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TEORIA-MACROECONOMICA-DA-ECONOMIA-ABERTA-Maria-da-Conceicao-Sampaio-de-Sousa

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 TEORIA MACROECONÔMICA 
DA ECONOMIA ABERTA 
 Maria da Conceição Sampaio de Sousa 
 
 Nota – O texto que se segue resume o argumento central do capítulo 30 do 
livro de Mankiw, que tem o título acima. Para facilitar a compreensão do 
argumento, usam-se aqui definições mais familiares ou intuitivas para o leitor 
brasileiro: 
 a) a taxa de câmbio é definida em termos de unidades da moeda nacional 
por unidade de moeda estrangeira (reais por dólar), e não como no livro; 
 b) o investimento estrangeiro líquido é definido como a entrada líquida de 
recursos financeiros e de capital provenientes do exterior, grandeza que é 
rotulada, para evitar confusões, de Investimento Líquido do Exterior no País 
(ILEP). É claro que ILEP = – IEL (sendo IEL o Investimento Externo Líquido — 
Net Foreign Investment — do livro de Mankiw). 
 A adoção dessas definições provoca mudanças em algumas curvas dos 
gráficos reproduzidos no referido capítulo. 
 
 
1. Introdução 
 
 O objetivo do modelo do capítulo 30 é mostrar interações macroeconômicas numa economia 
aberta, isto é, uma economia que tem transações com o exterior. Especificamente, o modelo mostra 
a ligação entre o mercado de fundos de empréstimo, onde se determina a taxa de juros, e o mercado 
cambial, onde se determina a taxa de câmbio. 
 Como vimos antes, diferentes grupos de economistas adotam distintas hipóteses, em seus 
modelos teóricos de macroeconomia. De um lado, os economistas clássicos supõem que exista uma 
tendência para que o produto efetivo iguale o produto potencial, como expresso pela chamada Lei de 
Say: a oferta cria sua própria demanda. Esquematicamente: a produção gera renda e esta gera 
dispêndios, os quais exaurem o produto. Aquilo que não for gasto em bens de consumo será 
 
 
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oferecido no mercado de fundos de empréstimo, e transferido para investidores, que gastarão esses 
recursos em bens de investimento. Pode haver desequilíbrios entre oferta e procura global, mas esses 
serão passageiros, e a ação das forças de mercado tende a corrigi-los. Excluindo esses desequilíbrios 
de curto prazo, o produto efetivo será determinado, num dado período, pelo estoque de recursos 
reais da economia: o capital físico, incorporando a tecnologia disponível, a força de trabalho, 
incorporando o capital humano acumulado, e os recursos naturais. A análise da determinação do 
produto e da renda pode ser feita sem referência ao nível de preços; este é determinado pela oferta e 
demanda de moeda. Isto reflete a chamada “dicotomia clássica”: a separação analítica entre o lado 
real e o lado monetário da economia. O segundo não afeta o primeiro: a moeda é “neutra”, no que 
toca a variáveis reais, como o nível do produto: uma expansão na quantidade de moeda causa apenas 
um aumento no nível geral de preços. As hipóteses clássicas são adotadas, sob uma roupagem 
moderna, por muitos economistas contemporâneos. 
 De outro lado, a visão keynesiana supõe que o produto efetivo possa ser inferior ao produto 
potencial, sem que haja uma tendência à eliminação dessa situação de desemprego de recursos 
produtivos. Existiria uma interação fundamental entre o lado real e o lado monetário da economia: 
movimentos da taxa de juros podem não assegurar que haja um montante de investimento suficiente 
para exaurir o produto, pois, abaixo de um certo nível da taxa de juros, os agentes econômicos 
prefeririam reter moeda (a chamada “preferência pela liquidez”). Nesse caso, o produto de pleno-
emprego só poderia ser atingido por meio de políticas que fizessem aumentar a demanda agregada. 
Enquanto, para os clássicos, a taxa de juros é o preço que equilibra a poupança e o investimento (a 
oferta e a procura de fundos de empréstimo), na perspectiva keynesiana é o preço que equilibra a 
oferta e a demanda de moeda. 
 Num curso introdutório, não é necessário discutir mais a fundo os méritos relativos dessas 
duas posições teóricas. Podemos adotar, para fins didáticos, uma postura eclética: a de que o modelo 
keynesiano nos ajuda a entender situações de desemprego, assim como políticas frequentemente 
adotadas, especialmente nos países mais desenvolvidos, para combatê-lo; enquanto os pressupostos 
clássicos são adequados para analisar tendências de longo prazo da economia. (Ecletismo que aliás 
aparece, apoiado num raciocínio analítico elaborado, em muitos modelos contemporâneos, 
especialmente quando voltados a formulações de política econômica). 
 Dentro dessa perspectiva, o modelo do capítulo 30 adota hipóteses “clássicas”, admitindo-se 
uma separação entre variáveis reais e monetárias (a “dicotomia clássica”). Assim: 
 
 
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� lida-se apenas com variáveis reais (taxa de juros real, taxa de câmbio real); 
� o nível de preços é tomado como um dado; 
� o PIB (real) da economia é também dado. 
 As situações de equilíbrio mostradas no modelo podem ser interpretadas como equilíbrios de 
longo prazo. 
 Para entender as forças que atuam em uma economia aberta, precisamos entender o 
funcionamento de dois mercados. 
 
2. O Mercado de Fundos 
 
 Considere a identidade do produto visto pela ótica do dispêndio, numa economia aberta: 
 Y = C + I + G + X - M 
 Introduzindo os impostos , T, e reorganizando os termos, temos: 
 (Y – T – C) + (T – G) + (M – X) = I 
 Do lado esquerdo, a primeira parcela dá a renda nacional menos os impostos pagos (renda 
disponível), menos os gastos de consumo, ou seja, a poupança privada. A segunda parcela é a receita 
do governo menos suas despesas, ou seja, a poupança do governo. A terceira parcela, as importações 
líquidas (o déficit de Transações Correntes, no balanço de pagamentos) tem como contrapartida a 
entrada líquida de recursos do exterior (dada pelo saldo positivo da Conta de Capital e Financeira, 
incluindo a variação nas reservas internacionais). Essa entrada líquida de recursos, que é o 
Investimento Líquido do Exterior no País, ILEP, pode ser definida como a poupança externa. 
 A poupança privada mais a poupança governamental nos dá a poupança interna (S). 
 Temos, então: 
(1) S + ILEP = I 
 O lado esquerdo da equação acima é a oferta de fundos de empréstimo, enquanto I define a 
demanda de fundos de empréstimo. 
O Investimento Líquido do Exterior no País será influenciado positivamente pela taxa de juros 
real interna, r (para uma dada taxa de juros no exterior, r* ): 
r < r * → ILEP 
 
r > r * → ILEP 
 
 
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A oferta e a demanda no mercado de fundos de empréstimo, numa economia aberta, são 
representadas no gráfico a seguir: 
 
 
À taxa de juros de equilíbrio re , a poupança total (poupança interna mais externa), ou seja, a 
quantidade de recursos financeiros que as pessoas desejam oferecer em empréstimo, é exatamente 
igual à quantidade de recursos que as pessoas desejam tomar emprestado, para investimento. 
 
2. O mercado de câmbio 
 
Vimos que, considerando as duas grandes subdivisões do Balanço de Pagamentos (e supondo 
que a conta Erros e Omissões tenha saldo zero), um déficit em Transações Correntes (por exemplo) 
será necessariamente compensado por um superávit na parte “de baixo” do Balanço, onde se 
registram a Conta de Capital e Financeira e a variação nas Reservas Internacionais. 
Se há saldo positivo nessa parte de baixo, isso é o mesmo que dizer que há uma entrada 
líquida de investimento estrangeiro no país. Isso foi o que definimos acima como Investimento 
Líquido do Exterior no País, ILEP. Podemos escrever: 
(2) M – X = ILEP 
Sendo X = valor das exportações de bens e serviços (incluindo transferências para o país) e 
 M = valor das importações de bens e serviços (incluindotransferências para o exterior) 
 
 (Notar que aqui definimos X e M pelo valor absoluto, não adotando a convenção do balanço 
de pagamentos pela qual M tem sinal negativo). 
 
 
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 Se ILEP > 0 → importações líquidas > 0 → M > X Os estrangeiros estão investindo no Brasil. 
 Se ILEP < 0 → importações líquidas < 0 → X > M Os brasileiros usam o excedente em 
moeda estrangeira para comprar ativos no exterior (inclusive acumulando divisas). 
 Podemos ver os dois lados dessa identidade como sendo cada uma das partes do mercado 
cambial: 
ILEP: quantidade de dólares ofertados, com o objetivo de comprar ativos brasileiros. (Se ILEP é 
negativo, isso significa que brasileiros estão investindo no exterior, ofertando reais e 
demandando dólares). 
M – X : quantidade de dólares demandados para compra de bens e serviços no exterior (além dos 
dólares obtidos como receita de exportação). 
 
 O equilíbrio no mercado de câmbio é dado através da determinação da taxa de câmbio real. 
 Vejamos agora como funcionarão os dois lados desse mercado: 
 A) Oferta: Para simplificar vamos supor que o ILEP só depende da taxa de juros interna (de 
fato, depende da diferença entre a taxa de juros interna e a externa, r – r*; porém estamos 
considerando que a taxa de juros externa seja dada, não varie). Supomos também que os riscos de 
câmbio são baixos ou nulos. Nesse caso, a oferta de dólares é: 
 
 
 
 (onde er é a taxa de câmbio real, medida em R$ / US$1). 
 
 Portanto, a oferta de dólares para a compra de títulos no país não depende da taxa de câmbio 
(supondo que o risco cambial pode ser desconsiderado). 
 
 
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 B) Procura. Vejamos agora o outro lado desse mercado, representado pela demanda de 
dólares (importações líquidas). Quando o real se aprecia, a taxa de câmbio (preço de moeda 
estrangeira) diminui, e nossas importações líquidas (M – X) aumentam. Ao contrário, quando o real 
se deprecia — a taxa de câmbio aumenta — nossas importações líquidas diminuem: 
 
 
 
 Podemos agora colocar juntos os dois lados do mercado: 
 
 
 
3. Equilíbrio em uma Economia Aberta 
 
 Até o momento discutimos a oferta e a demanda em dois mercados — o mercado para fundos 
de empréstimos (créditos / capitais) e o mercado de câmbio. Vamos agora considerar como esses 
mercados se relacionam. 
 
 
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 Podemos notar que o Investimento Líquido do Exterior no País é a ligação entre esses dois 
mercados. Lembrar que: 
 S + ILEP = I e M – X = ILEP 
Mercado de capitais / crédito Mercado de câmbio 
 
 O ILEP, como vimos, varia positivamente com a da taxa real de juros interna: quando esta 
sobe, aumenta o Investimento Líquido do Exterior no País e, portanto, a oferta interna de dólares. 
Graficamente: 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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 Juntando agora os dois mercados: 
 
 
 
 No painel (a) a oferta e a demanda determinam a taxa de juros real da economia . No painel 
(b) a taxa de juros real determina o ILEP; no painel (c), a oferta e a demanda de dólares determinam a 
taxa de câmbio real. Portanto, dois mercados — de capitais /créditos e de câmbio determinam dois 
preços — a taxa real de juros e a taxa de câmbio real. 
 
4. Efeitos de políticas governamentais ou mudanças no comportamento dos agentes. 
 
 Podemos agora utilizar o modelo acima para analisar como algumas situações novas, 
resultantes de mudanças na política governamental ou no comportamento dos agentes, podem 
alterar o equilíbrio macroeconômico. Faremos isso em duas etapas: 
 
 
 
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a) veremos como uma dada situação altera as curva de oferta e de demanda, determinando quais 
as curvas que se alteram, e como; 
b) usaremos os diagramas de oferta e demanda para ver como o equilíbrio nos dois mercados é 
alterado. 
 Analisaremos três situações: a) introdução de políticas que provocam déficits 
orçamentários; b) alterações na política comercial (introdução de tarifas ou quotas de 
importação); e c) fugas de capitais. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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 4.1 Déficits orçamentários 
 
 
 
 É a ideia dos chamados “déficits gêmeos”: um desequilíbrio fiscal tende a causar um 
desequilíbrio nas Transações Correntes do balanço de pagamentos. 
 
 Repetindo: numa economia aberta, um déficit orçamentário tende a aumentar a taxa de juros, 
deslocar a poupança interna, atrair investimento externo, apreciar a moeda nacional e produzir um 
déficit em Transações Correntes. 
 
Análise: o déficit reduz a poupança 
doméstica (dado que T–G se torna 
negativo; o governo agora absorve 
poupança privada), o que faz aumentar a 
taxa de juros. Esse aumento, por sua vez, 
provoca aumento no ILEP (agentes no 
exterior investem mais no país), e portanto 
expande a oferta de dólares, o que 
provoca uma valorização do real (queda do 
preço do dólar) e um aumento de M–X, o 
déficit comercial. 
Portanto: déficit orçamentário → 
 déficit comercial 
 
 
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 4.2 Impactos do estabelecimento de tarifas ou quotas de importação 
 
Déficit de Transações Correntes = M – X = ILEP = I – S 
 
 Como as políticas comerciais não alteram a poupança interna S ou o investimento, os efeitos 
de uma política protecionista, por exemplo, serão, em equilíbrio, essencialmente microeconômicos: 
alguns setores ganham em detrimento de outros. 
 Uma tarifa ou quota de importação reduz a 
demanda de dólares M–X, e portanto reduz o 
preço do dólar, o que tenderá a aumentar as 
importações e reduzir as exportações — 
anulando, no novo equilíbrio, o efeito 
superavitário inicial da tarifa ou quota. 
 Nota-se que a única curva que se desloca é 
a curva de demanda por dólares. Como a oferta 
de dólares não se modificou, M–X também não se 
modificará, a não ser no curto prazo. Quando o 
novo equilíbrio for atingido, o resultado da 
balança de Transações Correntes será o mesmo 
que antes. 
 A conclusão é que políticas comerciais não 
alteram (no longo prazo) a balança de 
exportações e importações. Isto decorre da 
igualdade: 
 
 
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4.3 Instabilidade política e fuga de capitais 
 
Impactos de Fugas de Capitais 
 
 
 Se os agentes econômicos no exterior 
acham que, por algum motivo, aumentaram 
os riscos de investir em nosso país, eles 
desviarão seus investimentos para outros 
países. Para um dado nível da taxa de juros 
interna, reduz-se o influxo de ILEP (a oferta de 
fundos, no gráfico acima, desloca-se para a 
esquerda). A taxa de juros aumenta, reduz-se 
a oferta de dólares no mercado de câmbio, e 
em consequência a moeda nacional se 
desvaloriza (aumenta o preço do dólar).

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