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Durkheim e a Educação Tura texto integral

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TURA, Maria de Lourdes Rangel. “Durkheim e a Educação”. In:_____. (Org.). Sociologia para Educadores. Rio de Janeiro:Quartet, 2002, pp. 25.62.
Durkheim e a educação
Maria de Lourdes Rangel Tura
INTRODUÇÃO
Émile Durkheim está colocado entre os pais fundadores da sociologia como campo disciplinar específico. Tendo Augusto Comte lhe dado o nome e a posicionado no cume de uma hierarquia das ciências, Durkheim se investiu da tarefa de estabelecer sua especificidade e seus métodos ou "Regras". Nisto se destacou pelo zelo, talvez por estar tateando um campo novo, e na falta de outros parâmetros os foi buscar junto às ciências naturais.
Como problema de fundo havia a indagação de quais seriam os objetos de estudo e as bases da explicação sociológica. Analisou sistemas sociais, estruturas, instituições e as relações entre o indivíduo e a sociedade.
Outro problema básico: como estudar objetos que tinham sido tradicionalmente motivo da especulação filosófica? Como analisá-los sem transbordar para filosofia, sem invadir outros campos das ciências humanas também nascentes, como a psicologia? Os métodos de investigação ou as "Regras" de construção desta nova ciência precisavam ser delineados e Durkheim os buscou ainda na ilusão da neutralidade do pesquisador e na defesa de observações despidas de prenoções, juízos de valor e tomada de posições.
A posição de Durkheim na fundação da sociologia carreou para sua sociologia muitas afiliações, críticas, diferentes leituras, diferentes leitores. Não irei me deter nisto. Neste texto, pretendo apresentar seu pensamento, localizado em seu tempo e espaço, e dirigir o foco para sua abordagem da educação como objeto de estudo da sociologia. Seu esforço de indagar sobre as origens e as funções do fato educativo abriu, como ele mesmo definiu, uma nova divisão neste campo de estudos: a Sociologia da Educação.
Irei centrar a discussão do pensamento de Durkheim em torno de alguns de seus textos que têm maior ligação com o que pretendo estudar. Para facilitar a citação, os livros serão apresentados neste capítulo pôr siglas, assim especificadas: Educação e sociologia -ES; L’ éducaüon morale - EM; As regras do método sociológico -RM; A evolução pedagógica - EP; Da divisão do trabalho social -DT.
Enfim, o que me proponho a fazer é trazer a originalidade de muitas de suas reflexões sobre o social e o olhar desse autor para a sociedade em que viveu. Olhar que traz o filtro de suas posições com relação à ciência, à sociedade e ao momento histórico que presenciou. Olhar pautado por suas preocupações e buscas de soluções para os problemas sociais de seu tempo.
1 - Durkheim e seu tempo
Émile Durkheim nasceu em 15 de abril de 1858 em Epinal, na Loraine, fronteira nordeste da França, filho de uma família de rabinos.
Em 1858, a Europa ainda vivia a lembrança daquela que, em 1848, fora, no dizer de HOBSBAWM (1982), "a primeira e a última revolução européia no sentido (quase) literal" (p. 22). As revoluções de 1848 eclodiram simultaneamente e atingiram todo o centro do continente europeu, como a França, a Confederação Alemã, o Império Austríaco e a Itália. Em poucas semanas todos os governos constituídos naquela região foram derrubados ou perderam suas bases de sustentação e a instabilidade política povoou uma grande extensão territorial. Ou seja, a ordem social e política
fora abalada em seu âmago. Era inegável que se estava presenciando revoluções sociais em que a classe média, trabalhadores pobres, campesinos e intelectuais de esquerda ocuparam a cena política. Fato até então inédito. Os Estados nacionais tiveram a partir daí que fazer concessões, pois esses novos sujeitos políticos passaram a contar na montagem das estratégias políticas.
A França foi, ainda, palco de muita instabilidade política entre 1848 e 1851 com grande movimentação e distúrbios ocorrendo no centro de Paris e envolvendo os diferentes grupos de poder - ligados tanto à burguesia quanto ao proletariado - e que levaram, sucessivamente, à queda de Luís Felipe, à instalação da Assembléia Nacional Constituinte e da Assembléia Legislativa Nacional, à queda do parlamento e restauração do império, como foi bem analisado por MARX (s/d). O que Durkheim irá conhecer depois destes acontecimentos é o período da III República, marcada pêlos problemas de unidade e coesão nacional. O Partido da Ordem, no centro desta instabilidade, tentava articular uma nova ordem social, que a expansão econômico-industrial havia instaurado e que as novas relações políticas demandavam. Permanecia, contudo, uma forte tensão entre os republicanos e seus opositores; entre o clero, que não aderiu aos ideais republicanos, e o crescente anticlericalismo; e, principalmente, a tensão originada das lutas operárias (FILLOUX, 1994). Neste ponto deve-se lembrar que os grupos no poder depois de 1848 estiveram constantemente apreensivos com a possibilidade de uma revolução social e isto explica os excessos cometidos na repressão da Comuna de Paris em 1871.
Durkheim tinha, então, 13 anos.
Em termos internacionais, a nova configuração do poder europeu alcançou uma relativa e provisória estabilidade na segunda metade do século XIX. Pequenas e numerosas guerras entre os Estados europeus se resolveram com brevidade e se proliferaram os acordos, marcados, por exemplo, no Armistício Franco-Prussiano (1871) e na Tríplice Aliança, envolvendo Alemanha, Áustria e Itália (1882).
No campo econômico, este período distinguiu-se pela expansão mundial do capitalismo, acompanhado do processo de colonização e do imperialismo, e da difusão da crença no liberalismo econômico e no valor da ciência e da tecnologia para o progresso material e moral da sociedade. As transformações econômicas e os progressos tecnológicos eram muito visíveis. Os Estados nacionais se fortaleceram e foram implantadas políticas intervencionistas para desgosto dos mais conservadores. Era o modelo de Estado-Nação, coerente com as necessidades de apoio aos grandes projetos expansionistas e de acumulação capitalista e com o crescimento de demandas de políticas públicas, que se dirigiram para o saneamento básico, a saúde e, especialmente, a educação pública. Os emergentes partidos e movimentos operários cuidaram para que os gastos sociais tivessem algum peso na contabilidade dos Estados-Nação.
Entre 1873 e 1896, o mundo capitalista mergulhou em uma prolongada depressão, que atingiu a indústria e o comércio dos países capitalistas. Contudo, HOBSBAWM (1982) afirma que os abalos impostos.às economias dos países centrais neste período foram pequenos, as conseqüências maiores foram observadas nas nações da periferia deste sistema.
Um novo estilo de vida se construía nessas sociedades que privilegiavam o consumo e a abundância. A ciência devia servir à técnica e esta estava voltada para o progresso da indústria. As artes e a literatura encontraram novos motivos nessa realidade que surgia. O mundo se "ocidentalizava" e a cultura burguesa emergente dominava sobre as outras. Observando esse contexto, Durkheim preocupou-se fortemente com a educação moral. Percebia um "culto do individualismo" próprio dessa nova cultura européia que se expandia pelo mundo. Era necessário fortalecer os laços sociais, desenvolver o amor pela coletividade, facilitar a internalização de uma ordem normativa e envolver-se em valores e objetivos comuns, de acordo com suas crenças nas possibilidades do Estado de resolver os problemas da nação.
Foi durante o período de depressão do sistema capitalista do século XIX - que demandou arranjos na economia e a expansão capitalista tomou a feição imperialista - que Durkheim saiu de sua terra natal para empreender um longo percurso de formação intelectual, realizando inicialmente estudos na
École Normale Supérieur, que o colocaram diante da questão da educação ou, mais especificamente, da escolarização, de grande importância na época pela necessidade de expansão do ensino público e organização administrativa do sistema escolar francês, que acompanhavaum movimento que se propagou desde o século XVII e que fez com que a escola viesse a substituir a família e a igreja no ensino dos saberes elementares (HÉBRARD, 1990). Fez estágios junto a laboratórios de psicologia experimental e participou de trabalhos de investigação histórica em cursos de Fustel de Coulanges. O interesse pela história era grande no século XIX e esteve presente nas grandes sínteses da teoria social, como se pode verificar no pensamento de Comte e Marx, que encontraram na investigação da evolução histórica argumentos explicativos da organização social moderna. Para Durkheim, a história foi auxiliar importante da explicação sociológica e de seu método comparativo.
Neste ponto, é interessante acompanhar, em sua trajetória de formação académica e tomada de decisões profissionais, a busca de conciliar suas crenças iluministas no valor da ciência para a solução dos problemas da humanidade e nas possibilidades que se abriam para a ação racionalizada e a preocupação com os problemas sociais que se avolumavam e as tensões políticas provocadas pelas disputas entre os diferentes países europeus. Não parecia tranqüilo com relação ao momento que vivia e, apelando em seus artigos para uma fé nas ciências e na razão, vislumbrava a possibilidade de surgimento de um tempo novo. Nesse sentido, afirmou: "é de maneira inteiramente arbitrária que Comte considera o terceiro estado como estado definitivo da humanidade. Quem pode afirmar que não surgirá outro no futuro?" (RM, p. 103)
Durkheim não esteve alheio às novidades da vida social de seu tempo, pelo contrário, elas deixaram impacto muito forte em seu percurso profissional e tudo isso fez com que dirigisse seu interesse para o campo social e fosse se afastando da psicologia experimental, ciência também de organização recente com a qual teve muito contato no início de sua formação. Acreditava na importância da sociedade como lugar central e irradiador dos valores éticos de uma época. Acreditava que a regulação, realizada no campo social, poderia conter muito dos excessos e desvios da sociedade em que vivia.
No entanto, percebia a contestação feita a seus estudos pêlos "partidários de um individualismo absoluto"(RM, p. 3). Nestes termos, estava principalmente se opondo aos princípios da economia clássica, que tinham como única realidade observável o indivíduo, medida de todas as coisas, e como móvel intrínseco do dinamismo econômico o liberalismo e a livre concorrência. O olhar de Durkheim, então, se dirigia para o Estado e suas leis, segundo ele essenciais para a regulação das ações sociais. A ampliação das atribuições estatais, coerente com a organização do Estado-Nação, alimentavam essas esperanças.
Entre 1879 e 1882, estudou em Ens e se formou em filosofia. Neste momento, Jules Ferry iniciou um processo de secularização do ensino primário, tornando-o um serviço público e estabelecendo, em 1882, a obrigatoriedade de escolarização para as crianças de 7 a 13 anos. Havia nessas reformas o objetivo de reduzir as injustiças sociais associada à idéia do ensino de uma moral autônoma que não fosse baseada na religião. Em 1880, Jules Guesde funda o Partido Operário Francês, que se ramificou entre grupos "coletivistas" de linha marxista e grupos "reformistas" e foi unificado em 1896 por Jaurès, que fora contemporâneo de Durkheim na École Normale Supérieur (FILLOUX, 1994).
Em 1882, fez um concurso de docência em filosofia e foi nomeado professor em Sens e Saint-Quentin. Foi neste mesmo ano que ocorreu a formação da Tríplice Aliança com a incorporação da Itália à Aliança Austro-alemã. A França vivia sua relativa paz, depois do Armistício Franco-Prussiano mas uma tensão político-militar rondava suas fronteiras e neste contexto de arranjos políticos e diplomáticos, como forma de protelação do grande conflito armado do início do século XX. Durkheim deu continuidade à sua formação acadêmica e, certamente, a apreensão diante dessa situação o deixou cada vez mais ligado a seus interesses pela organização social moderna, pelas relações indivíduo e sociedade e as condições de coesão e integração que dão unidade a um grupo. Nessas condições aproximou-se dos trabalhos nas ciências sociais, do pensamento de Comte e Spencer, onde encontrou mais propriamente estudos em filosofia social e não o que distinguiu como a observação e a explicação
próprias da natureza das ciências sociais, conforme destacou Filloux (1994). Sua preocupação com a reforma social se dirigia para o encontro do consenso entre os diferentes segmentos sociais de um mundo marcado pela complexidade/heterogeneidade da divisão do trabalho social.
A busca do consenso era na visão durkheimiana fundamental para a construção do Estado-Nação, na produção do sentido da nacionalidade.
Entre 1885 e 1886, licenciou-se para aprofundamento de estudos. Cursou ciências sociais em Paris e reencontrou, em seu laboratório de psicologia na Alemanha, Wilhelm Wundt, filósofo e psicólogo alemão que realizou estudos de psicologia dos povos e teve muita influência em seus estudos. Nesse período teve também contato com textos de Marx e visitou várias Universidades alemãs. Na volta à França, publicou dois artigos sobre a filosofia social e ciências sociais na Alemanha na Revue Philosophique.
Em 1887, foi nomeado professor de pedagogia e ciência social na Faculdade de Letras da Universidade de Bordeaux, por indicação de Espinas. Por seu intermédio a Sociologia foi introduzida pela primeira vez numa Universidade francesa como matéria de ensino, segundo CUIN e GRESLE (1995). Neste mesmo ano casou-se com Louise Dreyfus. filha de um industrial de caldeiras.
Em 1893, defendeu sua tese de doutorado sobre a "Divisão do trabalho social" e tornou-se titular de sua cátedra em Bordeaux. Um ano depois, publicou na Revue Philosophique uAs regras do método sociológico". Esses dois textos são marcos de sua proposta metodológica para o estudo da sociologia. Estava voltado para a importância das "regras": as regras do método sociológico e as regras que balizam o comportamento social, que dão bases para o desenvolvimento de uma solidariedade orgânica na vigência da divisão do trabalho social. Para Durkheim "os casos anômicos... denunciam a carência de regras que regularizem as relações, tornando-as solidárias" (FERNANDES, 1996, p. 74).
Em 1896, transformou sua cadeira na Universidade de Bordeaux em Cátedra de Ciências Sociais.
Fazendo um paralelo com o que foi registrado sobre a história da segunda metade do século XIX, este ano coincide com o fim da depressão econômica, de acordo com os marcos apresentados por HOBSBAWM (1982). Contudo, apesar da expansão do sistema capitalista e do progresso tecnológico, Durkheim estava, nesse momento, especialmente preocupado com duas questões: o crescente individualismo que a nova ordem social propiciava e a necessidade de fortalecer a educação moral da juventude, como estratégia de contenção dos individualismos e do favorecimento dos processos de humanização realizados nas instâncias da interação social. Era necessário pôr muita coisa em ordem e este valor estava fortemente arraigado em sua sociologia.
Dando prosseguimento à sua carreira profissional, em 1898, fundou o periódico L'Anné Sociologique com alguns discípulos.
Após várias tentativas de ir para Paris, o que dependia de apoio político, foi encarregado do Curso de Ciências da Educação na Sorbonne, em 1902, substituindo Ferdinand Buisson. Nesse período publicou numerosos artigos, entre eles: "Pedagogia e sociologia", "A determinação do fato moral", "Representações individuais e representações coletivas". Foi neste período também que aderiu à Liga dos Direitos do Homem.
Em 1913, sua cátedra na Sorbonne passa a ser denominada Ciência da Educação e Sociologia, realizando enfim o seu interesse
maior de estudo e fazendo a sociologia entrar na Sorbonne pela porta aberta pela ciência da educação.
No fim de sua vida, presenciou em território francês o terror da Primeira Guerra Mundial, onde perdeu, em 1916, seu únicofilho em combate. No ano seguinte veio a falecer.
2 - O estatuto científico da Sociologia
Havia uma questão de fundo para Durkheim: era que se pudesse reconhecer que os fenômenos sociais são passíveis de serem investigados cientificamente, assim como o são os fenômenos físico-químicos e biológicos. Correlato a isso, era necessário demarcar fronteiras e caminhos a seguir. Ou seja, ele pretendia seguir na senda inaugurada por pensadores como Montesquieu, Saint-Simon e Comte que tentaram mostrar a interdependência dos fenômenos da vida social e a urgência de estudá-los a partir da positividade de um saber empírico. Eram os primeiros passos na construção de um novo objeto do conhecimento científico: a sociedade. Ela deveria ser estudada no interior de uma ciência positiva, denominação que afirmava sua contraposição com o saber puramente especulativo da tradição filosófica. A positividade deste saber seria determinada por suas bases empíricas e o esforço de observação desinteressada da sociedade. Ocorre que a sociedade é um objeto de estudo mais complexo e, por isso, mais flexível, como costumava dizer Durkheim, além disso, há que se levar em conta a sua maior aderência às circunstâncias que a cercam. Foi a observação desse aspecto que levou a que muito se discutisse sobre a possibilidade ou não de se estudar cientificamente a sociedade. Para Durkheim, a resposta a essas objeções demandava, por um lado, afirmar a exterioridade do fato social e, por outro, aumentar empenho na sua investigação para que a efetividade dos resultados desse a dimensão da viabilidade da sociologia.
Com efeito, na leitura de seus textos, pode-se verificar o quanto ele se preocupou com a definição do estatuto científico da sociologia e com a demarcação de seu campo como ciência distinta e autônoma. Durkheim, no entanto, percebeu a articulação entre diferentes campos das ciências humanas e sociais. A psicologia social, a história, o direito, a economia eram para ele ciências diferentes da sociologia, mas que poderiam auxiliar no entendimento dos fatos sociais. Fez uso de muitas contribuições da análise psicossocial e histórica nos estudos sociológicos e em seus textos a respeito da educação, pode-se observar que freqüentemente se utilizou de termos e conceitos próprios da psicologia como a transmissão e assimilação de conhecimentos, as aptidões e os desejos, ou a moderação dos desejos - que é um dos fins da educação moral - ao se referir às práticas pedagógicas e às funções da educação.
Enfim, na visão durkheimiana só se poderia pensar no estudo dos fenômenos sociais no campo da ciência se fosse possível concebê-los como algo de real e existente fora das consciências particulares, ou seja, como realidade coletiva, externa ao indivíduo, que o ultrapassa e se impõe sobre ele. Para Durkheim, as sociedades, assim como os fenômenos naturais, são ordenadas e reguladas por certas leis ou tendências gerais e necessárias e que, por isso, se deve proceder à análise das relações de causa e efeito entre os fenômenos sociais. É, assim, que se pode antever algumas tendências futuras.
Em seus diversos textos, Durkheim se mostrou preocupado em dar indicações minuciosas de seus procedimentos de análise e também em apresentar os limites de seu trabalho, posto que, segundo ele, estava lidando com uma ciência jovem que tinha que se ater a um conjunto ainda precário de dados acumulados e a um desenvolvimento teórico ainda iniciante. Por isso, acreditava que seria mais viável naquele momento a investigação de normas cristalizadas, instituições consolidadas e sistemas de regras morais estabelecidas.
Os métodos de investigação das ciências naturais, já bastante desenvolvidos no século XIX, foram a base de onde partiu. Essa gênese marcou muito a linguagem de sua sociologia e do que se produziu posteriormente. Pode-se notá-la em termos recorrentes como: espécies de sociedade, sistemas, organismo social, funções e formas de regulação. Os métodos experimentais da psicologia, a que Durkheim teve bastante acesso participando de atividades de laboratório, também tiveram influência em seu pensamento. Contudo, esteve interessado em distinguir os métodos e as leis próprias da sociologia, sempre se referindo à natureza sui generis da sociedade e, portanto, a impossibilidade de redução dos fatos sociais aos fatos psicológicos e afirmando que os fatos sociais só podem ser explicados por outros fatos sociais.
A sociologia é para Durkheim a ciência das instituições sociais, de sua gênese e de seu funcionamento. Instituições, no caso, entendidas em seu sentido largo que abrange também as crenças, valores e comportamentos instituídos. Por isso, ele pensou que a sociologia podia e devia auxiliar na compreensão das instituições pedagógicas e a "conjeturar o que devem ser elas, para o melhor resultado do próprio trabalho" (ES, p. 88). Esta compreensão deve conduzir o pesquisador à análise de práticas sociais. Pode-se verificar isto quando afirma que "os estudos devem recair sobre fatos que conheçamos, que se realizem e sejam passíveis de observação" (ES, p. 58).
Para se compreender o funcionamento de uma instituição social, ele diz ser necessário estudá-la em seu desenvolvimento histórico, posto que suas partes foram sendo constituídas progressivamente em processos que tiveram origens diversas e foram se agregando de maneira a se apresentarem com a morfologia que conhecemos.
A evolução histórica é determinada pelas leis da evolução e depende de "combinações objetivas, definidas no espaço" (RM, XVII). Com relação à sociedade importa observar a tendência mais geral ou dominante.
2.1 - O fato social
A afirmação da exterioridade dos fatos sociais acompanhou o esforço deste sociólogo em distinguir o lugar, a perspectiva, a dimensão própria da sociologia. O fato social devia estar desembaraçado de razões e impulsos pessoais, das consciências individuais e de todo o conjunto de idéias longamente formuladas pela filosofia a respeito da vida em sociedade.
Posto que nascemos no interior de uma sociedade organizada, estruturada de acordo com uma lógica de posições e regulação, com valores, normas e costumes instituídos, numa sociedade já pensada, elaborada, constituída, pode-se aquilatar o quanto ela impõe sobre nós o estabelecido. Durkheim põe aí a cunha de sua observação para afirmar que o fato social deve ser entendido como tendo existência exterior aos indivíduos. É certo que a sociedade não pode existir sem as pessoas, que lhe dão substrato, contudo o todo social não é a soma de suas partes. É nesse sentido que Durkheim dizia, se referindo à organização escolar:
Cada classe, com efeito, é uma pequena sociedade, e será preciso que ela seja conduzida como tal - não como se fosse uma simples aglomeração de indivíduos independentes uns dos outros. Em classe, as crianças pensam, sentem, agem de modo diverso do que quando estejam isoladas (ES, p. 74).
Quando os indivíduos deixam de estar isolados e se associam, se produzem transformações que redundam em uma organização de outra natureza, diferente da psicológica. Há, pois, uma especificidade, uma dimensão própria do fato social.
O fato social é "toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior" (RM, p. 11) e a regra primeira para sua observação é considerá-lo como coisa. Envolvê-lo de prenoções, preconceitos, paixões e conceitos formulados em diferentes campos da reflexão humana afasta a possibilidade de tê-lo como um dado - na qualidade de data - que se constitui como ponto de partida para a explicação sociológica. Por isso, é preciso entendê-lo em sua exterioridade e objetividade, que são atributos próprios de sua natureza. A exterioridade do fato social determina a possibilidade de tê-lo como objeto de observação, de percebê-lo nas pistas que deixa evidentes e em seus sinais visíveis.
Os fatos sociais se constituíram a partir de causas externas, que se processaram no concurso de grupos em interação, na pluralidade de consciências e como obracoletiva e que, por isso, têm ascendência sobre os indivíduos.
O que se destaca neste ponto de forma mais evidente é o poder imperativo e coercitivo dos fatos sociais. Apesar do conformismo social comportar uma série de variações pessoais, a ação social se realiza num campo estruturado em maneiras de agir, pensar e sentir, exteriores ao indivíduo e que se impõem a ele quer se queira ou não. Isso se pode sentir mais perfeitamente quando se tenta transgredir as regras e convenções e as sanções sociais manifestam-se, então, com toda sua força e efetividade.
Os fatos sociais são também coisas ignoradas, posto que, apesar de estarmos convivendo com eles, os apreendemos a partir de formas não metódicas, de uma penetração acrílica, de impressões confusas. Para conhecê-los cientificamente é necessário que se utilize criteriosamente o método científico e se vão realizando procedimentos ligados à observação, à experimentação, à análise do tempo histórico e social de constituição dos fenômenos sociais. Dessa forma, se está intentando estudar como as coisas se dão no contexto de seu tempo e espaço, marcado pelas crenças e valores de uma organização social que determina formas de ver, sentir e pensar, que são forjadoras de símbolos que se imbricam na consciência coletiva e produzem representações coletivas.
2.2 - A explicação sociológica
A constituição da sociologia como campo de conhecimento científico exigiu a elaboração de um quadro teórico, que desse corpo a um conjunto de conceitos e modelos de investigação. Estes seriam os passos necessários à realização de uma explicação sociológica.
Em seu texto "Educação e sociologia", Durkheim descreve de forma minuciosa como realizava esse trabalho. Na visão durkheimiana, há duas perspectivas no processo de construção de teorias explicativas no campo sociológico. Uma é a investigação da forma como se constituíram as instituições, a outra é a explicação de suas formas de funcionamento. Ao se comparar diferentes modelos de organização da educação em tempos históricos diversos, se irá encontrar as leis que comandam a evolução dos sistemas, as causas que determinam seu desenvolvimento e suas conseqüências. O que se tem que ter em vista, no entanto, é que "é preciso buscar separadamente a causa eficiente que o produz e a função que desempenha" e "o que é preciso determinar é se há correspondência entre o fato considerado e as necessidade gerais do organismo social" (RM, p. 83). O método por excelência para tal empreendimento é o método comparativo, que caracteriza uma experimentação indireta de variações e combinações de fatos e das relações de causalidade que se possam induzir, posto que os fenômenos sociais escapam à ação direta do pesquisador.
No processo de explicação sociológica, deve haver o cuidado de não se falar na sociedade num sentido genérico, mas em sociedades, que podem ser classificadas em diferentes espécies, como os vegetais e os animais. Assim, é possível escapar da sensação de um conjunto confuso de sociedades históricas e encontrar unidades reunidas em uma tipologia, que condensa semelhanças e diversidades. No estudo histórico comparativo interessa aprender as características comuns, o que é possível de se realizar pela observação, definição dos termos, análise e categorização. O cuidado com a observação criteriosa e a descrição minuciosa dos fatos possibilitará se constituir tipos de educação, tipos de religião, tipos de família etc. em "sociedades da mesma espécie" e alcançar a explicação das condições necessárias para a constituição das propriedades características de uma instituição e como umas derivam das outras. Ou seja, para que os fatos observados possam ser classificados faz-se necessário que se tenha especial interesse pêlos aspectos que indicam certa homogeneidade e regularidade.
Finalmente o pesquisador deve realizar um conhecimento desinteressado. Melhor dizendo, o conhecimento deve ser procurado por si mesmo, deve expressar o que a realidade é, o que são as coisas, independente de um julgamento prévio. Assim, o esforço da sociologia da educação é no sentido de refletir sobre os processos da ação educativa no intento de conhecê-los, explicá-los e exprimir a sua natureza, o que deve ser acompanhado pela observação histórica do seu processo evolutivo.
O conhecer a sociedade em que se vive e as suas necessidades é essencial para que se possa estar ciente do que nos cerca, dos movimentos que conduzem o mundo e a cada um de nós e, tendo por base o conhecimento científico da sociedade e da educação, é possível encontrar caminhos para a tomada de decisões ou as reformas sociais. No dizer de Durkheim:
Pode-se, pois, esperar que a sociologia, ciência das instituições, nos auxilie a compreender melhor o que são as instituições pedagógicas e a conjeturar o que devam ser elas, para melhor resultado do próprio trabalho (ES, p. 88).
2.3 - A distinção entre educação e pedagogia
Como um parâmetro de entendimento da concepção durkheimiana de sociologia como estudo científico da sociedade, é interessante acompanhar a discussão de Durkheim a respeito da distinção entre ciência da educação e pedagogia.
A pedagogia não estuda cientificamente os sistemas de educação. Ela serve para apreciar as ações, valorá-las e dirigi-las. Os planos de educação, entendidos como modelos, são teorias práticas que não podem fornecer uma visão teórica dos sistemas educativos. Essas teorias práticas, elaboradas de forma abstrata e sem um processo mais cuidadoso de observação da realidade, distanciam-se, por vezes, do que se constitui como necessidades c leis sociais e. por isso, afirmam doutrinas novas que não são orientadas pela prática pedagógica, nem por aquilo que no campo social é refletido nas representações coletivas, nas instituições educativas e em suas bases morfológicas.
A sociologia da educação é uma forma de conhecimento diferente daquele que produz as teorias pedagógicas exatamente por que estas últimas, "por vezes, distinguem-se das práticas em uso, a ponto de se oporem a elas francamente" (ES, p. 57). No entanto, a educação pode ser objeto de uma ciência positiva, baseada na realidade, na evidência dos fatos e para tal se deve ter por fundamento a pesquisa e buscar, primeiramente, fatos exteriores ao indivíduo e que sejam passíveis de observação. Isso porque:
Uma ciência define-se por seu objeto, o que faz supor que exista, que possa ser claramente definido; de qualquer modo, que se possa determinar o lugar que na realidade ocupe (ES, p.: 58).
A educação é um processo contínuo, enquanto que a pedagogia é intermitente. Há povos que não tiveram uma pedagogia. Todos, no entanto, considerando uma determinada espécie de sociedade em um determinado tempo de sua evolução, estabeleceram um conjunto de práticas educativas, que se constituem em fatos perfeitamente observáveis, em instituições sociais.
Aí estão, então, as bases da sociologia da educação na visão durkheimiana.
3 - A concepção de homem
Na concepção durkheimiana de homem há, de pronto, um esforço de distinguir os aspectos psicológicos dos sociológicos e, neste aspecto, é usual a referência ao indivíduo, como fenômeno psicológico. É o que se pode constatar, quando Durkheim diz que:
Separamos o reino psicológico do reino social, do mesmo modo que os espiritualistas separam o reino psicológico do biológico; como eles. recusamos explicar o mais complexo pelo mais simples (RM, p. XVII).
Num outro sentido, a idéia genérica de homem e de um ideal de homem decorre de representações coletivas, entendidas como a "maneira pela qual o grupo se enxerga a si mesmo nas relações com os objetos que o afetam" (RM, p. XXVI). De acordo com a visão durkheimiana, uma concepção de homem é construída progressivamente, de acordo com as lentas transformações que se dão no interior das organizações sociais, e há uma correspondência entre o ideal de homem e as necessidades sociais de um tempo e lugar. Assim:
Resulta desses fatos que cada sociedade faz do homem certo ideal, tantodo ponto de vista intelectual, quanto do físico e moral; que esse ideal é, até certo ponto, o mesmo para todos os cidadãos (ES, p. 40).
O que está sendo, então, destacado é que o ser humano não tem uma natureza fixa e imutável. Pela observação histórica, Durkheim analisou diferentes realidades sociais e, para exemplificar a partir do que interessa mais precisamente a esse estudo, vale destacar seu magnífico estudo sobre a evolução pedagógica na França (EP), onde se verifica que a prática educativa acompanhou as transformações sociais que foram sendo forjadas lentamente e no bojo dessas mudanças uma nova concepção de homem e sociedade se produziu. Assim, nas mudanças de estruturas sociais que se operaram nas instituições da Idade Média e a fizeram transitar para a Renascença e a Idade Moderna, uma nova concepção de homem e de seu lugar no mundo surgiu. Como disse Durkheim:
Essa noção de Escola... só podia nascer quando se formaram povos para os quais a verdadeira marca da cultura humana consiste não na aquisição de certas práticas e costumes mentais dados, mas sim numa orientação geral da mente e da vontade; isso é quando os povos tinham alcançado um grau suficiente de idealismo (EP, p. 36).
Pode-se, neste ponto, inferir uma certa passividade do sujeito durkheimiano, entendido como fenômeno mais simples que a sociedade e como produto de suas transformações e concepções. Durkheim entende que o indivíduo é o substrato do social, porém esse mesmo social se impõe sobre ele porque o precede e o sucede e porque é do social, de suas tendências e necessidades que ele extrai sua natureza e suas formas de ser e fazer.
Na explicação dessa dinâmica, afirmou que em cada indivíduo subsistem dois seres: o ser individual c o ser social. O ser individual é constituído dos estados mentais que se relacionam apenas consigo mesmo e com os acontecimentos de sua vida pessoal. Esse ser é mais primitivo no homem e possui uma natureza egoísta e associai. O ser social é "constituído de um sistema de idéias, sentimentos e hábitos que exprimem em nós, não a nossa individualidade, mas o grupo ou os diferentes grupos dos quais fazemos parte" (ES, p. 41-2). O ser social não nasce com o homem, ele terá que ser criado. Nesse sentido, o homem ao nascer é uma tabula rasa. O ser humano não está predestinado a assumir qualquer característica ou disposição. Ele não é, pois, fruto de um desenvolvimento espontâneo e natural. "Não há nada em nossa natureza congênita que nos predisponha a tornar-nos, necessariamente, servidores de divindades, ou de emblemas simbólicos da sociedade" (ES, p. 42). É a vida em sociedade, a convivência com o seu grupo, as diferentes formas de comunicação social e associação que irão progressivamente fazer com que o indivíduo internalize um conjunto de maneiras de ser, pensar e agir que são próprias de seu meio e o indivíduo irá se conformar por elas pelo que trazem de vantagens e de valor na constituição de sua humanidade, pois que, sem o arcabouço social, o homem "retornaria à condição de animal" (ES, p. 46). Se faltar ao indivíduo todo o patrimônio de conhecimentos acumulados, da ciência produzida, dos sistemas de classificações, de idéias, de fórmulas, de valores, de técnicas e, especialmente, a linguagem própria do grupo, ele não poderá sobreviver como ser humano. Tudo isso resulta da cooperação, do aproveitamento da experiência, do legado de cada geração que é conservado c que produzem atributos humanos comuns. Assim. Durkheim não vê oposição entre sociedade e indivíduo, pois uma idéia depende da outra, a grandeza de um é a grandeza do outro.
O indivíduo está preso por um laço moral à sociedade e à mercê de correntes sociais, que lhe são externas e só ganha atividade participando, de um lado, de uma consciência coletiva ou de representações coletivas e, de outro, engajando-se na ação social por sua incorporação na vida em grupo, sua inserção em diferentes subsistemas do todo social e sua adesão às tradições, normas e costumes que fazem parte do patrimônio social, o que é possibilitado pêlos processo de socialização. É neste contexto que Durkheim define a liberdade - ideal tão caro ao homem moderno - como "filha da autoridade bem compreendida" (ES, p. 56). É assim que entende a autonomia relativa do ser social. Ou seja, só quando o indivíduo é introduzido a um sistema de regras, direitos e deveres que tem assegurada sua liberdade. Caso contrário, estaria exposto às desordens e anomalias de toda espécie.
4 - A concepção de sociedade
Para Durkheim, a sociedade se constitui como um organismo ou um sistema organizado em estruturas (órgãos), que realizam funções diferentes e especiais e que se integram em uma forma de cooperação baseada na partilha de regras, valores e normas. Ela possui uma base comum, uma homogeneidade ou unidade construída num processo de evolução que se encaminha no sentido de alcançar o pleno desenvolvimento e a completude de sua organização. Essa base comum tem uma gênese histórica que possibilita a constituição de um patrimônio de idéias, sentimentos e normas de gerações passadas e que se instituíram como formas de "adaptação às concepções da época" ou de acordo com as "exigências do meio social que as prescreve como necessárias"(ES, p. 44). Assim, a sociedade, que é uma obra coletiva de gerações que se sucedem e organizam formas de conhecimento e de ação, se impõe aos indivíduos, pois:
Foi a própria sociedade, na medida de sua formação e consolidação, que tirou de seu próprio seio essas grandes forças morais, diante das quais o homem sente a sua fraqueza e inferioridade (ES, p. 42).
Ou seja, as estruturas e representações coletivas se impõem sobre os indivíduos por serem produto da vida em comum e essa é também razão pela qual a sociedade desfruta de uma supremacia moral e material.
Na explicação do funcionamento da estrutura e dinamismo dessa instância superior e externa ao indivíduo, o autor fez analogias com outros organismos biológicos, que possuem necessidades próprias, essenciais à sua preservação e sobrevivência e afirmou que a auto-regulação desse sistema é essencial para que suas funções se realizem e se harmonizem e, por isso, - em determinadas circunstâncias históricas, por exemplo - a sociedade pode impor aos indivíduos um conformismo rigoroso (ES, p. 89).
Entendida como um sistema com funções integradas e integradoras, a sociedade comporta subsistemas, que também têm seu dinamismo próprio impulsionado por necessidades sociais, que estão vinculadas à totalidade da organização social ou à estrutura de constituição da ação social. É assim que se dá o entendimento durkheimiano de autonomia relativa dos subsistemas sociais, que têm suas formas sui generis de atividade ou o seu modo próprio de agir, seu corpo específico de costumes, normas e regulamentos, que não são meras fórmulas sem valor nenhum, mas realidades atuantes que dirigem a ação e o comportamento de seus membros, na medida em que são internalizados por aqueles que participam de um determinado subsistema social, como é o caso daqueles que fazem parte do sistema educacional.
Na relação indivíduo e sociedade há muitos ganhos propiciados pela divisão do trabalho social. Primeiramente, porque já não se colocam os homens individualmente em disputa por interesses em conflito, mas se permite que as diferentes funções sociais se articulem para garantir o bom funcionamento do organismo social. Essa necessidade de articulação produz solidariedade e cria um sistema de direitos e deveres, assim como regras que asseguram a ordenação pacífica entre as diferentes partes do todo social. Com isso, o indivíduo torna-se, por um lado, mais autônomo e, por outro, mais dependente do bom funcionamento do conjunto de instituições sociais e do bom desempenho de diferentes setores do organismo social para sobreviver.
A divisão do trabalho social não deve, no entanto, ser entendida como circunscrita apenas ao mundo económico. Se no campo económico fica muito evidente a vantagem que essa divisão representa nosentido de aumentar o rendimento do trabalho, pode-se, alargando a visão, perceber que "é a repartição contínua dos diferentes trabalhos humanos que constitui principalmente a solidariedade social" (DT, p. 29). É essa sua função moral, segundo afirmou Durkheim.
As sociedades mais simples apresentavam segmentos mais similares e homogêneos e tinham como base de seus regulamentos um direito repressivo e inteiramente penal, de ação difusa. Dessas organizações sociais se depreendia uma solidariedade mecânica. Na atualidade, a base de sua ordem jurídica é o direito restitutivo, composto de órgãos cada vez mais especializados que têm a função de fazer com que sejam respeitados os compromissos e contratos assumidos. A especialização das funções nessas sociedades se dá de forma cada vez mais dominante e se constitui uma solidariedade orgânica.
A busca de consensos entre as diversas partes da sociedade e entre seus membros é importante para se realizar a integração social. Mas como alcançar esse consenso em sociedades tão diversificadas?
Tendo dito que as sociedades são essencialmente conservadoras, Durkheim não poderia, no entanto, deixar de observar as mudanças sociais ou não ter levado em consideração o dinamismo das sociedades modernas. Voltando, então, ao que se registrou até aqui: na visão durkheimiana, as sociedades têm necessidades sociais que são materializadas na consciência coletiva. Contudo, se pode perceber, em diferentes circunstâncias históricas, que o aparecimento de novas necessidades sociais entra em desacordo com o que se materializou nas consciências coletivas e nas instituições sociais. Ou seja, no dinamismo do processo social se pode verificar a existência de desajustes entre normas e costumes instituídos e necessidades emergentes. Estas últimas estão vinculadas ao progresso social. O momento histórico vivido por Durkheim refletia, segundo afirmava, os embaraços decorrentes da velocidade em que se deram as mudanças - principalmente no campo da tecnologia e da ciência - e, por isso, a sociedade ainda tateava no encontro de mecanismos de regulação e cooperação. Na perspectiva durkheimiana, progressivamente se efetuaria a ordenação das partes e sua integração no todo, pois o organismo social busca necessariamente sua homeostase e só um sistema bem regulado pode alcançar o equilíbrio social, a prosperidade e a harmonia entre seus membros. A busca de consensos seria, então, uma tendência natural, um dinamismo inerente a toda sociedade que procura seu ponto comum, suas bases de integração que garantam o seu equilíbrio e estabilidade.
A observação histórica do processo civilizatório deixava neste sociólogo esta expectativa. Ele afirmou que "existia na vida medieval uma espécie de desregramento natural, constitucional, como em toda civilização que ainda não alcançou um grau de desenvolvimento suficiente" (EP, p. 112). A organização medieval encontrou, no entanto, seu equilíbrio e suas instituições mostraram sua eficiência na regulação social. O século XIX se apresentava, então, como uma época de grande desenvolvimento, a comunicação entre os povos se expandia, a unidade nacional havia sido alcançada pêlos diferentes países da Europa, o progresso da ciência e da técnica eram evidentes, a sociedade possuía um sistema complexo de divisão do trabalho social. Por isso, a questão da coesão interna, do consenso entre as partes, da harmonia social devia ser coisa que estava por acontecer.
Foi neste contexto que pensou as mudanças sociais como processos naturais ou normais em sociedades que, diferentemente de organismos biológicos, são mais complexas e mutantes. As mudanças podem ter origem em partes específicas da organização social em algum subsistema e as consciências coletivas ou os sentimentos coletivos podem não estar ainda em estado de maleabilidade necessária para tomar uma forma diferente. E preciso se criar, então, uma nova moral para que a sociedade tenha mecanismos de incorporação das novidades.
5 - A concepção de educação
Durkheim afirmou que a educação é um fato social e, portanto, objeto dos estudos sociológicos. Sua externalidade se evidencia quando se verifica que suas idéias, valores, costumes, regras, normas, conteúdos e sentimentos são coisas distintas das pessoas que os internalizam. São realidades por si mesmas e possuem natureza própria, que se impõem sobre os indivíduos, e podem ser observadas no interior de instituições pedagógicas. A investigação científica irá buscar compreendê-las, explicar seu funcionamento e conjeturar o que elas deveriam ser para alcançar melhores resultados, tendo em vista os fins sociais da educação.
Esta afirmação não contém nada de surpreendente para a atualidade, já que o estudo dos aspectos sociológicos da educação e de suas diferentes abordagens teórico-metodológicas circulam amplamente no campo acadêmico, dão subsídios ao planejamento de ações educativas e de políticas públicas neste setor e são freqüentemente divulgados pela grande imprensa. No momento em que foi enunciado, no entanto, representou uma formulação que exigiu de Durkheim um grande esforço de investigação e conceituação.
No estudo do contexto histórico em que se deu a lenta e progressiva constituição do sistema educativo, Durkheim tomou por base a constatação de que mesmo nas sociedades mais simples se instituíram práticas educativas para transmitir às crianças e aos jovens seus conhecimentos acumulados, normas, costumes, valores e histórias do grupo. Isto confere a este sistema um caráter comum - social - e essencial.
Dessa constatação decorrem muitas outras. Primeiramente, não há uma educação única e universal, apropriada a todos os indivíduos indistintamente. Na observação histórica o que se distingue é que a educação tem variado com o tempo e o meio. Com isto se põe em cheque a tradição de analisar a educação como um ideal abstraio e único, dirigida a "uma natureza humana cujas formas e propriedades seriam determinadas uma vez por todas" (ES, p. 75). O próprio Durkheim destacou seguidamente a novidade de sua abordagem que se contrapunha à tendência de se entender a educação como fenômeno eminentemente individual, conforme a perspectiva de Kant, Mill, Herbart e Spencer, que a conceberam como atividade que visa realizar em cada indivíduo o mais alto grau de perfeição possível. Na visão durkheimiana, o ser humano se constitui progressivamente no interior de organizações sociais e povos da mesma espécie possuem sistemas de educação comparáveis. Isto possibilita que se estabeleçam tipos genéricos de educação e características diferenciais. Esse enunciado teve um forte impacto sobre as concepções tradicionais e foi motivo de várias críticas.
5.1 - A definição de educação
As práticas educativas não devem ser entendidas como isoladas de outras práticas sociais, posto que, apesar da relativa autonomia de cada sistema social, eles são sempre partes de um todo com o qual se integram na consecução de um fim comum.
A educação deve ser também entendida como uma instituição social. Isso é melhor compreendido quando se observa que as características básicas de uma instituição social são encontradas nas instituições pedagógicas: a existência de regras socialmente partilhadas, as recompensas e os castigos, os deveres e os direitos daqueles que se beneficiam dela. As práticas pedagógicas não são, pois, fruto de decisões arbitrárias oriundas da vontade de um educador, mas, ao contrário, estão fortemente determinadas por uma estrutura social e, por isso, seu movimento evolutivo se dá de forma coerente com a constituição e as necessidades do organismo social. Nesse sentido, todo e qualquer sistema educativo é um produto histórico e só através da análise histórica se pode entender e explicar por que, em cada momento, em cada sociedade há um tipo regulador de educação, que se expressa em tendências, fórmulas, padrões que se impõem sobre os indivíduos e que são solidários e coerentes com o conjunto de atividades e instituições da sociedade. Com efeito, a mudançano campo da educação não se dá sem resistências e, principalmente, ocorre no bojo de outras transformações estruturais da sociedade.
Enfim, no esforço de distinguir o caráter e a natureza da educação, Durkheim a definiu como:
A ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se encontrem ainda preparadas para a vida social; tem por objetivo suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine (ES, p. 41).
Este é um conceito restritivo à relação entre a geração adulta -que tem a ascendência - e a mais nova, que não está preparada para a vida social. A atividade é efetivamente social pois responde a reclamos da sociedade política no sentido da formação humana, de acordo com um ideal ou modelo de homem. É através dessa tarefa ou missão que a sociedade se renova e ao mesmo tempo perpetua as condições de sua própria existência.
Ainda desdobrando esse conceito, na visão durkheimiana "não existe sociedade na qual o sistema de educação não apresente o duplo aspecto: o de, ao mesmo tempo, apresentar-se como uno e múltiplo" (ES, p. 38).
Numa mesma sociedade, o indivíduo irá inserir-se em diferentes meios sociais, que correspondem às especificidades da função social de cada um. A educação varia "com as classes sociais e até mesmo com o habitat" (ES, p. 76), destacou Durkheim. Nos países mais modernos, como foi visto, há uma tendência à especialização e diversificação do trabalho, que é própria da evolução das sociedades que se tornam cada vez mais complexas e que para se manterem necessitam dividir o trabalho. Cada profissão se constitui como um meio próprio e particular que se organiza em torno de um conjunto de idéias, costumes, práticas, maneiras de ver as coisas, aptidões a serem desenvolvidas, valores e conhecimentos específicos que precisam ser internalizados no jovem para que este possa estar preparado para a realização de uma determinada função essencial à sua integração produtiva na sociedade. Isso exige que o aprendizado da profissão seja cada vez mais precoce e diversificado.
A evidência advinda da própria diferença das funções/profissões, em termos de tipos e grau de instrução, valores e posições sociais, fez Durkheim indagar a respeito da possível injustiça gerada por essa heterogeneidade. Contudo, entendia que, por um lado, não seria mais possível voltar a se organizar uma sociedade homogênea, que, na realidade, "não representa senão um momento imaginário na história da humanidade" (ES, p. 39). Por outro lado, a heterogeneidade atual, segundo ele, se diferencia das formas antigas de dominação e injustiça.
Em continuidade ao exposto, Durkheim observou que, a partir do momento em que as sociedades atingem um nível intelectual mais desenvolvido, "há e deve que haver, necessariamente, homens que se consagrem de modo exclusivo ao pensamento" (ES, p. 78) Neste caso, outros devem se dedicar às atividades que exigissem uma "ação mais direta e imediata". Isso justifica a forma atual de divisão do trabalho social.
Mas o aspecto múltiplo da educação não a constitui como um todo, há em toda sociedade uma base comum de idéias, sentimentos e práticas que a educação deve inculcar em todas as crianças. Na visão durkheimiana, a sociedade precisa que entre os seus membros exista um certo grau de homogeneidade e de similitudes que são essenciais à vida coletiva. No processo evolutivo da história foram se constituindo um patrimônio de idéias acerca da natureza humana, os direitos e os deveres, o progresso, a ciência e as artes que são a base do "espírito nacional" e devem ser fixados na consciência dos educandos.
O professor é um transmissor de saberes - oriundos das ciências físicas e biológicas, da história, dos conhecimentos literários e estéticos, das crenças e costumes - valorizados e essenciais à continuidade societária. É um agente da formação integral dos alunos e, por isso, tendo o domínio das disposições pessoais para corresponder às exigências de seu tempo, pode criar as condições para as mudanças sociais que se fizerem necessárias. Esta é a importante função social do mestre, de contribuição essencial para a formação de futuros cidadãos.
5.2 - Os fins da educação
Os fins da educação variam com os estados sociais, com as diversas espécies de sociedade, com os diferentes tempos e situações históricas. Eles estão diretamente relacionados com as necessidades sociais de um tempo e lugar. Assim, é a coletividade que impõe os fins da ação educativa. Ela que exerce sobre os educadores uma pressão moral no sentido de desenvolver nos educandos as qualidades comuns do grupo social e seus ideais coletivos.
Nas sociedades modernas, o esforço de alcançar o consenso tornou-se progressivamente um objetivo maior da educação, posto que a heterogeneidade crescente da vida social e da divisão do trabalho vão particularizando muito as relações sociais. Os fins da educação, então, estão fortemente relacionados com a manutenção do que é comum à coletividade e com a constituição de mecanismos que possibilitem garantir a continuidade societária e a manutenção de estruturas sociais que representem as formas de assegurar as condições sociais de existência da própria sociedade. Por isso, a prática pedagógica deve buscar a integração dos indivíduos na organização social e sua disponibilidade para responder às expectativas dos diferentes meios sociais com os quais irá conviver.
Para que isso se realize é necessário que a ação educativa não seja apenas o aperfeiçoamento de dons inatos, mas que acrescente algo ao ser imaturo que é a criança. É preciso que a educação crie ao homem um ser novo: o ser social.
O indivíduo nasce como uma tabula rasa e cabe à sociedade, pêlos meios mais rápidos possíveis, agregar ao ser individual -egoísta e associai - uma natureza moral e social. A tarefa por excelência da educação é, pois, criar no homem um ser novo, que irá, com o seu grupo, partilhar de crenças religiosas, práticas morais, tradições nacionais e profissionais e opiniões coletivas de toda espécie.
A constituição do ser social, que se contrapõe à idéia de um desenvolvimento espontâneo e de uma natureza humana universal e imutável, se realiza através do processo de socialização. Por esse processo de aprendizagem social se dá a interiorização do conjunto de maneiras de ser, sentir, pensar e agir próprios do meio social em que se vive, o que é essencial para a integração social do indivíduo.
A educação, de acordo com a concepção durkheimiana, realiza a "socialização metódica", assim definida porque está institucionalizada, tem objetivos próprios e funções sociais bem definidas, o que inclui controlar e limitar o desenvolvimento humano, assim como decidir sobre coisas mais imediatas como a seleção de conteúdos para o ensino. São situações que se instituíram historicamente e seguem um protocolo de tradições grupais.
Durkheim analisou a constituição desses processos de socialização metódica em estudos como o que realizou sobre a história do ensino secundário (EP) que tem o mérito de não se ater à história das idéias pedagógicas, como era corrente, mas em articular a história do ensino secundário com a história social e cultural em cada uma das etapas de seu desenvolvimento - a escolástica, a humanista e a realista, de acordo com sua classificação.
Desta forma, ele pôde concluir que o processo de elaborar e transmitir categorias de pensamento no bojo dos processos de socialização metódica foi acompanhado de lutas e conflitos. Na alta Idade Média foi central para esse processo a criação de escolas nos claustros das Catedrais. Mudanças sociais levaram a disputas entre o clero e os leigos pelo domínio da instrução. A escola foi tomando progressivamente um caráter laico. Nesse contexto de disputa foi marcante a luta dos jesuítas no século XVI para impedir a Reforma e sua insistência em habituar os estudantes a pensarem em latime fazer o meio escolar estranho aos costumes da cidade. São exemplo de autonomia relativa do sistema escolar e de sua importância como meio de "dominação das almas" (FILLOUX, 1994, p. 30).
Outro importante fim da educação, que ganha relevo especial nas sociedades modernas, é a educação moral que será tratada a seguir.
5.3 - A educação moral
A ordem moral é, na visão durkheimiana, um fato social exterior ao indivíduo e tem a função de regulação social. Função esta que não pode ser conferida a nenhum outro subsistema social e que resulta de necessidades advindas da vida em comum. Durkheim disse que "se há hoje verdade histórica estabelecida é de que a moral está estritamente relacionada com a natureza das sociedades" (ES, p. 45), o que inclui afirmar que ela muda quando as sociedades mudam. Ou seja, como fato social, as necessidades morais estão vinculadas a uma determinada ordem social, por isso não se pode falar de uma moral única e universal, mas em diferentes sistemas morais no interior de diferentes espécies de sociedade, dando a essa afirmação um sentido histórico, diacrônico.
Por sua importância para integração social, a ordem moral está envolvida de "dignidade transcendental", de algo de misterioso e de sagrado. É um sistema de regras preestabelecidas e fixadas em torno do qual se moldam todas as ações. "Se conduzir moralmente é agir segundo uma norma, que determina a conduta a seguir antes mesmo de termos necessidade de realizá-la" (EM, p. 20). A prescrição moral tem uma existência concreta que nos circunda e nos afasta do arbítrio individual. Ela se impõe como um dever e produz um respeito particular e, por isso, provoca uma reação muito diferente daquela que se vê em relação ao que ocorre no campo científico.
A moral envolve a noção de autoridade - advinda de sua ascendência sobre nós - e a noção de disciplina ou o "espírito de disciplina", que deve apoiar a regulamentação da conduta. Esta é a razão pela qual durante tantos séculos se acreditou que as determinações morais emanavam de uma divindade.
A função social da moral é, pois, essencialmente, regular a conduta humana, dando limites aos desejos e às paixões. Para o indivíduo é cada vez mais difícil encontrar esses limites e, por isso, é necessário que eles venham de uma força exterior - de um regime à parte - para que ele possa entrar em harmonia com suas faculdades. Durkheim comparou a educação em sociedades mais simples -apropriando-se de estudos antropológicos feitos junto a tribos indígenas americanas e de estudos históricos - com aquela realizada nas sociedades européias contemporâneas para concluir que a educação é necessariamente mais austera entre os povos civilizados do que entre os "primitivos", que têm uma vida mais simples. Nas sociedades modernas não é mais possível deixar que a criança busque mais espontaneamente o que precisa aprender para se preparar para sua vida futura. Ao contrário, a criança irá precisar de ser submetida a alguma coerção para que adquira o espírito do trabalho e do esforço necessário à vida moderna. Para Durkheim, se devia estar atento às necessidades morais uma vez que a sociedade de seu tempo convivia com a tensão social e a eminência de eclosão de novos conflitos sociais. A autoridade é essencial, ele dizia, para "conter as forças rebeldes" (RM, p. 36).
A idéia da autoridade neste contexto aproxima a análise da questão do poder, que aparece em outros textos de Durkheim em referências mais indiretas e imbricadas com as necessidades sociais. O mestre se apresenta como uma figura de poder. Poder que lhe é conferido pela importância de sua missão formadora junto aos alunos. "Da mesma forma que o padre é o intérprete de Deus, ele é o intérprete das grandes idéias morais de seu tempo e de seu país" (EM, p. 117). A questão do poder inerente à ação docente aparece, então, explicitamente enunciada na analogia que ele fez entre a relação professor-aluno e a relação que se estabelece entre grupos de cultura desigual na situação da colonização. Neste sentido afirma que a dominação é inevitável. Esta constatação, contudo, esbarra em obstáculos éticos. "Há na vida escolar qualquer coisa que induz à disciplina violenta" (EM, p. 121), preocupou-se Durkheim. Possivelmente a analogia que realizara com a situação da colonização no século XIX o tenha alertado para o que definiu como o risco da violência quando se põe em contato uma cultura superior e outra inferior. Na relação professor-aluno, no entanto, as coisas não devem se passar desta forma, alertava o sociólogo. A superioridade moral e intelectual do professor, assim como sua missão de transmitir aos alunos os valores morais de seu tempo e o amor à coletividade lhe conferem posição de autoridade, mas é necessário o cuidado de não abusar deste poder.
Enfim, no campo da educação moral, Durkheim colocou muito das possibilidades da reforma de costumes. Isto porque não via saídas para os conflitos sociais que presenciava senão no esforço conjunto de se construir o consenso entre os diferentes subsistemas da sociedade, criando o contexto favorável ao equilíbrio e à harmonia social. A aceleração das mudanças econômicas reduziu, segundo afirmava, a eficácia dos mecanismos tradicionais de regulação social e, por isso, o progresso social alcançado estava comprometido pelas "ações violentas", pêlos distúrbios sociais e pelo individualismo exacerbado ou o "culto da individualidade". Na visão durkheimiana, a continuidade societária só seria realizável à medida que se pudesse desenvolver uma sensibilidade coletiva e ideais comuns que ultrapassassem as diferenças individuais. Em sociedades cada vez mais complexas, com uma divisão do trabalho muito desenvolvida, com uma multiplicidade de circunstâncias que exigem maior mobilidade e flexibilidade dos indivíduos, há uma tendência para irem se apagando fatos da tradição social, os traços comuns do grupo social e da nacionalidade e, paulatinamente, vão se reduzindo os objetos de devoção comum e os direitos se tornaram direitos do indivíduo.
A educação moral é, então, a forma de conferir ao cidadão o gosto pela vida em coletividade, de criar o costume de pensar em agir em comunhão com os seus concidadãos.
Contudo, a sociedade atual tem como máxima a autonomia das pessoas, por isso as regras morais não podem se impor arbitrariamente. Para que sejam seguidas, para que os indivíduos se devotem a um ideal coletivo, é necessário o conhecimento das razões de sua conduta. Por isso, Durkheim afirmou a necessidade de uma "inteligência da moral" ao lado de uma "autonomia da vontade", para que as prescrições morais sejam livremente aceitas. Assim, a inteligência se tornou um elemento da moral e, então, o ensinamento da moral não pode ser feito como a prédica de um sacerdote, porque não tem por objetivo simplesmente inculcar normas, mas explicá-las.
5.4 - A família e a educação
O papel da instituição familiar na educação ocupa espaço reduzido nos textos de Durkheim que mais especificamente a estudaram. Apesar da estrutura familiar ter um lugar privilegiado nas primeiras aprendizagens, é a instituição pedagógica que apresenta para o autor um interesse especial por sua atuação mais coletiva, por sua posição privilegiada na tarefa de socialização metódica das "gerações mais jovens", o que se pode verificar quando diz que:
A escola, com efeito, é um grupo real. existente, do qual a criança faz naturalmente c necessariamente parte, e é um grupo de nature/.a diferente da família... Por conseguinte, através da escola, nós temos forma de introduzir a criança em uma vida coletiva diferente da doméstica: nós podemos lhe propiciar hábitos que, uma vê/, contraídos, sobreviverão ao período escolar e serão reclamados pela satisfação que lhes dá (EM, p. 199).
Com efeito, a família foi mais freqüentemente analisada no conjunto de outras instituições sociais e reforçando sua posição com relação à ascendência do social sobre o individual. Nesse sentido é que Durkheim afirmou que os pais não podem educar seus filhosde acordo com sua vontade, assim como os professores, os clérigos e os partidos políticos que, a despeito de suas dissidências, não podem agir em desacordo com certos princípios que são comuns a todos.
A educação familiar é também entendida como prática social menos formalizada.
Há uma educação não intencional, que jamais cessa. Pelo nosso exemplo, pelas palavras que pronunciamos, pêlos atos que praticamos - influímos de maneira contínua sobre a alma de nossos filhos (ES, p. 57).
Esta ação menos formalizada, este processo de socialização mais difuso, no entanto, tem a força da continuidade de sua influência.
5.5 - A responsabilidade do Estado pela educação
Para Durkheim, nas sociedades modernas, a instituição educativa se tornou mais completa e adquiriu também o caráter de serviço público, colocando-se sob a direção e fiscalização efetiva do Estado. Isto a distanciou das condições locais e étnicas e os fins da educação se tornaram mais gerais e abstratos, mas nem por isso menos coletivos.
No entanto, com relação à educação pública se mantinha no século XIX um confronto de posições entre a concepção liberal do Estado e a perspectiva do Estado-Nação. O Estado liberal entendia que se devia reduzir ao mínimo sua intervenção nas questões sociais, mas, de acordo com o que vinha se impondo de forma efetiva no modelo do Estado-Nação, com relação à educação "a ação do Estado não poderá ser assim restrita, ou de feição negativa" (ES, p. 47), atuando apenas quando faltar a família. Durkheim se punha mais de acordo com essa última posição, posto que acreditava que ela representava o resultado de necessidades advindas de mudanças instituídas nas sociedades modernas e entre elas se incluía a necessidade da educação pública. A escola tinha a função coletiva de preparar os jovens para a vida social e de adaptá-los aos meios para os quais eles "se destinassem".
A sociedade, então, não pode deixar de estar presente e vigilante, para obrigar a ação pedagógica a exercer-se em sentido social. Caso contrário, ela se porá ao serviço de interesses particulares e a grande alma da pátria se dividirá, esfacelando-se numa multidão incoerente de pequenas almas fragmentárias, em conflito umas com as outras. Não pode nada ser mais contrário ao objetivo fundamental de toda educação! (ES, p. 48).
Pela importância que se deve dar à vida social, por tudo que Durkheim sobejamente distinguiu como sendo sua função integradora e pelo que tem acrescentado ao indivíduo como transmissão de um patrimônio de idéias, técnicas, conhecimentos, formas de ver e pensar e sentir, a educação deve assegurar a continuidade societária e, assim, não é possível deixá-la ao arbítrio de particulares. Ou seja, pela importância de sua função social, o Estado não pode desinteressar-se da educação mas, ao contrário, deve submetê-la à sua influência e "necessariamente monopolizar o ensino" (ES, p. 48) e fiscalizar a ação educativa. Assim:
É função do Estado proteger esses princípios essenciais, fazê-los ensinar em suas escolas, velar para que não fiquem ignorados pelas crianças de parte alguma, zelar pelo respeito que lhe devemos (ES, p. 49).
A universalização da educação básica, pública e laica, encontra aí seus motivos e urgências.
Conclusão
Durkheim em sua sociologia deu lugar de destaque para a educação, que era tema de muito interesse no seu tempo. Um lugar de destaque para esta instituição social que lhe parecia ter funções sociais muito importantes na construção dos valores da cidadania e do nacionalismo, do apego à coletividade, da sensibilidade para os problemas emergentes na sociedade, no combate ao "culto do individualismo", na formação de uma consciência coletiva afinada com as necessidades sociais e a preservação dos valores humanistas. A educação estava assim envolvida em um espírito de missão. A "obra educativa" que exigia cuidados e atenções especiais.
O declínio das religiões e o impacto de um progresso acelerado traziam em seu bojo conseqüências preocupantes, principalmente no que dizia respeito aos conflitos sociais e conflitos entre nações. Era preciso criar novos mecanismos de regulação social e a educação moral tinha aí um papel fundamental a cumprir, internalizando os valores da coletividade, a importância da disciplina, do atendimento à autoridade e do controle da violência.
Foi através desses estudos que a sociologia entrou na Universidade francesa. Foi também a partir desse trabalho inaugural que a educação se tornou objeto do interesse dos estudos sociológicos e, por isso, suas idéias tiveram influência marcante entre os sociólogos que, criticando seus estudos ou se pautando por eles, pretenderam dar continuidade a esse esforço de investigação dos fatos educacionais.
Durkheim tinha muito viva a idéia que palmilhava um terreno ainda pouco explorado. A sociologia dava seus primeiros passos e isso exigia do cientista cautela. Freqüentemente lembrava que "no estado atual de nossos conhecimentos" (RM, p. 19) não se tinha ainda formulado com mais propriedade noções básicas para esse campo do conhecimento como a noção de Estado, soberania, liberdade, política, democracia, socialismo, comunismo, etc. Isso era também uma limitação para a condução do método sociológico, que esbarrava em análises que se faziam em torno de conceitos ainda confusos ou vagos, segundo afirmava, e fortemente marcados por seu caráter ideológico. Tendo em vista o conhecimento desses limites, isso não devia fazer o sociólogo esmorecer mas, ao contrário, entender que se descortinava uma enorme tarefa a ser realizada.
Há, finalmente, um ponto a mais a destacar. A ciência se propõe a ser uma forma de conhecimento que traga proveitos para a humanidade. Durkheim freqüentemente se interrogou sobre isso. Para que serve observar os fatos sociais detidamente, acompanhar sua evolução, perceber suas tendências, conhecer necessidades sociais que encaminham movimentos e correntes sociais, apartar-se do senso comum, das prenoções e dos preconceitos para poder desenvolver a investigação sociológica? Para que serve a sociologia?
Durkheim, olhando o fato educativo, respondeu que seu conhecimento no campo da ciência visa:
Fornecer-nos o de que mais instantemente temos necessidade: um corpo de idéias diretrizes que sejam a alma de nosso labor, e que o sustenham, dêem nítida significação à nossa atividade e nos prendam a ela. Tal condição c indispensável à proficuidade de toda e qualquer ação educativa (ES, p. 91).
A sociologia deve ser então um balizador da ação educativa a lhe dar diretrizes, a lhe conferir significado