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eDUCAÇÃO TRABALHO E INFANCIA CONTRAIÇÕES LIMITES E POSSIBILIDADES NO MST

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Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS 
FACULDADE DE EDUCAÇÃO 
 
 
 
 
MÁRCIA MARA RAMOS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
EDUCAÇÃO, TRABALHO E INFÂNCIA: 
CONTRADIÇÕES, LIMITES E POSSIBILIDADES NO 
MOVIMENTO DOS TRABALHADORES SEM TERRA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAMPINAS 
2016 
 
 
MÁRCIA MARA RAMOS 
 
 
 
EDUCAÇÃO, TRABALHO E INFÂNCIA: CONTRADIÇÕES, 
LIMITES E POSSIBILIDADES NO MOVIMENTO DOS 
TRABALHADORES SEM TERRA 
 
 
 
 
 
 
Dissertação de Mestrado 
apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da 
Faculdade de Educação da 
Universidade Estadual de Campinas 
para obtenção do título de Mestra 
em Educação, na área de 
concentração de Educação. 
 
 
 
 
 
Orientador: Prof. Doutor José Claudinei Lombardi 
 
 
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL 
DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA 
ALUNA MÁRCIA MARA RAMOS , E ORIENTADA 
PELO) PROF. DR. JOSÉ CLAUDINEI LOMBARDI. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Campinas 
2016 
 
 
 
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS 
FACULDADE DE EDUCAÇÃO 
 
 
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO 
 
 
EDUCAÇÃO, TRABALHO E INFÂNCIA: CONTRADIÇÕES, 
LIMITES E POSSIBILIDADES NO MOVIMENTO DOS 
TRABALHADORES SEM TERRA 
 
 
 
Autora : Márcia Mara Ramos 
 
 
 
 
 
 
COMISSÃO JULGADORA: 
 
Orientador Pof. Dr. José Claudinei Lombardi (UNICAMP) 
Prof. Dra. Fabiana de Cássia Rodrigues (UNIVAS) 
Prof, Dra. Caroline Bahniuk (UFSC) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 2016 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico essa pesquisa às crianças Sem 
Terrinha. 
 “as crianças têm uma sensibilidade e 
elas são verdadeiras. Os Sem Terrinha 
poderiam, inclusive, ajudar o MST a ver 
o que teria que mudar, para garantir a 
continuidade do MST, para reinventar o 
MST”. Edgar Kolling 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 Chegado ao final desse trabalho, embora muitas vezes a escrita se apresente 
como um processo solitário, quero agradecer imensamente o coletivo inspirador de 
minha trajetória, pois, como já mencionado, essa pesquisa foi tecida por muitas mãos. 
E, justamente pela opção de trazer algo que faz parte de um contexto político-social e 
atual, quero reconhecer a importância de camaradas que sonham projetos desenhados 
coletivamente, contrariando a ordem hegemônica. Bem como diz o poeta Paulo 
Leminski, “Na luta de classes, todas as armas são boas. Pedras, noite e poemas”... 
Meus eternos agradecimentos. 
Ao MST, principal organização política que motivou e me fez enxergar a luta pelo 
acesso à educação. Aos companheiros e companheiras do Setor de Educação Nacional, 
da militância nos Estados onde o MST está organizado e, especialmente, às crianças 
Sem Terrinha que proporcionaram a possibilidade de vivenciar uma organização que as 
reconhece no seu tempo, como crianças lutadoras e construtoras de suas histórias. 
 Aos Camaradas: Cristina Vargas, Edgar Kolling, Roseli Caldart, Tiago 
Manginni, Flávia Tereza, Elisangela Carvalho, Lizandra Guedes e Chiquinho, Izabel 
Green, Erivam Hilário, Alessandro Mariano, Luna Pomme, Gabriel Vargas, Maria 
Aparecida e Zezinho Ramos. 
 Aos Sem Terrinha do MST, representados pela Iacia e Maria Luisa, crianças da 
luta pela terra no Estado do Pará. A elas (as crianças), meu profundo amor e 
agradecimentos. À militância de luta do MST/PA, Maria Raimunda, Isabel, Igor, 
Charles, Deusamar, Mercedes, Ayala, Giselda, Suely, Clauco e Márcia. Pelo afeto, 
carinho, acolhida e receptividade e que certamente sem vocês não seria possível realizar 
a pesquisa. 
 Para meu pai, Toninho Ramos, cantador e compositor caipira, estudante do 
Ensino Médio na escola do Assentamento. A minha guerreira, Ana Maria, mãe de 
muitas crianças do assentamento - Mãe e lutadora sempre. O querido William, filho 
amado e enraizado na terra conquistada. A minha família Ramos que, desde 1986, 
ingressou na luta pela terra e à família Rosário, representada pela minha avó Jandira, 
camponesa, mãe de nove filhos e enraizada na terra. Ao Paulinho, companheiro e 
camarada de todos os momentos – amor incondicional. 
 Ao professor José Claudinei Lombardi (Zezo), pela camaradagem, paciência e 
disposição para orientação e pelas prosas desanimadoras e animadoras da conjuntura 
atual. 
 À Professora Carolina Bahnilk, que desde as primeiras leituras do projeto de 
pesquisa, deu sua contribuição valiosa no trabalho e nas motivações para a escrita. 
 À professora Fabiana Cássia, primeira leitora do sumário deste trabalho e 
provocadora da discussão agrária e da atualidade educacional. 
 
 Ao grupo de pesquisa HISTEDBR – Juliana Gobbi, Gilberto Sant’Anna, Marcos 
Lima, Gilberto Rodrigues, Bruna Moreira, Denise Camargo, Professora Mara Jacomeli, 
Professor Dermeval Saviani, coletivo importante para minha formação na UNICAMP. 
À camarada militante Cecilia Luedemann, que carinhosamente esteve presente nas 
indicações de referências cubanas e soviéticas, bem como na revisão desse trabalho. 
Das Cantadeiras Ana Chã, Jade e Guê, Talita juntamente com as crianças Dora, Manu, 
Chico, Luisa, numa ciranda improvisada, compartilhamos da música política, de 
projetos e do prazer em animar a luta social. 
Agradeço a UNICAMP pela oportunidade de ser uma estudante do campo em uma 
universidade pública, gratuita e de qualidade. 
À CAPES, pela possibilidade do financiamento que foi de vital importância para o 
aprofundamento da pesquisa. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
Esta pesquisa “Educação, Trabalho e Infância: contradições, limites e 
possibilidades no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra” teve como 
motivação e questão identificar a disputa pela infância da classe trabalhadora através 
da pedagogia do capital, investigando qual o papel que as instituições do agronegócio 
têm cumprido na educação dos filhos da classe trabalhadora e com qual 
intencionalidade o MST vem organizando e fazendo a formação humana na educação 
política das crianças dos acampamentos e assentamentos num contexto marcado pelas 
relações capitalistas. O objetivo particular da pesquisa foi analisar a prática educativa do 
MST na formação das crianças Sem Terra, através da mobilização infantil no Estado do 
Pará e suas ações contra-hegemônicas. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem 
Terra (MST), desde a sua origem em 1984, tem a presença da criança na luta pela terra 
e, através de reflexões no interior da luta, desenvolve um trabalho para além das 
escolas, com as crianças dos acampamentos e assentamentos nos 24 estados em que o 
MST está organizado. A organização coletiva proporcionada por dois elementos 
fundamentais no MST - lutar e construir - estão interligados no processo da formação 
humana e as crianças são parte construtora dessa formação e do processo histórico do 
MST. Para a realização desse trabalho, realizamos a pesquisa de campo no Estado do 
Pará, com entrevistas com educadores e militantes, conversações com as crianças e 
levantamentos de materiais do MST sobre educação e infância, Jornal – Sem Terra. A 
pesquisa destaca, como objeto central, as ações contra-hegemônicas que o MST vem 
desenvolvendo com as crianças, através das Jornadas Nacionais dos Sem Terrinha, e 
que é uma forma de mobilização de crianças em todo Brasil. Nesse sentido, observamos 
a confluência entre a pedagogia do MST na formação das crianças Sem Terra e a 
pedagogia socialista para a educação política da infância, grande referência de educação 
transformadora na luta pela terra.E, ao final, concluímos com as matrizes formadoras – 
Trabalho como principio educativo; a Luta; a Coletividade; a auto-organização; e o 
Internacionalismo para a infância–, na perspectiva da construção de um programa de 
formação para a infância Sem Terra. 
Palavras – chave: Educação, Trabalho, Infância - Sem Terrinha, Ciranda Infantil – 
Agronegócio – Luta. 
 
 
 
ABSTRACT 
This research named "Education, Work and Childhood: contradictions, limits and 
possibilities in the Landless Rural Workers' Movement" was motivated to identify the 
dispute for the children of the working class through the pedagogy of capital, 
investigating what role the institutions of agribusiness have fulfilled in the education of 
the children of the working class and with what intention MST has organized and makes 
the human formation in political education of children in camps and settlements in a 
context marked by capitalist relations. The particular objective of the research was to 
analyze the MST educational practice in the formation of Landless children, through the 
children's mobilization in the Southeast Region of the State of Para and their counter-
hegemonic actions. The Landless Rural Workers' Movement (MST), since its origin in 
1984, has the child's presence in the struggle for land and, through reflections inside the 
struggle, develops a work beyond the schools with children from camps and settlements 
of the 24 states in which the MST is organized. The collective organization is based in 
two key elements in MST – struggle and build – that are interconnected in the process 
of human development. Children are active constructors of such development and of the 
historical process of MST. The field research was conducted in the state of Pará, with 
interviews with educators and militants, talks with children and the survey and analysis 
of the MST materials about education and children, particularly the newspaper Jornal 
Sem Terra. This research highlights, as the main object, the counter-hegemonic actions 
that the MST is developing with children, through the national week of the Landless 
Children, that is a way of children´s mobilization across Brazil. In this sense, we 
observe the confluence between the pedagogy of MST in the formation of Landless 
children and socialist pedagogy for child political education, great reference of an 
education that brings social transformation in the struggle for land. At the end, we 
conclude with the identification of the forming matrices - Work as an educational 
principle; the Struggle; the Collectivity; the self-organization; and internationalism for 
childhood - in the perspective of the construction of a formation program for Landless 
childhood. 
 
Keywords: Education. Work. Childhood – Landless Children. “Children´s Ciranda”. 
Agribusiness. Struggle. 
 
 
LISTA DE SIGLAS 
ABAG - Associação Brasileira do Agronegócio 
AL – Alagoas 
ANAP - Associação Nacional de Agricultores Pequenos 
ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária 
BA – Bahia 
CEBs - Comunidades Eclesiais de Base 
CEDAC - Comunidade Educativa 
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe 
CE – Ceará 
CPA – Cooperativas de Produção Agropecuárias 
CPT - Comissão Pastoral da Terra 
CLOC – Coordenação Latino-americana de Organização do Campo 
CUC - Comitê de Unidade Campesina 
CUT – Central Única dos Trabalhadores 
DF – Distrito Federal 
EMPBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária 
ENFF – Escola Nacional Florestan Fernandes 
ENERA - Encontro Nacional de Educadores da Reforma Agrária 
ES – Espírito Santo 
GO – Goiás 
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária 
JST – Jornal Sem Terra 
MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens 
MG – Minas Gerais 
MPA - Movimento dos Pequenos Agricultores 
MA – Maranhão 
MEC - Ministério da Educação 
MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário 
MNCI - Movimento Nacional Campesino Indígena 
 
MS – Mato Grosso do Sul 
MT – Mato Grosso 
OPJM - Organização dos Pioneiros José Martí 
ONG – Organização Não Governamental 
PA - Pará 
PCB - Partido Comunista Brasileiro 
PE – Pernambuco 
PNRA - Plano Nacional de Reforma Agrária 
PR – Paraná 
PIB - Produto Interno Bruto 
PI – Piauí 
PB – Paraíba 
PRONERA – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária 
PJR - Pastoral da Juventude Rural 
PRONATEC - Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego 
RJ- Rio de Janeiro 
RN – Rio Grande do Norte 
RO – Rondônia 
RR – Roraima 
RS – Rio Grande do Sul 
SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial 
SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial 
SENAR - Serviço Nacional de Aprendizagem Rural 
SENAT - Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte 
SESC - Serviço Social do Comércio 
SESI - Serviço Social da Indústria 
SE – Sergipe 
SC – Santa Catarina 
SP – São Paulo 
 
TPE - Todos Pela Educação 
TO – Tocantins 
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
INTRODUÇÃO______________________________________________________16 
CAPÍTULO 1 – PEDAGOGIA EM MOVIMENTO NA PRÁTICA EDUCATIVA 
E FORMATIVA DAS CRIANÇAS SEM TERRINHA NA LUTA PELA 
TERRA_____________________________________________________________43 
1.1 Influências dos processos revolucionários na organização da infância Sem 
Terra________________________________________________________________44 
1.2 O MST e a Educação________________________________________________58 
1.3 A infância no MST__________________________________________________67 
1.3.1 Os instrumentos de luta da infância Sem Terra_____________________70 
1.3.2. A ocupação do universo infantil na comunicação e cultura do MST____74 
 
CAPÍTULO 2 – A LUTA DE CLASSES TAMBÉM OCUPA A INFÂNCIA ____79 
2.1 A educação como um instrumento hegemônico do capital ___________________80 
2.2 A infância no contexto do campo e do desenvolvimento_____________________94 
2.3 A pedagogia do capital no projeto do agronegócio para a infância do 
campo______________________________________________________________101 
 
CAPÍTULO 3 - A INFÂNCIA NO MST: UMA PRÁTICA EDUCATIVA EM 
FORMAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA_______________________________117 
3.1. As mobilizações infantis e a educação política dos Sem Terrinha____________ 118 
3.2. A luta pela terra e a Infância no Pará __________________________________131 
3.3 As mobilizações infantis no Estado do Pará -15 anos de jornada dos Sem Terrinha_ 
___________________________________________________________________144
 
 3.3.1 O Encontro Estadual dos Sem Terrinha no Estado do Pará - 2014 e 
2015_______________________________________________________________ 147 
3.4 A educação política e o seu significado no contexto da disputa da pedagogia contra-
hegemônica__________________________________________________________158 
 3.4.1 Indicações para um programa de formação político para a infância ___170 
 
CONSIDERAÇÕES__________________________________________________185 
REFÊRENCIAS _____________________________________________________192 
ANEXOS___________________________________________________________ 199 
1. Manifesto dos Sem Terrinha à Sociedade Brasileira (2014)___________199 
2. A significação da infância em documentos do MST_______________ __201 
3. "A GRANDE ESPERANÇA”. Frei Sergio Gorgen__________________208 
4. JST artigos de 1994 – 1995 – 1996_______________________________210 
5. Carta do Sem Terrinha do RS 1995______________________________ 214 
6. Cartazdos Sem Terrinha de São Paulo (1996)______________________215 
7. Manifesto dos Sem Terrinha ao Povo Brasileiro – de SP (1996)________216 
8. Programação do Encontro Estadual dos Sem Terrinha do Estado do Pará 
217_________________________________________________________ 218 
9. Matéria do Jornal Correio. O Jornal de Carajás. Sobre o Encontro 
Estadual dos Sem Terrinha – 2014__________________________________219 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
De pernas pro ar. 
(A escola do mundo ao avesso) 
Eduardo Galeano 
 
 “Na América Latina, 
crianças e adolescentes somam quase a metade da população total. 
Metade dessa metade vive na miséria. 
Sobreviventes: na América Latina, 
a cada hora, cem crianças morrem de fome ou de doenças curáveis, 
mas há cada vez mais crianças pobres em ruas e campos dessa região 
que fabrica pobres e proíbe a pobreza. 
Crianças são, em sua maioria, os pobres; 
e pobres são, em sua maioria, as crianças. 
E entre todos os reféns do sistema, são elas que vivem em pior condição. 
A sociedade as espreme, vigia, castiga e às vezes mata; 
quase nunca escuta, jamais a compreende. 
[...] Dia após dia nega-se às crianças o direito de ser crianças. 
Os fatos, que zombam desse direito, 
ostentam seus ensinamentos na vida cotidiana”. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
16 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
 
 O presente trabalho “Educação, trabalho e infância: contradições, limites e 
possibilidades no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra” foi desenvolvido num 
contexto marcado por perdas das conquistas da classe trabalhadora, de violação dos 
direitos humanos com a chamada Lei da terceirização PL 4330/04, da aprovação da 
redução da maioridade penal e do projeto antiterrorista para combater, principalmente, 
as manifestações populares. Um período de derrotas dos governos “populares” e de 
esquerda na América Latina, com fortalecimento do movimento conservador em prol do 
impeachment da atual presidente do Brasil, em 2016, considerado pela esquerda 
brasileira uma tentativa de golpe pelo poder dominante. Um cenário de muitos conflitos 
e contradições imposto pelas investidas da classe dominante, através da ideologia e 
força jurídica, midiática e política dominante; mas é também um período de luta e 
resistência da classe trabalhadora em suas diferentes frentes de atuação e defesa da 
democracia. 
 Este trabalho de pesquisa contextualiza elementos do processo histórico do 
Movimento da construção coletiva de uma concepção de educação no MST, 
fundamentada no contexto da luta pela terra e as condições objetivas (da luta), para a 
sua efetivação. Uma organização política e nacional de camponeses que, a partir da 
realidade brasileira, se organizam e lutam para permanecer produzindo e 
(re)significando o território brasileiro que, historicamente, foi e é marcado pela 
concentração fundiária. A educação crítica, popular e socialista de caráter 
internacionalista que contrapõe-se à pedagogia burguesa, contribui com a gestação 
coletiva dos princípios filosóficos e pedagógicos que compõem a concepção de 
educação do MST, tendo como materialidade concreta a luta pela terra. 
 A temática presente faz parte do meu processo de formação política e atuação 
como educadora e militante de crianças, filhas dos(das) trabalhadores(as) do MST. É 
desde esse lugar que tenho a oportunidade de ter a vivência acadêmica e aprofundar os 
estudos da infância. Escrever a dissertação de mestrado, trazendo elementos que 
17 
 
compõem um repertório da minha vida, por vezes esquecida, é um meio de dar sentido à 
vida das pessoas através da sua própria história-memória. E, certamente, o grupo social 
 no qual participo se faz refletir sobre a minha atuação prática e sobre a necessidade da 
construção de uma teoria, como resultado de um processo coletivo, para a educação e 
formação da classe trabalhadora, me fazendo convicta da luta que temos na atualidade e 
para a importância da coletivização do conhecimento . 
 Pesquisar a infância, através das Jornadas dos Sem Terrinha, é um desafio sobre 
as minhas próprias motivações, como integrante do movimento popular. Essas 
motivações provocaram, em mim, a vontade e a necessidade política em continuar 
aprofundando os estudos sobre esse movimento infantil, existente há 21 anos e que vai 
se tornando uma organização com referência política das crianças Sem Terra no Brasil. 
Os estudos do Mestrado provocaram, em mim, o exercício de pensar para além das 
crianças do MST, buscando compreender a relação que o capitalismo estabelece com as 
crianças da classe trabalhadora, através da pedagogia do capital, e de sua influência na 
formação dessas crianças. Entendo que os elementos da formação das crianças Sem 
Terra e as ações contra-hegemônicas que vêm sendo realizadas historicamente no MST 
constituem contribuição fundamental para a organização dos trabalhadores do campo e, 
em especial, para crianças que são inseridas nos processos organizativos e, também, do 
protagonismo da história da luta pela terra. 
 A finalização do mestrado é, para mim, a conquista de uma etapa fundamental 
do meu processo de formação e estudos e que seguem pela vida toda. Só foi possível, 
entretanto, porque, ao longo da história, a luta pelo direito ao estudo esteve presente nas 
relações políticas, na aposta da construção coletiva de outra pedagogia com camaradas 
das diferentes organizações, professores de universidades, entre outros, que acreditam 
na construção do projeto da classe trabalhadora. Por isso, este trabalho é uma produção 
tecida por muitas mãos, na qual trago reflexões e sistematização de um processo 
coletivo. 
 A pesquisa teve como motivação e questão identificar a disputa pela infância da 
classe trabalhadora através da pedagogia do capital, investigando qual o papel que as 
instituições do agronegócio têm cumprido na educação dos filhos da classe trabalhadora 
e com qual intencionalidade o MST vem organizando e fazendo a formação humana na 
educação política das crianças dos acampamentos e assentamentos num contexto 
18 
 
marcado pelas relações capitalistas. O objetivo particular da pesquisa foi de analisar a 
prática educativa do MST na formação das crianças Sem Terra, através da mobilização 
infantil no Estado do Pará e suas ações contra-hegemônicas. 
 A pesquisa, de caráter qualitativo, analisou uma das práticas educativas do MST, 
as Jornadas dos Sem Terrinha, como um trabalho formativo da educação política das 
crianças, no Estado do Pará, com uma contextualização do marco histórico do Primeiro 
Congresso Infantil, em 1994, no Estado do Rio do Grande do Sul, e que proporcionou 
uma movimentação e organização das crianças nos Estados onde o MST está 
organizado, transformando as mobilizações em atividades de caráter nacional. 
O caminho escolhido para a realização da pesquisa, em termos 
metodológicos, foi de retomar, outras pesquisas e estudos sobre a infância Sem Terra, 
desenvolvidas no decorrer de minha formação política e acadêmica e que tiveram por 
fonte os documentos já produzidos Sobre, Para e Com a Infância Sem Terra. Uma das 
principais fontes que contribuiu com informações sobre o processo da identidade 
política Sem Terrinha foi o Jornal Sem Terra (JST), nos anos de 1994 – 1995 e 1996, e 
as referências do Primeiro Encontro Infanto Juvenil do Estado de São Paulo, de 1996. 
As referências políticas do Setor de Educação nos Estados, bem como as informações 
cedidas pelos dirigentes nacionais do MST, contribuíram com o levantamento das 
primeiras atividades realizadas com as crianças, nos Estados, e entrevistaspara 
contextualização do Setor de Educação e suas relações com os processos de luta 
internacionalista. 
 A retomada desses estudos nos desafiou pesquisar as crianças que vivem num 
campo de expressiva conflitualidade agrária, no contexto da luta pela terra no Estado do 
Pará. Foram momentos fortes, vividos, sensíveis, num cenário de resistência, luta e 
construção de possibilidades, mesmo nos limites da sociedade capitalista. A acolhida da 
pesquisadora e da pesquisa pela militância do Estado do Pará, proporcionaram um 
intenso trabalho de campo em espaços localizados na Região Sudeste Paraense: 
visitações em assentamentos e acampamentos, as escolas destes territórios, as estruturas 
de Carajás, o Instituto de Agroecologia Latino Americano Amazônico – IALA, o 
Instituto Federal do Pará - IFPA que está localizado no Assentamento 26 de Março, 
município de Marabá. 
 Para coleta de dados, foram realizadas conversações com as crianças da 
educação infantil de 4 a 5 anos da Escola Salete Moreno, com as crianças de 7 a 12 anos 
19 
 
nas Jornadas dos Sem Terrinha das diferentes áreas de assentamentos e acampamentos, 
bem como entrevistas semiestruturadas com os educadores das escolas e do setor de 
educação no estado do Pará. A retomada histórica das Jornadas dos Sem Terrinha no 
MST, desde a origem da identidade política e da construção de uma frente de crianças 
que fazem a luta contra-hegemônica nos acampamentos e nos assentamentos do MST 
no Brasil. Com o recorte na pesquisa participante dos últimos dois anos (2014 e 2015, 
num período de quarenta dias), presenciei, participei e observei os processos de 
organização dos Encontros Estaduais dos Sem Terrinha, no Estado do Pará, e a 
formação da educação política das crianças Sem Terrinha. 
 Para o aprofundamento e análise da pesquisa, trabalhamos com as referencias 
dos documentos do MST; de Roseli Salete Caldart, para a contextualização da 
educação do MST; O Jornal Sem Terra como fonte documental e como marco de um 
processo inicial da Mobilização Infantil no MST; dos estudos de Moisey M.Pistrak e 
Viktor N. Shulgin sobre os processos da pedagogia socialista na união Soviética; Para 
responder à questão da pedagogia do capital: como ela vem disputando a formação de 
crianças, jovens e adultos do campo e da cidade através da educação e de projetos 
culturais? Esse processo exigiu uma contextualização do papel da educação no Brasil; 
das leituras e pesquisas importantes sobre o agronegócio como “palavra política” e a 
sua inserção no campo brasileiro, da ABAG, da VALE, bem como de pesquisas nos 
próprios sites dessas empresas e outras. Debruçar sobre o assunto e sobre essas fontes 
foi fundamental para entender melhor a “disputa dos filhos da classe trabalhadora” 
pela pedagogia do capital. Os estudos de Regina Bruna sobre o agronegócio; de 
Rodrigo Lamosa sobre o programa Agronegócio na escola; da Roberta Traspadine 
sobre os projetos educativos do agronegócio nas escolas; da Maria Luisa Mendonça, 
com os estudos da origem do agronegócio; de Neil Postman sobre o “desaparecimento 
da infância” na década de 1970 nos Estados Unidos; Sobre o lugar da infância na luta 
pela terra e a questão agrária, os autores Paulo Alentejano, João Pedro Stedile, 
Fernando Michelloti, Haroldo de Souza, Leonilde S. de Medeiros e Guilherme 
Delgado apontaram elementos fundamentais para entender a questão agrária no Brasil; 
de Mari Del Priori, trazendo a história das crianças no Brasil e de José de Sousa 
Martins, com os estudos das crianças da luta pela terra, filhas de posseiros e pequenos 
agricultores na região amazônica na década de 1970 e Deise Arenhart nos estudos das 
crianças da luta pela terra no MST. 
20 
 
 A escolha do tema infância da luta pela terra tem a ver com meu percurso 
histórico e dos sujeitos da pesquisa, pois o foco nas crianças do Movimento dos 
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) está relacionado à minha trajetória de vida e ao 
meu processo de formação. Desde minha adolescência, vivenciei a vida num 
acampamento e, depois, num assentamento, tendo a oportunidade de iniciar minha 
militância, como educadora, trabalhando com a organização das crianças Sem Terra da 
Regional Sudoeste Paulista, através do Setor de Educação, contribuindo na organização 
das crianças do assentamento da Agrovila III, na preparação do I Congresso Estadual 
Infantojuvenil do Estado de São Paulo.
1
 Minha trajetória e a vivência da infância no 
campo, como a de milhares de crianças privadas dos seus direitos, da negação do acesso 
à terra e do direito de estudar, foram dois fatores impactantes na minha vida. Eles 
marcaram minha relação com o acampamento e o assentamento, bem como o processo 
de formação na militância do MST, espaço que forjou, em mim, a convicção do direito 
de lutar e se enraizar na luta pela terra e na organização das crianças dos assentamentos 
e acampamentos através da educação e cultura. 
 Há, também, uma relação com o processo de estudo, com o aprofundamento da 
discussão sobre a infância do campo, tendo presente que o lugar da infância no sistema 
capitalista foi demarcado, historicamente, pela relação entre trabalho e capital. Nesta 
relação, educação pensada e ofertada para os filhos da classe trabalhadora, 
intencionalmente, estabelece uma relação de dominação e hegemonia da ideologia 
burguesa na formação de indivíduos padronizados, individualistas e competitivos. 
 A escolha em realizar a pesquisa na Região Sudeste Paraense está relacionada 
ao processo de luta permanente e resistência do MST no enfrentamento às empresas do 
agronegócio, como a mineradora Vale, as ações frequentes da pistotolagem e das ações 
contra-hegemônica que o MST tem proporcionado desde as escolas e as intervenções 
em outros espaços da luta pela terra. 
A pesquisa de campo foi realizada no Estado do Pará, com base na análise do 
trabalho das escolas dos assentamentos e acampamentos do MST, como também na 
observação da Jornada Estadual dos Sem Terrinha. O MST, no Pará, tem provocado o 
conjunto do MST, através do Setor de Educação, a refletir sobre o lugar da infância no 
 
1
 Este Congresso fortaleceu nacionalmente a origem e identidade ao nome Sem Terrinha no MST. Ver 
referência nos documentos: Capítulo 3 da Dissertação. Monografia “Sem Terrinha Semente de 
Esperança” IEJC/RS (1999) e Dicionário da Educação do Campo “A infância do campo” (2012). 
21 
 
Movimento. Na realização do VI Congresso Nacional do MST, em 2014, uma 
delegação de crianças do Pará participou sem os seus pais do Congresso, fato único até 
então. Em 2015, foi delegada para um coletivo de crianças a tarefa de pensar como 
deveria ser o encontro dos Sem Terrinha Estadual e apresentar para Direção Estadual do 
MST. Também foi garantida a participação de uma representação de crianças, indicada 
em cada área de assentamento e acampamento, para participação do Encontro Estadual 
do MST/PA, com intervenção nas plenárias e assembleias dos Sem Terrinha. 
 No contexto da luta e da resistência permanente, o Movimento no Estado do 
Pará tem buscado realizar ações de formação com as crianças na escola, nos Encontros 
Sem Terrinha e outros espaços que buscam se contrapor à educação na lógica do capital. 
As vivências, no sudeste do Pará, se deram no período de outubro de 2014, e em Maio e 
outubro de 2015, nas atividades dos Encontros Estaduais dos Sem Terrinha, e da 
atividade nacional da produção coletiva de uma orientação para as escolas de educação 
infantil de assentamento, que, todavia está em construção. 
 A escolha do lugar e dos sujeitos da pesquisa levaram em conta a luta pela terra 
e o contexto do conflito agráriodo Estado do Pará, bem como o protagonismo das 
crianças, garantido pela sensibilidade do coletivo de militantes do MST, no Pará, 
proporcionando que as jornadas dos Sem Terrinha fossem se transformando em espaço 
preparado com elas e, de fato, delas. Podemos afirmar que a infância, forjada na luta 
pela terra, através da organização do MST, é lutadora e construtora, especialmente de 
uma referência de um lugar que permite o ser criança e ter infância. 
 Com relação ao método de estudo, a importância da teoria como um 
referencial para a pesquisa e, nesse caso, o materialismo histórico dialético para o 
aprofundamento da análise da sociedade capitalista, me permitiu estudar o processo de 
desenvolvimento do capitalismo, as contradições geradas pela acumulação do capital, o 
papel da educação na perspectiva marxista, tendo a teoria como um referencial 
fundamental, alicerçada pela prática social, articulando o fazer e o pensar, a luta e 
construção. Essas questões foram umas das referências na construção da pedagogia 
socialista soviética na construção da escola do trabalho. Para Saviani (2011), 
 
[...] a filosofia da práxis, tal como Gramsci chamava o marxismo, é 
justamente a teoria que está empenhada em articular a teoria e prática, 
unificando-as em práxis. É um movimento prioritariamente prático, 
mas que se fundamenta, teoricamente, alimenta-se da teoria para 
22 
 
esclarecer o sentido, para dar direção à prática. Então, a prática tem 
primado sobre a teoria, na medida em que é originalmente. A teoria é 
derivada. Isso significa que a prática é, ao mesmo tempo, fundamento, 
critério de verdade e finalidade da teoria. A prática, para desenvolver-
se e produzir suas consequências, necessita da teoria e precisa ser por 
ela iluminada. Isso nos remete à questão do método (SAVIANI, 2011, 
p. 120). 
 
 O “Método da economia política” de Marx, constante do livro Contribuição à 
crítica da economia política, explicita a passagem do “empírico ao concreto” – ou a 
passagem da “síncrese à síntese”, da prática social global como ponto de partida e como 
ponto de chegada (SAVIANI, 2011, p. 121). O método pedagógico explicado a partir 
dos fundamentos teóricos da concepção materialista dialética da história, para Saviani 
(2011) possibilita que as questões apareçam como resultantes das relações sociais 
globais, ou seja, é necessário serem compreendidos historicamente pela herança que 
cada geração herda da anterior através dos modos de produção que as impõe a tarefa de 
“desenvolver e transformá-la”, através dos meios de produção de determinada 
sociedade. “A educação, na medida em que é uma mediação no seio da prática social 
global, cabe possibilitar que as novas gerações incorporem os elementos herdados de 
modo que se tornem agentes ativos no processo de desenvolvimento e transformação 
das relações sociais” (SAVIANI, 2011, p. 121). 
 A junção da teoria e prática corresponde a uma necessidade de “transformar a 
realidade” a partir das condições de produção da vida material dos seres humanos, base 
social de uma formação social, e pela capacidade de transformar a natureza e se 
apropriar dela, base e fundamento da diferenciação entre o homem e os animais. E, 
nesse sentido, a concepção da educação socialista decorre de que a criança não nasce já 
com as características que a define como humano, mas é as relações sociais que ela 
estabelece que as constituem e que vai definir a sua própria sobrevivência e existência 
na história. 
 
O homem é, pois, um produto da educação. Portanto, é pela mediação 
dos adultos que num tempo surpreendentemente muito curto a criança 
se apropria das forças essenciais humanas objetivadas pela 
humanidade tornando-se, assim, um ser revestido das características 
humanas incorporadas à sociedade na qual ela nasceu (SAVIANI, 
2013, p. 250). 
 
23 
 
 A formação humana tem como desafio superar as relações de classe e pensar em 
uma educação da infância que rompa com a concepção burguesa de educação que se 
prende somente na escola burguesa, Lombardi (2013) nos indica um “tripé” de ações, 
nesta direção: “Empreender uma radical crítica à educação burguesa; organizar uma 
educação crítica dos trabalhadores; uma formação política para a luta 
revolucionária”, (SAVIANI, 2013, p.15). Assim, explicita-se a implementação da 
pedagogia revolucionária na prática educativa. O materialismo histórico dialético é, sem 
dúvida, uma teoria social que possibilita uma metodologia de análise com base no 
movimento da realidade e nos processos históricos antagônicos. 
 
[...] o marxismo torna-se a referência epistemológica mais importante 
do século XX. Isto é, o marxismo, enquanto método científico, 
tornara-se patrimônio universal da filosofia contemporânea, assim 
como a filosofia de Descartes tornara-se referência universal para a 
modernidade. Por isso, pensar e pesquisar a partir da dialética entre as 
classes sociais, relacionar infraestrutura e superestrutura, contexto 
histórico e subjetividade, priorizar o trabalho como categoria e fonte 
de valor e, sobretudo, considerar a coletividade e a igualdade entre 
(homens) valores prioritários frente à liberdade individual, qualifica 
programas políticos e posturas intelectuais de socialistas ou de 
esquerda, independente de qualquer identificação político-burocrático 
(NOSELLA, 2002, p.108). 
 
No caso da pesquisa com a infância no MST, os procedimentos metodológicos indicam 
a necessidade de compreender que, historicamente, o lugar das crianças foi forjado 
através da luta pela terra, inserida nas contradições do capitalismo. Desta forma, um 
dos objetivos neste trabalho é entender como, apesar da preocupação com uma 
formação crítica, a pedagogia do capital atinge as crianças do campo e cidade, e 
inclusive no MST, nos limites da sociedade de classe, vem proporcionando formação 
política às crianças Sem Terra, nas últimas três décadas. É desafiador trazer a infância 
para dentro das pesquisas, num contexto marcado pela fetichização da infância, pelo 
consumismo, em que a tecnologia tem, cada vez mais, criando brinquedos e produtos 
que dialogam com a criança, compondo-se as relações sociais atuais na vida da criança, 
no embate colocado pela relação capital e trabalho. Postman, em seus estudos sobre a 
infância como “desnecessária e inevitável”, com foco no desaparecimento da infância 
no final da década de 1970 e início de 1980, nos Estados Unidos, afirma que: “Para 
onde quer que a gente olhe, é visível que o comportamento, a linguagem, as atitudes e 
os desejos, – mesmo a aparência física – de adultos e crianças se tornam cada vez mais 
24 
 
indistinguíveis”. E que todas as evidências indicam que a “história da infância se 
tornou, agora, uma indústria importante para os especialistas” (POSTMAN, 2012, p. 18 
– 19). Sobre o assunto, Felipe entende que, 
Aos pesquisadores das crianças, cabe a tarefa de elaborar um 
conhecimento que, captando a sua historicidade, permita apreender 
como pensam, sentem e vivem a vida. Um conhecimento capaz de 
incorporar no seu dizer a memória individual e social, a produção 
simbólica e discursiva das crianças de todos os grupos sociais, naquilo 
que têm de comum (como seres do mundo) e diverso (como seres que 
interpretam para si o mundo). Tanto na cidade como no campo, talvez 
tenha mudado “a rua da infância”. O que permanece é a tarefa de 
articular os ordenamentos sociais com a produção cultural das 
crianças, sem pretender atribuir uma liberdade da qual não dispõem – 
na medida em que só se pode ser humano com os outros, nem negar a 
faixa de autonomia que dispõem para produzir um lugar no mundo. 
(FELIPE, 2009, p.64). 
 
 O direitoda criança, no MST, ganha uma forma diferente ao da sociedade 
hegemônica, mas, sem dúvida, as influências da pedagogia do capital está em toda parte 
e, por isso, os acampamentos e assentamentos do MST, como não são lugares isolados, 
também acabam sendo influenciado pela lógica do capital. 
 
O reconhecimento da alteridade das crianças em relação aos adultos 
(da sua linguagem, do seu modo de pensar e conhecer) abre um leque 
de possibilidades de pesquisas com crianças. Há, sem dúvida, um 
grande ganho nesta formulação, na medida em que as crianças podem 
ser tomadas como sujeitos de pleno direito, capazes de gestar e gerir 
situações complexas, ideia que se opõe à infância como um período de 
minoridade. (FELIPE, 2009, p. 69). 
 
 A pesquisa com criança, no caso específico da luta pela terra, nos mostra que 
juntamente com os seus familiares, ela enfrenta o latifúndio da terra, as empresas do 
agronegócio e que vem se tornando um grande problema na disputa pelo território do 
campo. Nos estudos de Martins, no final da década de 1970, em pesquisa na região 
Amazônica com crianças filhas da luta pela terra de posseiros e trabalhadores 
deslocados para reforma agrária no Mato Grosso, o autor destaca a importância do 
projeto de pesquisa para a memória histórica sobre as “crianças sem infância”, com o 
objetivo de proporcionar uma pesquisa que revelasse o “que é ser criança no mundo 
subdesenvolvido”, embora a realidade dessas crianças, filhas de posseiros e pequenos 
agricultores, na sua subjetividade não aparentasse uma necessidade de pesquisa. Mas ele 
25 
 
destaca a importância em estudar e pesquisar a infância e como ela vai sendo suprimida 
da história: 
 
A supressão da infância suprime ao mesmo tempo processos sociais 
vitais, pois submete as novas gerações a relações sociais e uma 
socialização enferma que já não estão mais sob domínio de homens e 
sim de coisas. É ilusória a liberdade gestada nessas condições, porque 
é antes de tudo a liberdade da coisa, da mercadoria, da criança 
convertida em mão de obra real ou potencial. [...] Gostaria, 
igualmente, que este nosso trabalho encorajasse os pesquisadores das 
ciências sociais a trabalharem mais amplamente com a concepção de 
mudos da História, os deserdados, banidos e excluídos, os sucateados 
pelas conveniências do poder e do grande capital, são cada vez mais 
sujeitos do processo histórico. (MARTINS, 1991, p. 14-16). 
 
 Para Martins (1991), são elencados dois pontos importantes para a pesquisa: o da 
história oral e da história documental. Ele considera que dificilmente o historiador 
considere a primeira tão importante quanto a segunda. E, com isso, ficam evidentes que 
os documentos são registros importantes, mas que determina uma linguagem e um 
tempo da vida que certamente não contempla a infância. A escolha feita em retratar em 
seu processo o “que é a supressão da infância na periferia do mundo moderno 
desenvolvido e abastado” aponta como problema social uma multidão de crianças 
convertidas no exército de reserva, mão de obra excedente para a reprodução do capital 
(MARTINS, 1991, p. 12). Essa pesquisa nos chama atenção pelo sentido da dedicação e 
atenção dada pelo pesquisador para com essa frente etária: 
 
O pesquisador quase sempre pressupõe e descarta, no grupo que 
estuda, uma parcela de seres humanos silenciosos, os que não falam. 
De nada adiantaria conversar com eles. São os que em público e 
diante do estranho permanecem em silêncio: as mulheres, as crianças, 
os velhos, os agregados da casa, os dependentes, os que vivem de 
favor. Ou os mudos da história, os que não deixam textos escritos, 
documentos. [...] Ainda que os cientistas sociais reconheçam e 
incorporem em suas investigações a diferenciação social, como as 
classes sociais, ou gêneros, fazem-no no intuito de resgatar categorias 
sociais que tem substância e especificidade. Quando o operário fala, é 
a fala da classe; quando a mulher fala, é a fala do gênero. Mas as 
ciências sociais têm trabalhado pouco outra modalidade de 
diferenciação que é metodologicamente fundamental: referi-me à que 
diz respeito ao enquadramento ou não da pessoas na linguagem que o 
instrumental sociológico pode captar e que é, na verdade, um código 
de poder, uma linguagem de poder (e também de classe média, de 
gênero masculino, de idade adulta) (MARTINS, 1991, p. 53- 54 – 55). 
 
26 
 
 
 Estudos sobre a infância
2
 vêm mostrando os efeitos da sociedade capitalista na 
limitação dos direitos à infância, que afeta mais as crianças da classe trabalhadora, 
reafirmando o "não lugar" que as crianças historicamente tiveram na sociedade, o que as 
afasta das esferas da participação, da "política" e do trabalho como princípio educativo. 
As crianças do MST podem dar uma grande contribuição aos estudos da infância da 
classe trabalhadora por considerar essas dimensões muitas vezes esquecidas. 
 
Os Sem Terrinha, como os próprios se denominam para marcar sua 
identidade de “ser criança Sem Terra”, são, sobretudo, “crianças em 
movimentos”, por tanto, estão inseridas na dinâmica de um 
movimento social que também elas, como criança ajudam a construir. 
Ao mesmo tempo, não estando fora do contexto de uma sociedade 
desigual e excludente, trazem as marcas do mundo do trabalho, da 
fome, do frio, das desigualdades de se viver embaixo da lona preta, do 
sacrifício da luta cotidiana pela sobrevivência; seus corpos expressam 
sua condição de classe. Por outro lado, seus corpos também retratam 
uma identidade de luta, dignidade e confiança no presente e no futuro, 
porque estão inseridos em um movimento social que produz essa força 
no interior dos seus processos educativos (ARENHART, 2007, p. 43). 
 
Compreendendo a necessidade da organização infantil a partir da realidade 
concreta da luta do MST, criando uma organização para além do processo institucional 
da escola, foi fundamental colocar em pauta as crianças no MST e as questões que a 
afetam no dia a dia e que tornam-se pautas de luta das crianças. A concepção de 
infância que o MST foi construindo ao longo de seus 31 anos tem uma perspectiva 
histórica, dialética e crítica com base na realidade social. Sua prática educativa está 
vinculada ao pensamento da educação popular, com base na pedagogia do oprimido e da 
Pedagogia Socialista, base e fundamento que compõe a própria construção da Pedagogia 
do Movimento Sem Terra. Na construção da prática educativa, o processo de construção 
coletiva de formação humana é o que dá significação ao resultado do trabalho educativo 
no MST. 
 A contradição da propriedade privada, da concentração fundiária e da 
ultraexploração do trabalho gerado pelo capitalismo, no contexto da luta pela terra, é 
resultado do processo histórico das forças dominantes sobre a classe trabalhadora e que, 
 
2
 Os estudos de Neil Postman - O desaparecimento da Infância; Mary Del Priori - História das crianças 
no Brasil. José de Souza Martins - O Massacre dos Inocentes. A criança Sem Infância no Brasil. 
27 
 
em cada período se resignifica, mas se mantém com o objetivo da acumulação do 
capital através da “exploração do homem sobre o homem” 3, ou seja, a história de todos 
os tempos é a da luta de classes e, a relação trabalho e capital tem cada vez mais 
desenvolvido um processo de produção destrutiva do capital através da exploração da 
força de trabalho e da propriedade privada, apropriando-se cada vez mais da terra, da 
água e dos bens naturais. 
 O trabalho, desde a sua origem, é a condição básica para a vida humana, que vai 
criar o próprio ser humano (MARX, 2013). O desenvolvimento da humanidadeatravés 
do trabalho surge muito antes da sociedade que conhecemos e vivenciamos, transforma 
a sua própria existência através de atividades com as mãos e diante de novas 
descobertas como andar, produzir sons, se comunicar e o expressar próprio sentimento, 
com o desenvolvimento do cérebro, se torna atividade transformadora na natureza e que 
ao mesmo a modifica. Esse processo de desenvolvimento humano que possibilita a ação 
criativa e coletiva por meio do trabalho social, acompanhado, para Marx, de uma 
alimentação mista principalmente carnívora, ofereceu para a humanidade essenciais 
ingredientes para o desenvolvimento do metabolismo humano. A alimentação mista vai 
significar dois novos avanços na humanidade, o uso do fogo que vai reduzir o processo 
digestivo e a domesticação dos animais sendo que o hábito da alimentação humana 
transforma animais como gatos e cães selvagens em servidores do ser humano. Com 
esse processo de desenvolvimento, com a capacidade humana em se alimentar e 
adaptar-se nos diferentes climas ao quais os animais não conseguiram acompanhá-los, 
“[...] quanto mais os homens se afastam dos animais, mais sua influência sobre a 
natureza adquire um caráter de ação intencional e planejada, cujo fim é alcançar os 
objetivos projetados de antemão”, o qual os diferencia dos animais. (MARX, 2013, p. 
20-21-23). 
 
O trabalho começa com a elaboração de instrumentos. E que 
representam os instrumentos mais antigos, a julgar pelos restos que 
nos chegaram dos homens pré-históricos, pelo gênero de vida dos 
povos mais antigos registrados pela História, assim como pelo dos 
 
3 O Manifesto do Partido Comunista (1872) afirma que o capitalismo cria internacionalmente novas 
necessidades, coloca a propriedade privada em poucas mãos, erguendo a burguesia ao poder com os 
meios de produção e de troca, produz os homens que criam as armas e as manejam, baixa o valor da força 
de trabalho – resultando no salário, para manter a sua existência mínima do ser humano e sua condições 
de trabalho. 
28 
 
selvagens atuais mais primitivos? São instrumentos de caça e de 
pesca, sendo os primeiros utilizados também como armas. Mas a 
caça e a pesca pressupõe a passagem da alimentação exclusivamente 
vegetal à alimentação mista, o que significa um novo passo de suma 
importância na transformação do macaco em homem. (MARX, 
2013, p.20). 
 
 O trabalho tem, em sua dupla condição positiva e negativa, criador e destruidor, 
nos modos de produção onde ocorreu a divisão de classes. O trabalho como princípio 
educativo para a formação humana, e seu significado nesse contexto, é de uma relação 
ativa e criativa para a produção da existência, num processo que vai se realizando ao 
longo da história pelos próprios seres humanos e o resultado desse processo é o próprio 
humano. Porém, com o desenvolvimento humano, o trabalho criativo foi sendo 
submisso ao capital, a reprodução ampliada do lucro que vai ocorrer com a apropriação 
da força de trabalho e divisão social do trabalho, aumentando a produtividade da 
mercadoria, especialização dos trabalhadores, modificando a natureza do trabalho como 
atividade criativa e produtiva para a existência humana. De acordo com Marx, após a 
sociedade primitiva, com a produção de excedentes e o regime de trocas de 
mercadorias, o surgimento das classes sociais, a propriedade privada e o Estado, levará 
à formação de modos de produção cuja essência é a exploração de uma maioria de 
trabalhadores por uma minoria de exploradores. O capitalismo, atual modo de produção 
dominante, analisado por Marx, desenvolveu ao máximo a concentração da riqueza: 
 
Os homens que nos século XVII e XVIII haviam trabalhado para criar 
a máquina a vapor não suspeitavam de que estavam criando um 
instrumento que, mais do que nenhum outro, haveria de subverter as 
condições sociais em todo mundo e que, sobretudo na Europa, ao 
concentrar a riqueza nas mãos de uma minoria e ao privar de toda 
propriedade a imensa maioria da população, haveria de proporcionar 
primeiro o domínio social e político à burguesia e depois provocar a 
luta de classes entre a burguesia e o proletariado, luta que só pode 
terminar com a liquidação da burguesia e a abolição de todos os 
antagonismos de classe. (MARX, 2013, p. 27). 
 
 É nesse cenário da luta de classe, da luta pelo trabalho criativo e da resistência 
histórica da classe trabalhadora em suplantar a propriedade burguesa, buscando superar 
as contradições de classe, a luta por direitos e supressão da propriedade burguesa, 
colocando as contradições e as posições coletivas da classe, que o método que Marx e 
29 
 
Engels utilizaram através do processo histórico de análise do desenvolvimento dos 
modos de produção, nos deixa um referencial que é atual. De que: 
 
 Não queremos, de modo algum, abolir essa apropriação pessoal dos 
produtos do trabalho, indispensável para a manutenção e a reprodução 
da vida humana, pois essa apropriação não deixa nenhum saldo que 
lhe confira poder sobre o trabalho alheio. Queremos abolir o caráter 
miserável dessa apropriação, que faz com que o trabalhador viva para 
multiplicar o capital, viva enquanto é de interesse da classe 
dominante. (MARX & ENGELS, 2008, p. 33). 
 
 O desenvolvimento do capitalismo, no Brasil, tem suas raízes no genocídio dos 
indígenas, no escravismo, na grande propriedade de terra, na exportação de matérias-
primas, na superexploração do trabalho e dos bens da natureza. Essas são as marcas 
históricas desse processo onde os trabalhadores foram permanentemente marcados pela 
violência. Na atual conjuntura – tanto no campo como na cidade –, a questão agrária 
tem sido uma pauta permanente em todo esse recorrido histórico. Alentejano (2014), 
Medeiros & Delgado (2010) pontuam questões históricas que se reafirmam na 
atualidade de formas diferentes na atuação do território brasileiro, cada vez com mais 
intensidade na acumulação do capital. 
 Para Alentejano (2014, p.25), a questão fundiária tem o seu marco histórico na 
Lei de Terra de 1850, “com o instrumento colonial das sesmarias” e, que permitiu a 
concentração fundiária no Brasil, tornando-se um grande problema social e histórico e 
tem sido demarcado através da luta pela terra e que, nos dias atuais, os conflitos da luta 
pela terra e o aparato judicial imposto, bloqueia o acesso à reforma agrária no país. A 
colonização também tem o seu o marco com a “invasão estrangeira” que há mais de 500 
anos vem dizimando os povos nativos, escravizando os povos africanos e, no momento 
atual, com a “internalização da agricultura”, as compras de terras por empresas 
estrangeiras transnacionais, no Brasil, continuam expulsando e assassinando os povos 
do campo dos seus territórios, se apropriando da terra, da água e dos bens naturais do 
território brasileiro (ALENTEJANO, 2014, p. 30). 
 Para Delgado (2010), a década de 1950 foi pautada pelo o discurso teórico e 
político da reforma agrária pós-guerra, obteve reação contrária, conservadora, com o 
discurso da modernização conservadora, técnica e agropecuária que prevaleceu depois 
do golpe militar. Os pensamentos vigentes no período sobre a questão agrária aparecem 
mais sistematizados em 1960, no Partido Comunista (PCB), nos setores progressistas e 
30 
 
reformistas da Igreja Católica; na Comissão Econômica para a América Latina 
(CEPAL); e um grupo de economistas conservadores da Universidade de São Paulo 
(USP), liderados por Delfim Netto. A realização de uma reforma agrária, em seu sentido 
clássico, nesse período, era apoiada por um amplo leque de setores da sociedade 
organizada pelo PCB, setores da Igrejae a CEPAL. A Igreja Católica progressista teve 
um papel importante no Primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) que 
legitimou a “função social da propriedade”, elaborado durante a Nova República, pós-
ditadura, em 1985 (DELGADO, 2010, p. 81). 
 
O pensamento católico sobre a questão agrária teve uma importante 
influência política e social nesse período, e iniciou um processo de 
mudança na atitude da Igreja sobre a mentalidade dos católicos sobre 
a reforma agrária. A partir de sua Doutrina Social, a Igreja legitima o 
princípio da “função social da terra”, promulgada em novembro de 
1964. Ela substitui a tradicional concepção jurídica da propriedade, 
proveniente da Lei de Terras de 1850, que trata a terra como uma 
simples mercadoria. (DELGADO, 2010, p. 83). 
 
 Para o autor, o período histórico de 1965-1982, considerado “idade de ouro” 
pelo “desenvolvimento da agricultura capitalista e integração à economia industrial e 
urbana” (DELGADO, 2010. p. 86), no desenvolvimento que nasce com a derrota do 
movimento pela reforma agrária e que responde à política da década de 1950 da 
produção cafeeira e dos desafios que a modernização impõe no campo da exportação 
primária e diversificação agroindustriais mediada pelo setor financeiro público. É 
também um período de perseguições políticas durante a Ditadura Militar, pois as 
“principais lideranças camponesas foram presas, assassinadas ou forçadas à 
clandestinidade” (MEDEIROS, 2010, p. 124), e não tendo alternativas com a rápida 
modernização, os trabalhadores do campo sem perspectivas de continuidade nos seus 
territórios, buscam possibilidade de trabalho, tendo que abandonar o campo para viver 
nas periferias das cidades, ou então, se mantendo no trabalho agrícola assalariado, do 
corte da cana, da laranja, do algodão, entre outras formas encontradas pelos 
trabalhadores do campo para sobrevivência. Esse período de desenvolvimento, 
modernidade e fusão da agricultura e indústria, para Delgado, se caracteriza, por um 
lado, na mudança da base técnica dos meios de produção, 
 
31 
 
[...] materializada na presença crescente de insumos industriais 
(fertilizantes, defensivos, corretivos do solo, sementes melhoradas e 
combustíveis líquidos); e máquinas industriais (trator, colheitadeira, 
equipamentos de irrigação e outros implementos). Por outro, ocorre 
uma integração de grau variável entre produção primária de alimentos 
e matérias-primas e vários ramos industriais, como os oleaginosos, 
moinhos, indústrias de cana e álcool, papel e papelão, fumo e bebidas. 
Esses blocos de capital irão constituir mais adiante a chamada 
estratégia do agronegócio, que vem crescentemente dominando a 
política do Estado (DELGADO, 2010, p. 85-86). 
 
 Lembra-nos Delgado (2010) que é importante não esquecer que a investida do 
capital, o pacto territorial industrial e o latifúndio da terra na modernização da 
agricultura conservadora “nasce com a derrota do movimento da reforma agrária”, nos 
últimos anos do século XX, como a política neoliberal implementada durante o governo 
Fernando Henrique Cardoso (1994-2001), com a retomada de um novo ciclo de 
modernização do agronegócio, articulado pela associação do capital agroindustrial 
com grande propriedade fundiária. 
 
O segundo Governo de Cardoso iniciou o relançamento do 
agronegócio senão como política estruturada, com algumas iniciativas 
que no fim convergiram: 1) programa prioritário de investimento em 
infraestrutura territorial com “eixos do desenvolvimento”, visando a 
criação de economias externas que incorporassem novos territórios, 
meios de transportes e corredores comerciais ao agronegócio; 2) 
explícito direcionamento do sistema público de pesquisa agropecuária 
(EMPBRAPA) a operar em perfeita sincronia com empresas 
multinacionais do agronegócio; 3) regulação frouxa do mercado de 
terra, de sorte a deixar fora do controle público as “terras devolutas”, 
mais aquelas que declaradamente não cumprem a função social, além 
de boa parte das autodeclarações produtivas; 4) mudança da política 
cambial, que, ao eliminar a sobrevalorização tornaria o agronegócio 
(associação do grande capital com a grande propriedade fundiária – 
sob mediação estatal) competitiva no comércio internacional e 
funcional para a estratégia do “ajustamento constrangido” 
(DELGADO, 2010, p. 94). 
 
 Na afirmação de Alentejano (2014), os efeitos do processo histórico na questão 
agrária brasileira resultam nas desigualdades da distribuição de terras, no Brasil, entre 
“a discrepância da representação política entre camponeses e agricultores familiares” e 
os “grandes proprietários de terras” que obtêm “1.587 vezes mais recursos públicos que 
os camponeses e agricultores familiares para o financiamento da produção 
32 
 
agropecuária”. Esse modelo de agricultura destrutiva e mercantilista, representado pelo 
agronegócio derivado da “concentração fundiária e as desigualdades” existentes, 
representa, 
 
A crescente internacionalização da agricultura brasileira seja em 
relação ao controle da tecnologia, do processamento agroindustrial, da 
comercialização, da produção agropecuária e da compra de terras; a 
crescente insegurança alimentar decorrente das transformações 
recentes na dinâmica produtiva da agropecuária brasileira; a 
perpetuação da violência e exploração do trabalho no campo e da 
devastação ambiental no campo brasileiro (ALENTEJANO, 2014, p. 
24). 
 
 A base do sistema capitalista está alicerçada na concentração fundiária e na 
ultraexploração do trabalho para a reprodução da classe trabalhadora e produção para o 
agronegócio. Compreender a questão agrária e seus fundamentos no contexto da luta 
pela terra e o MST – que por uma necessidade concreta faz o enfrentamento ao 
latifúndio da terra –, é também pensar o lugar reservado para a infância do campo no 
contexto agrário e, no caso específico, as crianças do MST que fazem a luta pela terra 
juntamente com as suas famílias. Que questões ou indagações trazem as crianças nesse 
contexto de conflito agrário? Para Felipe, 
 
A infância do Brasil agrário está marcada pela estabilidade, pela 
continuidade sem tensão entre a ordem social e os indivíduos. O tom 
estável, monofônico, sugere a existência de um mundo homogêneo, 
sem desvios, principalmente em relação às crianças. [...] Com a 
Constituição de 1934, ainda de forma bastante incipiente, a infância 
passa a fazer parte da ação e da função política do Estado. Ela surge 
no bojo de duas grandes transformações da sociedade brasileira, a 
industrialização e a urbanização, base material da ascensão de um 
novo modelo de família, a família conjugal. (FELIPE, 2009, p. 39-
52). 
 
 O lugar da infância da classe trabalhadora, no capitalismo, foi demarcado 
historicamente pelo trabalho, seja pela exploração do capital a que ela está sujeita ou de 
sua família. Na atualidade, se amplia para uma perspectiva de uma visão romântica de 
infância, desconectada das relações sociais, da produção de uma “infância ideal” de um 
ser em potencial consumidor, mais um elemento que se contempla na relação entre 
trabalho e capital, como afirma Felipe: 
33 
 
 
A globalização fez o mundo maior, embora marcada por uma 
“perversidade sistêmica”. Para a infância, ela implica em alargamento 
dos espaços de socialização, que envolvem outros elementos além da 
relação adulto-criança. Além dos adultos, as crianças se relacionam 
com objetos, imagens, mundos outros sobrepostos ou em conflito com 
os seus. Por sua vez, os adultos não se resumem aos pais e 
professores, e talvez sejam estes os que têm menos controle sobre a 
socialização das crianças, pobresou ricas, urbanas ou camponesas. 
Além de maior, o mundo ficou mais veloz em todos os lugares que a 
globalização uniu, e a descontinuidade entre tempo histórico e lugar é 
um desafio aos modos de pensar estruturados. (FELIPE, 2009, p. 64). 
 
 A criança faz parte de um processo que não se separa do projeto hegemônico do 
capital, na sua especificidade, desde a inserção da criança pobre da classe trabalhadora 
na vida da família, na creche, na escola, no trabalho, entre outros. O direcionamento da 
formação da criança está ligado à sociedade em que ela vive. Sendo a sociedade 
capitalista vigente, certamente, se a criança não tem uma inserção na sua comunidade, 
nos movimentos sociais e políticos ou outros tipos de organização que as permita 
pensar, serem críticas e que esteja inserida na vida do seu lugar, possivelmente a sua 
formação estará condicionada à forma de submissão e aceitação do lugar reservado a ela 
no capitalismo. 
 
 No movimento da luta, os Sem Terra no MST, movimentam danças de 
diferentes ritmos, cores, sons que expressam desejos, vontades, desordem – 
subversividade à ordem. O desenho coletivo que vai sendo gestado no imaginário 
humano, desde a sua luta, tem em sua essência o rompimento com o meu, passando a 
ser o nosso, a palavra expressiva da arte em construção. Da arte de viver e sobreviver, 
com cores que nem sempre são as escolhidas, mas as possíveis, de danças e sons que 
existem para resistir ao tempo e suas contradições, formam-se em beiras de estradas, nas 
grandes áreas de terras concentradas (produtora de sons e ritmos “intolerantes” 
intoleráveis à ordem....), nascendo uma espacialidade diferente, forjada por lonas pretas 
ou palhas... Insistindo num movimento de mudanças, que nasce sempre da ausência de 
direitos, da concentração fundiária e da propriedade privada, logo, das relações 
capitalistas de exploração. 
34 
 
 O acampamento de lona preta ou palha, ou de pedaços de lonas em suas 
diferentes cores, vai sendo desenhado conforme a “aquisição” de tintas da sua 
população, se tornando uma pequena ou grande “cidade” de moradias improvisadas e 
itinerantes. A disposição dessa população, específica - que, por alternativa possível de 
trabalho, passa fazer parte do MST - enfrenta com organização e coletividade o 
latifúndio da terra no Brasil. 
A ocupação da terra, em certa medida, busca romper com a estrutura 
individualista de sociedade, proporcionando às famílias, que ali passarão a residir, a 
transformação da forma de pensar sobre o mundo e suas contradições. Embora o 
processo de formação da consciência não seja algo dado, ao enfrentar o latifúndio da 
terra e lutar pela distribuição, projeta-se outro tipo de sociedade a partir do seu lugar, 
modificando-se a sua forma de vida e atuação social. Ocupar o latifúndio da terra, para 
as famílias, é muito mais que romper a cerca de arames farpados, é romper com a 
história burguesa, com crenças e ideários que até então tinham determinado suas vidas. 
É estar disposto a ser coletivo, a dividir o pouco que se tem com o conjunto de famílias 
acampadas, é respeitar as decisões do coletivo, é aprender a ouvir e ter, na força da luta, 
a vontade e ousadia em continuar lutando. Embora as contradições e conflitos sejam 
permanentes no dia a dia dos acampamentos do MST, pois este é um lugar habitado por 
homens, mulheres, crianças, jovens, adultos e idosos, no qual vive o sonho de ter 
dignidade, conquistar a terra para sua moradia e produção de alimentos requer também 
um processo contínuo na formação da consciência. 
O latifúndio é o pecado agrário brasileiro. Na afirmação de João Pedro Stedile 
(2000), a natureza do latifúndio foi a transformação da terra em uma falsa mercadoria 
para exploração, sendo que ela não é um bem de produção, não é fruto do trabalho 
humano, do trabalho acumulado, produzindo uma sociedade desigual. A terra é um 
“bem da natureza como a água, o vento, o sol”, mas como a terra não se multiplica e 
não se recria, o ser humano “instituiu a propriedade privada da terra” não como 
mercadoria, mas como uma forma de garantir lucros, acumulação e exploração do 
trabalho do outro. A terra tem um caráter de “espaço de exploração”, gerando uma 
sociedade com maiores diferenças sociais, “maior distância entre pobres e ricos” e vai 
determinar as relações sociais campo e cidade, num “caráter de cultura” das elites 
brasileiras, herança colonial latifundiária, escravagista, na transformação de grandes 
proprietários de terras. (STEDILE, 2000, p. 10-11). 
35 
 
 
Portanto, para derrotar o latifúndio, é preciso derrotar o atual modelo 
econômico, como um todo, que é excludente e subordinado aos 
interesses do capital internacional e financeiro. E essa não é uma 
tarefa apenas dos sem-terras, dos pobres do campo, dos trabalhadores 
rurais, mas sim uma tarefa do povo brasileiro, da maioria de sua 
população. A sociedade brasileira não conseguirá livrar-se do inferno 
da pobreza, da desigualdade social, das injustiças sociais, e do poder 
político exercido por uma minoria, se não extirpar o pecado do 
latifúndio. (STEDILE, 2000, p. 56). 
 
A realidade enraizada da “cultura da elite escravagista” brasileira é reveladora 
no século XXI. A matéria produzida pelo EcoDEBATE (2016), publicado pelo Jornal 
Brasil de Fato
4
, destaca as operações de fiscalização e resgate de 936 pessoas em 
“condições análogas às de escravos” no Brasil, no período de janeiro a dezembro de 
2015. E, destas, o perfil principal das vítimas “é de jovens do sexo masculino com baixa 
escolaridade e que tenha migrado internamente dentro do país”. 
 É nesse contexto agrário que trabalhadores do campo e da cidade, negando-se 
em viver na estrutura da extrema “exclusão social” e da exploração, ocupam a terra que 
deveria ser um “bem comum” e constroem sua moradia nos acampamento do MST, que 
se torna lugar de resistência para todas as pessoas que fazem parte dele, incluso as 
crianças. E, no caso das crianças Sem Terra, em todo Brasil, elas convivem com as 
diferentes situações de violação dos seus direitos humanos, cuja principal violação 
pode-se afirmar que é a negação, à sua família, do acesso ao trabalho digno, que resulta 
na desproteção quanto à alimentação, ao acesso à educação, à saúde e à moradia, 
elementos determinantes na formação da criança. 
 No que se refere às crianças da classe trabalhadora, são muitos os exemplos de 
como elas sofrem e como elas são violentadas. A mídia burguesa é um exemplo; seja 
através da diferentes mercadorias produzidas pela força de trabalho da classe 
trabalhadora e apresentada nas diferentes mídias, principalmente na televisão – a mais 
popular delas –, dos alimentos que nem sempre ela tem acesso, mas sonha em ter, bem 
como da criminalização da luta dos seus pais. E quando se refere às crianças e ao MST, 
é como se as famílias que ali residem não lutassem por um mundo melhor e colocassem 
os seus filhos em “risco” por uma opção. O sensacionalismo da mídia burguesa reforça 
 
4
 "Fiscalização resgatou 936 pessoas de trabalho escravo no Brasil em 2015". 
Disponível em: http://www.ecodebate.com.br/2015/12/29/fiscalizacao-resgatou-936-pessoas-de-trabalho-
escravo-no-brasil-em-2015/Acesso em: 07/01/2016 às 12h50. 
36 
 
a ideia de que o Movimento exerce uma relação de violência sobre as crianças ao levá-
las para a ocupação da Terra, colocando-as no conflito e sob “doutrinação”. Outro 
exemplo de violação aos direitos humanos encontra-se expresso nos depoimento de 
Gorgen
5
 para o MST, em sua participação na primeira ocupação em 1981: 
 
Procuro, em minha memória, as imagens mais marcantes das criançasdurante os anos de minha militância junto ao Movimento dos Sem 
Terra. São tantas e tão fortes. Mas a mais marcante é um pouco 
distante no tempo e é de uma criança anônima. (GORGEN, 2009, p. 
5). 
 
Distância marcada pelo tempo e tão próxima da realidade social que não alterou 
a forma de exploração. A infância marcada pelo contexto da ditadura civil militar, em 
meio à repressão e violência que aterrorizam o seu grupo social, teimosamente 
questionam a estrutura fundiária do país através de sua luta. Para o Frei Sergio Gorgen, 
que participou em uma das primeiras ocupações de terra no sul do país, a Encruzilhada 
Natalino, em Ronda Alta, período de muita tensão no acampamento, as famílias 
acampadas expressavam, em seus olhares, certo medo e incertezas pelo período 
estabelecido pela ordem do Exército Nacional e pela Polícia Federal, a mando do 
Presidente-ditador João Batista Figueiredo, com o comando da operação local, o coronel 
Sebastião Rodrigues de Moura o “temido coronel Curió”.6 
 
Tudo o que vi, ao meu redor, era desilusão, insegurança e desespero. 
Caminhei por todo o acampamento, rodeado por agentes da Polícia 
Federal, sem poder conversar com ninguém. [...] Ninguém podia 
conversar com ninguém sem ser vigiado. Muitos perdendo a esperança 
e desistindo, aceitando colonização no Mato Grosso e abandonando o 
acampamento com grande estardalhaço. Tentei trocar algum olhar de 
encorajamento com algumas lideranças que vinha pelo caminho, mas, 
àquelas alturas, eu já considerava aquela uma batalha perdida. Meu 
 
5
 Ver em anexo: Prefácio completo do Livro Crianças em Movimento. As mobilizações infantis no MST. 
Depoimento do Frei Sergio Gorgen na visita ao acampamento - Encruzilhada Natalino, na década de 
1980. 
6
 Militar responsável pela repressão da Guerrilha do Araguaia com uma “política clara de extermínio da 
ditadura militar”. No início da década de 1980, Curió foi mandado pelo governo militar para a região de 
Serra Pelada, a fim de comandar a exploração de ouro na região, que naquele momento já contava com 
cerca de 30 mil garimpeiros. Nessa mesma época, o regime o enviou para comandar a repressão a um 
acampamento de famílias sem terra na Encruzilhada Natalino, no Rio Grande do Sul, repressão que 
fracassou. O acampamento foi um dos que deu origem ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem 
Terra (MST). Curió ajudou a fundar uma cidade no sul do Pará, Curionópolis, da qual já foi prefeito. 
Disponível em: http://memoriasdaditadura.org.br/biografias-da-ditadura/major-curio/ Acesso em: 
11/01/2015, as 16h30. 
 
37 
 
coração estava aflito e minha mente perturbada. Naquelas condições, 
não havia resistência possível. Foi quando chamou atenção uma 
criança de uns 4 anos, sentada em cima de um tronco de árvore, na 
beira da estrada, quase ao centro do acampamento, parecendo alheia a 
tudo que ali se passava, sem importar com o aparato militar que a 
rodeava. Cantando, a plenos pulmões, a música-hino dos sem terra 
naquela época: "A grande esperança". Parei, tomado de emoção, 
ouvindo aquela voz infantil rompendo o silêncio imposto pela ditadura 
militar e pelas elites, aos camponeses pobres que estavam ousando 
levantar sua cabeça e dizer sua voz. “A classe loceira e a classe 
opelália, ansiosa espela a refolma aglaria” – cantava a vozinha 
inocente, acordando em mim a coragem amortecida. Naquele 
momento, vi-me tomado de uma súbita certeza: esse povo vai resistir e 
vai vencer. Pela simples razão de que só assim haverá esperança de 
futuro para aquelas crianças e a multidão de outras que se 
acotovelavam, sofriam e brincavam pelos barracos daquele 
acampamento. E assim se deu. A criança venceu o coronel, que hoje é 
cinza na história; e as crianças continuam por aí, pelos acampamentos 
dos Sem Terra, com seus olhinhos brilhando, com sua algazarra 
alegre, com sua perturbadora felicidade brotando do meio da miséria, 
com sua esperança viva, com sua vivacidade esperta, instigando a 
consciência dos que têm coragem de se deparar com elas. (GORGEN, 
2009, p. 5-6). 
 
A infância forjada na luta pela terra, desde o seu nascimento, vai conviver com o 
conflito da luta gerado pela contradição inerente ao sistema capitalista, como também 
vai se realizar como criança com a conquista que a luta coletiva, historicamente, foi 
forjando. A música presente como elemento subversivo na luta é para todas as idades, 
incluso, as crianças, ela (a música) ousa “romper o silêncio” nos momentos de maior 
coflitualidade como afirma Gorgen. E, por isso, as músicas, as palavras de ordem, a 
poesia estão sempre presentes e fortalecendo a luta. As crianças que participam da luta 
dos assentamentos e acampamentos da Reforma Agrária, vinculadas ao MST, possuem 
infâncias particulares, forjadas nas condições concretas de vida, no imaginário coletivo 
e na cultura de seu grupo social. Presentes em todas as fases da luta pela terra, em busca 
de uma vida digna, as crianças, no MST, vão sendo compreendidas como protagonistas 
e construtoras, junto com adultos. Elas produzem uma representação diferente através 
da sua intervenção na história da luta pela terra e o MST. E, por essa razão, participam 
de toda vida construída nesse ambiente que expressa luta, sonhos, projetos, resistências 
e conquistas. 
 Outra expressão da luta de classes e no momento atual e conjuntural no Brasil, 
em 2016, que se faz bem expressivo, são as disputas no campo brasileiro documentadas 
38 
 
em um panfleto
7
, distribuído para a população de São Gabriel no Estado do Rio Grande 
do Sul, em contraposição à Marcha Estadual do MST, em 2003. O episódio afetou 
diretamente as famílias e, principalmente, as crianças, como pode ser conferido pelo 
trecho do panfleto, a seguir: 
 
Povo de São Gabriel, não permita que sua cidade, tão bem conservada 
nesses anos, seja agora maculada pelos pés deformados e sujos da 
escória humana. São Gabriel, que nunca conviveu com a miséria, 
terá agora que abrigar o que de pior existe no seio da sociedade. Nós 
não merecemos que essa massa podre, manipulada por meia dúzia de 
covardes que se escondem atrás de estrelinhas no peito, venham trazer 
o roubo, a violência, o estupro, a morte. Estes ratos precisam ser 
exterminados. Vai doer, mas para grandes doenças, fortes são os 
remédios. É preciso correr sangue para mostrarmos nossa 
bravura. Se queres a paz, prepara a guerra, só assim daremos 
exemplo ao mundo que em São Gabriel não há lugar para 
desocupados. Aqui é lugar de povo ordeiro, trabalhador e produtivo. 
[...] Se tu, gabrielense amigo, possuis um avião agrícola, pulveriza, 
à noite, 100 litros de gasolina em vôo rasante sobre o 
acampamento de lona dos ratos. Sempre haverá uma vela acesa para 
terminar o serviço e liquidar com todos eles. Se tu, gabrielense amigo, 
és proprietário de terras ao lado do acampamento, usa qualquer 
remédio de banhar gado na água que eles usam para beber, rato 
envenenado bebe mais água ainda. Se tu, gabrielense amigo, 
possuis uma arma de caça calibre 22, atira de dentro do carro 
contra o acampamento, o mais longe possível. A bala atinge o alvo 
mesmo há 1.200 metros de distância. [...] FIM AOS RATOS. VIVA 
O POVO GABRIELENSE (grifos nossos). 
 
Não distante à realidade fascista de 2003, vivida no acampamento do Rio 
Grande do Sul que em marcha seguia para São Gabriel, também no acampamento Frei 
Henri, município de Curionópolis, Estado do Pará, em 2015, vive essa mesma realidade. 
Esse município desde que o seu nome foi dado pelo Coronel Curió, o repressor da 
Guerrilha do Araguaia e também do acampamento dos Sem Terra, no Rio Grande do 
Sul, em 1981, representa

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