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Fo´rmula de Euler Vin´ıcius Fratin Netto Setembro de 2016 1 Introduc¸a˜o e Definic¸a˜o O matema´tico suic¸o Leonhard Euler (1707-1783) e´ conhecido por ter sido um dos matema´ticos mais prol´ıficos dos tempos modernos. Foram inu´meras as suas contribuic¸o˜es para a Matema´tica e para F´ısica. Uma delas e´ a Fo´rmula de Euler, uma das va´rias contribuic¸o˜es que levam seu nome. A fo´rmula e´ dada por eix = cosx+ i senx, (1) em que i e´ a unidade imagina´ria, definida como i = √−1. O interessante desta fo´rmula e´ que ela relaciona uma exponencial complexa com senos e cossenos, coisas que parecem na˜o ter uma conexa˜o aparente. Em princ´ıpio, a pro´pria ideia de que se pode ”elevar” um nu´mero a uma poteˆncia contendo um nu´mero ima´gina´rio ja´ e´ bastante contraintuitiva. Nas pro´ximas sec¸o˜es, vamos estudar as ideias que precisamos para chegar a esta conclusa˜o. 2 Generalizac¸a˜o da exponenciac¸a˜o 2.1 Exponentes naturais Quando aprendemos pela primeira vez o que e´ uma operac¸a˜o de exponenciac¸a˜o, estudamos apenas poteˆncias com nu´meros naturais no expoente. Por exemplo, 23 ou 54. Para cada um destes casos, a operac¸a˜o an, em que a ∈ R (chamada de base) e n ∈ N (chamado de expoente, incluindo o zero), e´ definida como a multiplicac¸a˜o de a por ele mesmo n vezes. No caso, 23 = 2× 2× 2 = 8, 54 = 5× 5× 5× 5 = 625 e (−pi)3 = (−pi)× (−pi)× (−pi) = −31, 00627668 . . . 1 Formalmente, a exponenciac¸a˜o e´ definida indutivamente considerando a0 = 1, an = a× an−1. (2) Desta forma, para an, temos que an = a× an−1 = a× a× an−2 = . . . = a× a× · · · × a× a0 = a× a× · · · × a× 1 e, com isso, temos uma definic¸a˜o precisa de exponenciac¸a˜o envolvendo expoentes naturais. Ale´m disso, e´ poss´ıvel deduzir certas propriedades da operac¸a˜o. Por exemplo, para a ∈ R e m,n ∈ N, temos que am = a× · · · × a︸ ︷︷ ︸ m vezes (3) e an = a× · · · × a︸ ︷︷ ︸ n vezes . (4) Portanto, multiplicando (3) por (4), am × an = a× · · · × a︸ ︷︷ ︸ m vezes × a× · · · × a︸ ︷︷ ︸ n vezes = a× · · · × a︸ ︷︷ ︸ m+n vezes = am+n. Com isso, sabemos que a exponenciac¸a˜o de um nu´mero real por uma soma de nu´meros naturais e´ igual a` multiplicac¸a˜o das exponenciais da mesma base pelas parcelas do expoente. De forma mais curta, como obtemos, am × an = am+n, (5) tambe´m conhecida como a Lei dos Expoentes. Da mesma forma, tomando a ∈ R e m,n ∈ N, temos que (am)n = (a× · · · × a︸ ︷︷ ︸ m vezes )n = (a× · · · × a︸ ︷︷ ︸ m vezes )× · · · × (a× · · · × a︸ ︷︷ ︸ m vezes )︸ ︷︷ ︸ n vezes = a× · · · × a︸ ︷︷ ︸ m × n vezes = am×n = amn. Portanto, a exponenciac¸a˜o de uma exponenciac¸a˜o equivale a multiplicar os expoentes, fixando a base. De forma mais concisa, (am)n = amn. (6) Com as propriedades (5) e (6), podemos prosseguir com nossa discussa˜o. 2 2.2 Expoentes inteiros Tendo em ma˜os o que ja´ sabemos sobre exponenciais ate´ agora, podemos nos perguntar: e´ poss´ıvel elevar um nu´mero a um nu´mero negativo? Por mais que, no ensino fundamental e me´dio, tenhamos aprendido regras para lidar com esse tipo de situac¸a˜o, este e´ um momento para refletir sobre como esta operac¸a˜o, agora, pode na˜o parecer ta˜o intuitiva quanto antes. O que significa multiplicar um nu´mero por ele mesmo −1 vezes? E´ neste momento que no´s tornamos as coisas um pouco mais abstratas. Quando nos perguntamos como se calcula uma exponencial com expoente inteiro, o que queremos e´, na verdade, estender a operac¸a˜o de exponenciac¸a˜o para um conjunto mais abragente do que os nu´meros naturais. Poder´ıamos definir isto de infinitas maneiras difer- entes. Pore´m, ao fazer isto arbitrariamente, podem ocorrer inconsisteˆncias. Suponha que definamos, para a ∈ R e n ∈ N, que a−n = −an. (7) Esta e´ uma definic¸a˜o va´lida, afinal no´s definimos desta forma. Assim, para expoentes inteiros, alguns exemplos seriam 2−2 = −22 = −4 ou e−3 = −e3 = −20, 0855 . . . Pore´m, quando pensamos em extenso˜es de alguma operac¸a˜o para um conjunto mais abrangente, devemos garantir que todas as operac¸o˜es e propriedades que valiam para o conjunto mais restrito continuem a valer. Seria desastroso se houvesse duas maneiras de calcular uma mesma operac¸a˜o que produzissem resultados diferentes. Tomando as propriedades (5) e (6) e considerando nossa poss´ıvel definic¸a˜o (7), verificamos, por exemplo, que 4 = 22 = 2−1+3 = 2−1 × 23 = −21 × 8 = −16. Ha´ duas possibilidades: ou 4 = −16 e acabamos de quebrar toda a matema´tica, ou nossa definic¸a˜o na˜o e´ adequada para nossa situac¸a˜o. Neste caso, a segunda opc¸a˜o e´ bem mais plaus´ıvel, pois estendemos a exponenciac¸a˜o de forma quase aleato´ria. Vamos, agora, definir de outra maneira. Tomando a definic¸a˜o indutiva (2), podemos reescreveˆ-la como a0 = 1, an−1 = an a . (8) Note que, se n = 0, a0−1 = a−1 = a0 a = 1 a , em que, agora, demos um significado para a exponenciac¸a˜o no conjunto {−1} ∪ N. 3 Continuando o processo, n = −1⇒ a−1−1 = a−2 = a −1 a = 1 a a = 1 a2 , n = −2⇒ a−2−1 = a−3 = a −2 a = 1 a2 a = 1 a3 e assim sucessivamente. Desta forma, para a ∈ R e n ≥ 0, definimos que a0 = 1, an = a× · · · × a︸ ︷︷ ︸ n vezes e a−n = 1 an . Para checarmos se a definic¸a˜o e´ compat´ıvel com o caso natural, podemos verificar as propriedades (5) e (6). De fato, e´! Devem ser checados todos os casos de sinais poss´ıveis, e a demonstrac¸a˜o fica como exerc´ıcio. Percebam que, a partir de uma definic¸a˜o natural e intuitiva de exponenciac¸a˜o, con- seguimos estender esta operac¸a˜o para um conjunto mais abrangente, no caso, o conjunto Z, dos nu´meros inteiros. Note que precisamos ser um pouco mais abstratos, e que os resultados que obtemos na˜o sa˜o, de forma alguma, intuitivos. Em geral, quando generalizamos algo, inevitavelmente acabamos entrando cada vez mais no mundo abstrato. Mais nota´vel ainda e´ o fato de que estas generalizac¸o˜es se tor- nam extremamente u´teis (e, a`s vezes, fundamentais) no caminho da soluc¸a˜o de problemas pra´ticos, indicando que a Natureza guarda mecanismos que a intuic¸a˜o humana na˜o com- preende facilmente, mas que a Matema´tica pode tornar mais claros. 2.3 Expoentes racionais Seguindo a mesma lo´gica de anteriormente, queremos que todas as propriedades que valem em um conjunto mais abrangente continuam valendo para os conjuntos mais restritos. Partindo deste princ´ıpio, com a ∈ R∗+, m ∈ Z e n ∈ N, n 6= 0, definimos a exponenciac¸a˜o para expoentes racionais como a m n = ( n √ a )m . Note que, agora, restringimos que a ∈ R∗+, ou seja, a deve ser estritamente positivo! Isto acontece devido a` presenc¸a da operac¸a˜o de radiciac¸a˜o pois, se o grau da raiz for par e a for negativo, na˜o ha´ sentido na operac¸a˜o nos nu´meros reais. Agora, demos um significado para casos como 8 1 3 = 3 √ 8 = 2, 4 25 −3 2 = 1 25 3 2 = 1(√ 25 )3 = 153 = 1125 e pi e pi = ( pi √ pi )e = 2, 69253 . . . Com esta definic¸a˜o, valem as propriedades (5) e (6), que podem ser demonstradas uti- lizando propriedades da radiciac¸a˜o e da exponenciac¸a˜o para expoentes inteiros, que ja´ demon- stramos. 2.4 Expoentes reais Para expoentes reais, a exponenciac¸a˜o e´ definida como o limite da sequeˆncia de exponenciais com expoentes racionais cada vez mais pro´ximos do nu´mero real em questa˜o. De forma mais precisa, com a ∈ R∗+ e x ∈ R, ax = lim r(∈Q)→x ar. A ideia por tra´s desta definic¸a˜o e´ que e´ poss´ıvel aproximar o resultado da exponenciac¸a˜o atrave´s de nu´meros racionais arbitrariamente mais pro´ximos. Por exemplo, considerando que pi = 3, 14159 . . . , 2pi e´ o limite da sequeˆncia (23, 23,1, 23,14, 23,141, 23,1415, 23,14159, . . . ), cujos termos ja´ sabemos calcular com o que foi estudado sobreexponenciac¸a˜o com expoentes racionais. Com tudo entendido ate´ aqui, podemos comec¸ar a estudar o que acontece quando uti- lizamos nu´meros complexos como expoentes! 3 Exponenciac¸a˜o com nu´meros complexos Ha´ muitas maneiras diferentes de darmos um significado para exponenciais com nu´meros complexos. Neste texto, usaremos a noc¸a˜o proveniente do Ca´lculo. Para tal, comec¸aremos discutindo sobre Se´ries de Taylor e como podemos expandir algumas func¸o˜es em uma se´rie de poteˆncias. 3.1 Se´ries de Taylor Muitas vezes, e´ u´til o conceito de aproximac¸a˜o quando estamos tratando com func¸o˜es. Se estamos interessados nos valores de uma func¸a˜o apenas na vizinhanc¸a de algum ponto, podemos considerar, por exemplo, uma aproximac¸a˜o linear. Esta aproximac¸a˜o considera a reta que tem cujo valor no ponto considerado e´ ideˆntico ao valor da func¸a˜o e a declividade e´ a pro´xima poss´ıvel da func¸a˜o ao redor do ponto. Considerando uma func¸a˜o f(x) e um ponto x0, onde estamos considerando a expansa˜o da func¸a˜o na vizinhanc¸a, exigindo que f(x) seja diferencia´vel em x0, queremos que f(x) seja aproximada como f(x) ≈ g(x) = ax+ b, 5 onde a e b sa˜o constantes reais. Como queremos que o valor de f(x) e de g(x) coincidam no ponto x = x0, f(x0) = g(x0)⇒ f(x0) = ax0 + b. Temos duas inco´gnitas, a e b, mas apenas uma equac¸a˜o. Para obter uma outra equac¸a˜o, tambe´m exigimos que f ′(x) e g′(x) coincidam em x = x0. Portanto, f ′(x0) = g′(x0)⇒ f ′(x0) = a, pois g′(x) = a. Substituindo este valor na primeira equac¸a˜o, temos que b = f(x0)− f ′(x0)x0 e, portanto, g(x) = ax+ b = f ′(x0)x+ f(x0)− f ′(x0)x0 = f ′(x0)(x− x0) + f(x0). Assim, obtemos que a aproximac¸a˜o linear de uma func¸a˜o f(x) ao redor de um ponto x0 supondo as condic¸o˜es de diferenciabilidade de anteriormente. Na figura 3.1, podemos ver a aproximac¸a˜o linear da func¸a˜o f(x) = x2 ao redor do ponto x0 = 1, que toma a forma f(x) ≈ f ′(x0)(x− x0) + f(x0) = 2x ∣∣∣ x=1 (x− 1) + x2 ∣∣∣ x=1 = 2(x− 1) + 1. Perceba que a aproximac¸a˜o e´ muito boa para valores pro´ximo de x0 = 1, pore´m fica cada vez pior na medida em que nos distanciamos deste ponto. Esta ideia pode ser generalizada: que aproximac¸a˜o pode ser melhor do que a aproximac¸a˜o linear? Uma boa tentativa e´ tentar utilizar, ao inve´s de uma reta (polinoˆmio de grau 1), uma para´bola (polinoˆmio de grau 2)! Desta forma, queremos que uma func¸a˜o f(x) seja aproximada por uma func¸a˜o g(x) ao redor de um ponto x0 tal que f(x) ≈ g(x) = ax2 + bx+ c. Seguindo a mesma lo´gica do argumento para a aproximac¸a˜o linear, vamos exigir que o valor das func¸o˜es, a derivada primeira e a derivada segunda coincidam. Comec¸ando pela derivada segunda, temos que g′′(x) = (ax2 + bx+ c)′′ = (2ax+ b)′ = 2a e, portanto, f ′′(x0) = g′′(x0)⇒ f ′′(x0) = 2a⇒ a = f ′′(x0) 2 . Considerando a derivada primeira, temos que g′(x) = 2ax+ b = 2 [ f ′′(x0) 2 ] x+ b = f ′′(x0)x+ b 6 Figure 1: Aproximac¸a˜o linear da func¸a˜o f(x) = x2 ao redor do ponto x0 = 1. e, portanto, f ′(x0) = g′(x0)⇒ f ′(x0) = f ′′(x0)x0 + b⇒ b = f ′(x0)− f ′′(x0)x0. Finalmente, considerando o valor da func¸a˜o, temos que g(x) = ax2 + bx+ c = ( f ′′(x0) 2 ) x2 + [f ′(x0)− f ′′(x0)x0]x+ c e, portanto, f(x0) = g(x0)⇒ f(x0) = [ f ′′(x0) 2 ] x20 + [f ′(x0)− f ′′(x0)x0]x0 + c = f ′′(x0) 2 x20 + f ′(x0)x0 − f ′′(x0)x20 + c = f ′′(x0)x20 [ 1 2 − 1 ] + f ′(x0)x0 + c = −f ′′(x0)x20 2 + f ′(x0)x0 + c ⇒ c = f(x0)− f ′(x0)x0 + f ′′(x0)x20 2 7 Com tudo que obtemos, chegamos que f(x) ≈ g(x) = f ′′(x0) 2 x2 + [f ′(x0)− f ′′(x0)x0]x+ f(x0)− f ′(x0)x0 + f ′′(x0)x20 2 = f ′′(x0) 2 [ x2 − 2x0x+ x20 ] + f ′(x0)(x− x0) + f(x0) = f ′′(x0) 2 (x− x0)2 + f ′(x0)(x− x0) + f(x0), que e´ a expressa˜o da aproximac¸a˜o quadra´tica de uma func¸a˜o f(x) ao redor de um ponto x = x0 em seu domı´nio. E´ importante ressaltar que, agora, assumimos que f(x) e´ duas vezes diferencia´vel em uma vizinhanc¸a do ponto x = x0. Em geral, se queremos aproximar uma func¸a˜o f(x) n vezes diferencia´vel ao redor de um ponto x = x0 por um polinoˆmio de grau n, que denotaremos por Tn(x), a aproximac¸a˜o para f(x) toma a forma f(x) ≈ Tn(x) = n∑ k=0 f (k)(x0) k! (x− x0)k = f(x0) + f ′(x0)(x− x0) + f ′′(x0) 2 (x− x0)2+ + f ′′′(x0) 3! (x− x0)3! + · · ·+ f (n)(x0) n! (x− x0)n, onde f (n) denota a n-e´sima derivada de f(x). Chamamos o polinoˆmio Tn(x) de Polinoˆmio de Taylor de grau n ao redor de x = x0. A figura 3.1 mostra aproximac¸o˜es para a func¸a˜o f(x) = sen (x) ao redor do ponto x = 0 usando polinoˆmios de Taylor de grau 1, 3, 5 e 7. E´ poss´ıvel perceber que, conforme aumentamos o grau do polinoˆmio na aproximac¸a˜o, mais nos aproximamos dos valores da func¸a˜o em um maior intervalo. Vem a pergunta: e se considera´ssemos um nu´mero infinito de termos? Intuitivamente (e apenas intuitivamente), neste caso, ao inve´s de termos uma aproximac¸a˜o, estar´ıamos obtendo uma igualdade. Tendo essa motivac¸a˜o, definimos, enta˜o, a Se´rie de Taylor para uma func¸a˜o f(x), que denotaremos como Tf (x), como Tf (x) = lim n→∞ Tn(x) = ∞∑ n=0 f (n)(x0) n! (x− x0)n. No caso particular em que x0 = 0, esta se´rie e´ tambe´m chamada de Se´rie de Maclaurin. Seria muito conveniente se qualquer func¸a˜o e sua Se´rie de Taylor coincidissem para todos os pontos, pore´m, em geral, isto na˜o e´ verdade. Sabemos do estudo de se´ries infinitas que nem sempre ha´ convergeˆncia: os sucessivos termos sendo somados na˜o tendem a nenhum valor finito. Ale´m disso, mesmo que a se´rie convirja em algum intervalo, na˜o e´ garantido que o valor da se´rie de Taylor seja o mesmo que o valor da func¸a˜o no ponto. 8 Figure 2: Polinoˆmios de Taylor ao redor de x0 = 0 para sen (x) Na˜o entraremos em muitos detalhes sobre esta questa˜o, mas e´ interessante sabermos que a diferenc¸a entre o valor de uma func¸a˜o f(x) e o seu respectivo polinoˆmio de Taylor de grau k, o erro Rk, tem uma forma expl´ıcita. Se f : R→ R e´ uma func¸a˜o k+ 1 vezes diferencia´vel em um intervalo aberto e f (k) e´ cont´ınua no intervalo fechado [a, x], temos que Rk(x) = f (k+1)(ξL) (k + 1)! (x− a)k+1, para algum nu´mero real ξL entre a e x. O ponto central e´ que, se o erro tende a zero conforme k tende para infinito, enta˜o a se´rie de Taylor e a func¸a˜o que foi expandida tendem a ficar arbitrariamente mais pro´ximas. Pore´m, se isto na˜o acontece, a se´rie de Taylor e a func¸a˜o na˜o coincidem em todos os pontos, mesmo que a se´rie convirja. Para a nossa discussa˜o, vamos provar que algumas expanso˜es em se´rie de Taylor con- vergem utilizando teoremas e me´todos da teoria de Equac¸o˜es Diferenciais, sem que utilizemos a ideia de erro vista acima. 3.1.1 Func¸o˜es seno, cosseno e exponencial Antes de prosseguirmos, precisamos de dois teoremas importantes. 9 Teorema de Existeˆncia e Unicidade de Soluc¸o˜es para Equac¸o˜es Diferenciais Ordina´rias Lineares. Considerando uma equac¸a˜o diferencial na forma y(n) + pn−1(x)y(n−1) + pn−2(x)y(n−2) + · · ·+ p1(x)y′ + p0(x)y = r(x) e condic¸o˜es iniciais y(a) = b0, y ′(a) = b1, . . . , y(n−1)(a) = bn−1, se os coeficientes pn−1(x), . . . , p0(x) e r(x) sa˜o cont´ınuos em um intervalo aberto contendo x = a, enta˜o existe uma u´nica soluc¸a˜o y(x) neste intervalo que satisfaz a equac¸a˜o diferencial e as condic¸o˜es iniciais. Teorema da diferenciac¸a˜o para se´ries de poteˆncia. Se temos uma func¸a˜o f(x) definida por f(x) = ∞∑ n=0 an(x− x0)n, enta˜o f ′(x) pode ser obtida atrave´s de derivac¸a˜o termo a termo, ou seja, f ′(x) = [ ∞∑ n=0 an(x− x0)n ]′ = [a0 + a1(x− x0) + a2(x− x0)2 + a3(x− x0)3 + . . . ]′ = a1 + 2a2(x− x0) + 3a3(x− x0)2 + 4a4(x− x0)3 + . . . = ∞∑ n=1 nanx n−1.Note que, ao derivarmos, o somato´rio comec¸a a partir de n = 1, pois o primeiro termo era uma constante. Com isso, vemos que a derivada de um ”polinoˆmio infinito” e´ apenas a derivada aplicada a cada termo. Com estes teoremas e notando que todas as hipo´teses sa˜o satisfeitas, vamos primeiro expandir a func¸a˜o f(x) = sen (x) em se´rie de Taylor ao redor de x = 0 e provar que a se´rie coincide com a func¸a˜o em todo R. Lembrando que os coeficientes das poteˆncias de x ao redor do ponto x = 0 sa˜o dados por an = f (n)(0) n! , obtemos que, a0 = sen (0) 0! = 0, a1 = cos(0) 1! = 1, a2 = − sen (0) 2! = 0, 10 a3 = − cos(0) 3! = − 1 3! , e assim sucessivamente. Como os termos com ı´ndice par sempre tera˜o ± sen (0), a2n = 0 para todo n ∈ N. Inspecionando o padra˜o, podemos concluir que os termos ı´mpares sa˜o da forma a2n+1 = (−1)n (2n+ 1)! para todo n ∈ N. Assim, a se´rie de Taylor para a func¸a˜o sen (x) ao redor de x = 0 e´ dada por T sen (x)(x) = ∞∑ n=0 (−1)n (2n+ 1)! x2n+1. Pore´m, vale lembrar que ainda na˜o sabemos qual e´ o raio de convergeˆncia desta se´rie e nem se ela coincide com sen (x) nos pontos em que converge. Vamos analisar a convergeˆncia utilizando o Teste da Raza˜o no infinito. Para a se´rie convergir, o mo´dulo da raza˜o entre um termo e o termo imediatamente anterior tem que ser menor do que 1 conforme o ı´ndice tende a infinito, caso contra´rio, os termos cresceriam cada vez mais e a se´rie seria divergente. Assim, lim n→∞ ∣∣∣∣∣bn+1bn ∣∣∣∣∣ < 1. Avaliando o limite, temos que lim n→∞ ∣∣∣∣∣bn+1bn ∣∣∣∣∣ = limn→∞ ∣∣∣∣∣ (−1)n+1 [2(n+1)+1]! x2(n+1)+1 (−1)n (2n+1)! x2n+1 ∣∣∣∣∣ = lim n→∞ ∣∣∣∣∣ x2n+3 (2n+3)! x2n+1 (2n+1)! ∣∣∣∣∣ = lim n→∞ ∣∣∣∣∣ x2n+3(2n+ 3)! (2n+ 1)!x2n+1 ∣∣∣∣∣ = lim n→∞ ∣∣∣∣∣ x2(2n+ 2)(2n+ 3) ∣∣∣∣∣ = |x2| lim n→∞ ∣∣∣∣∣ 1(2n+ 2)(2n+ 3) ∣∣∣∣∣ = 0 < 1, para todo x ∈ R, pois x e´ uma constante para o limite. Assim, provamos que a se´rie converge em toda a reta. 11 Resta agora provarmos que a se´rie, de fato, coincide com a func¸a˜o sen (x) neste intervalo. Para isso, observe que y(x) = sen (x)⇒ y′(x) = cos(x)⇒ y′′(x) = − sen (x) e, portanto, y′′(x) = −y(x)⇔ y′′(x) + y(x) = 0. Como a equac¸a˜o diferencial e´ de segunda ordem, precisamos de duas condic¸o˜es iniciais. Como y(x) = sen (x), temos que y(0) = sen (0) = 0 e que y′(0) = cos(0) = 1. Portanto, chegamos que a func¸a˜o y(x) = sen (x) satisfaz o Problema de Valor Inicial (PVI) dado por y′′(x) + y(x) = 0, y(0) = 0, y′(0) = 1. O ponto fundamental e´ que, pelo Teorema de Existeˆncia e Unicidade visto no comec¸o da sec¸a˜o, sabemos que este problema de valor inicial tem soluc¸a˜o, que esta soluc¸a˜o e´ u´nica e e´ dada, neste caso, por y(x) = sen (x). Tomando, agora, a expansa˜o em se´rie de Taylor da func¸a˜o, T sen (x), temos que T sen (x)(x) = ∞∑ n=0 (−1)n (2n+ 1)! x2n+1 = x− x 3 3! + x5 5! − x 7 7! + . . . e, pelo teorema da diferenciac¸a˜o de se´ries de poteˆncia, portanto T ′sen (x)(x) = 1− 3 x2 3! + 5 x4 5! − 7x 6 7! + . . . = 1− x 2 2! + x4 4! − x 6 6! + . . . . (9) Exerc´ıcio para o leitor: intuitivamente, que func¸a˜o voceˆ acha que esta se´rie representa? Derivando novamente, temos que T ′′sen (x)(x) = ( 1− x 2 2! + x4 4! − x 6 6! + . . . )′ = −2 x 2! + 4 x3 4! − 6x 5 6! + 8 x7 8! − . . . = − ( x− x 3 3! + x5 5! − x 7 7! + . . . ) = − ∞∑ n=0 (−1)n (2n+ 1)! x2n+1 = −T sen (x)(x). (10) 12 Portanto, conclu´ımos que a expansa˜o em se´rie de Taylor de sen (x) satisfaz a equac¸a˜o difer- encial T ′′sen (x)(x) = −T sen (x)(x)⇔ T ′′sen (x)(x) + T sen (x)(x) = 0. Para obtermos condic¸o˜es iniciais, observamos que T sen (x)(0) = 0− 0 3 3! + 05 5! − 0 7 7! + · · · = 0 e que T ′sen (x)(0) = 1− 3 02 3! + 5 04 5! − 70 6 7! + · · · = 1. Com tudo que foi desenvolvido ate´ agora, conclu´ımos que sen (x) e sua expansa˜o em se´rie de Taylor satisfazem o mesmo PVI, que tem soluc¸a˜o u´nica e que vale para toda a reta. Como a soluc¸a˜o e´ u´nica e ambas satisfazem o mesmo PVI, a u´nica conclusa˜o poss´ıvel e´ que elas representam a mesma func¸a˜o. Portanto, sen (x) = ∞∑ n=0 (−1)n (2n+ 1)! x2n+1. Exerc´ıcio para o leitor: seguindo a mesma ideia, prove que podemos expressar as func¸o˜es cos(x) e ex como cos(x) = ∞∑ n=0 (−1)n (2n)! x2n = 1− x 2 2! + x4 4! − x 6 6! + . . . e ex = ∞∑ n=0 xn n! = 1 + x+ x2 2! + x3 3! + x4 4! + . . . para todo x ∈ R. 3.2 Generalizando a exponenciac¸a˜o Precisamos de mais dois teoremas sobre se´ries infinitas para prosseguirmos com nossa dis- cussa˜o. Convergeˆncia Condicional e Absoluta. Quando estamos considerando somas infini- tas, a propriedade de comutatividade, em geral, na˜o vale. Isto e´, a + b 6= b + a. Assim, por mais estranho que parec¸a, podem haver se´ries cujo valor muda ao mudarmos a ordem dos ter- mos sendo somados. Chamamos estas se´ries de se´ries condicionalmente convergentes. Ha´ uma outra propriedade, chamada de convergeˆncia absoluta, em que a comutatividade vale e podemos, sim, trocar a ordem dos termos. Dizemos que uma se´rie de termos bn ∈ C ∞∑ n=0 bn 13 e´ absolutamente convergente se ∞∑ n=0 |bn| e´ convergente. Caso contra´rio, a se´rie e´ condicionalmente convergente. Diferenciac¸a˜o de Func¸o˜es Complexas de Varia´veis reais. Atrave´s da Ana´lise Com- plexa, podemos demonstrar que, em geral, todas as derivadas ba´sicas (func¸o˜es polinomiais, racionais, trigonome´tricas, exponenciais, e outras) sa˜o computadas da mesma forma, apenas tratando a unidade imagina´ria i como uma constante. Assim, se temos uma func¸a˜o complexa f(x) = u(x) + iv(x), f ′(x) e´ dada por f ′(x) = u′(x) + iv′(x). Tendo em mente a discussa˜o sobre generalizac¸o˜es que tivemos na primeira sec¸a˜o, vamos generalizar a exponenciac¸a˜o atrave´s da Se´rie de Taylor. Para isso, vamos considerar que a se´rie ez = ∞∑ n=0 zn n! substituindo a varia´vel z por z = ix, onde i = √−1 e´ a unidade imagina´ria. Assim eix = ∞∑ n=0 (ix)n n! . Antes de seguirmos, precisamos provar que podemos mudar a ordem dos termos desta se´rie, ou seja, provar que a se´rie e´ absolutamente convergente. De fato, ∞∑ n=0 ∣∣∣∣∣(ix)nn! ∣∣∣∣∣ = ∞∑ n=0 ∣∣∣∣∣inxnn! ∣∣∣∣∣ = ∞∑ n=0 |in| ∣∣∣∣∣xnn! ∣∣∣∣∣ = ∞∑ n=0 ∣∣∣∣∣xnn! ∣∣∣∣∣ = ∞∑ n=0 xn n! , que ja´ sabemos que e´ convergente. Retomando a exponencial generalizada, temos que eix = ∞∑ n=0 (ix)n n! = ∞∑ n=0 in xn n! = i0 + i1x+ i2 x2 2! + i3 x3 3! + i4 x4 4! + . . . = 1 + ix− x 2 2! − ix 3 3! + x4 4! + . . . Usando o fato de que a se´rie e´ absolutamente convergente, podemos mudar a ordem dos 14 termos e fatorar, chegando que eix = 1 + ix− x 2 2! − ix 3 3! + x4 4! + i x5 5! − x 6 6! − ix 7 7! + . . . = [ 1− x 2 2! + x4 4! − x 6 6! + . . . ] + i [ x− x 3 3! + x5 5! − x 7 7! + . . . ] = ∞∑ n=0 (−1)n (2n)! x2n + i ∞∑ n=0 (−1)n (2n+ 1)! x2n+1 = cos(x) + i sen (x), onde utilizamos as se´ries de Taylor do seno e do cosseno no u´ltimo passo. Finalmente chegamos em uma expressa˜o para a exponencial complexa, mas sera´ que ela faz sentido? Utilizando o teorema da diferenciac¸a˜o de func¸o˜es complexas, temos que y(x) = eix ⇒ y′(x) = ieix e, portanto, y′(x) = iy(x). Para obter uma condic¸a˜o inicial, calculamos y(0) = ei0 pelo nosso resultado, tal que y(0) = ei0 = cos(0) + i sen (0) = 1 + i0 = 1. Assim, eix satisfaz o PVIy′(x) = iy(x), y(0) = 1, que possui soluc¸a˜o u´nica e exatamente o mesmo PVI que uma func¸a˜o eax, com a ∈ R satisfaz. Assim, nossa generalizac¸a˜o realmente se comporta como uma exponencial! Tambe´m e´ interessante verificar se as propriedades que valiam antes ainda valem. Mais precisamente, precisamos verificar as propriedades 5 e 6 da primeira sec¸a˜o. Para verificar 5, observamos que eiaeib = [cos a+ i sena][cos b+ i sen b], pelo resultado em que chegamos. Expandindo os termos, eiaeib = [cos a+ i sena][cos b+ i sen b] = cos a cos b+ i cos a sen b+ i sena cos b− sena sen b = [cos a cos b− sena sen b] + i[cos a sen b+ sena cos b]. Lembrando que cos(a+ b) = cos a cos b− sena sen b 15 e sen (a+ b) = sena cos b+ cos a sen b, temos que eiaeib = cos(a+ b) + i sen (a+ b) = ei(a+b), provando a Lei dos Expoentes. Com isso, obtemos que a exponenciac¸a˜o de qualquer nu´mero complexo (na˜o apenas ima- gina´rio puro) e´ dada por ex+iy = exeiy. A propriedade 6 e´ bem definida apenas para valores inteiros no expoente, e e´ a fo´rmula de DeMoivre, dada por [eix]n = einx. Na˜o discutiremos muito sobre este resultado, mas para valores na˜o inteiros pode haver mais de um valor para a expressa˜o. Por fim, notamos que y(x) = eix ⇒ y′(x) = ieix ⇒ y′′(x) = i2eix = −eix e, assim, y′′(x) = −y(x). Se levamos em considerac¸a˜o que, de fato, eix = cos(x) + i sen (x), temos que y(x) = cos(x) + i sen (x)⇒ y′(x) = − sen (x) + i cos(x)⇒ y′′(x) = − cos(x)− i sen (x) e, como esperado, y′′(x) = −y(x). Novamente, mostramos que a exponencial generalizada se comporta do jeito que era esperado, pois a presenc¸a do seno e do cosseno na expressa˜o para eix remetem a` noc¸a˜o de periodicidade das func¸o˜es trigonome´tricas. Do ponto de vista f´ısico, estas duas func¸o˜es descrevem um Movimento Harmoˆnico Simples. E´ natural, portanto, que a exponencial complexa, como foi descrita, tambe´m descreva o mesmo fenoˆmeno. 16 4 Comenta´rios Finais Com todas as observac¸o˜es e evideˆncias obtidas a partir do estudo realizado neste texto, podemos, finalmente, dar um significado a` exponenciac¸a˜o com nu´meros complexos. Esta e´ dada por ex+iy = exeiy = ex[cos(y) + i sen (y)]. No caso particular em que x = 0 e y = pi, temos que ex+iy = eipi = cos(pi)− i sen (pi) = −1− 0. Assim, obtemos um dos mais bonitos e elegantes resultados da Matema´tica: a cla´ssica Identidade de Euler, dada por eipi + 1 = 0. 17
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