a educação de jovens e 
adultos, traduzindo-se em projetos efetivamente concretizados. 
Para a constituição do Projeto de parceria - Secretaria de Educação e Movimentos 
Populares - foi criado o Fórum Municipal de Alfabetização que, inicialmente, definiu as 
diretrizes e princípios político-pedagógicos do processo de alfabetização, estabelecendo e 
organizando sua estrutura de trabalho; conferindo - À Secretaria Municipal de Educação: 
apoiar financeira e materialmente os projetos de Alfabetização de Jovens e Adultos 
desenvolvidos pelos movimentos populares; criar novos núcleos de alfabetização nas áreas 
onde os movimentos ainda não assumissem essa tarefa; garantir a orientação político-
pedagógica e a formação permanente dos educadores populares, em encontros 
sistemáticos entre educadores dos movimentos populares e equipe técnica do projeto 
MOVA-SP. 
- Aos Movimentos Populares: ceder os espaços físicos para o funcionamento das salas de 
aula, matricular os educandos, formar as classes, indicar os monitores e os supervisores 
conforme critérios previamente definidos no Fórum MOVA e participar, em conjunto com a 
SME, da construção do projeto pedagógico. 
O MOVA-SP visava, também, contribuir, por meio do Movimento de Alfabetização, para o 
desenvolvimento da consciência política dos educandos e dos educadores envolvidos e à 
luta pelos direitos sociais do cidadão, ressaltando o direito básico à educação pública e 
popular. 
O segundo grande objetivo do MOVA-SP, de importância estratégica para contribuir na 
concretização das diretrizes políticas da Secretaria de Educação, foi o incentivo à 
participação popular e respectivo fortalecimento dos movimentos sociais. O grande desafio 
era levar um trabalho de alfabetização – leitura do mundo e da palavra – que contribuísse 
para a organização da comunidade, o fortalecimento de grupos já organizados e a 
organização de novas participações. 
Por isso, o Projeto MOVA-SP foi concebido como um projeto de participação popular 
articulado à ação educacional onde o movimento é realmente parceiro, visando a 
transformação social numa ação contrária à exclusão. 
Cabe ressaltar, com muita ênfase, que – segundo Paulo Freire - o princípio que norteou o 
projeto em parceria com os movimentos populares não previa de forma alguma a 
desobrigação do Estado para com o processo de escolarização da população, mas sim uma 
estratégia para se garantir a participação popular na construção da política de educação do 
município e na disputa política para que jovens e adultos excluídos se motivassem para a 
alfabetização. 
Ao final de 1992, o MOVA-SP tinha 73 entidades populares conveniadas com a Secretaria 
Municipal de Educação, organizadas em seis Fóruns Regionais e unificadas pelo Fórum 
Municipal de Alfabetização, e junto à Secretaria de Educação, pelo Fórum MOVA. 
Os mil núcleos implantados naquele ano, atenderam a aproximadamente 20 mil educandos, 
totalizando, aproximadamente, 50 mil alfabetizandos ao longo dos três anos de 
funcionamento. 
Falar em Educação de Jovens e Adultos no Brasil é falar sobre algo muito pouco conhecido; 
ao se falar, o debate se concentra na situação de miséria social, das precárias condições de 
vida da maioria da população e nos resultados do sistema público regular de ensino, não 
existindo uma discussão consistente sobre qual educação é necessária a esse segmento 
4 
 
excluído do sistema escolar. Via de regra, qualquer educação oferecida a eles já é 
considerada um dado significativo, usando-se a lógica que, aos pobres, qualquer 
“educação” basta, principalmente dirigindo-se a adultos que “pouca possibilidade de 
aprendizado apresentam”. 
Na história da alfabetização de adultos ou educação de adultos (atualmente Educação de 
Jovens e Adultos), as questões pertinentes a esse segmento da educação têm sido muito 
pouco estudadas e analisadas e, quando o são, enfatizam a ótica da produção, do mercado 
de trabalho e suas novas tecnologias, voltando-se mais para uma educação de caráter 
compensatório, neglicenciando o desenvolvimento integral do indivíduo, enquanto 
sujeito/cidadão. 
O MOVA-SP teve por princípio uma educação libertadora, emancipatória, em que a ação 
educativa objetivava a construção da identidade de sujeitos/educandos como cidadãos de 
direitos; portanto, exigiu um processo substantivo de formação permanente, dos 
educandos, dos educadores e supervisores populares e dos educadores da Secretaria de 
Educação, para a garantia de sua qualidade político-pedagógica e “qualidade de suas ações 
sociais”, motivo de avaliação e processo de sistematização do trabalho realizado. 
Isto significava, na concepção político-filosófica de Paulo Freire, uma educação que 
reconhecia a pluralidade de experiências que o educando jovem/adulto traz de sua vida, 
articulando sua vivência, detectando sua realidade e seus saberes, para a partir deles 
ampliá-los, permitindo uma leitura crítica do mundo e uma apropriação e criação de 
conhecimentos que melhor capacitem o educando/sujeito à ação transformadora de sua 
realidade social. 
Para tanto, o processo de formação não foi concebido como mais um trabalho voltado para 
educadores, mas construído e organizado coletivamente, em busca de uma prática que 
avançasse na qualidade desse atendimento e na construção de uma educação pública 
democrática. Sua palavra chave foi participação, uma lição que os movimentos sabiam 
ensinar e ensinaram.

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