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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE CENTRO DE HUMANIDADES UNIDADE ACADÊMICA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - LICENCIATURA DISCIPLINA: POPULAÇÕES CAMPONESAS E TERRITÓRIO – PERÍODO 2019.2 DOCENTE: DISCENTE: JERSIANNY DE LUCENA SANTOS CUNHA - MATRÍCULA: MST e sua Territorialidade no Acampamento Introdução O processo de ocupação da terra por meio de acampamentos tornou-se uma forma de reivindicar a reforma agrária no Brasil, conquistando no Congresso Nacional o direito de desapropriação caso essas terras não cumprissem com a função social da propriedade. As primeiras ocupações foram em Rio Formoso, Engenho de Camaçari em 1992, em Vermelho, e a partir de então iniciou-se uma saga de ocupações em engenhos que poderiam ser considerados como improdutivos pela Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Nessas ocupações era comum a participação preferencialmente de homens, e depois mulheres e crianças. Embora os indivíduos fizessem outras atividades fora do acampamento, tais como vigiar, vender, trabalhar nos canaviais, catar caranguejos etc., a montagem da barraca era um sinal de participação no acampamento. De acordo com as regras estabelecidas pelo MST, todos os acampados (adultos) devem participar de algum setor do acampamento, seja saúde, educação, almoxarifado, negociação, secretaria, agricultura ou segurança. O trabalho nos setores funciona em rodízio dos diferentes grupos de famílias. Mas todo mundo deve participar de alguma tarefa. Em todos os acampamentos havia uma divisão de trabalho organizado, então quando os homens saiam para outros trabalhos, as famílias ficavam cuidando das barracas fazendo os respectivos trabalhos. A participação em atividades do MST, entre elas o trabalho de base, faz parte, para alguns acampados e assentados, de um compromisso ou de uma obrigação, de uma troca que tem que ser feita com o trabalho. A duração desses acampamentos podia variar entre meses ou anos, como em Mamucaba que começou em 1998 e em 2004 ainda existia. Os acampamentos consistem na ocupação de propriedades de terra em situação irregular ou ilegal, não é uma invasão descontrolada ou sem sentido. Nessa propriedade, as famílias que fazem parte do Movimento instalam o acampamento, e passam a viver ali como forma de exercer pressão pela desapropriação daquela propriedade que está irregular. Nos acampamentos, as famílias desenvolvem agricultura familiar e em forma de cooperativas. Quando a terra é desapropriada pelo Governo, ela é concedida àquelas pessoas que ali estão vivendo e produzindo. Só depois de ganhar os direitos sobre a terra, dá-se o nome de assentamento, um processo que costuma levar anos. Atualmente, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra organiza-se em 24 estados por todo o país, é composto por mais de 350 mil famílias, possui mais de 2 mil escolas públicas em seus acampamentos e é responsável pela maior produção de arroz orgânico da América Latina. O Acampamento num contexto Simbólico Os integrantes do grande movimento MST, diziam-se ocupar a terra, em vez de invadir, verbo este empregado pela mídia, proprietários e senso comum. A ocupação é diferente da invasão e a diferença está não na prática, mas no significado mesmo dos termos: “Invasão significa um ‘local ocupado ilegalmente’... O que o MST faz é ocupar, que significa ‘ter ou possuir por direito’”. No acampamento, há um fluxo grande de pessoas entrando e saindo. Esses termos que indicam uma ação, tornam-se de uso cotidiano dos acampados. Lygia Sigaud menciona que a entrada ou saída de um acampamento está relacionada ao fato dos acampamentos serem, muitas vezes, uma saída a uma situação difícil, de precariedade e, portanto, o acesso a estes lugares é representado pelos sem-terra como se ingressassem num emprego. Mas a entrada e saída dos acampamentos também tem por trás uma ideia de continuidade e de expectativa de melhorar de vida. O objetivo era “pegar terras” e o estar embaixo da “lona preta” sinalizava não só uma situação de penúria e sujeição às tormentas, eram muito mais do que uma mera reunião. Haviam regras, etiquetas, uma organização espacial, vocabulário próprio e forte simbolismo, como a bandeira do MST, os hinos, poesias e as lonas pretas, um marco do movimento. O ato de ocupar os engenhos como vontade de possuir a terra não se sustenta, uma vez que havia a utopia do “engenho liberto”, no qual poderiam cultivar seus sítios e roçados, criar animais, ou trabalhar para o patrão apenas quando necessitassem de dinheiro. Eles não querem se tornar proprietários, nem pequenos empreendedores rurais. A crença de um futuro melhor passava embaixo dessa lona e constituiu-se em um elemento decisivo para explicar a disposição dos trabalhadores que se instalaram nas terras dos patrões, era uma nova alternativa, mas ainda assim uma alternativa. Por exemplo o caso da Usina Central Barreiros, com a crise da usina que estava falindo, os trabalhadores que moravam e trabalhavam no engenho viram na lona preta uma solução para seus problemas. A barraca legitima a pretensão a pegar a terra; é a prova do interesse da redistribuição das terras, e o estar debaixo da lona preta é representado como um sofrimento que tem como recompensa a terra. A vida nos acampamentos é o momento que se faz visível o enfrentamento do projeto econômico, político e social do MST contra o sistema capitalista; e é por este motivo que os elementos da identidade coletiva dos Sem Terra se constroem no espaço físico e mental, que suporta as mais variadas condições precárias e situações de grande tensão. Ao promover uma ocupação e um acampamento, o movimento diz ao Incra que deseja desapropriação das terras. A ocupação da terra e a vida posterior no acampamento são os momentos onde se geram os elementos comuns que recorrem às diversas identidades de trabalho fragmentado que convergem nos processos para exigir a Reforma Agrária. Ao se instalarem nos acampamentos, os indivíduos tornam-se sem-terra, porque passam a reivindicar a terra para si, e começam a se identificar dessa forma. Quando o grupo conquista os direitos aos créditos e as terras, se sentem devedores do movimento que tornou isso possível; com as redes de solidariedade e conflito que foram construídas a partir das experiências e dos vínculos sociais, se sentem na obrigação de serem leais e cooperar com os movimentos, findando um compromisso com o acampamento. As experiências coletivas assimiladas durante o período de acampamento se restringe ao campo da organização política, sendo pouco efetiva a experiência para a adoção de uma postura coletiva na produção. Fica evidente assim, a importância do coletivo no que se refere o destino do assentamento. A subjetivação construída no acampamento foi promovida através de uma reeducação do indivíduo no sentido de adoção de uma postura coletiva, que contribuiu para substituir a postura individualista que antecedeu o engajamento na luta pela reforma agrária. O acampamento se mostra como uma forma singular de mobilização da luta pela terra e por direitos sociais, e que transforma a percepção social dos sujeitos inseridos neste processo de enfrentamento. O que levou essas pessoas aos acampamentos além do avanço dos processos de industrialização agrícola e irrupção e consolidação das políticas neoliberais no país, foram diversos motivos, tais como perda do emprego, da casa por causa da enchente em Rio Formoso em 1997, separação e crise familiar, atração pela presença de parentes e conhecidos e tantas outras relações sociais; os indivíduos atraídos pela luta em prol da reforma agrária iniciam a construção de uma nova identidade. O intuito era acumular forças para realizar as ocupações. Todas essas pessoas partilhavam de uma mesma crença e sentimento, a de que embaixo da lona preta poderiam melhorar suas condiçõesde vida, ter terra para plantar, criar animais e produzir, sem depender de um patrão. As ocupações são assim uma forma nova de mobilização ao incluir um novo conjunto de símbolos e procedimentos. Uma concentração de movimentos rurais iniciados, especialmente, na região Sul do Brasil, que deu origem ao MST criado oficialmente em 1984, e os objetivos do movimento se traduziram, ao longo dos anos, em organizar uma grande massa de indivíduos marginalizadas, no campo ou na cidade, e construir nelas o desejo da luta pela reforma agrária e pela terra. Eles estão ligados pela consciência de classe, é uma ação coletiva, é um pensamento construído socialmente, pelas experiências e pelas relações. A luta por terras continua vigente mesmo passados 40 anos de diversas tentativas dos diferentes governos de desativar os processos de acesso à terra. As ocupações de terra no Brasil são frequentemente vistas em um registro positivo, como uma nova manifestação da “luta por terra”, ou em um registro negativo, como o produto demoníaco da manipulação das massas por agitadores. A importância Terra para estes movimentos sociais vai muito além do que o significado da palavra em si. Ela só se faz entender dentro de um contexto. Este processo de reconstituição identitária demanda de um processo de aprendizado ancorados no princípio de solidariedade. A identidade adquirida no momento em que se faz parte dessas movimentações vem à tona uma territorialização simbólica diferente daquela elite capitalista. São terras tradicionalmente ocupadas por povos que lutam por uma causa. O território não diz respeito apenas à materialidade, mas também às relações sociais, a moradia, trabalho e celebrações; trata de dimensões cultural e simbólica, e fica expresso o forte sentimento de pertencimento a um lugar e se refere também à organização do espaço carregada de história. Há situações em que a expropriação de terras pode até dissolver os laços territoriais, mas a sua base territorial não perde sua importância, como o caso dos Trabalhadores Sem-Terra. Como diz o jornalista Fabio S Cruz, os Sem-Terra é uma identidade enquanto afirmação política demarcada pela diferença, que se dá através de sua marginalização na sociedade. E como toda identidade marcada através da diferença, a identidade cultural do MST é fixa e imutável, mas sustentada por meio de um discurso político e ideológico capaz de reunir indivíduos de diferentes trajetórias de vida em torno de um mesmo projeto político. Criaram estratégias, como tocar fogo para chamar a atenção, como um produto do processo de resistência criado no interior dos acampamentos que contribuíram para a construção de uma nova sociabilidade. As práticas de reuniões e assembleias durante a fase acampamento também se tornaram base para outras formas de ação coletiva no assentamento. Cedenir de Oliveira, dirigente nacional do MST para o Rio Grande do Sul disse numa entrevista: “Em 1985, quando a Annoni foi ocupada, o tema central era o direito à terra e o direito a produzir. Era claro o enfrentamento dos sem-terra contra o latifúndio improdutivo. Hoje o grande embate é o que e como produzir. Permanece a grande questão da concentração da terra, que não foi resolvida, mas também entram outros pontos como a necessidade de uma alimentação saudável em contraponto à produção de comida com veneno e insumos agrícolas, que é o resultado do agronegócio. O acampamento que estamos oferecendo à juventude servirá para debates como este”. Considerações finais A questão que se coloca diz respeito aos avanços, conflitos, limites e contradições da consciência dos trabalhadores e trabalhadoras rurais em termos de sua compreensão de vida, de sociedade, de política, de religião, de agroecologia, de educação, em que estão inseridos. O reconhecimento da união de forças entre trabalhadores rurais e operários e o não preconceito contra os urbanos que querem morar e trabalhar no campo, juntamente com o processo da educação do campo, nos remete a apontar sendo essa postura um dos pilares de sustentação da existência e resistência do MST, por três décadas, dentro da luta pela terra no Brasil. No contexto observado no trabalho de campo, o acampado quando passa a ser assentado, depois da conquista do seu lote nos projetos de reforma agrária, normalmente continua com a identidade de sem-terra. O que o insere na continuidade da luta por outros acampados e para enfrentar os problemas que surgem para si na condição de assentado, como a dificuldade em acessar créditos para a produção no lote. Entretanto, essa continuidade na luta pode ser observada por dois impulsos. Poderá acontecer pelo entendimento que a luta deverá continuar para os que necessitam da terra, ou por interesse próprio, ao perceber que sozinho não consegue acesso aos recursos financeiros para sobreviver na terra. O Movimento afirma buscar construir uma ideologia que assegure uma educação permeada de informações cidadãs, tornando o indivíduo livre e capaz de perceber e reivindicar seus direitos negados e lutar pela coletividade, numa perspectiva solidária. Às vezes, essa formação - instruções políticas e práticas podem voltar-se, contra o próprio MST, já que alguns integrantes se rebelam por não saberem lidar com a formação instrucionalizada e acabam por questionar não apenas o sistema, os governos e as políticas públicas, mas o próprio Movimento. Não bastam apenas as ações, embora elas também sejam educativas dentro da luta organizada dos movimentos sociais. A leitura da sociedade de classes supõe ir além dos confrontos que se estabelecem. Sem dúvida, as lutas sociais, as manifestações públicas, as ocupações de terras e a organicidade dos acampamentos, consolidam formas de formação política para os trabalhadores camponeses. O entorno dos projetos de Reforma Agrária convive com a realidade transformada, da paisagem física e política dos latifúndios para a emancipação em assentamentos. A identidade sem terra se tornou um grande politizador na construção de laços de identificação entre os trabalhadores do Movimento, sendo perceptível nas lutas nacionais a unidade entre ambos, não importando se reside no sul, sudeste ou norte do país. O que os identificam é a identidade Sem Terra, a luta, os projetos e os ideais. Bibliografia: BERNART, I. G. i. Os Acampamentos e Assentamentos do MST como Expressão do Conflito Capital X Trabalho – Luta pela terra e identidade campesina na área de influência da brigada Salvador Allende, região noroeste do estado do Paraná. Revista Pegada Eletrônica, Presidente Prudente, vol. 10, n. 2, 31 de dezembro 2009. Disponível em: http://www.fct.unesp.br/ceget/pegada102/11isaac1002.pdf. CATTELAN, Renata; MORAES, Marcelo Lopes de. MST e ideologia: a teoria e a prática no assentamento Celso Furtado em Quedas do Iguaçu/PR. Revista NERA, ano 21, n. 41, p. 12-38, jan.-mar. 2018. Dicionário crítico das ciências sociais dos países de fala oficial portuguesa. Org. Sansone, Livio; Furtado, Cláudio Alves. EDUFBA, 2014. Disponível em: http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/14647. Pág. 431-451. Acesso em: 27/11/2019 LOERA, Nashieli Cacília. (2004). A busca do território: uma aproximação à diversidade do seu significado entre os sem-terra. Campinas. Dissertação de Mestrado. Departamento de Antropologia Social. Universidade de Campinas. MOTA, Maria Eleusa da. (2015). Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST e a Escola Nacional Florestan Fernandes – ENFF: a construção da Educação do Campo no Brasil. Uberlândia - MG SIGAUD, Lygia. As condições de possibilidade das ocupações de terra. Tempo Social, Revista de sociologia da USP, v. 17, n. 1. Site: https://mst.org.br/.
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