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29. DIREITO DO IDOSO 29. DIREITO DO IDOSO 0 29. DIREITO DO IDOSO SUMÁRIO: 29.1 Tentativa conceitual – 29.2 Doutrina da proteção integral – 29.3 Estatuto do Idoso – 29.4 Idoso na justiça – 29.5 Alimentos – 29.6 Direito de casar – 29.7 Alienação parental – 29.8 Tutela e curatela – Leitura complementar. Referências legais: CF 230; CC 1.641 II e 1.736 II; L 10.741/03 (Estatuto do Idoso – EI); L 8.842/94 (Política Nacional do Idoso); CP 244; L 11.340/06 (Lei Maria da Penha – LMP) 13. 29.1 Tentativa conceitual A palavra velho é considerada politicamente incorreta e dispõe de conteúdo ofensivo. Daí o uso do vocábulo idoso que, no entanto, também guarda conotação pejorativa. Por isso, há uma série de expressões que tentam suavizar a identificação das pessoas que somente deixaram de ter plena capacidade competitiva na sociedade: terceira idade, melhor idade, adulto maduro, adulto maior etc. Até parece que tal vai fazer alguns anos desaparecerem. Mas é quase como a expressão usada com relação aos automóveis. Não mais se usa carro usado e sim seminovo, ainda que o carro seja o mesmo! Sempre foi alvo de questionamentos com que idade, afinal, alguém se torna um idoso. Com o advento do Estatuto do Idoso esta dúvida se dissipa, pois é reconhecido como idoso a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos (EI 1.º). Aliás, cabe lembrar que o envelhecimento tornou-se um direito personalíssimo! (EI 8.º). 29.2 Doutrina da proteção integral A Declaração Universal dos Direitos do Homem (XXV 1) proclama o direito à segurança na velhice. A Constituição Federal, modo expresso, veda discriminação em razão da idade (CF 3.º IV). Atribui à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar, ao idoso, participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar, bem como garantindo o direito à vida (CF 230). Não se refere, tal preceito, apenas à assistência material ou econômica, mas também às necessidades afetivas e psíquicas dos mais velhos.1 Assegurada assistência social à velhice, independentemente de contribuição securitária, é garantido ao idoso um salário mínimo de benefício mensal, quando comprovado não possuir ele ou sua família condições de prover à própria manutenção (CF 203 V). Determinada a adoção de políticas de amparo aos idosos, devem os programas ser executados, preferentemente, em seus lares (CF 230 § 1.º). Também é deferido, aos maiores de 65 anos, transporte gratuito nos coletivos urbanos. A doutrina da proteção integral ao idoso, de nítido caráter assistencialista, é mais uma tentativa do Estado de desonerar-se de seu dever de proteger seus cidadãos. Como adverte Alice Birchal, outra não pode ser a postura estatal, pois o acanhado e lastimável sistema de previdência social, completamente desestruturado e injusto, não permite solução diferente, senão repassar à família e à sociedade o encargo de cuidar dos idosos.2 29.3 Estatuto do Idoso Para cumprir os desígnios do comando constitucional, o Estatuto do Idoso, em 118 artigos, consagra uma série infindável de prerrogativas e direitos às pessoas de mais de 60 anos, ou seja, aos idosos. Porém, os maiores de 65 anos são merecedores de cuidados ainda mais significativos. O Estatuto se constitui em um microssistema e tem o mérito de reconhecer as necessidades especiais dos mais velhos, estipulando obrigações ao Estado. Deve ser considerado como um verdadeiro divisor de águas na proteção do idoso. Não se trata de um conjunto de regras de caráter programático, pois são normas definidoras de direitos e garantias fundamentais que têm aplicação imediata (CF 5.º § 1.º). Crianças e idosos encontram-se em polos opostos do ciclo existencial, mas ambos, ainda que por motivos diversos, são merecedores de tutela diferenciada. Da mesma forma como existe lei protetiva da criança e do adolescente, também há lei para o idoso. Ambos, avós e netos, recebem proteção diferenciada. E essa proteção não dispensa criterioso exame da situação contextual em que se inserem seus protagonistas.3 Os respectivos estatutos (ECA 98 e EI 43) identificam as mesmas situações que colocam crianças e idosos em situação de risco: I – ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II – falta, omissão ou abuso da família, pais, responsáveis, curador ou entidade de atendimento; e III – sua conduta ou condição pessoal. Assim, como a criança, o idoso também é protegido constitucionalmente. Além de serem indicados os direitos dos idosos, o Estatuto identifica os obrigados a dar-lhes efetividade (EI 3.º caput): É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Somente cabe questionar se a comunidade, a sociedade, o poder público e até mesmo a família estão prontos para assumir essa responsabilidade. Mas não é só. Além de elencar as garantias de prioridade, também o Estatuto veda qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão (EI 4.º). Gera a responsabilidade de pessoas físicas e jurídicas que não observarem as regras de proteção ao idoso (EI 5.º). Fora isso, são assegurados alguns benefícios de ordem econômica: prioridade para aquisição de moradia própria (EI 38); descontos em atividades culturais e de lazer (EI 23); bem como isenção e redução de tarifas nos transportes coletivos públicos (EI 39). Igualmente, é garantido direito à educação, cultura e lazer (EI 20); direito à profissionalização (EI 28) e ao trabalho (EI 26). Quanto à saúde, é deferida atenção integral (EI 15 a 19). A Constituição prioriza o acolhimento do idoso em seu próprio lar (CF 230 § 1.º), sendo-lhe assegurado o direito à moradia digna (EI 37), no seio de sua família natural ou substituta. Para identificar esses conceitos é necessário recorrer ao Estatuto da Criança e do Adolescente, que define família natural como sendo a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (ECA 25). Traz o conceito de família extensa ou ampliada (ECA 25 parágrafo único). Já a família substituta nasce da situação de guarda, tutela ou adoção (ECA 28). Encontrando-se o idoso em situação de risco social, cabe seu acolhimento por adulto ou núcleo familiar (EI 36), instituto que equivale à guarda.4 Em vez de tutela, cabe a curatela, não havendo qualquer impedimento para que ocorra a adoção, instituto que se aplica ao idoso.5 Assim, está garantido à pessoa idosa o direito à convivência familiar e comunitária, mesma prerrogativa de que gozam crianças e adolescentes (CF 227 e ECA 19 ss.). Nos programas habitacionais, o idoso goza de prioridade na aquisição de imóvel para moradia própria, sendo-lhe reservados 3% das unidades habitacionais, que devem preferentemente situar-se no pavimento térreo (EI 38). 29.4 Idoso na justiça O conteúdo abrangente do princípio da proteção integral, que impõe à família garantir, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos do idoso, confere legitimidade a todos os parentes para representá-lo e defendê-lo em juízo. O Estatuto do Idoso sugere a criação de varas especializadas e exclusivas ao idoso (EI 70), sendo garantida prioridade na tramitação dos processos em que figure como interveniente (EI 71). Tal preferência também é assegurada pelo estatuto processual (CPC 1.211-A a 1.211-C). Além do idoso, também são beneficiados os portadores de doenças graves, na tramitação dos procedimentos judiciais e extrajudiciais, em todas as instâncias. Mesmo com o falecimento da parte, prossegue a prioridade em favor do cônjuge ou companheiro sobrevivente. Visando a facilitar acesso à justiça, é assegurado ao idoso foro privilegiado – direito de demandar no foro do seu domicílio (EI 80). Como se trata de competência territorial, inconvenientea definição da competência como absoluta. Deve ser permitido ao idoso abrir mão desta prerrogativa. A expressão legal não consegue afetar a natureza da regra de competência, sob pena de sua intenção protetora ter efeito contrário, podendo desatender aos interesses do autor. Nada pode impedir que alguém, por ter mais de 60 anos, não tenha o direito de propor a ação no domicílio do réu. O Código de Processo Civil empresta duplo efeito aos recursos: devolutivo e suspensivo (CPC 520). Mas, em se tratando de ação envolvendo interesse de idoso, pode o juiz agregar efeito suspensivo aos recursos que não o tenham (EI 85). Trata-se de faculdade concedida ao juiz e não direito assegurado à parte de impedir o cumprimento da sentença antes mesmo de seu trânsito em julgado. Como existe a responsabilização pessoal de quem não observar as normas de prevenção (EI 5.º), o eventual retardamento no julgamento de uma ação pode gerar a responsabilidade pessoal do juiz. É outorgada, ao Ministério Público, legitimidade para atuar como substituto processual (EI 74 III) sempre que o idoso se encontrar em situação de risco (EI 43), sendo obrigatória a sua intervenção em todos os processos, sob pena de nulidade absoluta (EI 77). Ainda aqui não há como afastar a tendência generalizada da jurisprudência de não anular processos quando não evidenciado prejuízo à parte que a lei protege. O Estatuto tipifica um rol de delitos contra o idoso, inclusive o crime de discriminação (EI 96). As ações foram deslocadas aos Juizados Especiais Criminais (L 9.099/95). Nos crimes de ação penal privada, ou pública condicionada à representação, cabe a transação penal (LJE 76) bem como a composição de danos civis (LJE 74). Com relação à competência, para julgar os crimes cuja pena máxima não exceda dois anos (EI 96, 97) – a não ser que o resultado seja a morte (EI 99, caput, 100, 101, 103, 104 e 109) –, por força do art. 61 da L 9.099/95, tratam-se, efetivamente, de infrações de menor potencial ofensivo, a serem conhecidas e julgadas pelo Juizado Especial Criminal. Quanto aos crimes cuja pena máxima for superior a dois e não exceda a quatro anos (EI 94), o procedimento é o da Lei dos Juizados Especiais. São eles: omissão com resultado morte (EI 97, parágrafo único, segunda parte) e os previstos nos arts. 98, 99 § 1.º, 102, 105, 106 e 108 do Estatuto do Idoso. Apesar da grande discussão a respeito desse dispositivo (EI 94), atualmente prevalece o entendimento no sentido de que somente o rito da Lei do Juizado Especial foi emprestado a estas infrações. Ou seja, não houve alteração do conceito de infração de menor potencial ofensivo, nem mesmo nos crimes cuja pena máxima exceda a dois, mas não ultrapasse quatro anos. Também não houve o deslocamento da competência para os Juizados Especiais Criminais, devendo os crimes ser julgados no juízo comum. Do mesmo modo, não são devidos os benefícios da transação penal e da composição dos danos (LJE 74 e 76), sob pena de subversão da mens legis, que é, inegavelmente, a punição mais rigorosa e célere daqueles que praticam, contra idosos, os crimes tipificados no Estatuto do Idoso. Por fim, os crimes cuja pena exceda quatro anos, o juízo competente também é o comum, bem como o procedimento a ser seguido é o comum ordinário (CPP 394 § 1.º I). Quanto à ação penal, sem dúvida, é sempre pública incondicionada (EI 95). A Lei Maria da Penha (L 11.340/06) determina a aplicação subsidiária da lei específica relativa ao idoso (LMP 13). Assim, quando a vítima de violência doméstica contar com mais de 60 anos, não há como aplicar a Lei dos Juizados Especiais. Prevalece sempre a Lei Maria da Penha, em razão de seu caráter ainda mais protetivo. Nesses casos, ainda que a pena máxima cominada ao delito seja inferior a dois anos, jamais se aplica a LJE, nem seu procedimento, nem seus benefícios. 29.5 Alimentos Significativas as novidades introduzidas pelo Estatuto do Idoso no que diz com os alimentos. Na ausência de condições do idoso bem como de seus familiares de lhe proverem o sustento, a obrigação é imposta ao poder público, no âmbito da assistência social (CF 203 e EI 14). Inclusive o direito a alimentos é reconhecido como direito social. (CF 6.º). Trata-se do dever de amparo, nada mais do que a obrigação do Estado de lhe prestar alimentos. Aliás, o valor dos alimentos – pelo menos a quem tem mais de 65 anos – está previamente definido: um salário mínimo mensal (CF 203 V e EI 34). A obrigação alimentar estipulada, mediante acordo referendado pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, constitui título executivo (EI 13), a autorizar o uso da via de executória. A explicitação vem em boa hora. Apesar da clareza da norma processual (CPC 585 II), resiste a jurisprudência, em outorgar aos títulos assim constituídos força executiva para a cobrança pelo rito da prisão (CPC 733). Essa postura é absolutamente contrária à lei, que não faz qualquer ressalva quanto ao procedimento de cobrança. Tratando-se de obrigação alimentar, constituída por título executivo extrajudicial, possível o uso de qualquer dos meios executórios (CPC 732 a 735), sem nenhuma distinção quanto à natureza do título. Portanto, é possível fazer uso da execução pelo rito da coação pessoal (CPC 733) quando a obrigação alimentar decorrer de acordo referendado pelo Ministério Público, Defensoria Pública e advogados das partes. A mais significativa alteração introduzida pela lei foi explicitar que a obrigação de alimentos não é somente solidária, é conjunta, podendo o credor optar entre os prestadores (EI 12). O idoso pode acionar, indistintamente, seus parentes, ou seja, qualquer de seus filhos, netos, irmãos, e até os sobrinhos. O limite é o parentesco colateral de quarto grau. Apesar das críticas que vem recebendo, a assertiva é de todo salutar, solvendo antiga controvérsia doutrinária. Sempre prevaleceu o entendimento de que a obrigação alimentar entre parentes é subsidiária, divisível e não solidária.6 Ainda que seja encargo que tenha origem na solidariedade familiar (CC 1.695), enorme é a dificuldade de considerar que a obrigação tem igual natureza. O fato de estar condicionada à possibilidade de cada prestador – o que decorre do princípio da proporcionalidade – não muda a sua natureza. O que estabelece o Código Civil é a subsidiariedade da obrigação concorrente (CC 1.696 e 1.697). Em sede de alimentos ao idoso, como o credor pode eleger um dos obrigados, o escolhido não pode chamar a juízo os demais obrigados (CC 1.698). Assegurada agora, de modo inquestionável, a solidariedade com relação ao idoso, não há como deixar de invocar a mesma prerrogativa, ao menos em face da obrigação alimentar a favor de crianças e adolescentes. Emprestar tratamento distinto a idosos e jovens, que gozam de proteção especial, principalmente com referência ao mesmo direito – direito à subsistência –, é absolutamente inconstitucional. Passando a obrigação de alimentos a ser regida pela regra da solidariedade (CC 275), necessário reconhecer que surge o direito de regresso entre os alimentantes (CC 283). Por exemplo, acionado somente um dos filhos, pode este buscar o reembolso dos demais filhos pelas respectivas quotas-partes. Tal direito, no entanto, está condicionado à possibilidade de cada um dos devedores solidários. Ainda que a solidariedade ocorra entre todos os parentes, cabe invocar a regra da proximidade (CC 1.696) e só admitir o exercício do direito de regresso contra os parentes do mesmo grau de parentesco. Assim, acionado um filho, pode ele exercer o direito de regresso contra os seus irmãos, mas não, por exemplo, contra os netos do autor. Desse modo, é de admitir-se a solidariedade no âmbito de cada grau de parentesco para o efeito do exercício do direito ao reembolso. 29.6 Direito de casar Ainda que sejam assegurados todos os direitos e garantias ao idoso, mantém-se contra os mesmosinjustificável discriminação. Quem pretender casar após completar 70 anos tem subtraída a plenitude de sua capacidade, pois não pode eleger o regime de bens que lhe aprouver. Absurdamente é imposto o regime da separação legal, que gera a total incomunicabilidade para o passado e para o futuro (CC 1.641 II). Em se tratando de norma protetiva, o mais correto seria estabelecer, de forma obrigatória, o regime da comunhão parcial, que é o vigorante quando os nubentes nada convencionam por meio de pacto antenupcial. Impor o regime da separação obrigatória, inclusive com referência ao patrimônio adquirido após o matrimônio, dá ensejo à ocorrência de perversas injustiças. A limitação à autonomia da vontade por implemento de determinada idade, além de odiosa, é inconstitucional. A restrição à escolha do regime de bens vem sendo reconhecida como clara afronta ao cânone constitucional de respeito à dignidade, além de desrespeitar os princípios da igualdade e da liberdade, consagrados como direitos humanos fundamentais. Em face do direito à igualdade e à liberdade, ninguém pode ser discriminado em função do seu sexo ou da sua idade, como se fossem causas naturais de incapacidade civil.7 Ao se falar no estado da pessoa, toda cautela é pouca. A plena capacidade é adquirida quando do implemento da maioridade e só pode ser afastada em situações extremas e através do processo judicial de interdição (CPC 1.177 a 1.186). É indispensável não só a realização de perícia, mas também é obrigatório que o interditando seja interrogado pelo magistrado. Raros processos são revestidos de tantos requisitos formais. Tal rigorismo denota o extremo cuidado do legislador quando trata da capacidade da pessoa. Diante do casamento, no entanto, tudo isso é olvidado. Quando alguém, após atingir a idade de 70 anos, quiser casar, ainda que não esteja impedido de fazê-lo, não pode dispor sobre questões patrimoniais e escolher livremente o regime de bens. A situação de absoluta injustiça levou o STF, já no ano de 1964, a editar a Súmula 377,8 simplesmente alterando o regime imposto pela lei. Ao ser autorizada a comunhão dos bens adquiridos durante o casamento, acabou o Poder Judiciário tornando o dispositivo legal letra morta, transformando o regime da separação total de bens no regime da comunhão parcial. A reedição da mesma norma no atual Código Civil, sem atentar à orientação da jurisprudência consolidada na súmula, não significa que ela tenha sido revogada. Ainda que algumas vozes tentem sustentar sua derrogação, a jurisprudência continua a invocá-la em face da enorme dificuldade de conviver com o enriquecimento sem causa. Como é vedada a livre escolha do regime de bens quando do casamento do idoso, não incide a mesma vedação com referência a sua alteração do regime (CC 1.639 § 2.º), pelo fato de os cônjuges terem atingido a idade de 70 anos já na vigência do casamento. De qualquer modo, se restrição há no casamento, tal não ocorre na união estável. Como não há qualquer previsão, às claras que os conviventes “idosos” poderiam firmar contrato de convivência elegendo o regime de bens que lhes aprouvesse. No entanto, a jurisprudência vem impondo o regime da separação de bens também na união estável. 29.7 Alienação parental Idade avançada não implica em incapacidade ou deficiência. No entanto, é inegável que traz limitações físicas e psíquicas relevantes. Quando ocorre interferência indevida na livre consciência da pessoa idosa, justifica-se a intervenção estatal. É necessário coibir que alguém próximo ao idoso, que exerce sobre ele algum tipo de influência, aproveite-se de sua fragilidade e passe a programá-lo para que venha a ignorar ou até mesmo odiar seus familiares. Este processo de desqualificação é geralmente praticado quando alguém constitui nova família. O cônjuge, o companheiro ou os filhos desta relação, que convivem com o idoso, tentam desqualificar os filhos ou parentes do relacionamento anterior, evitando a convivência entre eles. Com o passar do tempo, a tendência é de que o próprio idoso acabe aderindo ao processo de desmoralização e descrédito dos familiares e rejeite qualquer tipo de contato. Trata-se do fenômeno chamado de alienação parental. Ainda que tais práticas sejam objeto de lei especial frente a crianças e adolescentes (Lei 12.318/10), flagrada a tentativa de construir injustificável rejeição a alguém com quem o idoso tinha alguma afinidade ou afeição, cabe a aplicação das mesmas sanções. Possível, assim, buscar judicialmente o direito de convivência e, inclusive, a penalização do alienador. Para a fixação do direito de visitas não é necessária a prova da incapacidade do idoso ou o decreto de sua interdição. A comprovação de sua vulnerabilidade e do uso dessas práticas é o que basta. Tanto levadas a efeito em relação a crianças e adolescentes, como com idosos, configura severa violação ao direito fundamental à convivência familiar, prejudicando a subsistência dos vínculos afetivos, a evidenciar verdadeiro abuso moral. Em ambas as circunstâncias, a atuação maliciosa do agente alienador é facilitada em razão da condição de extrema vulnerabilidade do outro, seja por ser criança, seja por ser idoso. A alienação é normalmente provocada por alguém por quem a criança, o adolescente ou o idoso nutre extrema confiança, como um familiar, o cuidador ou pessoa que exerce algum tipo de influência em sua vida. Com o propósito de provocar o afastamento do idoso do núcleo familiar, muitas vezes são utilizados falsos argumentos, como o de que ele está sendo abandonado ou enganado pela família. Como diz Cláudia Barbedo, as manipulações podem vir de ordens diversas, seja pela imputação falsa de crime a um dos familiares, seja pela desmoralização deles. No primeiro caso, o cuidador implanta na memória do idoso que determinado familiar ou familiares é ladrão e, por isso, irá, inevitavelmente, roubar o patrimônio dele, acaso existente e, no segundo caso, faz campanha desmoralizando os outros familiares no sentido de cessar o interesse do idoso por eles e, com isso, afastá-los da convivência em família.9 29.8 Tutela e curatela É assegurado ao idoso um “privilégio”: pode escusar-se do exercício da tutela e da curatela. Ainda que os ascendentes tenham preferência para serem nomeados tutores (CC 1.731 I), quem tiver mais de 60 anos pode declinar da nomeação (CC 1.736 II). Igualmente, se estiver exercendo a tutoria, no prazo de 10 dias, a contar da data em que atingir tal idade, pode eximir-se do encargo (CC 1.738). Quanto à curatela, na ausência de cônjuge ou herdeiro, estão contemplados no rol legal os ascendentes para o desempenho desse encargo (CC 1.775 § 1.º). No entanto, ao idoso aproveita o direito de escusa, pois se aplicam à curatela as disposições concernentes à tutela (CC 1.774). Leitura complementar BARLETTA, Fabiana Rodrigues. A pessoa idosa e seu direito prioritário à saúde: apontamentos a partir do princípio do melhor interesse do idoso. Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões. Belo Horizonte: IBDFAM, 2014, v. 6. nov./dez. p. 73-86. BORGES, Alexandre Walmott; SANTOS, Eduardo Rodrigues dos; MARINHO, Sergio Augusto. O estatuto do idoso – análise sobre a autonomia dos direitos fundamentais da lei em relação aos direitos fundamentais constitucionais. In: CORDEIRO, Carlos José; GOMES, Josiane, Araújo (coords.). Temas contemporâneos de Direito das Famílias. São Paulo: Editora Pillares, 2013. p. 265-286. BRAGA, Pérola Melissa V. Direitos do idoso. São Paulo: Quartier Latin, 2004. CARVALHO JR., Pedro Lino. Da solidariedade da obrigação alimentar em favor do idoso. 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