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Programa de Análise Matemática 02 1. Primeiras Noções 4 Números Racionais e Representação Decimal 8 Números Irracionais 9 Números Reais 11 Séries Infinitas 11 Funções, Limite e Continuidade 15 2. O Início do Rigor na Análise Matemática 22 3. O Cálculo Diferencial 27 Reta Tangente 28 A Diferencial 29 4. Referências Bibliográficas 32 03 4 PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA 1. Primeiras Noções Fonte: Ibra1 roposição é qualquer afirma- ção, verdadeira ou falsa, mas que faça sentido. Por exemplo, são proposições as três afirmações se- guintes: a. Todo número primo maior que 2 é ímpar. b. Na geometria plana a soma dos ângulos internos de qualquer triângulo é 180°. c. Todo número ímpar é primo. Observe que dessas três pro- posições, as duas primeiras são ver- dadeiras, mas a terceira é falsa, pois 9, 15, 21, etc., são números ímpares que não são primos. Teorema é uma proposição verdadeira do tipo “P implica Q”, onde P e Q também são proposições. 1 Retirado em https://www.ibraeducacional.com.br/cursos/single/1020 Escreve-se, simbolicamente, “P → Q”, que tanto se lê “P implica Q”, como “P acarreta Q” ou “Q é conse- quência de P”. P é a hipótese e Q é a tese do teorema. Por exemplo, a pro- posição A acima é um teorema, que pode ser escrito na forma D → E, onde D e E são as proposições se- guintes: D: n é um número primo maior do que 2. E: n é um número ímpar. Outro exemplo de teorema: Se duas frações a/b e c/d são iguais, então: P 5 PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA Esse mesmo teorema pode também ser escrito assim: Observe que quando se enun- cia um teorema A → B, não se está afirmando que a hipótese A é verda- deira; apenas que, se for verdadeira, então B também será. Chama-se Lema a um teorema preparatório para a demonstração de outro teorema. Corolário é um te- orema que segue como consequên- cia natural de outro. Muitos autores utilizam a pa- lavra “proposição” para designar os teoremas de uma certa teoria, reser- vando a palavra “teorema” para aqueles resultados que devem ser ressaltados como os mais importan- tes. Num teorema “P → Q”, diz que a hipótese P é uma condição sufici- ente de Q, isto é, basta a hipótese P ser verdadeira para que a tese Q também seja. Esta tese Q, por sua vez, é condição necessária de P, ou seja, a hipótese P sendo verdadeira, a tese Q também necessariamente será verdadeira. Assim, com refe- rência às proposições atrás, D é con- dição suficiente para que E seja ver- dadeira, e E é condição necessária de D, quer dizer, valendo D, tem de va- ler E, ou seja, é necessário valer E. A recíproca de um teorema P → Q é a proposição Q → P, que tam- bém se escreve P ← Q. A recíproca de um teorema pode ou não ser ver- dadeira. Por exemplo, a recíproca do teorema “todo número primo mais do que 2 é ímpar” é “todo número ímpar é primo maior do que 2”. Isto é falso, pois nem todo número ímpar é primo. O Teorema de Pitágoras é um exemplo de teorema cuja recí- proca é verdadeira. O teorema assim se enuncia: Se ABC é um triângulo retân- gulo em B, então AC2 = AB2 + BC2; E a recíproca tem o seguinte enunciado: Se ABC é um triângulo, com AC2 = AB2 + BC2, então ABC é retângulo em B. Quando a recíproca de um te- orema é verdadeira, escrevemos o teorema, juntamente com sua recí- proca, na forma P ↔ Q. Neste caso, qualquer uma das proposições P e Q é ao mesmo tempo necessária e sufi- ciente para a validade da outra. É por isso que, neste caso, o teorema também se enuncia assim: a condi- ção necessária e suficiente para que a proposição Q seja verdadeira é que 6 PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA a proposição P também seja verda- deira; ou então, a condição necessá- ria e suficiente para que a proposi- ção P seja verdadeira é que a propo- sição Q também seja verdadeira. Observe que P→ Q é o mesmo que “vale Q se valer P”; ou ainda, “vale P somente se valer Q”. Por isso, um outro modo habitual de enunciar um teorema com sua recíproca, P ↔ Q, consiste em escrever “P se e so- mente se Q”. P → Q é a parte “vale P somente se valer Q”, e Q → P é a parte “vale P se valer Q”, proposição esta que também costuma ser escrita mais abreviadamente na forma “P se Q”. Note ainda que a proposição P ↔ Q significa que P e Q são proposições equivalentes. No caso do teorema de Pitágo- ras, podemos juntar o teorema e sua recíproca num só enunciado, das di- versas maneiras seguintes: A condição necessária e sufici- ente para que um triângulo ABC seja retângulo em B é que AC2 = AB2 + BC2. Dados três pontos distintos A, B e C, a condição necessária e suficiente para que AC2 = AB2 + BC2 é que o triângulo ABC seja retângulo em B. Seja ABC um triângulo. Então, ABC é retângulo em B ↔ AC2 = AB2 + BC2. Um triângulo ABC é retângulo em B se e somente se AC2 = AB2 + BC2. A negação de uma proposição A será denotada por Ã. Por exemplo, a negação da proposição “todo nú- mero primo é ímpar” tanto pode ser “nem todo número primo é ímpar, ou “existe um número primo que não é ímpar”, ou ainda “existe um número primo par”. Estas duas últimas formas são preferíveis à primeira por serem afirmativas. A negação da proposi- ção “todo homem é mortal” é “nem todo homem é mortal”; mas, em forma afirmativa, deve ser “existe um homem imortal”. Em nosso es- tudo de análise, nem sempre é fácil construir a negação de uma proposi- ção. O princípio da não contradição afirma que uma proposição não pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo, ou seja, não pode ser verdadeira juntamente com sua ne- gação. Em outras palavras, deno- tando a negativa de uma proposição por Ã, se A for verdadeira, então  é falsa. O chamado princípio do ter- ceiro excluído afirma que qualquer proposição A ou é verdadeira ou é falsa. Em outras palavras, ou A é ver- dadeira, ou à é verdadeira, não sendo possível uma terceira alterna- tiva. Observe que um teorema “A → B” não é equivalente nem implica z . Por exemplo, o teorema “Se 7 PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA x é um número real, então x < 0 → x2 > 0” é verdadeiro, mas não se im- plica nem é equivalente a “x ≥ 0 → x2 ≤ 0”. Todavia, é verdade que “A → B” é equivalente a . Esta úl- tima proposição é chamada de con- traposição ou posição contraposta à proposição “A → B”. Teorema: Sejam A e B duas proposições. Então, vale a seguinte equivalência: Demonstração: Faremos pri- meiro a demonstração no sentido →. Para isso, nossa hipótese é que A → B, isto é, que “se A for verdadeira, B também é”: queremos provar que “se for verdadeira, à também é”. Então, começamos supondo ver- dadeira. Ora, a à não fosse verda- deira, pelo princípio do terceiro ex- cluído, A seria verdadeira; e pela hi- pótese do teorema (A → B), B seria verdadeira. Mas, pelo princípio da não contradição, não podemos acei- tar isto (visto que estamos supondo verdadeira). Então, não podemos também aceitar a à não seja verda- deira, donde, à é verdadeira, o que conclui a demonstração desejada de que . Finalmente, temos de provar a recíproca, isto é, a implicação ←, vale dizer Mas isto decorre do que acabamos de provas. De fato, trocando A por e B por à em obtemos exatamente A contraposição é frequente- mente usada em demonstrações. Va- mos dar um exemplo disso, primeiro provando, por demonstração direta, que o quadrado de um número par também é par. De fato, número par é todo número n da forma n = 2k, onde k é um inteiro. Então, n2 = 4k2 = 2(2k2), que é da forma 2k’, onde k’ é o inteiro 2k2. Isto completa a de- monstração do teorema. Consideremos agora o teo- rema: se o quadrado de uminteiro n for ímpar, então n também será ím- par. Podemos provar este teorema diretamente, mas isto é desnecessá- rio. Basta observar que as proposi- ções “n é par” e “n é ímpar” são a ne- gação uma da outra, de forma que este último teorema é o contraposto do teorema anterior, portanto, equi- valente a ele. As chamadas demonstrações por redução ao absurdo, ou simples- mente demonstrações por absurdo ou ainda demonstrações por contra- posição. Para provas que A → B co- meçamos supondo A verdadeira e B falsa. Esta última é a chamada “hi- pótese do raciocínio por absurdo”, uma suposição apenas temporária, até chegarmos a uma contradição, um absurdo. Somos estão forçados a 8 PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA remover a hipótese do raciocínio por absurdo e concluir que B é verda- deira. Como aplicação, vamos de- monstrar o teorema mencionado atrás, de que Num plano, por um ponto fora de uma reta não se pode traçar mais que uma perpendicular à reta dada. Vimos que esse teorema se escreve na forma A → B, onde A e B são as proposições: A: Num plano é dada uma reta r e um ponto B: No plano dado não existe mais que uma reta s perpendi- cular a r, tal que A negação de B é que existe mais que uma perpendicular; ora, para afirmar isto, basta supor que existam duas, assim: : No plano dado existem duas retas distintas, s e t, per- pendiculares a r, tais que Vamos provar que essa propo- sição nos leva a um absurdo. Com efeito, sejam S e T os pontos de in- terseção de s e t com a reta r, sendo que esses pontos são distintos, ou s e t não seriam distintas. Ora, os ângu- los em S e T são todos retos; mas isto é absurdo, senão a soma dos ângulos do triângulo PST seria maior do que 180º. Concluímos, pois, que a pro- posição B é verdadeira. Números Racionais e Re- presentação Decimal Os números reais são o ali- cerce primeiro da Análise Matemá- tica. Recordaremos inicialmente certas propriedades elementares dos números reais. Vamos considerar a conversão de frações ordinárias em decimais, com vistas a entender quando a de- cimal resulta ser finita ou periódica. Como sabemos, a conversão de uma fração ordinária em decimal se faz dividindo o numerador pelo denominador. Se o denominador da fração em forma irredutível só con- tiver os fatores primos de 10 (2 e/ou 5), a decimal resultante será sempre finita; e é assim porque podemos in- troduzir fatores 2 e 5 no denomina- dor em número suficiente para fazer esse denominador uma potência de 10. Exemplo: Fonte: Escola Educação Vemos, por esses exemplos, que uma fração ordinária em forma irredutível se transforma em deci- 9 PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA mal finita se seu denominador não contém outros fatores primos além de 2 e 5. O que acontece se o denomina- dor de uma fração irredutível conti- ver algum fator primo diferente de 2 e 5? Consideremos o exemplo da conversão de 5/7 em decimal, ilus- trada abaixo. Na primeira divisão (de 50 por 7), obtemos o resto 1; de- pois, nas divisões seguintes, vamos obtendo o resto 5, já que ocorreu an- tes, sabemos que os algarismos do quociente voltarão a se repetir, re- sultando no período 714285. Essa repetição acontecerá certamente, pois os possíveis restos de qualquer divisão por 7 são 0, 1, 2, 3, 4, 5 e 6. Vemos também que o período terá no máximo seis algarismos. Fonte: Escola Educação Este último exemplo e os ante- riores nos permitem concluir que toda fração irredutível p/q, quando convertida à forma decimal, resulta numa decimal finita ou periódica, ocorrendo este último caso se o de- nominador q contiver algum fator primo diferente de 2 e 5. Números Irracionais Fonte: Escola Educação Podemos conceber números cuja representação decimal não é nem finita nem periódica. Esses são os chamados números irracionais. Admitindo a existência deles vamos examinar algumas consequências interessantes desta suposição. É fácil produzir números irra- cionais; basta inventar uma regra de formação que não permita aparecer período. Podemos conseguir isso, por exemplo, utilizando dois algaris- mos quaisquer, como dois e zero, co- locando o 2 seguido de um zero, de- pois o 2 seguido de dois zeros, etc. Vamos escrever esse número deci- mal com espaços separando os vá- rios grupos de algarismos para me- lhor compreensão. 10 PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA O resultado é: 0,20200200020000... Aqui, como se vê, os três pon- tos significam que o modo de forma- ção do número já está explicitado e continua indefinidamente. Outros exemplos: 21,71771177711...; 0,35355355535555...; 0,17117711177711117777... Um exemplo importante de número irracional é o conhecido nú- mero π, dado aqui com suas primei- ras 30 casas decimais: Π = 3,141592653589793238462643383 279... (Agora os três pontos não têm o significado dos exemplos anterio- res, mas apenas o de que os algaris- mos se sucedem indefinidamente, sem nenhuma lei de formação expli- citada.) O fato de não vermos período nas aproximações de π, por mais que aumentemos essas aproximações, não prova que π seja irracional, pois é concebível que o período tenha mi- lhões, bilhões, trilhões de algaris- mos - ou mais! Sabemos que π é ir- racional porque isto pode ser de- monstrado rigorosamente, assim como se demonstra que a soma dos ângulos de qualquer triângulo é 180°. Entretanto essa demonstração não é tão simples e não será feita aqui. Parece que o primeiro número irracional a ser descoberto foi √2. Em geral, é difícil saber se um dado número é irracional ou não, como é o caso do número π. Mas é relativa- mente fácil demonstrar que o nú- mero √2 é irracional. Vamos fazer essa demonstração raciocinando por absurdo. Se √2 fosse racional, have- ria dois inteiros positivos p e q, tais que √2 = p/q, sendo p/q uma fração irredutível, isto é, p e q primos entre si, ou seja, eles não têm divisor co- mum maior do que 1. Elevando essa igualdade ao quadrado, obtemos 2 = p2/q2, donde p2 = 2q2. Isso mostra que p2 é par, don- de concluímos que q também é par (se p fosse ímpar, p2 seria ímpar), di- gamos p = 2r, com r inteiro. Substi- tuindo na equação anterior, obte- mos: 4r2 = 2q2, ou q2 = 2r2. Daqui concluímos, como no caso de p, que o número q também deve ser par. Isto é absurdo, pois es- tão p e q são ambos divisíveis por 2 e p/q não é fração irredutível. O ab- surdo a que chegamos é consequên- 11 PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA cia da hipótese que fizemos no iní- cio, de que √2 fosse racional. Somos, assim, forçados a afastar essa hipó- tese e concluir que √2 é irracional. A demonstração que acaba- mos de fazer é, na verdade, apenas a demonstração de que não existe nú- mero racional cujo quadrado seja 2. Afirmar que √2 é um número irraci- onal só é possível no pressuposto de que já estamos de posso dos núme- ros irracionais, mas isto requer a construção lógica desses números. Números Reais Fonte: Mundo Educação Número real é todo número que é racional ou irracional. Observe que os números naturais (N) e os nú- meros inteiros (Z) são casos particu- lares de números racionais, de forma que quando dizemos que um número é racional, fica aberta a pos- sibilidade de ele ser um número in- teiro (positivo ou negativo) ou sim- plesmente um número natural. A totalidade dos números raci- onais, juntamente com os irracio- nais é o chamado conjunto dos nú- meros reais. Séries Infinitas Assim como no caso das se- quências, quem já cursou Cálculo deve ter adquirido alguma familiari- dade com as séries infinitas. Aqui iremos retomar o estudo dessas sé- ries a partir do que se costuma tratar numa primeiradisciplina de cálculo, acrescentando resultados adicio- nais, como o critério de convergên- cia de Cauchy, que será fundamental para o estudo das séries de funções posteriormente. Vamos iniciar nossos estudos das séries infinitas com exemplos simples. Essas séries surgem muito cedo, ainda no ensino fundamental, quando lidamos com dízimas perió- dicas. Com efeito, uma dízima como 0,777... nada mais é do que uma pro- gressão geométrica infinita. Veja: Mas quando se ensinam essas dízimas, não é preciso recorrer às sé- ries infinitas, pode-se usar o proce- dimento finito que utilizamos ante- riormente, assim: 12 PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA Voltando às séries infinitas, o que significa “soma infinita”? Como somar um número após outro, após outro, e assim por diante, indefini- damente? Num primeiro contato com séries infinitas, particularmen- te séries de termos positivos a ideia ingênua e não crítica de soma inde- finida não costuma perturbar o estu- dante. Porém, lidar com somas infi- nitas do mesmo modo como lidamos com somas finitas acaba levando a sérias dificuldades, ou mesmo a con- clusões contraditórias, como bem ilustra um exemplo simples, dado pela chamada “Série de Grandi”: S = 1 – 1 + 1 – 1 + 1 – 1 + ... Esta série tanto parece ser igual a zero como igual a 1, depen- dendo de como encaramos. Veja: S = 1 – 1 + 1 – 1 + 1 – 1 + ... = (1-1) + (1-1) + (1-1) + ... = 0. Mas podemos também escre- ver: S = 1 – 1 + 1 – 1 + 1 – 1 + ... = 1 - (1- 1) - (1-1) - (1-1) - ... = 1. E veja ainda o que podemos fa- zer: S = 1 – 1 + 1 – 1 + 1 – 1 + ... = 1 - (1 – 1 + 1 – 1 + ...) = 1 – S, donde a equação S = 1 – S, que nos dá S = ½. Como decidir então? Afinal, S é zero, 1 ou ½? Para encontrar uma saída para dificuldade como essa que vimos com a Série de Grandi, temos de exa- minar cuidadosamente o conceito de adição. Somar números, sucessiva- mente, uns após outros, é uma ideia concebida para uma quantidade fi- nita de números a somar. Ao aplicá- la a somas infinitas, por mais que so- memos, sempre haverá parcelas a somar. O processo de somas sucessi- vas não termina; em consequência, não serve para definir a soma de uma infinidade de números. O conceito de soma infinita é formulado de maneira a evitar um envolvimento direto com a soma de uma infinidade de parcelas. Assim, dada uma série infinita a1 + a2 + a3 + ... + na + ... contentamo-nos em con- siderar as somas parciais S1 = a1, S2 = a1 + a2, S3 = a1 + a2 + a3, etc. Em geral, designamos por Sn a soma dos primeiros n elementos da sequência (na), que é chamada a soma parcial ou reduzida de ordem n associada a essa sequência: 13 PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA Desse modo formamos uma nova sequência infinita (Sn), que é, por definição, a série de termos na. Se ela converge para um número S, definimos a soma infinita como sen- do esse limite: Este último símbolo indica a soma da série, ou limite S de Sn. Mas é costuma indicar a série (Sn) som esse símbolo, mesmo que ela não seja convergente. Frequentemente usamos também o símbolo simplifi- cado com o mesmo signifi- cado. A diferença S – Sn = Rn é apro- priadamente chamada o resto de or- dem n da série. Às vezes, quando consideramos certas séries particu- lares, a reduzida de ordem n pode não conter exatamente n termos, de- pendendo do índice n onde começa- mos a somar. Como se vê, a noção de série infinita generaliza o conceito de so- ma finita, pois a série se reduz a uma soma finita quando todos os seus termos, a partir de um certo índice são nulos. Mas é bom enfatizar que há uma real diferença entre a soma de um número finito de termos e a soma de uma série infinita. Esta úl- tima não resulta de somar uma infi- nidade de termos – operação impos- sível; ela é, isto sim, o limite da soma finita Sn. Se uma série converge, seu ter- mo geral tende a zero. Seja uma série de redu- zida Sn e soma S. Então, na = Sn – Sn-1 → S – S = 0, como queríamos demonstrar. O leitor deve ter-se familiari- zado, em seus estudos das progres- sões geométricas no ensino médio, com a série geométrica de razão q: Esta série é de importância fundamental no estudo das séries. Sua reduzida Sn é a soma dos termos de uma progressão geométrica: Supondo tende a zero, de forma que essa expressão converge para 1/(1 – q), que é o li- mite se Sn ou soma da série geomé- trica: Notemos que a série é diver- gente se pois, neste caso, seu termo geral não tende a zero. 14 PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA O teorema anterior nos dá uma condição necessária para a con- vergência de uma série. Essa condi- ção, todavia, não é suficiente. É fácil exibir séries divergentes cujos ter- mos gerais tendem a zero. Por exem- plo no entanto, a sé- rie é divergente, pois sua reduzida de ordem n é. Teorema (Critério de conver- gência de Cauchy). Uma condição necessária e suficiente para que uma série seja convergente é que dado qualquer ε > 0, exista N tal que, para todo inteiro positivo p: Teste da integral. Um outro teste de convergência de série de muita utilidade é o chamado teste da integral, porque se baseia na compa- ração da série com integral de uma função. Seja f(x) uma função positiva, contínua e decrescente em . Então: Em consequência, a série e converge ou diverge, conforme a integral que aí aparece seja conver- gente ou divergente, respectiva- mente, com N → ∞. A primeira somatória é a soma das áreas dos retângulos sombrea- dos a figura a seguir, entre as abscis- sas X = 1 e x = N. Esses retângulos jazem sob a curva y = f(x), devido ao fato de esta função ser não-cres- cente. Isto prova a primeira desi- gualdade na figura, pois a integral é a área sob a curva. De maneira aná- loga prova-se a segunda desigual- dade, bastando observar que a úl- tima somatória na figura é a soma das áreas dos retângulos sombrea- dos da figura b, que supera a área sob a curva y = f(x) entre as abscissas x = 1 e x = N. O teste da integral segue ime- diatamente das desigualdades: e a integral converge, basta fazer N → ∞ na primeira dessas desigualdades para se concluir que a série con- verge. Reciprocamente, se a série converge, fazemos N → ∞ na se- gunda desigualdade e concluímos 15 PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA que a integral converge, o que com- pleta a demonstração. Funções, Limite e Continui- dade O leitor vem se familiarizando com a ideia de função desde o ensino médio. Tendo em conta a importân- cia desse conceito no Cálculo e na Análise, vamos retomá-lo neste tó- pico, começando com alguns aspec- tos de sua evolução histórico a partir de século XVII. Embora a ideia de função possa ser identificada em obras do século XIV, foi só a partir do século XVII que ela teve grande desenvolvimento e utilização. Isso porque, nessa época surgiu a Geo- metria Analítica, e muitos proble- mas matemáticos puderam ser con- venientemente formulados e resol- vidos em termos de variáveis ou in- cógnitas que podiam ser representa- das em eixos de coordenadas. Uma das questões que ocupou a atenção dos matemáticos no século XVII foi o problema de traçar a reta tangente a uma dada curva. Nesse problema intervêm várias grande- zas, com a ordenada do ponto de tangência T, os comprimentos da tangente OT, de subtangente AO, da normal TN e da subnormal AN. E as investigações que sobre isso se fa- ziam giravam em torno de equações envolvendo essas várias grandezas, as quais eram encaradas como dife- rentes variáveis ligadas à curva, em vez de serem vistas como funções se- paradas de uma única variável inde- pendente. Mas, aos poucos, uma dessas variáveis- no caso, a abscissa de T - foi assumindo o papel do que chamamos a variável independente. A palavra “função” foi introdu- zida por Leibniz em 1673, justamen- te para designar qualquer das várias variáveis geométricas associadas com uma dada curva. Só aos poucos é que o conceito foi-se tornando in- dependente de curvas particulares e passando a significar a dependência de uma variável em termos de ou- tras. Mas, mesmo assim, por todo o século XVIII, o conceito de função permaneceu quase só restrito à ideia de uma variável (dependente) ex- pressa por alguma fórmula em ter- mos de outra ou outras variáveis (in- dependentes). Ao lado da definição de função surgia o conceito de continuidade. Euler entendia por contínua a fun- ção que fosse dada por uma única 16 PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA expressão analítica, e por descontí- nua quando fosse dada por expres- sões diferentes em diferentes partes de seu domínio de definição. Mas isso resultava em interpretações contraditórias. Por exemplo, por um lado, a expressão: Estaria definindo y como fun- ção contínua de x por ser dada por uma única expressão analítica. Acontece que essa integral pode ser facilmente calculada com a substi- tuição t = xs y = x se x ≥ 0 e y = -x se x ≤ 0. Agora, de acordo com Euler, a função seria descontínua por ser dada por diferentes expressões ana- líticas em diferentes partes de seu domínio, uma clara contradição com a interpretação anterior. O exemplo de função que aca- bamos de dar, em termos do pro- cesso infinito de integração, mostra que as ideias de função e continuida- de então adotadas eram inadequa- das, coisa que se tornou ainda mais evidente com o tratamento de fun- ções por outro processo infinito, o das “séries trigonométricas”. Essas séries já haviam sido utilizadas em meados do século XVIII por Daniel Bernoulli no estudo das vibrações de uma corda esticada, mas quem mais se valeu dessas séries foi o físico-ma- temático Joseph Fourier em seus es- tudos sobre propagação do calor em sólidos. Com efeito, Fourier realizou muitas investigações sobre esse fe- nômeno, partindo de uma equação a derivadas parciais, chamada “equa- ção do calor”. O procedimento de Fourier, que ficou consagrado até os dias de hoje, consistia em obter so- luções particulares da equação, com as quais se montava uma série infi- nita com coeficientes a determinar. Estes eram encontrados pela impo- sição de certas condições à solução do problema, dentre as quais as cha- madas “condições iniciais”. Isso re- sultava em cartas funções serem co- nhecidas pelo seu desenvolvimento nas tais séries trigonométricas. Eis um exemplo simples de tal função: Observe que os termos dessa série são funções regulares, bem comportadas. Isso fazia supor aos matemáticos da época que a soma infinita também fosse uma função bastante regular. O próprio Cauchy chegou a lidar com séries infinitas como se fosse assim. Acontece que a soma da série em pauta pode ser ob- tida em forma bem simples, e revela um fenômeno surpreendente: ela 17 PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA tem uma infinidade de pontos de descontinuidade, agora pontos onde ocorrem rupturas no gráfico da fun- ção. De fato, efetuada a soma (cujo procedimento não será considerado aqui), obtemos cujo gráfico, ilustrado a seguir, é um segmento retilíneo que se repete pe- riodicamente, com a aparência de uma serra, exibindo descontinuida- des nos pontos x = nπ. Como os ter- mos da série inicial que define a fun- ção são todos eles funções contínuas e muito regulares, concluímos que foi o processo de soma infinita que fez surgir as descontinuidades do gráfico. Exemplos de funções como es- ses dois que demos aqui deixam claro que os conceitos de função e continuidade então em voga eram mesmo inadequados. Sempre que falarmos em “nú- mero” sem qualquer qualificação, entenderemos tratar-se de um nú- mero real. Como os números reais são representados por pontos de uma reta, através de suas abscissas, é costume usar a palavra “ponto” em lugar de “número”; assim, “ponto x” significa “número x”. Diz-se que um ponto x é ponto interior de um dado conjunto C, ou ponto interno a C, se esse conjunto contém um intervalo (a, b), o qual, por sua vez, contém x, isto é Segundo essa defi- nição, todos os elementos de um in- tervalo aberto são pontos interiores desse intervalo. O interior de um conjunto C é o conjunto de todos os seus pontos interiores. Assim, o in- tervalo (a, b) é seu próprio interior; é também o interior do intervalo fe- chado [a, b]. Diz-se que um conjunto C é aberto se todo ponto de C é interior a C, isto é, se o conjunto coincide com seu interior. É esse o caso de um intervalo (a, b) do tipo que já vinha sendo chamado “aberto”. De um modo geral, vizinhança de um ponto é qualquer conjunto que contenha a internamente. Mas, a menos que o contrário seja dito ex- plicitamente, “vizinhança” para nós significará sempre um intervalo aberto. Em particular, dado ε > 0, o intervalo V ε(a) = (a – ε, a + ε) é uma vizinhança de a, chamada natural- mente vizinhança simétrica de a, ou vizinhança ε de a. Às vezes interessa considerar uma vizinhança ε de a, excluído o próprio ponto a, a cha- mada vizinhança perfurada. Vamos denotá-la V’ ε(a): 18 PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA Diz-se que um número a é o ponto de acumulação de um con- junto C se toda vizinhança de a con- tém infinitos elementos de C. Isso equivale a dizer que toda vizinhança de a contém algum elemento de C di- ferente de a; ou ainda, dado ε > 0, V’ ε(a) contém algum elemento de C. Um ponto de acumulação de um conjunto pode ou não pertencer ao conjunto; por exemplo, os extre- mos a e b de um intervalo aberto (a, b) são pontos de acumulação desse intervalo, mas não pertencem a ele. Todos os pontos do intervalo tam- bém são seus pontos de acumulação e pertencem a ele. Um ponto x de um conjunto C dz-se isolado se não for ponto de acumulação de C. Isso é equivalente a dizer que existe ε > 0 tal que V’ ε(x) não contém qualquer elemento de C. Chama-se discreto todo conjunto cujos elementos são todos isolados. Por exemplo, o conjunto: É discreto, pois seus pontos são todos isolados. Seu único ponto de acumulação é o número 1, que não pertence ao conjunto. Diz-se que um número x é ponto aderente a C, se qualquer vizi- nhança de x contém algum elemento de C. Isso significa que x pode ser um elemento de C ou não, mas se não for certamente será ponto de acumulação de C. O leitor deve to- mar cuidado para não confundir ponto de aderência com ponto de acumulação. No caso de sequências, um ponto de aderência pode ou não coincidir com um elemento de se- quência, e se não coincidir, será ponto de acumulação do conjunto de valores da sequência. O conjunto dos pontos aderen- tes a C é chamado o fecho ou aderên- cia de C, denotado com o símbolo Como se vê, é a união de C com o conjunto C’ de seus pontos de acumulação. Por exemplo, o fecho do conjunto A considerado há pouco é o conjunto. Diz-se que um conjunto é fe- chado quando ele coincide com seu fecho (C = ou seja, quando ele contém todos os seus pontos de acumulação: É esse o caso de um intervalo [a, b], do tipo que já vi- nha sendo chamado “fechado”. É também fechado o conjunto B que acabamos de considerar. Vamos introduzir uma noção referente a dois conjuntos A e B, que é utilizada com frequência quando , embora esta condição não 19 PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA seja necessária na definição que va- mos dar. Diz-se que um conjunto A é denso num conjunto B se todo ponto de B que não pertencer a A é ponto de acumulação de A, de sorteque se juntarmos a A seus pontos de acumulação, o conjunto resultante conterá B. Em particular, A ser den- so em R significa que todo número real é ponto de acumulação de A. Por exemplo, o conjunto Q é denso em R; também é denso em R o conjunto dos números irracionais. Historicamente, o conceito de limite é posterior ao de derivada. Ele sugere da necessidade de calcular li- mites de razões incrementais que definem derivadas. E esses limites são sempre do tipo 0/0. Por aí já se vê que os exemplos interessantes de limites devem envolver situações que só começam a aparecer no Cál- culo depois que os alunos já adqui- rem familiaridade com as funções mais complicadas, como as funções trigonométricas. Aliás, os primeiros limites interessantes a ocorrer no Cálculo são os das funções Com x tendendo a zero. Isso acontece no cálculo de de- rivada da função y = sem x. Mais tarde, no estudo das integrais im- próprias, surge a necessidade de considerar limites de funções como com x tendendo a 1. Observe que, em todos esses casos e outros parecidos, a variável x deve aproximar um certo valor, sem nunca coincidir com esse valor, e que o valor do qual x se aproxima deve ser ponto de acumulação do domínio da função. Essas observa- ções ajudam a bem compreender a definição que damos a seguir. Dada uma função f com domí- nio D, seja a um ponto de acumula- ção de D (que pode ou não pertencer a D). Diz-se que um número L é o li- mite de f(x) com x tendendo a a se, dado qualquer ε > 0, existe δ > 0 tal que. Para indicar isso escreve-se ou lim f(x) = L, omitindo a indicação “x → a” quando for óbvia. A condição pode ainda ser es- crita das seguintes três maneiras equivalentes: As definições de limite e conti- nuidade são gerais e abrangem tam- bém os casos chamados limites à di- reita e à esquerda, bem como conti- nuidade à direita e continuidade à 20 PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA esquerda. Essas noções surgem quando lidamos com uma função f cujo domínio só tenha pontos à di- reita ou à esquerda, respectiva- mente, do ponto x = a, onde deseja- mos considerar o limite. Por exem- plo, a função y = √x tem domínio x ≥ 0; podemos considerar seu limite com x → 0 segundo a definição da- da, porém isso resultará numa apro- ximação de x = 0 somente por valo- res positivos. Daí escrevemos, para enfatizar esse fato, “x → 0 +”. Igual- mente, o limite de √-x com x → 0, será um limite com “x → 0-“. De um modo geral, sendo f uma função cujo domínio D só con- tenha pontos à direita de um ponto x = a, que seja ponto de acumulação de D, então o limite de f(x) com x → a, se existir, será um limite à direita. Ao contrário, se D só contiver pontos à esquerda de x = a, o limite de f(x) com x → a, se existir, será um limite à esquerda. Esses limites são indica- dos com os símbolos respectivamente. Diz-se que f é con- tínua à direita (resp. à esquerda) em x = a se f está definida nesse ponto, onde seu limite à direita (resp. à es- querda) é f(a). Se o domínio de f contiver pontos à direita e à esquerda de x = a, devemos restringir esse domínio aos pontos x > a ou x < a para consi- derarmos seus limites à direita e à esquerda respectivamente. Eviden- temente, para que isso seja possível é preciso que x = a seja ponto de acu- mulação dos domínios restritos. Di- remos que x = a é ponto de acumu- lação à direita do domínio D se ele é ponto de acumulação do domínio restrito a valores x > a; e ponto de acumulação à esquerda se é ponto de acumulação do domínio restrito a valores x < a. Por exemplo a função f(x) = x/│x│, que é igual a =1 se x > 0 e a -1 se x < 0 tem limites laterais em x = 0: Ela será contínua à direita em x = 0 se definirmos f(0) = 1; e será contínua à esquerda nesse mesmo ponto se pusermos f(0) = -1. A definição de limite de uma função se estende aos casos em que, ou a função, ou a variável indepen- dente, ou ambas, tendem a valores infinitos. Dizer que uma variável tende a +∞ significa dizer que ela fica maior do que qualquer número k > 0. Analogamente, x < k, qualquer que seja k, em particular k < 0, é uma “vizinhança de -∞”. 22 PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA 2. O Início do Rigor na Análise Matemática Fonte: Moodle2 desenvolvimento da teoria das funções que apresentamos nesta apostila é obra do século XIX. E só foi possível depois de um longo período (de cerca de um século e meio) de desenvolvimento dos mé- todos e técnicas do Cálculo, desde o início dessa disciplina no século XVII. Até o início do século XIX as ideias fundamentais do Cálculo, como os conceitos de limite, deriva- 2 Retirado em https://moodle.fct.unl.pt/ da e integral, não tinham uma fun- damentação lógica adequada. Os matemáticos sabiam disso e até fo- ram muito criticados em seu traba- lho. A mais contundente e bem fun- damentada dessas críticas partiu do conhecido bispo e filósofo inglês Ge- orge Berkeley, numa publicação de 1734. Houve também respostas a es- sas críticas, bem como, durante todo o século XVIII, tentativas de encon- trar uma fundamentação adequada O 23 PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA para o Cálculo, embora sem maiores consequências. A mais importante dessas tentativas foi a que empreen- der Lagrange no final do século, e que está associada à séries de fun- ções. No século XVIII ainda não ha- via muita motivação para o estudo dos fundamentos. Os matemáticos desse século tinham muito mais do que se ocupar em termos de explorar as ideias do Cálculo, desenvolver no- vas técnicas e usá-las na formulação e solução de problemas aplicados, em Mecânica, Hidrodinâmica, Elas- ticidade, Acústica, Balística, Ótica, Transmissão do Calor e Mecânica Celeste. Em consequência disso, não havia uma separação nítida entre o Cálculo e suas aplicações, entre a Análise Matemática e a Física Mate- mática; e ficava diminuída, ao me- nos em parte, a importância do ri- gor, pois muitas vezes os resultados empíricos já eram um teste do valor desses métodos. Assim, por exem- plo, um problema físico que se tra- duzia numa equação diferencial, co- mo o movimento de um pendulo ou as vibrações de uma corda esticada, já tinha garantidas, por razões físi- cas, a existência e a unicidade da so- lução. Isso está exemplificado na produção científica dos mais impor- tante matemáticos do século, dentre os quais destacam-se Leonhard Euler e Joseph-Louis Lagrange. Não obstante o pouco que se fez, durante todo o século XVIII, em termos de rigor na Análise Matemá- tica, foi em meados desse século que surgiu um doas problemas que se tornou o mais fértil no desenvolvi- mento da Análise no século seguin- te, e que consiste em expressar uma dada função em série infinita de se- nos e cossenos. Mais especificamen- te, dada uma função periódica f, de período 2π, determinar os coeficien- tes an e bn de forma que: Esse problema surgiu em 1753, em situação particular, num traba- lho de Daniel Bernoulli em seu estu- do da corda vibrante, em que se pu- nha a questão de expressar a função que dava o perfil inicial da corda como série de senos. As vibrações de uma corda esticada já haviam sido estudadas por Jean le Rond d’Alem- bert em 1747; e logo em seguida por Euler, depois por Daniel. Tratava-se de determinar uma função de duas variáveis satisfazendo uma equação diferencial parcial, a chamada equa- ção das ondas. Euler achava que o perfil inicial da corda pudesse ser in- teiramente arbitrário. D’Alembert achava que só podiam ser admitidas funções dadas por uma expressão analítica, como um polinômio ou 24 PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA mesmo uma série de potencias; ou em termos dasfunções transcenden- tes familiares, como as funções tri- gonométricas, a exponencial ou lo- garitmo. Isso porque se entendia a derivação como operação que trans- forma as funções umas nas outras segundo um formalismo algébrico bem determinado: xn em nxn-1, sem x em cos x, etc. Como derivar f(x) se ela fosse dada por uma lei qualquer? O modo como Bernoulli tratou o problema diferia bastante dos mo- dos adotados por d’Alembert e Eu- ler. O importante a notar aqui é que essas investigações acabaram envol- vendo seus autores numa controvér- sia inconclusiva, Cada um mantinha sua própria opinião e nada podiam decidir, justamente porque lhes fal- tavam ideias precisas dos conceitos de função e derivada. A questão posta por Bernoulli permaneceu dormente por cerca de meio século até que fosse retomada pelo eminente físico-matemático Jean-Baptiste Joseph Fourier em seus estudos sobre propagação de calor. Nesses estudos surge várias vezes a necessidade de desenvolvi- mentos do tipo. E a possibilidade desse desenvolvimento, em toda a sua generalidade, apresenta-se, no início do século XIX, como um pro- blema central da Análise Matemá- tica. Situações novas apresentadas por Fourier evidenciavam a necessi- dade de uma adequada fundamenta- ção dos métodos usados no trato dos problemas. Era preciso aclarar de vez o significado de “derivar” ou “in- tegrar” uma função, fosse ela dada por uma “fórmula” ou não. “Derivar” não podia significar apenas aplicar uma “lei algébrica” a uma “fórmula”, assim como “integrar” não podia mais ser apenas “achar uma primi- tiva”. Essas maneiras de encarar as operações do Cálculo eram, a partir de então, insuficientes. Cauchy foi o protagonista principal do novo programa de tor- nar rigorosos os métodos da Análise. O ponto de partida de Cauchy em sua fundamentação da Análise foi a definição de continuidade: a função f(x) será contínua em x num inter- valo de valores dessa variável se, pa- ra cada valor de x nesse intervalo, o valor numérico da diferença f (x+a) – f(x) decresce indefinidamente com a. Em outras palavras, f(x) é contí- nua se um acréscimo infinitamente pequeno de x produz um acréscimo infinitamente pequeno de f(x). Essa definição está muito pró- xima da que utilizamos hoje em dia, em termos de ε e δ. Aliás, essa sim- bologia também é devida a Cauchy, que a usa em várias demonstrações, 25 PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA embora ela só se universalize a par- tir da década de sessenta, com as preleções de Weierstrass em Berlim. Karl Weiwestrass estudou di- reito por quatro anos na Universi- dade de Bonn, passando em seguida para a Matemática. Abandonou os estudos antes de se doutorar, tor- nando-se professor do ensino secun- dário em Braunsberg, de 1841 a 1854. Durante todo esse tempo, iso- lado do mundo científico, trabalhou intensamente e produziu importan- tes trabalhos de pesquisa que o tor- naram conhecido de alguns dos mais eminentes matemáticos da época. Um desses trabalhos, publicado em 1854, tanto impressionou Richelot, professor em Königsberg, que este conseguiu persuadir sua Universi- dade a conferir a Weierstrauss um título honorário de doutor. O pró- prio Richelor foi pessoalmente à pe- quena cidade de Braunsberg para a apresentação do título a Weiers- trauss, saudando-o como “o mestre de todos nós”. Weierstrass deixou Braunsberg e passou por vários pos- tos do ensino superior, terminando professor titular da Universidade de Berlim, de onde sua fama se espa- lhou por toda a Europa. Tornou-se um professor muito procurado, que mais transmitia suas ideias através dos cursos que ministrava do que por trabalhos publicados; e dessa maneira exerceu grande influência sobre dezenas de matemáticos que frequentavam suas preleções. A partir de 1856, Weierstrass ministrou diversas disciplinas sobre teoria das funções, às vezes a mesma disciplina repetidas vezes, e vários de seus alunos, que mais tarde se tornariam matemáticos famosos, fi- zeram notas dessas disciplinas, como Adolf Hurwitz, Moritz Pasch e Herman Amandus Schwarz. E mui- tas das ideias e resultados obtidos por Weierstrass estão contidos nes- sas notas ou simplesmente foram di- vulgados por esses seus alunos, por cartas ou em seus próprios trabalhos científicos. Weierstrass, através de suas preleções, exerceu decidiva in- fluência na modernização da Aná- lise. 27 PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA 3. O Cálculo Diferencial Fonte: Vintepila3 iz-se que uma função f, defi- nida num intervalo aberto I, é derivável em se existe e é fi- nito e limite da razão incremental Com x → x0. Esse limite é, por definição, a derivada da fun- ção f no ponto x0. Para indicar esse limite usam-se as notações esta última sendo o quociente de diferen- ciais, como explicaremos logo adi- 3 Retirado em https://www.vintepila.com.br/servicos/ensino-a-distancia/eu-vou-te-ajudar-em-pro- blemas-de-calculo-diferencial/ ante. Em mecânica, onde frequente- mente se consideram funções do tempo t, como s(t), x(t), etc., é co- mum a notação da derivada com a letra encimada por um ponto, como Pondo x = x0 + h, podemos es- crever a derivada das seguintes ma- neiras: D 28 PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA Essa é a derivada no sentido ordinário, o ponto x0 sendo interior ao domínio da função. As noções de derivadas laterais, à direita e à es- querda, são introduzidas de maneira análoga: Essas definições se aplicam mesmo que x0 seja extremo es- querdo ou direito, respectivamente, de um intervalo onde f seria defi- nida. Como exemplo, considere a função f(x) = (√x)3, que está definida somente para x ≥ 0; portanto, não é derivável no sentido ordinário em x = 0. No entanto, existe e é zero sua derivada à direita nesse ponto, pois f(h) – f(0) = h√h. A derivada de uma função f é, por sua vez, uma função do ponto onde é calculada. Podemos, pois, considerar sua derivada, que é cha- mada a derivada segunda de f e indi- cada com as notações . De um modo geral, podemos considerar a derivada de ordem n ou derivada n- ésima, definida recursivamente co- mo a derivada da derivada de or- dem, n -1 e indicada com as notações . Uma função com derivadas contínuas até a or- dem n é chamada função de classe Cn. Reta Tangente Voltemos à razão incremental que representa o declive da reta se- cante PQ, onde P = (x0, f(x0)) e Q = (x, f(x)) como ilustra a figura abaixo. Quando x → x0 o ponto PQ se apro- xima do P e f (x0) é o valor limite do declive da reta secante. Isto sugere a definição de reta tangente à curva y = f(x) no ponto P como aquela que passa por esse ponto e tem declive f (x0). Sua equação, em coordenadas (x, Y), é então dada por: É interessante examinar a na- tureza do contato dessa reta com a curva y = f(x). Para isso, observamos que a diferença de ordenadas da curva e da reta, correspondentes à mesma abscissa x, isto é, f(x) – Y, tende a zero com x → x0. Mas não é só isso; também tende a zero o quo- ciente dessa diferença por x - x0, isto é: 29 PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA Que tende a zero com x → x0. Vemos assim que a diferença de or- denadas f(x) – Y, ou distância entre a curva e a reta tangente ao longo de uma paralela ao eixo OU, tende a zero “mais depressa” que x - x0. Em vista disso dizemos que o contato da curva com a reta tangente no ponto P considerado é de ordem superior à primeira. Outro modo de introduzir a reta tangente consiste em definir essa reta como sendo, dentre as re- tas do feixe pelo ponto P, aquela que tem com a curva um contato de or- dem superior à primeira. Sendo a função derivável,vamos mostrar que essa condição de fato determina a reta tangente univocamente como sendo aquela de equação. De fato, o referido feixe de retas é dado por onde m é um parâmetro variável. A condi- ção de que essa reta tenha com a curva contato de ordem superior à primeira, Diz-se que a função f é diferen- ciável em x = x0 se existe uma reta do feixe que tenha coma curva y = f(x) contato de ordem superior à pri- meira no ponto P = (x0, f(x0)). É imediato que isso implica f derivável em x = x0. Portanto, derivabilidade e diferenciabilidade são aqui concei- tos equivalentes. A Diferencial A diferencial da função f no ponto x0 é definida como sendo o produto dy = f (x0) ∆x, onde ∆x = x - x0. De acordo com esta definição, a diferencial da função identidade, x → x, isto é, dx = ∆x, de sorte que, em geral, dy = f (x0) dx. Daqui segue também que a derivada é o quoci- ente das diferenciais: f (x0) = dy/dx. Mais precisamente, f (x0) = (df/dx) (x0), onde df = dy = f (x0) dx. Pondo ∆y = f(x) – f(x0), é fácil ver que ∆y – dy = f(x) – Y, de sorte que essa diferença ∆y – dy é de or- dem superior à primeira com x → x0, significando isso que ∆y apro- xima dy, tanto melhor quanto mais próximo estiver x de x0. 30 PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA Prova-se, sem dificuldade, que se f e g são deriváveis num ponto x, o mesmo é verdade de f + g e [f(x) + g(x)]’ = f’(x) + g’(x). É igualmente imediato verificar que (af)’ = af’, onde a é uma constante. As deriva- das do produto e do quociente exi- gem mais trabalho e são considera- das a seguir. Se f e g são deriváveis num ponto x, então o mesmo é verdade de fg e (f(x)g(x))’ = f (x)g’(x) + f’(x)g(x). Se, ainda, g(x) ≠ 0, então: No caso do produto, observa- mos que a razão incremental se es- creve: Agora é só fazer h → 0 para ob- termos o resultado desejado. Quanto ao quociente, conside- remos primeiro o caso em que f = 1, ou seja, 1/g. Temos de considerar a razão incremental Cujo limite, com h → 0, pro- duz o resultado desejado. O caso de um quociente geral f/g pode ser tra- tado como produto: f/g = f ∙ 1/g. 31 31 32 PROGRAMA DE ANÁLISE MATEMÁTICA 32 4. Referências Bibliográficas ANTON, H. Cálculo, um novo horizonte, 6ª Edição. Editora Bookman. Porto Ale- gre-RS. 2000. ÁVILA, G. S. S. Análise Matemática para Licenciatura. 3ª Edição. Editora Edgard Blücher Ltda. São Paulo-SP. 2019. FLEMMING, D.M. & GONÇALVES, M.B. Cálculo A. São Paulo: Prentice Hall Brasil, 2006. GUIDORIZZI, H.L. Um Curso de Cálculo. Vol. 1. Rio de Janeiro: LTC, 2001. LEITHOLD, L. O Cálculo com Geometria Analítica. Vol. 1. São Paulo: Harbra Ltda, 1994. MONTEIRO, H. Análise matemática I, apontamentos das aulas teóricas, ESTA, 2004. MUNEM, M. & FOULIS, D.J. Cálculo. Vol. 1. Rio de Janeiro: LTC, 1982. SILVA, J. C. Princípios de análise matemá- tica aplicada. McGraw-Hill, 1994. SIMMONS, G.F. Cálculo com Geometria Analítica. Vol. 1. São Paulo: Makron Bo- oks, 1987. STEWART, J. Cálculo, vol. 1, Pioneira Thomson Learning, São Paulo-SP, 2002. SWOKOWSKI, E.W. Cálculo com Geome- tria Analítica. Vol. 1. São Paulo: Makron Books, 1994. 03 3
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