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DE QUE MANEIRA O PENSAMENTO DOS ORIGINÁRIOS CONTRIBUI PARA PRESERVAÇÃO E CONSUMO RESPONSÁVEL DOS RECURSOS NATURAIS? Faculdade Católica de Feira de Santana Adeilton Silva Costa1 Emanoel Reis de Souza Jefferson Luíz Weslei de Brito Santos Wesley Souza Rocha RESUMO O presente artigo visa, por meio de revisão bibliográfica, analisar a contribuição que os filósofos originários, mais precisamente os filósofos da escola de Mileto, podem dar para a reflexão da cerca da realidade ambiental na sociedade contemporânea. Esses filósofos que são os primeiros que se tem noticia não falaram explicitamente sobre meio ambiente que é um termo moderno, porém o seus pensamentos sobre a physis nos dá base para analisar a realidade ambiental. Para responder tal questionamento o artigo esta composto de três seções, a saber: a primeira, os filósofos originários e as bases para a compreensão da ecologia, abordará o pensamento dos filósofos de mileto sobre a physis; na segunda, a utilização dos recursos naturais nos séculos XX e XXI, buscará averiguar a questão da utilização dos bens naturais dentro do modo de produção capitalista nestes dois séculos; e na terceira, o papel do homem na natureza, apresentando-o como ser responsável pelo meio em que habita, discorrerá sobre o modo mais correto para se harmonizar a relação homem-natureza, à luz daquilo que é o pensamento dos filósofos originários. Palavras Chaves: Filósofos originários. Physis. Ecologia. Natureza. Atualidade. INTRODUÇÃO O problema da relação entre o homem e a natureza é cada vez mais foco de pesquisas e observações. A partir das quais surgem diversos questionamentos, dentre os quais sobressai o seguinte: de que maneira o pensamento dos originários contribui para preservação e consumo responsável dos recursos naturais? Eis a questão, e para manifestar alguma consideração, conta-se com o pensamento dos filósofos considerados como Originários Tales de Mileto, Anaximandro e Anaxímenes. Os filósofos da escola de Mileto, os originários, foram os primeiros pensadores da história da filosofia a pensar, a partir da contemplação da ordem do kósmos (κόσμος), sobre a origem de todas 1 Graduandos do Curso de Licenciatura em Filosofia pela Faculdade Católica de Feira de Santana. as coisas, buscando o princípio, arché (ἀρχή), este que é a fonte de onde brota tudo. Esses filósofos buscavam um princípio de unidade visando o homem como pertencente também desta unidade com a vida, a natureza o kósmos. A fim de perceber essa visão de unidade pensada pelos filósofos originários traça-se um panorama histórico de suas teorias, visando uma possível compreensão ecológica, para que com esta se possa ser analisada a ação do homem para com a natureza na atualidade, trazendo assim uma possível relação do homem com seu habitat, propondo uma quebra na dicotomia existente entre o homem e a natureza, visto que esse ser chamado homem é parte da natureza. Para tanto, é preciso analisar os pensamentos dos filósofos originários visando as bases para a compreensão ecológica. Depois, dialogar com o conceito de ecologia, para assim, analisar a questão da utilização dos recursos naturais nos século XX e XXI, buscando avaliar o papel do homem na natureza, como ser responsável pelo meio em que habita, propondo ao homem, uma reflexão a luz do pensamento originário para que o mesmo se perceba enquanto homem de condição terrena, todavia responsável pela preservação da natureza, seu habitat. O homem é também um ser natural, a natureza faz parte de sua essência humana que juntamente com a influência cultural em que será envolvido, o formará enquanto ser em desenvolvimento. O contato com a natureza é necessário para a vida. Por isso, os pensadores da escola de Mileto poderão servir de ponto inicial na análise reflexiva da sustentabilidade, como um problema que urge soluções, em objetivando a formação de uma consciência de corresponsabilidade e respeito para a natureza, a casa comum de todo ser vivo. 1- OS FILÓSOFOS ORIGINÁRIOS E AS BASES PARA A COMPREENSÃO DA ECOLOGIA Dentre as características marcantes ao homem grego está “a admiração pela ordem e beleza que fazem do universo visível um todo bem adornado (VAZ, 2004, p.21)”. Consecutivamente a essa contemplação do kósmos surgem os primeiros pensadores, que buscaram através da razão “o princípio primeiro do qual tudo se gerou” (REALE, 2007, p. 19). Desse modo, faz-se necessário destacar que “a filosofia em seus inícios deriva, quanto ao essencial, de um gênero poético que poderíamos denominar didático, oriundo das sociedades orais” (PRADEAU, 2012, p.14). Porque estes chamados filósofos foram antecedidos e influenciados por narrativas míticas2 desenvolvidas em uma sociedade anterior à escrita que buscavam explicar o cosmos e seus fenômenos por meio de alegorias e argumentos, estes últimos marcam a característica propriamente filosófica de outras narrativas anteriores, como o mito, por exemplo. Como é possível verificar no pensamento de Pradeau: “[...] podemos comparar a representação pré-socrática do mundo àquela de epopeia homérica. Em Homero, a terra é um disco achatado que pende da cúpula celeste; as terras habitadas são rodeadas pelo Rio Oceano. O Sol nasce a partir do Oceano e atravessa o céu durante o dia, antes de mergulhar à noite no mar do Oeste. Os tremores de Terra e o arco-íris são um reflexo das emoções divinas.” (PRADEAU, 2012, p. 15). Sobre a transição do mito para a Filosofia é importante ressaltar que está inserida no contexto do fortalecimento e da estabilidade política da Pólis, na qual o homem grego passou a ter o poder da palavra3, cuja finalidade primeira era a de gerir as cidades estabelecendo, assim, o regime democrático. É nesse contexto, que remonta às últimas décadas do século VII a. C e início do século VI a. C, que surgem os primeiros pensadores denominados Filósofos, designação atribuída pela tradição a Pitágoras, que ao ser identificado como sábio pediu para ser chamado de filósofo, aquele que busca, amigavelmente, o saber. Estes são identificados como Originários porque foram os primeiros pensadores da história do pensamento filosófico ocidental e pensaram sobre a Origem de todas as coisas, o princípio, que, em grego, se diz arché. O arché é a fonte de tudo que é, e de onde tudo brota incessantemente; (UNGER, 2006, p.26) o Um que jaz em tudo que há; a causa 2 Os mitos surgiram da necessidade do homem justificar fenômenos como o crescimento das plantas, as chuvas, os trovões, etc. Tudo que ocorria aqui na Terra estava intimamente ligado ao que acontecia no mundo dos deuses. Dessa maneira, secas, epidemias e outras coisas ruins eram reflexos de que as forças do mal triunfavam sobre as do bem e o inverso ocorria quando havia fartura e riqueza (GAARDER, 1995). O mito é uma maneira de pensar sobre a realidade, ou melhor, de tentar compreender a complexidade do todo. 3 Aqui entendido como a habilidade do discurso que levou os gregos a pensar sobre a organização da vida nas cidades, levando à criação das leis. e constituição de todas as coisas, que estes pensadores chamaram physis, mais tarde traduzido por natura, natureza. Ainda sobre essa iniciativa dos Pensadores Originários é possível ver no trecho descrito a seguir: Eles partiram do pressuposto de que sempre existiu alguma coisa e, vendo as transformações que ocorriam no meio ambiente, indagavam-se como aquilo era possível. Então, acreditavam que havia uma substância básica que subjaziaa todas essas transformações. Esses filósofos também tentaram descobrir leis eternas a partir da observação dos fatos, desconsiderando as explanações mitológicas. Assim, a filosofia se libertava da religião e os primeiros indícios de uma forma científica de pensar começavam a aparecer (GAARDER, 1995, p.45). Como observado no fragmento anterior, esses filósofos tentaram descobrir leis eternas a partir da observação dos fatos, desconsiderando as explanações mitológicas. Assim, a filosofia se libertava da religião e os primeiros indícios de uma forma científica de pensar começavam a aparecer E, como daquilo que os Pensadores Originários escreveram somente se conservaram alguns fragmentos, sentenças e sínteses feitas por escritores posteriores a eles4, como é o caso de Platão e Aristóteles, pode-se verificar essa compreensão de arché no trecho abaixo descrito na obra Metafísica de Aristóteles: Afirmam [os primeiros filósofos] que aquilo de que todos os seres são constituídos e aquilo de que derivam originariamente e que terminam por último, é elemento e é princípio de todos os seres, enquanto é uma realidade que permanece idêntica mesmo com a transmutação de suas afecções. E, por esta razão, creem que nada se gere e nada se destrua, pois tal realidade sempre se conserva. (ARISTÓTELES, Metafísica, Livro I, 3) No que se refere ao termo physis para os Pensadores Originários, constitui o fundamento de tudo aquilo que chamamos realidade sensível e suprassensível, que não pode reduzir-se, como o fez o viés interpretativo latino posterior, de entender a physis como um conjunto de entes dados, como, ou às realidades presentes no mundo físico a que hoje concebemos como natureza. Heidegger identifica como “o originar-se do qual se ergue o oculto”, ou seja, o emergir de tudo o que há, não por imposição de um fator externo, mas por uma 4 Tudo que se conhece dos pré-socráticos é por via indireta, seja dos próprios escritos de Platão ou Aristóteles, ou por outros escritores que viveram próximos à época. força que lhe é inerente. Desta forma, verifica-se a busca racional, resultante da admiração e contemplação da ordem de tudo há, pelos princípios constitutivos de que existe; uma espécie de perseguição da unidade profunda que há na realidade apreendida para além da mera apreensão dos sentidos do homem. A filosofia originária encontra solo favorável para o seu surgimento na região das colônias gregas na Ásia Menor, em Mileto. Isto porque havia na Grécia condições sociais, políticas e econômicas favoráveis. A cidade costeira de Mileto se situava numa rota comercial, onde desembarcavam comerciantes vindos das ilhas do Mar Egeu, da Grécia Continental, do Egito e do Oriente Médio. E é o berço dos primeiros “amigos da sabedoria”, a saber: Tales, Anaximandro e Anaxímenes, fundadores da chamada Escola de Mileto. O pioneiro nas reflexões acerca da fonte e origem de todas as coisas foi Tales. Dotado de saberes no campo das ciências e da política, “Tales afirmava que a água era o princípio elementar de todas as coisas, e que a Terra flutuava sobre ela” (PRADEAU, 2012, p.18). Contudo, é necessário ressaltar que a água que ele põe como o arché não é o líquido que se encontra em seu estado físico-químico que se encontra na natureza, o H2O, mas como a “physis líquida originária da qual tudo deriva”. (REALE, 2007, p.19) Esse pensamento de Tales é possível ser verificado no trecho da Metafísica de Aristóteles abaixo: “Tales, (...) diz que tal princípio é a água (por isso afirma também que a Terra navega sobre a água), deduzindo sua convicção indubitavelmente da constatação de que o alimento de todas as coisas é úmido, e que até o calor gera-se do úmido e vive no úmido.” (ARISTÓTELES, Met., livro 1, 3) Como foi evidenciado no excerto anterior, Tales constatou, segundo a tradição, que a nutrição de todas as coisas é úmida, que as sementes e os germes têm natureza úmida, e que a ausência deste elemento gera a morte. Logo, pressupôs que a água é a fonte da qual brota tudo que há e que sustenta toda a realidade criada dela e faz tender tudo o que foi criado a partir dela para uma finalidade imanente nela mesma. Assim, o grande feito de Tales de Mileto foi dar bases para que o homem pudesse pensar a realidade como um todo, do qual o próprio homem é integrante, tendo em vista que, para o pensamento pré-socrático o homem é parte constituinte da physis. Outro Pensador Originário foi Anaximandro. Ele nasceu meados do século VII a. C e morreu por volta do século VI a. C, foi discípulo de Tales e sucessor na direção da escola de Mileto. Contudo, de sua vida nada se sabe ao certo. Elaborou uma obra chamada Da Natureza, da qual só restou um fragmento. Afirma que sobre o princípio das coisas é o ápeiron. Esta “palavra significa literalmente infinito, não em sentido matemático, e sim no de limitação e indeterminação” (MARÍAS, 2015, p.16). Pois para ele a “água é algo derivado e que, ao contrário, o „princípio‟ (arché) é o infinito, ou seja, uma natureza infinita (physis) in-finita e in-definida da qual provém todas as coisas que existem.” (REALE, 2007, p. 19). Anaximandro afirma, dessa forma, “não se tratar nem de água (como pensar Tales) nem de nenhuma outra matéria conhecida” (PRADEAU, 2012, p. 18), e que esse princípio coincide com o divino. Sobre isso esse pensamento de Anaximandro, Aristóteles em sua obra Física diz: “Tudo, com efeito, ou é um princípio ou deriva de um princípio: mas do infinito não há princípio, porque nesse caso haveria um limite. E também é não gerado e incorruptível, do mesmo modo que um princípio, pois o que é gerado tem necessariamente também um fim, e toda corrupção tem seu termo. (...) E tal princípio parece ser o divino; e é, com efeito, imortal e imperecível (...).” (ARISTÓTELES, Física, livro III, 4). Como visto no fragmento acima, Anaximandro, ao aprofundar a compreensão de Tales, considera que, como a água é um elemento derivado não pode ser o arché. Como é possível verificar no trecho de sua obra de abaixo descrito: “O princípio de todos os seres é infinito [...] Naquilo de que os seres extraem sua origem, aí se realiza também sua dissolução, conforme a necessidade: com efeito, reciprocamente descontam a pena e pagam a culpa cometida, segundo a ordem do tempo.” (ANAXIMANDRO apud REALE, 2007, p.50) Como visto, Anaximandro postula que as coisas são criadas por uma segregação e se separam por um movimento. Para ele, a criação das coisas se dá por meio dos contrários que dominam uns aos outros, em uma forma de injustiça, ou seja, uma supremacia injusta do quente sobre o frio, o úmido sobre o seco, etc. Entretanto, todos tendem, através do tempo, a voltar para o infinito, o ápeiron, no qual não há mais injustiça e nem corrupção. O tempo é o responsável para reorganizar a oposição dos contrários, fazendo com que todas as coisas retornem a unidade originária da physis. Anaximandro de Mileto representa a continuidade da busca pelo princípio originário da qual todas as coisas procedem, o arché e, não obstante, passa da afirmação de que tal princípio é uma simples substância, a partir de uma reflexão mais profunda que é própria do desenvolvimento da filosofia. Desenvolvendo, deste modo, uma noção que estará presente no pensamento dos pré-socráticos como um todo: a que o árché é uma unidade imperecível, imutável e invariável, o que contribui para perceber a unidade que há em todas as coisas. O continuador do pensamento da escola milética é Anaxímenes. Nasceu no século VI a. C, foi discípulode Anaximandro e “propunha como princípio o ar infinito, do qual todas as coisas que existem, que existiriam e existirão, e os deuses e os seres divinos, e todas as outras coisas derivam por sua vez destas” (HIPÓLITO apud REALE,2007, p.53). Sobre essa afirmativa é possível observar no excerto de seu escrito, onde diz que “como a nossa alma, sendo ar, nos mantém vivos, da mesma forma o sopro e o ar sustentam o cosmo inteiro” (ANAXÍMENES apud REALE, 2007, p. 51). Porque ele constatou que a vida humana é garantida pelo ar, pois sem ar não haveria possibilidade de respirar e, como consequência, não existiria nenhuma forma de vida. Anaxímenes considera que todas as coisas são formas de ar em diferentes estados físicos, pois o modo concreto para a sua formação (das coisas) é a condensação e rarefação. Pois, observa que “o [ar] contraído e condensado da matéria ele diz que é frio, e o ralo e o frouxo (é assim que ele expressa) é quente” (PLUTARCO apud REALE, 2007, p. 51), dessa maneira, “quando o ar se condensa, ele produz inicialmente neblina, em seguida água, a terra e as pedras sólidas. O ar rarefeito origina fogo. (PRADEAU, 2012, p. 19)”. O que é possível notar na construção do pensamento é que “os filósofos naturais eram, sobretudo pesquisadores naturais. Eles ocupam, portanto, um lugar muito importante na história da ciência” (GAARDER, 1995, p. 100). Porque ao buscarem analisar a natureza e todos os seus fenômenos, ou seja, interessando-se pelos processos naturais, deram a possibilidade de se levantar questões sobre a dessacralização da natureza, sendo o marco inicial para uma visão ecológica. Por ecologia, entende-se como “o estudo da natureza tomada como um todo em que todas as realidades, inclusive os homens, dependem umas das outras” (LACOSTE, 2004 p. 592). E nisto demonstra-se a grande influência dos Filósofos Originários, pois observavam a physis como um todo ordenado, do qual o homem é parte integrante, que leva, na atualidade, a pensar na interdependência de todos os seres vivos presentes na natureza. Todavia, é necessário evidenciar que é a compreensão de que a ação antrópica desordenada “desconhece e destrói a interdependência e autonomia dos ecossistemas naturais, e torna-se responsável por uma crise ecológica mundial que põe em perigo a natureza” (LACOSTE, 2004 p. 592). 2- UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS NO SÉCULO XX. A crise ambiental pela qual estamos passando tem como fonte primeira a relação homem natureza que ocorre de forma predatória, o homem tira da natureza que lhe que lhe é necessário sem importar-se com o que pode ser causada por essas ações, a dominação da natureza pelo homem tem origem já nos tempos remotos da existência humana e foi esta que permitiu a evolução de nossa espécie, porém, esta mesma relação poderá nos levar a extinção. O dinamismo da civilização industrial introduziu radicais mudanças no Meio Ambiente físico. Essas transformações implicaram a formação de novos conceitos sobre o ambiente e o seu uso. A Revolução Industrial, que teve início no século XVIII, alicerçou-se, até as primeiras décadas do último século, nos três fatores básicos da produção: a natureza, o capital e o trabalho. Porém, desde meados do século XX, um novo, dinâmico e revolucionário fator foi acrescentado: a tecnologia. Esse elemento novo provocou um salto, qualitativo e quantitativo, nos fatores resultantes do processo industrial. Passou-se a gerar bens industriais numa quantidade e numa brevidade de tempo antes impensáveis. Tal circunstância, naturalmente, não se deu sem graves prejuízos à sanidade ambiental. (SPAREMBERGUER; SILVA, 2005, p. 83) O processo de dominação da natureza pelo homem acontece desde os primórdios da humanidade com os primeiros hominídeos perpassando toda a história até os nossos dias, aqui porem nos ateremos aos séculos XX e XXI e com a ação humana levou a tamanha degradação. No princípio da humanidade, havia uma unicidade orgânica entre o homem e a natureza, onde o ritmo de trabalho e da vida dos homens associava-se ao ritmo da natureza. “No contexto do modo de produção capitalista, este vínculo é rompido, pois a natureza, antes um meio de subsistência do homem, passa a integrar o conjunto dos meios de produção do qual o capital se beneficia”. (OLIVEIRA 2002) O capitalismo do mundo contemporâneo é um sistema econômico baseado na propriedade privada dos meios de produção e na propriedade intelectual, que tem como objetivo a obtenção de lucro através do risco do investimento. As decisões sobre os investimentos de capital são feitas pela iniciativa privada, e a produção, a distribuição e os preços dos bens, serviços e recursos humanos são controlados pela força da oferta e da procura. “No capitalismo, portanto, o acesso aos recursos existentes na natureza passam por relações mercantis, visto que sua apropriação pelo capital implica a eliminação de sua "gratuidade natural". Portanto, a incorporação da natureza e do próprio homem ao circuito produtivo é a base para que o capital se expanda.” (OLIVEIRA 2002). Embora a ciência e a técnica atinjam patamares cada vez mais elevados, melhoram a qualidade de vida de poucos. A desigualdade social é uma realidade presente em todo o globo, muitas vezes atingindo situações críticas, onde alguns poucos se chateiam com o excesso de bens de consumo que possuem e a grande maioria não tem nem o que comer. A sociedade de consumo atual é caracterizada por profundas crises socioambientais e socioeconômicas, resultantes do ideal do progresso e do desenvolvimento tecnológico, da produção em massa de produtos muitas vezes supérfluos ou até mesmo nefastos à qualidade de vida, da degradação ambiental e da exploração dos elementos naturais em tal velocidade e intensidade que se torna impossível para a natureza se recompor na escala de tempo humana. A sociedade de consumo é caracterizada pelo uso de uma quantidade de bens e serviços muito maior do que a necessária. Dessa forma, o termo “consumismo” se refere à atividade de usar os recursos naturais até a exaustão. Assim, devido ao uso excessivo desses recursos e da enorme produção de lixo e poluição, a sociedade de consumo global vem despertando para a necessidade de se minimizarem os efeitos dessa produção desenfreada de bens supérfluos, que alcançou um patamar alarmante a partir da expansão imperialista. (ALBUQUERQUE, 2007, p 54.) Nas últimas décadas, muito se tem falado sobre os problemas ambientais que põem em risco a perpetuação da vida na Terra. Acordos com o objetivo de reduzir a poluição e outros problemas, como o aquecimento global e o “buraco” na camada de ozônio têm sido discutidos em escala mundial. Entre eles, podemos destacar o Protocolo de Kyoto, que estabelece metas de redução de gases poluentes para os países industrializados, a carta da terra que propõe uma relação de responsabilidade na relação homem ambiente. A partir do século XIX, a ciência e a técnica começam a adquirir um significado central na sociedade. A natureza, cada vez mais tratada como algo a ser dominado e possuído, passa a ser dividida em biológica, física e química. O homem é dividido em antropológico, histórico, sociológico, psicológico, econômico e político. O mundo não é mais integrado, e sim dividido. O homem não se vê como parte da natureza. As áreas do saber são fragmentadas, o que dá uma falsa impressão de que são independentes e não se inter-relacionam. No final do século XIX e início do século XX, a economia mundial conheceu profundas mudanças. A Segunda Revolução Industrial novas tecnologias, como motores a gasolina, diesel eeletricidade, que dinamizaram ainda mais o processo produtivo, aumentando a produtividade das fábricas, o que gerou uma grande necessidade de se encontrar tanto mercado consumidor para esses produtos quanto matérias-primas. A ideia de uma natureza-objeto exterior ao homem pressupõe a ideia de um homem não natural e se consolida junto com a civilização industrial inaugurada pelo capitalismo e essa visão de o homem estar para além da natureza como que sendo um ser superior a ela dá a ele a possibilidade do processo de objetificação da natureza. É esse não sentir-se parte que leva o homem a ver-se no direito de tirar da natureza seus recursos necessários para o seu fazer e devolver a natureza apenas os dejetos, e esse sentir-se superior que tira da relação homem ambiente que resulta nas reações prejudiciais até mesmo a sobrevivência do próprio homem, poderíamos citar, por exemplo, o fato ocorrido na barragem da mineradora Samarco em Mariana, Minas Gerais em novembro de 2015 que além da destruição das casas levou também a destruição do Rio Doce. E com este fato muitos outros que levam a assoreamentos de rios, o desmatamento na Amazônia. 3- O PAPEL DO HOMEM NA NATUREZA, COMO SER RESPONSÁVEL PELO MEIO EM QUE HABITA. Como já observamos neste trabalho os filósofos pré-socráticos não falaram sobre a ecologia, pois esta como a concebemos hoje só surge no século XX, mas os filósofos e em nosso caso os filósofos da escola de mileto nos dão base para podermos pensar sobre a ecologia. A busca do Arché empreendida por esse filósofos que desemboca no que chamamos physis nos dá bases para pensarmos num ecologia uma vez que para Tales, Anaximandro e Anaxímenes existe um princípio único de onde tudo provém, e deste princípio primeiro onde tudo se encontra que podemos pensar numa ecologia uma vez que tudo está em comunhão, onde tudo participa duma grande totalidade que parte de um princípio único tudo está interligado como diz o papa Francisco na Laudato Si “O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos.”(FRANCISCO, 2015, p. 15). Por mais que a causa originária não sejam aquelas que os originários afirmam a unidade onde tudo que há contem em parte os minerais, a água, enfim tudo se encontra de certo modo em uma simbiose o cuidado com essa totalidade deve ser responsabilidade de cada um que está dentro dessa totalidade. Este sentido de abrangência, de ser no mundo e mais do que isso de ser com o mundo deve despertar em nós aquilo que nos propõe a carta da terra “uma mudança na mente e no coração requer um novo sentido de interdependência global” é nesse sentido da abrangência que somos levados pelo pensamento dos originários e é por causa dessa abrangência que devemos assumir uma postura de cuidado. O diálogo com pensadores como Anaximandro, Heráclito, Parmênides, Empédocles pode nos remeter a uma experiência (contida na origem de nossa trajetória ocidental), na qual a sabedoria não reside em ter muitas informações, mas em manter-se em sintonia com a lei que dá origem, anima e permeia a physis, a sabedoria de reconhecer na multiplicidade de manifestações do real, a Unidade profunda de todas as coisas. Esta unidade é, por sua vez, dinâmica: não exclui, mas inclui, o movimento, o múltiplo, o diverso; inclui o ser humano, que precisa aprender a pôr-se a escuta do Cosmos e de seus sinais, encontrando o comum acorde que vibra na totalidade do real. Para nós, habitantes de um mundo no qual tanto a natureza como um todo quanto o próprio ser humano foram reduzidos à condição de objetos cujo único valor está no lucro que podem produzir, o pensamento pré-socrático convida a um repensar de nossa identidade enquanto humanos e de nosso lugar no universo. (UNGER 2006, p 28.). Assim como afirma Unger esse diálogo com os pré-socráticos nos serve de norte para pensar uma nova forma de relação entre nós humanos e o meio onde vivemos essa relação deve gerar um novo ethos, um novo modo de ser diante das relações de coisificação que nos são impostas pelas relações do capital. Assim como Unger papa Francisco fala dessa nova relação que deve- se manter para a manutenção da existência da vida no planeta “O urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar.” (FRANCISCO, 2015, p. 13) Sabe-se da dificuldade do ser humano de se relacionar com a natureza na modernidade, e da visão errônea do homem para com a natureza, por isso não somente num víeis teológico, mas, também filosófico o Papa Francisco concretiza uma crítica ao antropocentrismo desordenado que tem gerado um idealismo consumista, além de fortificar ainda mais a crise ecológica, cultural e ética: Não haverá uma nova relação com a natureza, sem um ser humano novo. Não há ecologia sem uma adequada antropologia. Quando a pessoa humana é considerada apenas mais um ser entre outros, que provém de jogos do acaso ou dum determinismo físico, « corre o risco de atenuar-se, nas consciências, a noção da responsabilidade ». Um antropocentrismo desordenado não deve necessariamente ser substituído por um “biocentrismo”, porque isto implicaria introduzir um novo desequilíbrio que não só não resolverá os problemas existentes, mas acrescentará outros. (FRANCISCO, 2015, p. 74-75). Deve-se pensar as relações ecológicas como uma integralidade assim como fala Francisco não basta tirar o antropocentrismo e no lugar deste colocar um biocentrismo deve-se pensar a relação homem e meio ambiente como uma forma de convivência, não como partes diferentes dando ênfase a um lado ou a outro. É preciso pensar na dimensão da totalidade, o fato de pensar em apenas um lado em apenas um ponto de vista nos leva a ver as realidades a partir de uma visão egoísta e o que se deve fazer não é olhar homem e natureza como se fossem duas coisas completamente distintas e que se repelem, mas, como pensava os originários que ensinam pensar o mundo como uma totalidade, como um grande organismo vivo do qual todos nós participamos. CONCLUSÃO O ser humano no seu modo de se relacionar com a natureza na modernidade, demonstrando que, no contexto atual, urge a necessidade de se tomar consciência sobre os problemas relativos a sustentabilidade e ao consumo responsável dos bens naturais, o que é possível ser sanado com algumas ações de mudança de atitude na relação homem hodierno-natureza. Desse modo, compreende-se que ainda há muito trabalho a ser feito, fim de que se tenha de fato um ambiente limpo e saudável. Assim, a primeira ação para essa mudança deve ser a conscientização pessoal sobre a importância do ambiente limpo, e do cuidado com os meios naturais, criando um sistema político-econômico que colabore com a manutenção e preservação e com consumo e produção responsável. O presente trabalho conclui-se com um novo olhar no que diz respeito ao meio ambiente e as formas de preservação. Ao longo dessa pesquisa, atualizou-se a reflexão filosófica sobre esta problemática que tem provocado todos os âmbitos da sociedade. Outrossim, procurou-se aprofundar o conhecimento, do ponto de partida da filosofia da antiguidade clássica, principalmente os Filósofos Originário da escola de Mileto –Tales, Anaximandro e Anaxímenes, mas sem pretensão de colocar um ponto final na questão ambiental, e sim de dar uma contribuição filosófica para esta reflexão, como seres responsáveis pelo seu habitat, em vista da sua manutenção para que as gerações futuras possam contemplá-lo ecuidar como é o dever do ser humano. BIBLIOGRAFIA ALBUQUERQUE, Bruno Pinto de. As relações entre o homem e a natureza e a crise sócio-ambiental. Rio de Janeiro, RJ. Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), 2007. ARISTÓTELES. Física. Tradução de Guilhermo R. de Echandía. Madrid: Gredos, 1995. ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução de Leonel Vallandro. Porto Alegre: Globo, 1969. FRANCISCO, Papa. Laudato Si: Carta Encíclica sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Paulinas, 2015. GAARDEN, Jostein. 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