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o poder normativo das agências reguladoras

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA 
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS 
 
 
 
 
THOMAZ ALBALADEJO HALLAM 
 
 
 
 
A EMISSÃO DE NORMAS PELAS AGÊNCIAS REGULADORAS: 
sua validade e seus limites na atualidade 
 
 
 
 
Monografia apresentada ao Curso de Graduação em 
Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, como 
requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em 
Direito. 
Orientador: Prof. Dr. Luis Carlos Cancellier de Olivo 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Florianópolis 
2011
SUMÁRIO 
 
RESUMO ................................................................................................................................... 4 
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 5 
1. A EVOLUÇÃO DA INTERVENÇÃO ESTATAL E OS PRINCÍPIOS DA 
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA .............................................................................................. 7 
1.1 A mudança de paradigma na intervenção estatal ........................................................... 7 
1.1.1 A intervenção e a regulação no feudalismo ................................................................... 7 
1.1.2 A regulação no Estado absolutista ................................................................................. 7 
1.1.3 O Estado liberal ............................................................................................................. 8 
1.1.4 O Estado intervencionista .............................................................................................. 9 
1.1.5 O Estado regulador ...................................................................................................... 10 
1.2 A intervenção do Estado brasileiro ................................................................................. 12 
1.2.1 Breve histórico ............................................................................................................. 12 
1.2.2 Tipos de regulação ....................................................................................................... 13 
1.2.3 A intervenção na ordem econômica na atual Constituição Federal (CF) .................... 15 
1.3 Princípios da administração pública .............................................................................. 16 
1.3.1 Princípio da legalidade ................................................................................................. 17 
1.3.2 Princípio da supremacia do interesse público .............................................................. 17 
1.3.3 Princípio da razoabilidade ........................................................................................... 18 
1.3.4 Princípio da impessoalidade ........................................................................................ 18 
1.3.5 Princípio da publicidade .............................................................................................. 19 
1.3.6 Princípio da moralidade ............................................................................................... 19 
1.3.7 Princípio da eficiência ................................................................................................. 19 
1.3.8 Princípio da proteção ao consumidor ........................................................................... 20 
2. AS AGÊNCIAS REGULADORAS ................................................................................... 21 
2.1 Conceito ............................................................................................................................. 21 
2.2 Histórico ............................................................................................................................ 24 
2.2.3 Histórico no Brasil ....................................................................................................... 26 
2.3 A autonomia das agências reguladoras .......................................................................... 27 
2.3.1 A autonomia estrutural ................................................................................................. 28 
2.3.2 A autonomia econômico-financeira ............................................................................. 29 
2.3.3 A autonomia funcional ................................................................................................. 29 
2.3.4 A pressão sofrida pelas agências reguladoras .............................................................. 30 
2.4 Controle das agências reguladoras ................................................................................. 31 
2.4.1 Controle interno ........................................................................................................... 31 
2.4.2 Controle externo .......................................................................................................... 32 
2.5 As agências reguladoras no direito comparado ............................................................. 33 
2.5.1 França ........................................................................................................................... 33 
2.5.2 Espanha ........................................................................................................................ 34 
2.5.3 Inglaterra ...................................................................................................................... 34 
2.5.4 Argentina ..................................................................................................................... 35 
2.6 As principais agências reguladoras federais .................................................................. 35 
2.6.1 Agência Nacional do Petróleo (ANP) .......................................................................... 35 
2.6.2 Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) ....................................................... 36 
2.6.3 Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) ........................................................ 36 
2.6.4 Agência Nacional do Cinema (Ancine) ....................................................................... 37 
2.6.5 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) ................................................ 37 
2.6.6 Agência Nacional das Águas (ANA) ........................................................................... 38 
2.6.7 Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) .............................................................. 38 
3. A EMISSÃO DE NORMAS PELAS AGÊNCIAS REGULADORAS .......................... 39 
3.1 A separação de Poderes e a emissão de normas pelas agências reguladoras .............. 39 
3.1.1 A separação de Poderes ............................................................................................... 39 
3.1.2 Funções e organização de cada Poder ...................................................................... 40 
3.2 A legitimidade das agências reguladoras para emitir normas ..................................... 43 
3.2.1 A emissão de normas das agências reguladoras como poder delegado ................ 45 
3.2.2 A Natureza Jurídica das normas emitidas pelas agências reguladoras ........................ 46 
3.3 Os limites do poder normativo das agências reguladoras e seu controle .................... 47 
3.3.1 Os limites das normas emitidas pelas agências reguladoras ........................................ 48 
3.3.2 O controle sobre a emissão de normas emitidas pelas agências reguladoras .............. 50 
3.3.3 Casos concretos de controle judicial ............................................................................ 51 
CONCLUSÃO .........................................................................................................................55 
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ...................................................................................... 57 
 
 
 
4 
 
Resumo 
 
 A presente monografia trata da emissão de normas pelas agências reguladoras com 
base na doutrina e em julgados recentes. O Estado atualmente busca regular segmentos 
importantes do mercado e para isso adotou o sistema de agências reguladoras inspirado no 
modelo norte americano. Desde seu surgimento até a atualidade, esse sistema adaptou-se ao 
ordenamento jurídico pátrio e já foi alvo de grandes debates, especialmente sobre o tema em 
questão ‒ a emissão das normas pelas agências reguladoras. Busca-se primeiramente abordar 
a relação de interferência estatal nos mercados e na sociedade analisando a mudança de 
paradigmas ocorrida ao longo do tempo até chegar no atual estágio de regulação para, então, 
serem abordados os princípios que atualmente regem a administração pública. Em seguida, 
dedica-se ao estudo das agências reguladoras propriamente ditas analisando seu conceito, sua 
função, seu histórico, suas características, as formas de controle, as agências no direito 
comparado e, por fim, as agências reguladoras federais em espécie. Esclarecido o instituto das 
agências reguladoras, bem como seu funcionamento, apresentam-se as possibilidades para 
legitimar o poder normativo das agências reguladoras dado pela doutrina para, então, 
analisarem-se os limites impostos a essas normas e seu controle judicial. 
 
Palavras chave: Direito Administrativo. Agências reguladoras. Emissão de normas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
5 
 
Introdução 
 
 As agências reguladoras são um fenômeno recente em nosso país. Surgiram na década 
de 1990 devido à falência do estado interventor e a necessidade de uma nova forma de 
interferência estatal. O estado mínimo seria uma mudança radical demais e a história mostra 
que essa forma de (falta de) intervenção não possui bons resultados, sendo assim, optou-se 
pela regulação do mercado. As agências reguladoras nesse novo contexto de regulação foram 
dotadas de poderes normativos e autonomia para que pudessem exercer suas funções de forma 
neutra e imparcial, mas então surge o debate sobre a legitimação dessas agências para emissão 
de normas, bem como sobre quais os limites do poder normatizador conferido a elas. 
Neste trabalho serão abordados os fundamentos necessários para a compreensão do 
tema para que assim se possa analisar, após estas quase duas décadas de existência das 
agências reguladoras em nosso ordenamento jurídico, como a doutrina e a jurisprudência se 
posicionam a respeito do tema. Seriam as normas emitidas pelas agências reguladoras 
inconstitucionais e contrárias à separação de Poderes? Qual sua natureza jurídica e força 
normativa? Quais os limites estabelecidos para as normas das agências reguladoras? São essas 
questões que este trabalho busca responder. 
Por meio de uma metodologia dedutiva, o trabalho é estruturado em três capítulos. No 
primeiro, e mais abrangente, abordam-se as formas de intervenção estatal ao longo da história 
ocidental, sendo definidas as épocas em que ocorreram e como eram realizadas essas 
intervenções. Após essa análise sobre as agências reguladoras mundiais, parte-se para uma 
breve análise sobre as agências nacionais, até chegar na atualidade para, então, serem 
explicados os princípios que regem a administração pública nacional. 
O segundo capítulo começa com uma análise do conceito das agências reguladoras. 
Em seguida é feita uma relação do desenvolvimento dessa instituição através do tempo, desde 
as suas origens até a atualidade, principalmente nos Estados Unidos, e também sua 
implementação no Brasil. Nesse capítulo também é feito um estudo das funções das agências 
reguladoras, bem como uma abordagem de direito comparado entre diversos países que 
possuem figuras semelhantes às agências reguladoras para então ser feita uma abordagem das 
principais agências reguladoras federais em espécie. 
O capítulo final destina-se a abordar a emissão de normas pelas agências reguladoras, 
sendo que para total compreensão desse tema primeiramente é explicada a divisão de poderes 
constitucionalmente prevista. Em um segundo momento, faz-se uma análise sobre a 
6 
 
legitimidade e a constitucionalidade das normas emitidas frente a esse princípio constitucional 
para, por fim, ser abordado o controle judicial sobre a emissão de normas por meio da teoria e 
de casos concretos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
7 
 
1. A evolução da intervenção estatal e os princípios da administração 
pública 
 
1.1 A mudança de paradigma na intervenção estatal 
 
1.1.1 A intervenção e a regulação no feudalismo 
 
 Após a queda do Império Romano a Europa entrou em um processo de grande 
desintegração e descentralização política, não havendo um novo centro de poder. As pessoas 
passaram então a conviver sob domínio e proteção de senhores em pequemos territórios 
(feudos), nos quais havia certa organização e segurança. As relações eram caracterizadas por 
pessoalidade, lealdade, laços de sangue, honra militar, religião e na troca da utilização do solo 
por proteção e repasse de parte da produção para o grupo dominante. 
 Nessa época a produção era essencialmente agrícola, com técnicas rudimentares, sem 
grandes intelectuais ou administradores, uma vez que a realidade não permitia devido, por 
exemplo, à falta de meios de comunicação, elevadas taxas de analfabetismo etc. Assim, 
Aragão (2009, p. 42) caracteriza as relações sociais da seguinte forma: 
 
A classe dominante formava um conjunto articulado seguindo uma hierarquia 
complexa e dinâmica, que se fazia e se desfazia segundo as relações de força locais. 
Em todos os níveis, havia uma ligação estreita entre o poder econômico, político e 
militar, todos com caráter patrimonial e pessoa. Único elemento de centralização era 
a religião e, consequentemente, o Rei, portador da Palavra de Deus[...]. 
 
 Diante desse contexto, pode-se indicar três principais características na economia: 
1ª ‒ Vassalagem na produção agrícola: era concedido o uso da terra em troca de parte do 
produzido. 
2ª ‒ A atividade econômica urbana era artesanal, fundada em corporações (guildas), que eram 
instituições fechadas, e estabeleciam rígidas normas de ingresso e exercício da atividade. 
3ª ‒ Ausência de diferenciação entre público e privado. 
 
1.1.2 A regulação no Estado absolutista 
 
8 
 
 Com o surgimento das cidades e a queda dos feudos e do sistema feudal, surge uma 
nova classe social: a burguesia. Apoiada pela burguesia, a figura do Rei acaba por concentrar 
em si o monopólio da força e do Direito de maneira absoluta e soberana. 
 O período absolutista corresponde ao renascimento da indústria, do comércio e das 
cidades. A economia continua marcada em larga escala pela produção agrícola, que ainda era 
influenciada pelos valores feudais, podendo o Rei ser agora considerado um grande “senhor 
feudal”. Mesmo com o avanço do comércio e da sociedade, toda atividade ou função político-
administrativa desenvolvida, mesmo a cobrança de impostos, fundava-se na autorização do 
rei, que a emitia como um direito patrimonial seu. 
 O rei, em caráter absolutista, era o único responsável pela regulação e intervenção na 
economia durante esse período, mas, como acima destacado, jamais com o intuito de regrar o 
mercado, incentivá-lo ou torná-lo mais justo, e sim com a intenção de arrecadar para si 
tributos por ser ele o possuinte legítimo de tal direito. 
 
1.1.3 O Estadoliberal 
 
 Com início após a Revolução Francesa, essa fase foi marcada pela ausência de 
regulação econômica. Com princípios liberais, o Estado apenas oferecia aos cidadãos 
garantias mínimas essenciais a não violação de seus direitos. Poucos serviços públicos 
tiveram sua titularidade conferida pelo Poder Público, e mesmo estes logo tiveram o seu 
exercício transferido aos particulares por meio de concessão. 
 O Estado liberal é caracterizado pela clara distinção entre o papel do Estado e a da 
sociedade, podendo ser afirmada a existência de distanciamento entre eles. Os particulares 
eram os que exerciam as atividades públicas, por meio de concessão contratual, sendo as 
interferências do Estado nos negócios privados as mínimas possíveis. 
 Essa distância entre o Estado e a sociedade acabou sendo responsável pelo fim do 
próprio modelo liberal, vindo assim a emergir um modelo intervencionista. Isso deve-se ao 
fato de os indivíduos isolados demandarem da administração pública uma atuação mais 
eficaz, presente e particularizada. 
 Ainda sobre o Estado liberal, Vaz (apud Manoel Afonso, 1985, p.15) utiliza os 
ensinamentos de Adam Smith na obra a Riqueza das Nações para assim explicar: 
 
De acordo com o sistema da liberdade natural só restam ao Estado três funções para 
desempenhar: a) a obrigação de defender a nação contra as violações e ataques de 
9 
 
outras nações independentes; b) a obrigação de salvaguardar todo o membro da 
própria nação contra ataques, mesmo legais, de todos os outros, ou seja, manter uma 
legislação imparcial; c) criar e manter certas instituições públicas cuja criação e 
manutenção não possam ser esperadas da iniciativa privada. 
 
 Para Figueredo (2009, p. 45) “o Estado Liberal caracteriza-se por uma postura 
abstencionista, uma vez que atua de forma neutra e imparcial no que tange a atividade 
econômica.” 
 O que ocorreu foi a queda do modelo liberal, que deu lugar a um novo posicionamento 
do Poder Público em face da economia, agora não mais com o ideal de liberalismo puro, mas 
sim caracterizado pela intervenção em seus variados aspectos e intensidade, de acordo com a 
politica ideológica do governo. 
 
1.1.4 O Estado intervencionista 
 
 Essa forma de participação estatal é caracterizada pela atuação do Estado com a 
finalidade de garantir o exercício racional das liberdades individuais. Ao contrário do que se 
possa pensar, a intervenção não visa ferir os princípios liberais, mas fazer com que o Estado 
possa evitar e repreender os abusos decorrentes do liberalismo puro. 
 Cronologicamente, pode-se considerar que o modelo de Estado intervencionista teve 
início na década de 1930, acentuando-se no segundo pós-guerra e perdurando até a década de 
1970. As doutrinas de John Maynard Keynes são as grandes influenciadoras do modelo 
intervencionista, principalmente sua obra Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, 
que demonstrou como deve-se o nível de emprego, bem como o desenvolvimento 
socioeconômico, em grande parte, às políticas públicas implementadas pelo governo. 
 A política intervencionista pode-se dar de duas formas: diretamente, quando o Estado 
assume a inciativa da atividade econômica na condição de produtor de bens e serviços ao lado 
de particulares; e na forma indireta, quando o Estado atua tributando, incentivando, 
regulamentando ou normatizando a atividade econômica. 
 Durante o Estado intervencionista, o Poder Executivo teve um forte aumento, porque 
na sua busca para atender a todas as demandas, trouxe para si maiores poderes. O direito 
público passa então por uma série de transformações, que podem ser entendidas por meio da 
relativização do modelo hierárquico, na descentralização do aparato estatal e na pluralização 
da produção normativa, não mais concentrando-se no Poder Legislativo. 
10 
 
 Nesse período, enquanto o Estado conseguiu manter todos os serviços funcionando de 
forma satisfatória, também conseguiu reduzir e mascarar os conflitos sociais. Entretanto, 
manter todo esse aparato estatal de produção direta de bens e serviços custa caro e nem 
sempre gerou o retorno necessário. Como consequência natural, o endividamento público 
cresceu sem precedentes e forçou os governos a reduzirem programas de bem-estar social. 
Mesmo tendo reduzido de certa forma o seu endividamento, o Estado reduziu também 
os programas sociais. Além disso, manteve-se a ideia de que o Estado também tem limitações, 
não podendo arcar e exercer de forma satisfatória a exploração direta da economia. 
O gasto com a Segunda Guerra Mundial pôs fim ao período de prosperidade do 
modelo intervencionista, não mais permitindo ao Poder Público atuar da mesma forma. Nos 
países periféricos, esse foi o período do aumento da dívida externa, de desvalorização dos 
produtos colocados no mercado internacional e de redução de ajuda externa. 
Constata-se que, sob o aspecto econômico, a década foi verdadeiramente desastrosa. 
Mas, ao mesmo tempo, não se pode negar que o aumento da participação social e política dos 
cidadãos foi bastante significativa, iniciando uma fase em que o respeito ao princípio 
democrático e aos direitos fundamentais não poderia mais ser afastada. 
Para Figueiredo (2009, p. 46-47) o Estado intervencionista ainda ocorreu de duas 
formas distintas: 
Estado intervencionista social – É aquele no qual a intervenção na atividade 
econômica tem como finalidade garantir que políticas de caráter assistencial sejam efetivadas, 
de forma a reduzir as diferenças sociais, bem como prover os hipossuficientes em suas 
necessidade básicas. 
Estado intervencionista socialista – É a forma máxima de intervencionismo estatal por 
meio de uma política econômica planificada, baseada na valorização do coletivo sobre o 
individual. Os bens de produção são apropriados pela coletividade por meio do Estado, de 
modo que este se torna o único produtor, vendedor e empregador. A livre-concorrência e a 
liberdade de mercado são literalmente substituídas pelo planejamento econômico racional e 
centralizado em torno do Poder Público. 
 
1.1.5 O Estado regulador 
 
Com o insucesso dos modelos intervencionistas o Estado repensou as formas pelas 
quais passaria a interferir na economia com a finalidade de atender a uma infinidade de 
11 
 
demandas que vinham sendo atendidas de forma insatisfatória ou mesmo ignoradas. Na busca 
de soluções, retoma-se a noção de subsidiariedade, a qual, por sua vez, tem como princípio a 
parceria entre o publico e os particulares. 
Tenta-se então reduzir a participação do Estado como ocorria modelo intervencionista, 
porém, retornar ao estado liberal e de mínima interferência seria inviável, pois os mesmos 
problemas voltariam a ocorrer. Dessa forma, o Estado busca se redefinir sem abrir mão dos 
progressos e experiências já obtidos ao longo da sua história. 
Os processos de privatizações são exemplos de medidas adotadas pelos Estados com a 
finalidade de reduzir sua participação direta na economia, mantendo suas funções de ente 
soberano. Porém, isso não poderia ocorrer de modo absoluto, pois, como a experiência do 
liberalismo demonstrara, algumas atividades não poderiam ser adequadamente 
desempenhadas pelo particular. Assim, cumpre ao Estado fomentar essas atividades 
fornecendo os instrumentos necessários ao seu desempenho. 
A globalização teve grande influência nesse processo por meio da internacionalização 
dos fluxos financeiros e da inserção dos países periféricos na economia global. O avanço 
tecnológico, especialmente dos meios de comunicação, inovaram na atividade de gestão 
econômica. 
O Estado adequou suas estruturas à nova ordem econômica internacional, atuando 
assim de forma a regular atividadesprivatizadas, balizar a concorrência, fomentar a oferta de 
serviços e criar oportunidades para o desenvolvimento da atividade privada, incentivando 
também o desenvolvimento tecnológico. Com a estrutura globalizada foi necessário ajustar a 
economia nacional pela regulação de setores fundamentais para o fortalecimento e aumento 
da competitividade. 
Ocorreram diversas privatizações em setores estratégicos para as economias nacionais, 
fortalecendo assim os órgãos e agentes regulatórios. Dispondo de autonomia (variável) em 
relação ao chefe do Poder Executivo, esses agentes passaram a exercer funções de supervisão 
e normatização dos serviços públicos. E por conta da especialidade de cada setor, 
desenvolveram-se ordenamentos setoriais ou seccionais ‒ é a dita setorização da atividade 
reguladora. 
A setorização vem a contornar a crise regulatória que se instaurara no organismo 
estatal, incapaz de normatizar todas as situações que exigiam uma solução do ordenamento. 
Ademais, é o meio encontrado pelo Poder Público para cumprir sua nova função de 
organizador da atividade econômica. O aparato necessário a essa função vem com a criação 
12 
 
das agências reguladoras. A regulação constitui, assim, traço de um modelo econômico 
caracterizado pela intervenção estatal fundada não no exercício da atividade, mas sim em sua 
autoridade. 
1.2 A intervenção do Estado brasileiro 
 
1.2.1 Breve histórico 
 
Primeiramente, deve-se estabelecer um conceito para ordem econômica, sobre a qual 
Figueiredo (2009. p. 113) assim ensina: “Por Ordem Econômica entendem-se as disposições 
constitucionais estabelecidas para disciplinar o processo de interferência do Estado na 
condução da vida da Nação.” 
José Afonso da Silva (2007, p. 787) ensina que a ordem econômica adquiriu dimensão 
jurídica constitucional a partir da Constituição Federal Mexicana de 1917 e, no Brasil, a partir 
da Constituição Federal de 1934, que foi a primeira a consignar princípios e normas sobre a 
ordem econômica. Nessa época, o Estado Brasileiro passou a regular o setor de transporte 
aéreo civil por meio do Departamento de Aviação Civil e, posteriormente, criou o Instituto 
Brasileiro do Café. A Revolução de 30 significou um marco para a história nacional, com a 
passagem do Brasil agrário para o Brasil industrial. No aspecto político, a revolução possuía o 
apoio das elites oligárquicas, unidas às forças emergentes da nova burguesia industrial, das 
camadas médias urbanas e, ainda, dos tenentes, comprometidos com um projeto de reformas 
modernizadoras e autoritárias. 
Sobre a era Vargas, Costa (2008, p. 847) assim ensina: 
 
Nos anos em que Getúlio Vargas esteve fora do governo (1946-1950) não se obteve 
notícias de grandes esforços reformistas no âmbito da administração pública. Porém, 
eleito pelo voto direto nas eleições de 50, em seu segundo governo, Vargas designou 
um grupo de trabalho com a missão de elaborar um projeto de eforma 
administrativa. Porém, nada foi concretizado nesse período, conturbado por golpes, 
visando à tomada do poder, levando inclusive ao desfecho trágico da morte de 
Vargas em 1954. 
 
 Juscelino Kubitscheck de Oliveira, em 1956, assumiu o governo e apresentou as 
primeiras tentativas de reformas na administração por meio da criação da Comissão de 
Simplificação Burocrática e da Comissão de Estudos e Projetos Administrativos com o 
objetivo de promover estudos para a descentralização de serviços, avaliando as possibilidades 
de atribuições a demais órgãos de determinadas competências. Apesar dos esforços de 
13 
 
Kubitscheck e de seu sucessor, João Goulart, jamais foi implementado algum projeto 
concreto, ocorrendo a continuidade do modelo já existente. 
Com a modernização econômica da ordem jurídica e a necessidade de existir a 
regulamentação do mercado financeiro, foi criado o Sistema Financeiro Nacional por meio de 
um Banco Central independente e autônomo do Governo, em 1964. Em 1976, foi então criada 
a Comissão de Valores Mobiliários, uma autarquia federal para a regulação do mercado de 
valores nacional. 
 Com o governo de Fernando Collor de Mello foram dados os primeiros passos para a 
reforma da economia e do Estado por meio de uma importante medida de abertura comercial, 
dando novo impulso para as privatizações. A partir de 1990 o Brasil passou a seguir o modelo 
europeu, em especial o da Inglaterra, para implementar a desestatização da ordem econômica 
por meio da Lei n
o
 8.031/90, que instituía o Programa Nacional de Desestatização e criava 
regras para as privatizações, devolvendo aos particulares a possibilidade de exploração de 
diversos setores da economia. 
 Foi com o governo de Fernando Henrique Cardoso que instaurou-se um amplo debate 
sobre a crise no cenário econômico, bem como sobre a própria Administração Pública e seu 
funcionamento. Nesse contexto, foi criado pelo então Ministério da Administração Federal e 
da Reforma do Estado o plano diretor da reforma do aparelho do Estado. Assim, a 
Administração Pública passou a uma nova visão de administração, uma nova gestão pública, 
que baseia-se em valores de eficiência, eficácia e competitividade. 
 
1.2.2 Tipos de regulação 
 
A regulação pode ser classificada, com base em quem exerce a função regulatória, de 
duas formas distintas: a autorregulação e a heterorregulação. 
 A autorregulação, também chamada de regulação privada é aquela na qual o próprio 
mercado exerce a regulação, não dependendo de intervenções externas. Nessa forma de 
regulação o mercado por si só consegue manter o respeito aos princípios que norteiam a 
ordem econômica, como a livre iniciativa e a liberdade de concorrência. Via de regra, na 
autorregulação não há intervenção estatal, mas isso não significa que o Poder Público não 
esteja presente. Nesses casos, a atuação do Poder Público é de forma preventiva, mediante 
análise dos atos empresariais, a fim de se garantir que não haja desvirtuamento dos 
mecanismos do mercado. 
14 
 
 A heterorregulação, também conhecida como regulação pública, é decorrente do 
Estado, uma vez que ele verifica a necessidade de interferir no mercado a fim de garantir o 
respeito aos princípios da ordem econômica e consertar as falhas verificadas no mercado. 
Qualquer órgão da administração pública pode exercer essa função de garantir o não 
desvirtuamento da ordem econômica, desde que legitimado para tanto. 
 Há, ainda, outro critério de regulação, que utiliza os tipos de regulação, ou seja os 
nichos em que ela pode ocorrer. Segundo esse critério, têm-se as seguintes formas de 
regulação: 
 
1 – Econômica: é aquela exercida com a finalidade de prevenir práticas abusivas, corrigir 
assimetrias informativas em defesa do consumidor e garantir o cumprimento das políticas 
públicas adotadas para condicionamento do exercício do poder econômico por parte dos 
agentes de mercado. A intervenção econômica tem como objetivo final maximizar o setor 
econômico de determinado setor. Temos como exemplo de agentes reguladores econômicos o 
Banco Central e a Agência Nacional do Petróleo (ANP). 
2 – Serviços públicos: a regulação dos serviços públicos tem como objetivo garantir aos 
usuários a adequada prestação de serviços, garantindo a efetiva universalidade na sua 
prestação, bem como uma política de manutenção de preços tarifários com uma margem de 
lucro justa, sem ser abusiva. São exemplo de agentes regulatórios de serviços públicos a 
Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) e a Agência Nacional de Energia Elétrica 
(ANEEL). 
3 – Social: tem como objetivo primário garantir o respeito e a dignidade humana por meio do 
acesso aos bens mínimos necessários à vida em sociedade. Esse é o tipo de regulaçãoque 
define e intervém na proteção do interesse público, nos padrões para a saúde, na segurança e 
nos mecanismos de oferta desses bens. Temos como exemplo a Agência Nacional de 
Vigilância Sanitária (ANVISA) e Agência Nacional da Saúde (ANS). 
4 ‒ Ambiental: tem como finalidade promover a preservação do meio ambiente e a 
coexistência dos agentes econômicos com os agentes naturais, determinando sua exploração 
racional para garanti-los às futuras gerações. Também é nesse tipo de regulação que se 
enquadra o combate à poluição, bem como o incentivo a pesquisas para utilização de técnicas 
não degradantes e o combate a práticas predatórias do meio ambiente. É exemplo de agente 
regulador ambiental o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais 
Renováveis (IBAMA). 
15 
 
5 – Cultural: a função do agentes regulatórios culturais é incentivar a produção cultural 
nacional, garantindo a preservação de patrimônio histórico-cultural do país. A regulação 
cultural é aquela que garante a identidade nacional da população com a sua pátria, evitando 
assim uma invasão de valores e cultura estrangeiros na sociedade. Como exemplo de agentes 
reguladores culturais podemos citar o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional 
(IPHAN) e a Agência Nacional do Cinema (ANCINE). 
 A regulação em si é realizada por meio dos instrumentos de regulação, que são os 
institutos jurídicos que materializam a atividade regulatória estatal. Esses instrumentos podem 
ser assim definidos: 
1 – atos normativos para supervisão e regulação da atividade de caráter setorial; 
2 ‒ mediação entre os interesses dos setores públicos e privados por instrumentos 
jurídicos transacionais e da própria composição extrajudicial; 
3 ‒ exercício do poder de polícia sobre a atividade econômica; 
4 ‒ fomento, estímulo e promoção a determinadas atividades com o intuito de alcançar 
objetivos políticos estabelecidos. 
 
1.2.3 A intervenção na ordem econômica na atual Constituição Federal (CF) 
 
 A intervenção do Estado na ordem econômica pode-se dar por duas formas: a direta, 
na qual o Estado explora as atividades econômicas por si; e a indireta, na qual a função do 
Estado é monitorar a exploração das atividades pelos particulares, intervindo quando for 
necessário, a fim de normatizar, regular e corrigir as falhas do mercado para assegurar o 
interesse e bem da coletividade. 
 A atual CF prevê como regra a intervenção indireta do Estado na ordem econômica 
enquanto a intervenção direta, que encontra-se disposta de forma clara e taxativa no texto 
constitucional, deve ser exercida apenas de forma excepcional. 
 O Estado tem uma tríplice função em relação à ordem econômica, sendo seu 
papel fiscalizar, incentivar e regular, como disposto no art.174 caput da Constituição Federal, 
que diz: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na 
forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante 
para o setor público e indicativo para o setor privado.” (BRASIL, 1988) 
 A regulação exercida pelo Estado deve ser estruturada e somente feita quando se 
configurar estritamente necessária para garantir o respeito aos princípios que norteiam a 
16 
 
ordem econômica. Assim, a regulação de um setor econômico somente ocorre quando há 
falhas de mercado, ou seja, quando o mercado não está em equilíbrio e gera uma situação de 
anormalidade, implicando danos ao processo competitivo e à própria economia. 
 As chamadas falhas de mercado podem ser classificadas em cinco tipos: 
1 – Deficiência na concorrência: ocorre quando não há condições favoráveis no mercado para 
a existência de uma disputa saudável e equilibrada entre os agentes econômicos. Assim, cria-
se um prejuízo do ciclo econômico, pois a produção e a comercialização ficam concentradas 
em apenas um agente (monopólio) ou parte deles (oligopólio), dando a esses agentes o poder 
de controle do mercado respectivo e gerando, indiretamente, dano aos consumidores, que são 
os principais prejudicados. 
2 ‒ Deficiência na distribuição dos bens essenciais coletivos: ocorre quando o mercado não é 
capaz de promover o acesso da coletividade aos bens essenciais para satisfação do mínimo 
necessário à existência, ferindo então diretamente o principio da dignidade humana. 
3 ‒ Externalidades: as externalidades podem ser definidas como danos causados pelas 
condutas dos agentes quando estes não participam do ciclo econômico nem do seu setor de 
atuação, ou seja, as ações dos agentes econômicos causam danos a terceiros, externos a essa 
atividade econômica. Podemos citar como exemplo a geração de poluição. 
4 ‒ Assimetria informativa: ocorre quando o consumidor e/ou o Estado desconhecem como o 
mercado opera ou quando esses detêm informações imperfeitas. que não refletem à realidade 
material do respectivo setor econômico, facilitando assim a prática de condutas abusivas pelos 
agentes econômicos que nele atuam. A assimetria informativa fere diretamente o princípio da 
transparência. Mais uma vez, as consequências refletem-se no consumidor, que acaba por 
desconhecer o funcionamento da cadeia econômica do produto que adquire. Este fato, somado 
a outros, torna o consumidor mais hipossuficiente na relação de consumo. 
5 ‒ Poderio e desequilíbrio de mercado: entende-se essa falha pela relevância do mercado 
para a economia nacional, que pode ser medida por meio de diversos fatores, como o produto 
interno bruto (PIB), a balança comercial equilibrada, a renda per capta e a quantidade de 
empregos gerados. 
 
 
1.3 Princípios da administração pública 
 
17 
 
Antes de passar ao estudo das agências reguladoras propriamente ditas, faz-se 
necessário o estudo dos princípios que as regem para que se tenha clara a ideia que todos os 
atos por elas feitos, bem como a própria criação delas, deve obedecer a tais princípios. 
 
1.3.1 Princípio da legalidade 
 
 Esse princípio se traduz na máxima: o Poder Público só pode agir mediante 
autorização legal. Em outras palavras o, Poder Público submete-se à lei. Sobre esse princípio, 
Di Pietro (2010, p. 63) expõe: 
 
Este princípio, juntamente com o de controle da Administração pelo Poder 
Judiciário, nasceu com o Estado de Direito e constitui uma das principais garantias 
de respeito aos direitos individuais. Isto porque a lei, ao mesmo tempo que os 
define, estabelece também os limites da atuação administrativa que tenha por objeto 
a restrição ao exercício de tais direitos em benefício da coletividade. 
 
No direito brasileiro esse princípio está contido no art. 37 da CF, que dispõe: “Art. 37. 
A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do 
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, 
moralidade, publicidade e eficiência...” (BRASIL, 1988) 
E também está presente no Art.5
o, inciso II, que diz: “[...]II - ninguém será obrigado a 
fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;” (BRASIL, 1988) 
 
1.3.2 Princípio da supremacia do interesse público 
 
 Reflete-se em dois momentos distintos ‒ primeiramente na elaboração da lei 
propriamente dita e depois na execução por parte da administração pública. 
No momento legislativo esse princípio reflete-se na edição de normas por parte do 
legislador, sempre devendo se orientar para a garantia do interesse público, assim vinculando 
de forma direta a administração pública também na sua gestão de forma a respeitar tal 
princípio. 
 Tendo a administração pública o poder de desapropriar, intervir e punir, essas ações 
devem ser sempre em nome do interesse público, isto é, da coletividade, uma vez quevão 
diretamente contra um interesse individual. Caso sejam motivadas por razão particular ou 
privada, haverá um vício no ato da administração pública de desvio de poder ou desvio de 
finalidade, tornando-o ilegal. 
18 
 
 Esse princípio encontra-se positivado no Art. 2
o
 da Lei n
o
 9.784/99, o qual dispõe que 
“A administração pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, 
motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, 
segurança jurídica, interesse público e eficiência.” (BRASIL, 1999) 
1.3.3 Princípio da razoabilidade 
 
Também conhecido como Princípio da proporcionalidade, traduz uma tentativa de 
impor limites à atividade discricionária da administração. Segundo os ensinamentos de Di 
Pietro (2010, p.79): 
 
A decisão discricionária do funcionário será ilegítima, apesar de não transgredir 
nenhuma norma concreta e expressa, se é „irrazoavel, o que ocorrerá quando: 
a) Não dê os fundamentos de fato ou de direito que sustentam; 
b) Não leve em conta os fatos constantes do expediente ou públicos e notórios; 
c) Não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a 
lei deseja alcançar. 
 
Esse princípio encontra previsão no Art. 2
o
 da Lei n
o
 9.784/99, assim como a 
proporcionalidade, e também por meio de diversos incisos desse mesmo artigo, que diz: 
[...]VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e 
sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse 
público. 
IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, 
segurança e respeito aos direitos dos administrados. (BRASIL, 1999) 
 
1.3.4 Princípio da impessoalidade 
 
 Também disposto de forma expressa no caput do Art. 37 da Constituição Federal, tem 
diferentes interpretações pelos doutrinadores. Em um sentido, assim explica Di Pietro (2010, 
p. 67): 
O princípio estaria relacionado com a finalidade pública que deve nortear toda a 
atividade administrativa. Significa que a administração pública não pode atuar com 
vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o 
interesse público que tem que nortear seu comportamento. 
 
Em um sentido diferente, José Afonso da Silva (2007, p. 613) entende que esse 
princípio traduz-se da seguinte forma: “Os atos e provimentos administrativos são imputáveis 
19 
 
não ao funcionário que os pratica, mas ao órgão ou entidade administrativa da administração 
pública, de sorte que ele é o autor institucional do ato” 
 
 
 
1.3.5 Princípio da publicidade 
 
 O Princípio da publicidade exige por parte da administração pública a transparência e 
divulgação dos atos praticados, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas em lei. 
 Encontra-se disposto no caput do Art.37, mas também é possível deduzi-lo por meio 
de diversos incisos do Art. 5
o
, como LX e XIV, que dispõem: 
 
[...] XIV ‒ é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da 
fonte, quando necessário ao exercício profissional; 
LX ‒ a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da 
intimidade ou o interesse social o exigirem; 
 
 A segurança ao acesso de informações acaba por exercer uma forma de controle 
indireta da população sobre a administração pública, uma vez que a mesma tendo 
conhecimento dos atos praticados pode fiscalizar e utilizar-se das diversas formas previstas 
em lei para fazer valerem seus direitos e o bom funcionamento da máquina pública. 
 
1.3.6 Princípio da moralidade 
 
 O Princípio da moralidade, previsto de forma expressa no Art. 37 da Constituição 
Federal, exige da administração pública uma atuação dentro de padrões éticos de probidade, 
decoro e boa fé. 
 É visto por muitos como vago e de certeza duvidosa, sendo muitas vezes confundindo 
com os demais princípios apresentados. Di Pietro (2010, p.78) afirma, entretanto, que por 
meio dos estudos de Agustin Gordillo esse princípio diferencia-se sim dos demais, tendo uma 
existência própria. 
 
1.3.7 Princípio da eficiência 
 
20 
 
 Segundo esse princípio, os agentes públicos devem agir com rapidez, presteza, 
perfeição e rendimento. Diz respeito não apenas à atuação da Administração Pública, mas 
também à própria organização, e sempre busca, por meio de licitações, definir os resultados 
que deseja obter para então poder, de forma eficiente, concretizá-los. Nas operações 
econômicas, é necessário ater-se ao custo-benefício, ou seja, devem ser empregados os meios 
necessários para obter determinado resultado, não podendo haver gastos desnecessários no 
processo. 
 Esse princípio encontra previsão constitucional no Art.37 da CF, bem como no Art. 2
o
 
da Lei n
o
 9.784/99. 
 
1.3.8 Princípio da proteção ao consumidor 
 
No direito brasileiro, tal princípio é assegurado constitucionalmente, entre os direitos 
fundamentais, pelo Art. 5º, inciso XXXII, da CF e sua defesa se encontra entre os princípios 
da ordem econômica: 
 
[...] XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; 
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre 
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da 
justiça social, observados os seguintes princípios: 
V - defesa do consumidor; (BRASIL, 1988, art. 170, V) 
 
 A defesa do consumidor, reconhecida como direito fundamental, também devendo 
nortear a atuação da administração pública, pode ser explicada pelo fato de que em uma 
economia de mercado o acesso ao consumo relaciona-se diretamente à dignidade humana e ao 
exercício de direitos subjetivos. Também presume-se o consumidor como hipossuficiente 
frente ao poder dos agente econômicos detentores de grande influência e poder econômico. 
Portanto, não é concebível uma política regulatória que não tenha como finalidade a 
proteção dos consumidores e a inserção na economia de segmentos excluídos das relações de 
consumo por falta de recursos. 
 
 
 
 
 
21 
 
2. As agências reguladoras 
 
2.1 Conceito 
 
A conceituação de agências reguladoras nem sempre é fácil e completa. Aragão (2009, 
p. 275) as conceitua da seguinte forma: 
 
Autarquias de regime especial, dotadas de considerável autonomia frente à 
Administração direta centralizada, incumbidas do exercício de funções regulatórias e 
dirigidas por colegiado cujos membros são nomeados por prazo determinado pelo 
Presidente da República, após prévia aprovação pelo Senado Federal, vedada a 
exoneração ad nutum. 
 
Para a melhor compreensão desse conceito utilizado por Aragão, cabem algumas 
considerações. Segundo os ensinamentos de Di Pietro (2010, p.428-429), Autarquias são 
entidades da Administração Indireta que exercem serviços determinados, com características e 
efeitos da atividade Administrativa do Estado. Ainda segundo Di Pietro (2010), são 
características das autarquias: 
 
1 – Criação por lei 
Segundo o disposto na Constituição Federal em seu artigo 37, XIX: 
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, 
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de 
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao 
seguinte: 
XIX - somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a 
instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, 
cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação; 
(grifo do autor) 
2 – Personalidade jurídica pública 
As autarquias são pessoas jurídicas,logo possuem direitos e deveres próprios que 
não devem se confundir com o daqueles que as instituíram ou à administram e 
representam; 
3 – Capacidade de Auto administração 
Possuem administração, pessoal, receita e patrimônio próprios; 
4 – Especialização dos fins ou atividades 
Desenvolvem capacidade específica para prestação de serviços em determinada área, 
não podendo exercer atividades diversas nas demais áreas de atuação; 
5 – Sujeição a controle ou tutela 
Forma de garantir que não haverá abuso ou desvios dos fins para qual a autarquia foi 
criada; 
 
Sobre o conceito das agências reguladoras também é importante destacar os 
ensinamentos de Cuéllar (2008, p. 28-29), que alerta para a falta de previsão constitucional 
expressa quanto às agências reguladoras. Sobre o tema, o autor escreve que “a Constituição 
22 
 
somente se refere a órgãos reguladores para os setores de telecomunicação e de petróleo (mas 
não trata da sua independência e nem os denomina “agências”).” Os artigos 21 e 177 da 
Constituição Federal utilizam a expressão “órgão regulador”, como destacamos: 
 
[...]Art. 21. Compete à União: 
XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os 
serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização 
dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; 
[...]Art. 177. Constituem monopólio da União: 
§ 2º A lei a que se refere o § 1º disporá sobre: 
III - a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União; 
(BRASIL, 1988, grifo nosso) 
 
Entretanto, a utilização da expressão “agências reguladoras”, criada pelo legislador, e 
não órgão regulador, prevista na Constituição Federal, não possui qualquer caráter técnico, 
sendo utilizado por mais se aproximar de uma tradução literal do termo existente nos Estados 
Unidos da América (EUA). 
O conceito dado por Figueiredo (2009, p. 150) muito se aproxima daquele aqui já 
exposto: 
Podemos conceituar as agências reguladoras como sendo as entidades públicas 
encarregadas da regulação, politicamente neutra e imparcial, de setores e mercados 
específicos, estabilizando o convívio de interesses políticos, coletivos e privados. 
 
A imagem a seguir ilustra de forma clara o enquadramento das agências reguladoras, 
bem como os interesses que estas devem tutelar. 
 
Figura 1 ‒ Enquadramento e responsabilidade das agências reguladoras 
Fonte: (Figueiredo, 2009) 
 
23 
 
 Podemos então perceber que as agências reguladoras foram criadas com a finalidade de 
normatizar segmentos específicos do mercado, dado ao seu grau de especialização e corpo 
técnico, sempre se mantendo livre de pressões políticas que possam ser exercidas pelos 
governantes que estejam ocupando temporariamente as instâncias dos poderes constituídos. 
 Cuéllar (2008, p.53) escreve sobre o assunto: 
 
A criação das agências reguladoras traz consigo o objetivo de uma regulação 
independente, neutra e imparcial, apolítica e técnica. As agências reguladoras não 
defendem os interesses do governo, nem das empresas reguladas, tampouco os dos 
consumidores. A regulação é objetiva e deve se preocupar com o mais eficiente 
desenvolvimento da atividade econômica... 
 
 Embora muito se fale sobre a regulação dos segmentos nos quais atuam, não podemos 
resumir a palavra regulamentação à simples emissão de normas por parte das agências 
reguladoras. Segundo a lei também compete às agências reguladoras: 
1 ‒ Promover o acesso à atividade: a Constituição Federal consagra como princípios 
da ordem econômica os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. Para sua 
efetivação deve haver um mercado que possibilite a inserção de novos empreendedores e não 
deve haver grandes obstáculos para aqueles que atuam nesse mercado. Nesse contexto, cabe à 
agência reguladora promover o acesso ao mercado, muitas vezes por meio da competência 
cedida pelo poder concedente (União, Estado, Distrito Federal ou Município) por licitações, 
celebrações de contratos, autorizações para exploração de determinado serviço e fiscalização. 
Segundo Cuéllar (2008, p. 55), as agências reguladoras dos setores de energia e de 
telecomunicações (ANEEL e ANATEL) são os exemplos mais claros do exercício dos 
poderes delegados e agem em nome da União. 
2 – Produção normativa: a emissão de normas é inerente ao poder regulamentar, sendo 
sua função básica. As agências reguladoras possuem um corpo técnico altamente 
especializado em sua área de atuação, diferentemente do legislador, que carece desse 
conhecimento mais especifico. Sendo assim, cabe às agências reguladoras emitir normas nos 
respectivos setores de atuação, sendo esse assunto objeto de estudo do capítulo 3 da presente 
monografia. 
3 ‒ Competência para resolver conflitos: para Cuéllar (2008, p.64), as agências 
reguladoras podem também apreciar e desenvolver processos administrativos sem controle 
hierárquico e sem possibilidade de recursos administrativos para a Administração Central. A 
resolução de conflitos por parte das agências reguladoras não se confunde com a atividade 
exercida pelo Poder Judiciário, tampouco pode ser considerada uma atividade jurisdicional (as 
24 
 
decisões das agências não fazem coisa julgada). Essa função das agências reguladoras é uma 
simples competência decisória atribuída aos entes reguladores, que devem buscar resoluções 
amigáveis e são sujeitas à revisão do Poder Judiciário com base no artigo 5, XXXV, da CF 
(1988), que dispõe: “Artigo 5 [...] XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder 
Judiciário lesão ou ameaça a direito” 
 4 – Impor sanções: uma vez que possuem o poder de editar normas e fiscalizar, faz 
sentido que as agências reguladores detenham um poder punitivo para concretizar as normas 
por elas impostas e coibir os variados agentes de más condutas. Podem, as agências 
reguladoras, impor pena pecuniária (multa), advertências, suspenção ou revogação de 
concessões de acordo com o caso fático e com a legislação pertinente. Os princípios do 
devido processo legal, da publicidade, do contraditório e da ampla defesa devem ser 
respeitados, aplicando-se a lei sobre processo administrativo (Lei n
o
 9.784/99) no que couber. 
 
 
2.2 Histórico 
 
O surgimento das agências reguladoras não é uma questão pacifica entre os autores. 
Leila Cuéllar (2008, p.13) afirma que a origens das agências reguladoras ocorreu em 1886 
com a criação da Interstate Commerce Commission, pois este possuía características e funções 
semelhantes com o modelo de agências reguladoras como atualmente as conhecemos, por 
exemplo, a independência e a autonomia orgânica e funcional. 
Entretanto, para Leffeld (2008, p.133) a origem das agências reguladoras é anterior à 
criação da Interstate Commerce Commission, ocorrendo na Inglaterra em 1834 com a criação, 
pelo Parlamento Inglês, de entes dotados de autonomia com o objetivo de concretizar as 
medidas previstas em lei e até mesmo resolver eventuais controvérsias. 
Se não há um consenso sobre a exata origem das agências reguladoras, por outro lado 
não há qualquer dúvida ou posição contrária sobre o desenvolvimento do modelo nos Estudos 
Unidos da América e sua influência nos demais países. 
A implementação e evolução das agências reguladoras nos EUA. pode ser dividida em 
5 fases: 
1ª fase (de 1886 a 1930) – Houve a criação da primeira agency (em português, 
agência) e do modelo de regulação norte-americanos propriamente dito. 
25 
 
Para melhor entender essa necessidade da criação das agencys, temos que entender o 
contexto da época, a qual caracterizava-se por diversos conflitos entre as empresas de 
transporte ferroviários,que devido à liberdade do sistema econômico cobravam tarifas 
excessivas, e os fazendeiros do oeste dos EUA que detinham grande influência e 
pressionaram a assembleia para legislar sobre o tema. Diante dessa situação, foi criada, em 
1886, a Interstate Commerce Commission, a primeira grande agência federal, com o objetivo 
de regular as operações ferroviárias interestaduais. 
2ª fase (entre os anos de 1930 e 1945) ‒ nos anos de 1930 a 1945 a economia norte 
americana estava abalada por uma forte crise. Nesse período as agências interviram de forma 
intensa e constante na economia Essa intervenção ‒ e em até certo ponto, supressão do 
liberalismo ‒ é explicada pela política New deal, liderada pelo presidente Roosevelt. 
O New deal causou um profunda alteração das concepções políticas, sociais e 
econômicas, sendo considerado por Lehfeld (2008, p. 141) “um divisor de águas nas 
concepções acerca das funções governamentais nos EUA”. Dentro dessa nova política e 
concepção o governo central assumiu a responsabilidade pela conformação da atividade 
econômica, produzindo incentivos e até mesmo desenvolvendo atividades econômicas antes 
reservadas a particulares. 
Nesse período foram criadas inúmeras agências federais para atuar em diversos 
setores, como Food and drug administration (FDA) (1931), National Labor Relations Board 
(NLRB) (1935) e a Social Security Administration (SSA) (1935). 
3ª fase (entre 1945 e 1965) – Nessa fase as agências ganharam uma maior legitimidade 
devido edição de uma lei geral de procedimento administrativo, a Administrative Procedural 
Act (APA), que uniformizou o processo de tomada de decisões pelas agências. 
4ª fase (entre os anos de 1965 e 1985) ‒ As agências regulatórias sofrem uma grande 
pressão dos agentes econômicos, que detinham enorme poder e influência. Contrariando o 
mecanismo para qual foram desenvolvidas, as agencys, em vez de exercer pressão e regular o 
mercado, acabam sendo alvo de pressões e influências do setor econômico. Assim, a 
autonomia das agências encontrava-se fragilizada e suas decisões deixaram de ser imparciais, 
uma vez que o conteúdo das suas regulações era determinado pelos agentes econômicos. Os 
grandes prejudicados foram os consumidores. 
5ª fase (1985 em diante) – Após a grande pressão exercida pelos agentes econômicos, 
iniciou-se um processo de reinvenção e redefinição do modelo das agências regulatórias com 
26 
 
a finalidade de garantir maior autonomia a elas, embora ainda sujeitas ao controle externo 
judicial por parte do executivo e do próprio legislativo. 
 
2.2.3 Histórico no Brasil 
 
No Brasil as agências reguladoras surgiram em 1996 com a criação da Agência 
Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) por meio da Lei n
o
 9.427/96. Apesar de ser a primeira 
agência reguladora criada no país, Di Pietro (2010, p. 467) afirma que “No direito brasileiro, 
existem, desde longa data, entidades com função reguladora, ainda que sem a denominação de 
agências.” Como exemplo são citados o Comissariado de Alimentação Pública (1918), o 
Instituto do Açúcar e do Álcool (1933) e o Instituto Nacional do Sal (1940), instituídos na 
forma de autarquias econômicas para regular a produção e o comércio dos respectivos 
produtos e setores. 
Na primeira etapa de criação, as agências reguladoras integravam uma política publica 
orientada a captar investimentos estrangeiros. O governo brasileiro as instituiu para 
regulações de setores cuja expansão era indispensável e que dependiam de investimentos 
estrangeiros, assim, as primeiras agências reguladoras foram criadas em setores de energia 
elétrica, petróleo e telecomunicações. 
A Agência Nacional de Telecomunicação (ANATEL) foi a segunda a ser criada, por 
meio da Lei n
o
 9.472/97, seguida da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e 
Biocombustíveis (ANP), que foi instituída pela Lei n
o
 9.478/97. 
A partir de então houve uma verdadeira expansão no ritmo de criação das agências 
reguladoras, podendo ser considerado um “modismo”, conforme afirma Cuéllar (2008, p.41). 
Ao longo de doze anos, de 1996 até 2008, foram criadas 32 agências reguladoras nos níveis 
federal, estadual, distrital ou municipal, levando muitos a questionarem a real necessidade e 
até a legitimidade de tais agências. 
Para justificar a criação dessas agências é utilizada a distribuição de competências 
instituídas pela Constituição Federal, podendo ser sintetizada da seguinte forma: a 
competência federal esta expressamente prevista na Constituição Federal; aos municípios 
cabe a matéria de interesse local, conforme art. 30, I, da CF, e aos estados cabe a competência 
residual. Há casos de competência concorrente, também previstos na atual CF. 
Embora não exista uma lei única para a criação das agências reguladoras, cada agência 
é instituída por lei própria, e percebe-se que em geral adotam-se características semelhantes 
27 
 
entre elas. Em uma tentativa de uniformizar as agências reguladoras, foi criada a Lei n
o
 9.986, 
de 17 de julho de 2000, que trata sobre o tema dos recursos humanos das agências 
reguladoras, sendo tal lei aplicada inclusive às agências criadas anteriormente a ela. 
Em abril de 2004 o Presidente da República encaminhou ao congresso o Projeto de Lei 
n
o
 3.337/04 com a intenção de criar uma lei geral para as agências reguladoras, sendo o 
objetivo desse projeto de lei dispor sobre a gestão, a organização e os mecanismos de controle 
social das agências reguladoras, redefinindo as suas atribuições, em especial as dos setores de 
petróleo, telecomunicações e transportes. 
 
 
2.3 A autonomia das agências reguladoras 
 
 As agências reguladoras, assim como toda autarquia, são dotadas de autonomia, 
conforme mencionado. Nos ensinamentos de Aragão (2008, p. 331) a expressão mais correta 
para definir essa autonomia seria “autonomia reforçada”, e não independência, como grande 
parte da doutrina utiliza, pois como veremos a seguir as agências reguladoras possuem 
diversas características e peculiaridades que conferem a elas uma ampla autonomia, mas não 
uma real independência, já que ainda são sujeitas a diversas formas de controles. Embora 
muitas vezes empregados como sinônimos pela doutrina, alguns autores, como Aragão, 
gostam de deixar claro que há diferença no uso dessas expressões. 
Sobre a independência das agências reguladoras, França (2010, p. 155) assim escreve: 
 
A autonomia/independência das agências reguladoras federais urge no sentido de 
sua atuação junto aos particulares detentores das responsabilidades delegadas pelo 
Estado. Uma vez que não dependem, tecnicamente, financeiramente ou 
administrativamente de qualquer outro órgão, há condições de estabelecer-se a 
imparcialidade e, consequentemente, a confiança da população em suas decisões, 
assim como a devida fiscalização propriamente dita. 
 
A autonomia das agências já foi também questionada judicialmente, sendo que em 
julgamento ocorrido em 20 de agosto de 1998 foi decidida no Superior Tribunal Federal 
(STF) a sua constitucionalidade por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), 
número 1668-5 MC/DF ‒ DISTRITO FEDERAL, que teve como relator o ministro Marco 
Aurélio. 
Nesse caso, os partidos Partido Comunista do Brasil (PC do B), Partido dos 
Trabalhadores (PT), Partido Democrático Trabalhista (PDT) e Partido Socialista Brasileiro 
28 
 
(PSB) alegaram a inconstitucionalidade dos artigos 8
o
 e 9
o
 da Lei n
o
 9.472/97 ‒ Lei das 
Telecomunicações e Instituidora da ANATEL ‒, que assim dispõem: 
 
Art. 8° Fica criada a Agência Nacional de Telecomunicações, entidade integrante da 
administração pública Federal indireta, submetida a regime autárquico especial evinculada ao Ministério das Comunicações, com a função de órgão regulador das 
telecomunicações, com sede no Distrito Federal, podendo estabelecer unidades 
regionais. 
§ 2º A natureza de autarquia especial conferida à Agência é caracterizada por 
independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato 
fixo e estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira. 
Art. 9° A Agência atuará como autoridade administrativa independente, 
assegurando-se-lhe, nos termos desta Lei, as prerrogativas necessárias ao exercício 
adequado de sua competência. (BRASIL, 1997, grifo nosso) 
 
O STF, por votação unânime, não conheceu de ação direta, quanto aos arts. 8
o
 e 9
o
 da 
Lei n
o
 9.472, de 16 de junho de 1997, assim sendo considerada constitucional a independência 
das agências reguladoras. 
 
 
 
2.3.1 A autonomia estrutural 
 
As agências reguladoras também detêm autonomia orgânica, evitando assim uma 
subordinação hierárquica direta ao Governo Central. Essa autonomia traduz-se também na 
forma de uma autonomia política. Criadas por meio de Lei própria e integrantes da 
Administração Indireta, as agências reguladoras atuam de forma independente da 
Administração Central, devendo seguir as diretrizes por ela estabelecidas, mas com 
discricionariedade em sua atuação. 
 As agências gozam de um corpo técnico próprio, essencial para o desenvolvimento de 
suas funções devido à grande especialidade e segmentação do mercado em que atuam. O 
corpo técnico das agências reguladoras é dotado de vínculo estatutário e, em sua maioria, 
sujeito ao ingresso por meio de concurso público. 
Seus dirigentes são indicados pelo Chefe do Executivo e sabatinados pelo Senado 
Federal. Gozam de prorrogativas de permanência no cargo, podendo ser afastados somente 
em casos de descumprimento das políticas públicas estabelecidas no setor de atuação da 
agência ou pela prática de atos de improbidade administrativa. Esse mandato fixo dos 
29 
 
dirigentes é mais uma forma de garantir a autonomia das agências e a sua neutralidade frente 
a pressões políticas dos agentes por ela regulados. 
 
2.3.2 A autonomia econômico-financeira 
 
 A \utonomia financeira e orçamentaria é outro aspecto da autonomia reforçada que as 
agências detêm. Figueiredo (2009, p. 153) explica a função dessa autonomia da seguinte 
forma: “reduz o risco de captura do regulador pelos interesses tendentes a influenciar 
indevidamente o processo de regulação e impedir sua efetividade.” 
As agências são dotadas de instrumentos econômicos e financeiros próprios, como as 
taxas regulatórias e multas, para sua autogestão, sem depender exclusivamente do Governo 
Central. 
 Sobre a taxa de fiscalização, Cuéllar (2008, p. 99) assim escreve: 
A taxa de fiscalização é cobrada pelas agências reguladoras daquelas empresas que 
por elas são reguladas. Essa taxa de fiscalização possui um valor variável, que é 
fixado de acordo com a atividade desenvolvida por cada mepresa e com o benefício 
econômico anual auferido por ela. 
 
Além disso, possuem orçamento próprio, que é enviado ao ministério ao qual estão 
vinculadas. 
 
2.3.3 A autonomia funcional 
 
 Cuéllar (2008, p. 94) aponta esse aspecto de independência, a autonomia funcional, 
como um dos mais importantes. Nesse sentido a autora escreve: 
 
Cabe a cada ente regulador desempenhar suas atribuições regulatórias (em síntese, 
regulamentação, supervisão e aplicação de sanções) de forma autônoma, sem 
qualquer ingerência externa, por parte do Poder Executivo ou dos demais poderes. 
(CUÉLLAR, 2008, p. 94) 
 
 As agências reguladoras são instituídas por lei para atuarem dentro de determinado 
segmento do mercado, sendo assim, cabe a elas exercer a função regulatória nesse setores 
específicos de forma exclusiva e independente, livre de interferências externas, 
principalmente por parte do Poder Executivo. 
30 
 
A autonomia funcional, especialmente no que diz respeito ao poder normativo, é alvo 
de análise mais profunda no capítulo 3 desta monografia, em que são estudados os limites no 
exercício dessa função das agências reguladoras. 
 
2.3.4 A pressão sofrida pelas agências reguladoras 
 
 Apesar de todas as garantias que as agências possuem no exercício de suas atividades 
e funções, na prática vemos casos como ainda as agências são sujeitas a pressões externas. 
O primeiro caso, trazido por Marçal Justen Filho (JUSTEN FILHO apud CUÉLLAR, 
2008, p. 10) ocorreu em 2002, quando ocorreu a vitória da oposição nas eleições. Nesse ano, 
em meio à crise de abastecimento hídrico causado por longa estiagem, o Governo Central 
assumiu para si competências essencialmente do setor energético, relegando a Agência 
Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) a uma posição secundária. Mesmo sem alterações no 
regime jurídico propriamente dito, a falta de provimento dos cargos de direção e do corpo 
técnico, além do não repasse de recursos, acabaram paralisando a atuação da ANEEL nesse 
período. 
 Outro caso recente em nossa história envolve a Agência Nacional de Aviação Civil 
(ANAC) no período dos anos de 2006 e 2007. O acidente ocorrido com a aeronave da Gol em 
29 de setembro de 2006, a consequente crise aérea e o acidente com a aeronave da TAM em 
17 de julho de 2007 fizeram com que o governo pressionasse diretamente a agência. Como 
consequência, todos os diretores da agência acabaram por renunciar aos seus mandatos, 
conforme divulgou a Folha de São Paulo do dia 31 de outubro de 2007: 
 
O diretor-presidente da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), Milton 
Zuanazzi, confirmou nesta quarta-feira que deixa o cargo, conforme antecipou 
ontem a colunista da Folha Eliane Cantanhêde. 
Desde o dia 24 de agosto, os outro quatro diretores que integravam a diretoria da 
Anac renunciaram aos cargos. Da cúpula da agência, restava só Zuanazzi. (FOLHA 
ONLINE, 2007) 
 
 O diretor da agência à época, Leur Lomanto, escreveu em sua carta de renuncia: 
O corpo técnico da ANAC é composto de técnicos de excelência que sempre 
atuaram no então Departamento de Aviação Civil (DAC) e foram eles que 
respaldaram todas as decisões tomadas pela Diretoria Colegiada da Agência. 
Apesar do ataque sistemático de várias e poderosas forças, a ANAC vem cumprindo 
seu papel com eficiência, não se curvando a pressões, quaisquer que sejam, sempre 
procurando atender ao usuário e proporcionando cenários em que as companhias 
aéreas pudessem competir com regras claras, dentro de uma economia de mercado. 
Se colocada em uma balança isenta de paixões e emoções, a ANAC acertou muito 
mais que errou ao longo de sua trajetória. Por entender que a ANAC deve 
31 
 
permanecer fiel ao seu compromisso de ser uma Agência de Estado e não de 
governo é que venho, neste momento, anunciar minha renúncia ao cargo de Diretor 
da Agência Nacional de Aviação Civil, não sem antes agradecer a minha indicação 
feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aos eminentes senadores que 
aprovaram meu nome no plenário do Senado da República, depois de sabatina na 
Comissão de Infra-Estrutura da mesma Casa. Leur Lomanto Brasília, 06 de 
setembro de 2007. (ESTADÃO, 2007) 
 
 Ambos os casos são aqui utilizados para demonstrar que apesar de todos os 
mecanismos que as agências detêm para exercer suas funções com a maior autonomia e 
imparcialidade possíveis, ainda não são suficientes para garantir o seu sólido trabalho. 
 
 
2.4 Controle das agências reguladoras 
 
2.4.1 Controle interno 
 
 O controle interno é desenvolvido pelos conselhos consultivos, que são órgãos das 
agências nos quais a participação popular se efetiva como decorrência de sua composiçãomista. Nos conselho há representantes do Senado, da Câmara dos Deputados, do Poder 
Executivo, das prestadoras de serviços regulados, das entidades representativas de usuários e 
de entidades que representam a sociedade. 
 As funções desses órgãos e entidades são de caráter consultivo – quanto à fiscalização 
do serviço prestado – e fiscalizador – quanto à atuação do Conselho Diretor. Além disso, 
podem emitir pareceres sobre os projetos das agências, dar aconselhamento quanto à 
prestação de serviços públicos, realizar a apreciação de relatórios e a elaboração de propostas 
concernentes à atuação do Conselho Diretor. 
Outro modo de controle interno é a ouvidoria, que é o órgão incumbido de tecer 
críticas ao funcionamento da entidade, zelar pelo interesse público, opinar sobre a regulação, 
propor a edição de atos normativos, receber queixas, denúncias e sugestões dos administrados 
e, em seguida, encaminhá-las aos órgãos competentes para sanar os problemas ou verificar as 
sugestões apresentadas. 
Assim, a ouvidoria é considerada uma forma de controle interno apesar da necessária 
participação popular, uma vez que trata-se de um órgão integrante da própria agência em 
questão. Como exemplo, traz-se o disposto no sítio da ANAC: 
 
32 
 
A Ouvidoria é o canal de relacionamento da ANAC que recepciona reclamações, 
denúncias, críticas, elogios e sugestões sobre a prestação de serviços da ANAC e de 
seus agentes. Fornece ainda análises visando ao aperfeiçoamento das atividades 
exercidas pelo ente. 
O ouvidor da ANAC é nomeado pelo Presidente da República para exercer mandato 
de dois anos podendo haver prorrogação por igual período. O ouvidor tem acesso 
pleno a todos os documentos e informações e deve atuar com independência e 
autonomia na apuração dos manifestos recepcionados. (ANAC, 2011) 
 
 As demais agências reguladoras possuem disposições muito semelhantes quanto a sua 
organização e funcionamento da ouvidoria, sempre buscando exercer da melhor forma 
possível seus serviços e mantendo um meio de comunicação aberto para todos. 
2.4.2 Controle externo 
 
 As agências reguladoras submetem-se a diversos tipos de controle, de acordo com a 
matéria em questão. 
A administração pública deve sempre buscar a maximização de seus resultados por 
meio do uso eficiente e do não desperdício de seus recursos. As agências reguladoras, mesmo 
possuindo maior autonomia, integram a administração publica, portanto, submetem-se aos 
princípios explicados no capítulo anterior ao desenvolver suas atividades. 
Em matéria orçamentária e financeira, o controle é exercido primariamente pelo 
Tribunal de Contas, ao qual compete verificar se o respectivo órgão regulador respeitou os 
princípios constitucionalmente previstos, como o princípio de eficiência (BRASIL, 1988, 
art.37) e o princípio de economicidade (BRASIL, 1988, art.70). 
O Poder Executivo também exerce certa forma de controle nas agências reguladoras. 
Apesar de sua autonomia, que em muito limita a forma de controle pelo Executivo, segundo o 
art.84, II, da CF, ainda permanece o Poder Executivo como incumbido da direção superior da 
administração pública federal. Pela atual disciplina das agências, a intervenção do Executivo 
sobre a atividade normativa não existe, mas existe intervenção direta por meio da nomeação 
dos dirigentes. 
O Poder Legislativo já começa a exercer o seu controle na própria criação das agências 
reguladoras, que são instituídas por leis próprias. Sendo assim, compete ao Poder Legislativo 
definir os limites de atuação das agências, fixando previamente padrões de atuação e 
atribuindo-lhes competência normativa no momento de sua criação. 
Também cabe ao Legislativo, por meio das Comissões Parlamentares de Inquérito, 
apurar o cumprimento das políticas públicas, dos objetivos e das finalidades da atividade de 
regulamentação a serem alcançados pela agência. Esse controle exercido pelo Poder 
33 
 
Legislativo não pode ser confundido com o controle de mérito administrativo, tampouco pode 
versar sobre o juízo de conveniência e a oportunidade sobre as atividades reguladoras da 
agência. 
O Poder Judiciário, que exerce a atividade e função jurisdicional, é responsável pela 
solução de conflitos e do controle de constitucionalidade. Sendo assim, também exerce uma 
função de controle sobre as agências, especialmente sobre a emissão de normas por elas 
emitidas, tema que será mais aprofundado no capítulo 3 deste trabalho. 
 
 
2.5 As agências reguladoras no direito estrangeiro 
 
Como já exposto, as agências reguladoras brasileiras tiveram como base o modelo 
norte-americano das agencys. Entretando, é objeto de estudo deste capítulo a fomra como 
essas instituições são e como se desenvolveram em alguns outros países, dando ênfase aos 
aspectos da personalidade jurídica, autonomia e previsão legal em cada um dos países a seguir 
‒ França. Espanha, Inglaterra e Argentina. 
 
2.5.1 França 
 
Na França, as agências reguladoras são conhecidas como autoridades administrativas 
independentes e surgiram em 1978 com a Commission Nationale de l’Informatique et des 
Libertés (CNIL) ‒ que é relativa à informática, aos arquivos e às liberdades ‒ embora 
anteriormente a essa data já existissem organismos públicos organizacionais independentes, 
como a Comission Centrale des Banques, criada em 1941. 
Contudo, na França, curiosamente, não há uma personalidade jurídica própria para 
suas agências. Contrariamente ao que possamos pensar, a ausência dessa personalidade 
jurídica própria não significa falta de autonomia, Quermonne (p.218, 1999 in ARAGÃO, 
2008 pag.238) escreve: “Apesar de serem desprovidas de personalidade jurídica, sendo 
orçamentariamente ligadas às estruturas ministeriais, escapam de todo poder hierárquico ou 
tutela”. A autonomia das agências francesas decorre da força com que seus estatutos são 
concebidos de forma a garantir a liberdade decisória das mesmas. 
 Quanto à matéria regulamentar e de emitir normas dessas agências, já foram admitidas 
pelo Conselho Constitucional Francês, exigindo que a lei estabeleça critérios e princípios 
34 
 
determinados para o seu desenvolvimento. Na regulamentação dessas autoridades 
administrativas, ao contrário do que ocorre em diversos países, como o Brasil, a função de 
regulamentar não se limita ao setor econômico, mas abrange também a função de proteção aos 
direitos fundamentais e de proteção dos cidadãos frente à administração pública, portanto, 
indo além do setor econômico. 
 
2.5.2 Espanha 
 
 No sistema espanhol também há a grande influência do sistema americano, que é 
adaptado às realidades e características próprias do direito pátrio. A Espanha sempre contou 
com as figuras de entidades dotadas de personalidade jurídica instituídas pelo Estado, sendo 
denominadas Administração Instrumental, que equivalem a nossa Administração Indireta. 
O surgimento da figura de entidades dotadas de grande autonomia em relação à 
Administração Central ocorreu por volta de 1980. A terminologia de autoridades 
administrativas independentes é equivocada, já que essa independência na realidade é uma 
autonomia real ou reforçada frente à administração em geral. 
A imparcialidade dessas agências é assegurada por meio de uma série de garantias de 
caráter orgânico, por exemplo, a existência de um órgão colegiado tomador de decisões e o 
estabelecimento de prazo certo para o mandato dos dirigentes, além das garantias funcionais, 
como a independência frente às decisões do governo. 
A constitucionalidade desses órgãos também é assunto de debate, uma vez que a 
Constituição Espanhola estabelece em seu artigo 97 que cabe ao Governo a direção de toda a 
administração

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