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Prévia do material em texto

Referência: 
KUSNETZOFF, Juan Carlos. Introdução à Psicopatologia Psicanalítica. Rio de Janeiro: 
Nova Fronteira, 1982. p.220. 
 
EDITORA NOVA FRONTEIRA 
 
FICHA CATALOGRÁFICA 
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte 
Sindicato Nacional dos Editores de Livros. RJ. 
CDD— 157 616.8917 
CDU— 159.97:615.851.1 615.851.1 
© 1982 by Juan Carlos Kusnetzoff 
Direitos de edição da obra em língua portuguesa adquiridos pela 
EDITORA NOVA FRONTEIRA S.A. 
 
Kusnetzoff, Juan Carlos. 
K98i. Introdução à psicopatologia psicanalítica / Juan Carlos Kusnetzoff. — Rio de 
Janeiro: Nova Fronteira, 1982. 
(Coleção Logos) 
Bibliografia. 
1. Psicanálise 2. Psicopatologia 
1. Título II. Série 
82-0127 
 
 
Dedico este livro 
ao Prof. Dr. Eustáquio Porteila Nunes. 
Com ele, aprendi que ainda preciso ser aluno. 
Ao Dr. Moisés Groismam. 
Com ele, aprendi a ser amigo. 
Ao Dr. Carmine Matuscelio Neto. 
Com ele, aprendi o quanto me ensinam os que penso que aprendem comigo. 
 
 
SUMÁRIO 
 
Introdução - 13 
 
CAPÍTULO 1 
Aspectos genéticos. O conceito de causalidade 
psicopatológica. 
As séries complementares de Freud - Pág. 17 
A ilusão da causa única - 17 
A ilusão do encadeamento - 18 
A insuficiência da causa múltipla - 19 
Feedback ou causalidade de ação recíproca - 20 
As séries complementares de Freud. As causas em psicopatologia psicanalítica - 21 
Resumo sobre as causas ou motivações em psicopatologia psicanalítica - 23 
Problemas e questionamentos sobre a ilusão da causa única - 24 
Problemas e soluções do feedback – 25 
 
CAPÍTULO II 
Etapas da evolução psicossexual 
Características da sexualidade infantil - Pág. 27 
Estágio oral - 30 
a. Fonte - 30 
b. Objeto - 31 
c. Finalidade pulsional - 32 
1. Divisões da oralidade - 32 
 
a. Oral primário - 32 
b. Oral secundário ou canibalístico - 33 . 
2. O relacionamento de objeto - 33 
3. O primeiro objeto: a mãe - 34 
4. A relação de dependência com o objeto primário - 35 
5. A evolução no conhecimento dos objetos - 35 
6. O desmame - 37 
Estágio anal - 38 
a. Fonte - 39 
b. Objeto - 40 
c. Finalidade pulsional - 42 
1. O relacionamento do objeto na fase anal - 45 
a. O sadismo - 45 
b. O masoquismo - 46 
c. A ambivalência - 46 
d. Bi e homossexualidade; atividade e passividade; narcisismo anal - 46 
Estágio fálico - 48 
1. O desenvolvimento psicossexual - 49 
O erotismo uretral - 49 
A masturbação infantil - 50 
a. A curiosidade sexual infantil - 52 
A descoberta da diferença sexual anatômica - 52 
A cena primária ou primitiva - 54 
A escopofilia ou voyeurismo - 55 
b. As teorias sexuais infantis - 56 
Teorias infantis sobre a fecundação - 56 
O parto anal - 56 
A idéia do coito sádico - 57 
2. O aspecto narcísico e pré-genital do estágio fálico - 57 
a. A ilusão narcísica - 58 
b. A descoberta e sua negativa - 59 
3. Angústia de castração - 59 
a. A angústia de castração no menino - 61 
b. A angústia de castração na menina - 62 
Estágios genitais - 63 
1. O complexo de Édipo - 63 
 a. Formas do complexo - 64 
 b.Alguns conceitos básicos em relação ao Édipo - 65 
 Hipótese natural - 68 
 Hipótese dualista - 68 
 Hipótese social - 69 
2. O problema da estrutura pré-edipiana - 70 
3. O relacionamento de objeto edipiano - 73 
4. O complexo de Édipo no menino - 74 
5. O movimento exogâmico do menino - 75 
6. O complexo de Édipo na menina - 77 
A importância da mudança de objeto - 77 
As decepções estruturantes - 78 
Conseqüências da inveja do pênis - 79 
A procura do pai - 81 
Os restos da fixação à mãe - 82 
7. A finalização do complexo de Édipo - 82 
8. Algumas considerações sobre a importância do estudo do complexo de Édipo - 84 
 
CAPÍTULO III 
O Ego, o Superego, o Ideal do Ego - Pág. 87 
A identificação - 87 
a. Identificação primária - 88 
b. Identificação secundária - 90 
e. Fixação, identificação e Édipo completo - 91 
1. Genética e dialética das identificações. Identificação primária, narcísica e edípica - 93 
Algumas definições e conceitos ligados à identificação usados em psicopatologia - 98 
1. Identificação total - 98 
2. Identificação parcial - 98 
3. Identificação permanente - 98 
4. Identificação transitória - 98 
5. Identificação introjetiva - 98 
6. Identificação projetiva - 99 
7. Identificação com objeto total - 99 
8. Identificação com objeto parcial - 99 
9. Identificação progressiva - 99 
10. Identificação regressiva - 99 
11. Incorporação - 99 
12. Assimilação - 99 
13. Introjeção - 100 
14. Ejeção - 100 
15. Projeção - 100 
16. Internalização - 101 
17. Imitação - 101 
 
18. Identidade - 101 
As instâncias do ideal do ego e do superego –102 
Funções do ego, do superego e do ideal do ego - 103 
 
CAPÍTULO IV 
Latência, Puberdade, Adolescência - Pág. 105 
Período de latência - 105 
1. Desenvolvimento psicossexual do período de latência - 106 
2. O relacionamento de objeto - 107 
A puberdade - 108 
1. Desenvolvimento psicossexual da puberdade - 108 
a. A pubescência - 108 
A adolescência - 109 
1. A masturbação - 110 
a. Fatores externos de pressão - 112 
b. Fatores internos de pressão - 112 
2. O relacionamento de objeto e a escolha objetal na adolescência - 113 
 
CAPÍTULO V 
Noções de metapsicologia freudiana - Pág. 117 
O que é um “modelo” - 118 
O ponto de vista tópico ou topográfico - 120 
1. O primeiro tópico - 120 
a. O sistema percepção-consciente ou consciência - 122 
b. O pré-consciente - 122 
c. O inconsciente - 123 
d. Censura - 125 
2. O segundo tópico - 126 
a. O id - 129 
b. O ego - 129 
c. O superego - 131 
O ponto de vista econômico - 133 
1. Energia livre e energia ligada - 135 
2. Processo primário e processo secundário - 136 
3. Princípio do prazer e princípio da realidade - 137 
O ponto de vista dinâmico - 139 
1. Teoria das pulsões - 142 
primeira etapa - 143 
Segunda etapa - 145 
Terceira etapa - 148 
a. Compulsão à repetição - 149 
b. A problemática do sadismo, o masoquismo e a agressão - 150 
Recapitulação e revisão das teorias pulsionais - 151 
Teoria da angústia - 152 
1. Primeira teoria da angústia - 153 
a) Considerações sobre a angústia real ou a realidade da angústia - 154 
b) Susto, angústia, ansiedade e medo - 155 
2. Segunda teoria da angústia - 157 
a) A importância do complexo de castração na segunda teoria da angústia - 158 
b) Inibição, sintoma e angústia - 159 
Angústia automática - 159 
“Angústia-Sinal” ou o sinal de angústia - 161 
 
CAPÍTULO VI 
Sonhos, fantasias e função imaginária - Pág. 165 
Sonhos - 165 
Fantasias, devaneios, nível imaginário - 171 
1. Fantasias originárias ou primitivas - 178 
a. Cena primária ou originária - 179 
b. Fantasia primordial de sedução por um adulto - 179 
e. Fantasia primordial de castração - 180 
CAPÍTULO VII 
Defesas, mecanismos de defesa - Pág. 183 
a) O papel do mundo exterior na defesa - 184 
b) O papel do superego e do sentimento de culpa - 185 
c) O papel da angústia na motivação defensiva - 185 
Os mecanismos de defesa do ego - 187 
1. Dois mecanismos fundamentais: A repressão (recalque) e a divisão (cisão) - 188 
a) Repressão, recalque - 188 
b) Divisão, cisão. Recusa, rejeição, renegação - 190 
Algumas considerações sobre a importância da cisão (Spaltung) em psicopatologia 
psicanalítica - 195 
 
CAPÍTULO VIII 
Os critérios de diagnóstico e as operações defensivas - Pág. 199 
1. Parâmetros principais para o diagnóstico funcional em Psicopatologia - 201 
a) Diagnóstico estrutural - 201 
b) Diagnóstico de níveis de integração neurótica OUpsicótica - 202 
c) Diagnóstico de clivagem e estereotipia dos níveis organizativos - 203 
d) Diagnósticos de níveis e graus de dependência-independência - 203 
e) Diagnóstico de índices do neurotismo e do psicotismo - 204 
As operações defensivas - 206 
a) Considerações gerais - 206 
b) Defesa e contracatéxia - 207 
e) Classificação dos mecanismos de defesa - 209 
Projeção - 210 
Repressão, recalque - 213 
Deslocamento - 213 
Regressão parcial - 214 
introjeção - 215 
Isolamento - 216 
Inibição - 216 
Formação reativa - 217 
Sublimação - 217 
Negação (negativa) - 218 
Identificação projetiva - 219 
Divisão - 220 
Renegação (forclusion) - 220 
Regressão total - 220 
Identificação introjetiva - 220 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Introdução 
 
A psicopatologia psicanalítica é uma encruzilhada de vários caminhos. Nela 
desembocam o conhecimento da teoria psicanalítica geral, o conhecimento da 
psiquiatria dinâmica, o conhecimento das contribuições técnicas psicanalíticas, assim 
como os enquadramentos epistemológicos modernos que testam e avaliam todas essas 
produções discursivas. 
Hoje, não resta dúvida sobre a imensa revolução. científica que significou a 
entrada em cena da psicanálise no início deste século. A sistematização dos seus 
modelos para a compreensão da conduta normal e anormal do homem, assim como a 
interpenetração de fatores biológicos, psicossociais e culturais na produção 
sintomatológica, foram — e continuam sendo — de valor inquestionável. 
Mas, simultaneamente ao seu desenvolvimento como ciência, a psicanálise 
tornou-se cada vez mais sofisticada. Sofisticação que alcançou tanto o nível teórico 
quanto o nível de ensino. Entretanto, no meio de um vasto e às vezes confuso 
florescimento de escolas, surgiram tendências e redescobertas, novas gerações de 
estudantes de psicologia, medicina, assistência social, sociologia, antropologia, e até da 
própria psicanálise clínica. Como processo lógico, foi impossível a essas gerações, 
especialmente as dos últimos vinte anos, ter acesso às leituras teóricas simples, 
explicadas com certa candura. 
Um dos efeitos dessa complicada pedagogia psicanalítica foi um desprezo, 
carregado de temor, pelo estudo dos conceitos elementares que sustentam o trabalho 
clínico. Outro efeito, tão daninho quanto o primeiro, foi o fato de ser considerado como 
cientista, apenas o psicólogo, o médico psiquiatra, o psicanalista, que se expressasse em 
“dialeto difícil”. Os profissionais acabaram 
 
13 
 
falando em teoria psicanalítica, porém são poucos os que podem explicar o que dizem, a 
importância de seu conhecimento e — sobretudo — sua articulação com a clínica 
cotidiana. Parece existir uma espécie de consenso não explícito segundo o qual, quanto 
mais obscura, mais complicada e mais “barroca” a explicação, mais “científica” ela é. 
Talvez minhas afirmações sejam ingênuas. Efetivamente, pretendo ser ingênuo. 
A ingenuidade consiste, por exemplo, em pretender ensinar as fases clássicas da 
evolução psicossexual, pensando clinicamente nelas. Ou seja, explicando de maneira 
relativamente simples a importância clínica de seu estudo e posterior aplicação. A 
ingenuidade consiste em querer mostrar os modelos metapsicológicos freudianos da 
forma mais clara, para depois refletir sobre eles. 
Um esclarecimento importante: pretendo ensinar a psicopatologia psicanalítica a 
partir dos textos de Freud. Isso não significa desconhecimento dos autores que em 
grande parte contribuíram e contribuem para o enriquecimento da clínica psicanalítica. 
Mas, conforme foi dito acima, penso que é fundamental “começar desde o início”. 
Este livro destina-se principalmente àqueles que precisam “pensar 
‘psicopatologicamente’ com a ajuda da teoria psicanalítica”. Também pode ser 
consultado com proveito por aqueles que precisam alinhavar conhecimentos dispersos. 
Por exemplo: que relação existe entre a oralidade e os transtornos psicossomáticos da 
pele? Qual a importância do estudo do complexo de Édipo? Quais são os vínculos 
teórico-clínicos entre a identificação, a pulsão e a fantasia? Quais são os mecanismos de 
defesa fundamentais do aparelho psíquico? Qual a diferença e a importância prática dos 
conceitos de “susto”, “medo” e “angústia”? E assim por diante. 
Ou seja: o livro pode ser lido como uma espécie de “alfabetização” em 
psicopatologia psicanalítica, ou como uma pequena obra de consulta de alguns 
conceitos não muito divulgados na bibliografia clássica. 
De qualquer maneira — e como acontece com textos similares — o leitor só terá 
um conhecimento cabal de alguns temas numa segunda ou terceira leitura, além de 
consultar a bibliografia mínima referida em cada caso. 
 
14 
 
Desde o aparecimento do Vocabulário da Psicanálise de e Pontalis, sua leitura, 
consulta e releitura tem-se tornado indispensável para o estudioso da psicanálise. Esse 
livro deve ser o acompanhante natural do estudo dos temas psicanalíticos. Contudo, a 
leitura dessa obra tão profunda não substitui a dos textos freudiallos originais. 
A presente Introdução à Psicopatologia Psicanalítica pretende, através das 
transcrições textuais da Edição Standard Brasileira e de comentários de textos, 
incentivar o leitor a pesquisar no coração da obra do criador da psicanálise. Por 
formação e conhecimento, sou freudiano, sem saber muito bem que coisa é “iSSO”. Há 
muitos anos leio Freud, ouço falar de Freud e me aventuro em novos “retornos” a ele. 
Porém, em absoluto não acredito em nenhuma “pureza” de leitura, ou em grupos que se 
autodeterminam “verdadeiros” seguidores ou detentores da ortodoxia, do espírito de 
Freud. Não acho que a verdade exista de uma vez por todas; antes, creio na 
multiplicidade com que ela se manifesta e que permite criar, burilar, transformar. 
Esta Introdução não teria sido feita sem a inestimável ajuda de Celina 
Portocarrero. Ela “traduziu” meu pensamento falado num português correto e 
sintaticamente bem articulado. Minha eficiente secretária, Mariza de Fátima da Silva 
Ramos, colaborou intensamente, datilografando uma e outra vez as correções. 
Merece palavras especiais a colaboração direta do Dr. Carmine Matusceilo Neto. 
Introduzido no âmago de minhas intenções pedagógicas, foi ora um leitor delicado, ora 
um crítico hábil. Fez correções com paciência e sugestões com fino tato quando 
considerou que o texto estava obscuro ou incompreensível. Foi a única testemunha de 
meus devaneiOS docentes e ajudou corajosamente a lhes dar luz. 
Todo autor pretende a imortalidade... Por que escreveria se não fosse assim? 
Nesse sentido, este livro pretende também veicular, ser porta-voz da palavra de um 
gênio: Freud. Mas pretende também que a sua imortalidade não seja dogmática, 
repetitiva, estéril. Os tempos de hoje reclamam criatividade, transformações, voltando-
se para as necessidades dos que começam a percorrer a trilha complicada e apaixonante 
da clínica psicopatológica. Os pacientes serão os verdadeiros beneficiários. 
 
15 
 
CAPITULO 1 
Aspectos genéticos 
O conceito de causalidade psicopatológica 
As séries complementares de Freud 
 
Um estudo dos fenômenos psicopatológicos tal como se apresentam aos olhos do 
clínico requer, antes de tudo, que este tenha permanentemente presente alguns 
princípios básicos relativos ao conceito de etiologia ou causalidade. Seguiremos o 
ordenamento pedagógico exposto por José Bleger em Psicologia de la Conducta (Ed. 
Eudeba, 1963, Buenos Aires). 
A singular complexidade das manifestações psicopatológicas torna necessária a 
discriminação dos diferentes tipos de causalidade que se apresentam em nosso estudo 
científico. Abordaremos mais detalhadamente o conceitoempregado por Freud, de uso 
corrente na comunidade psicanalítica atual. 
É preciso esclarecer que estudar causalidade é estudar motivações e, portanto, 
responder ou tentar responder aos porquês: 
Por que alguém adoeceu em determinado momento? 
Por que um paciente fez uma esquizofrenia e não uma neurose obsessiva? 
Quais as razões existentes para que, numa mesma família, alguns membros 
desenvolvam certos tipos de condutas patológicas e outros não? 
Os cientistas descrevem diversos conceitos de causalidade: 
 
A ILUSÃO DA CAUSA ÚNICA 
Também chamada monocausalidade unidirecional: é a forma mais simples de se 
responder a um porquê determinado. Diz-se, igualmente, causalidade mecânica, por 
supor uma única causa atuando 
 
17 
 
num determinado corpo que a ela reage, e cujo efeito esgota-se posteriormente (figura 
1). 
 
Figura mostrando um quadrado, em que uma seta vindo da esquerda para a direita 
aponta para ele. 
 
A descrição desse tipo de causalidade simples é importante por se tratar da base 
dos conceitos descritos a seguir, e da modalidade mais comumente utilizada por 
cientistas jovens, que abordam ingenuamente fenômenos sumamente complicados, cuja 
explicação é tornada insuficiente quando se emprega esse tipo de conceituação. 
Frisamos que nunca os sintomas ou as doenças mentais reconhecem uma única causa 
produtora ou desencadeante. Pensar desta maneira é pensar ilusoriamente, o que pode 
conduzir o profissional a erros graves. 
 
A ILUSÃO DO ENCADEAMENTO 
Esta é uma variação da anterior, observando-se aqui uma causa que atua sobre 
um determinado corpo e produz efeitos que, por sua vez, se transformarão em estímulos 
para outros corpos, e assim sucessivamente (figura 2). Um exemplo clássico seria o jogo 
de sinuca, no qual um toque na primeira bola provoca o movimento subseqüente de 
várias outras. A duração do movimento será proporcional, entre outras variáveis, à força 
do estímulo. 
 
Três quadrados dispostos lado-a-lado, e separados por setas que apontam da esquerda 
para a direita. A primeira seta atinge o primeiro quadrado, também da esquerda para a 
direita. 
 
18 
 
Observando o tipo de causalidade analisado na figura 1 veremos que ele é válido 
também para esse segundo conceito de monocausalidade encadeada ou linear, onde a 
ilusão da causa única está potencializada mecaniCameflt5 
A INSUFICIËNCIA DA CAUSA MÚLTIPLA 
 
Esse tipo de causalidade corrige as falhas do mecanismo implícito das duas 
anteriores, adaptando-se melhor, porém, ao pensar psicopatológico. (Figura 3.) 
 
Figura mostrando um quadrado com várias setas apontando para ele, uma vindo 
de cada direção. 
 
Esta visão tenta explicar a complexidade fenomenológica mediante uma extensa 
gama de causas que atuam em diferentes ângulos e em diversas direções, incidindo 
sobre determinado corpo. Como resultado, teremos um somatório das forças 
intervenientes. 
Este conceito de causalidade foi abordado e desenvolvido por Kurt Lewin 
(Lewin, K. Principies of Topological psychology, McGraw Hill, New York, 1936), 
sendo importante na explicação de determinados fenômenos que acontecem com O 
indivíduo, tanto em contato com seu grupo imediato, como com a comunidade. Os 
riscos de erros são, aqui, consideravelmente menores, mas a complexidade dos fatores 
intervenientes torna esta concepção ainda insuficiente. 
 
* Os riscos de erros são tão grandes quanto os da concepção anterior. 
 
19 
 
FEEDBACK OU CAUSALIDADE DE AÇÃO RECÍPROCA 
 
Este tipo de causalidade é um aperfeiçoamento do tipo anterior, já que se admite 
nele a multiplicidade causal, mas acrescentando que os efeitos produzidos por essas 
causas retroagem sobre essas mesmas causas, produzindo-se um condicionamento 
mútuo às vezes extremamente complexo. (Figura 4.) 
 
Figura mostrando três quadrados, A, B e C. Entre A e B e entre B e C, existem duas 
setas em direções opostas. Do quadrado A sai uma seta que atinge C e do quadrado C 
sai uma seta que atinge A. 
 
Se A fosse uma mãe superprotetora e B seu filho que chora, cada vez que 
houvesse um afastamento entre ambos, se daria uma troca de estímulos que, na 
linguagem da Teoria da Comunicação, seria chamada de informações mutuamente 
condicionadas. A mãe estará sempre presente tão logo o filho manifeste necessidade de 
sua presença. Este estímulo é qualificado de superprotetor. Ele provocará o 
desaparecimento do pranto do filho, o que se constituirá em informação para a mãe de 
que o filho recebeu a mensagem por ela emitida. O filho, por sua vez, provocará a 
super- presença da mãe cada vez que chore. 
Arbitrariamente digamos que C, em nosso esquema, é um outro filho desta 
mesma mãe que com estímulos apropriados faz chorar a seu irmãozinho B, 
desencadeando com isso todo o esquema de superproteção descrito acima. 
No esquema podemos constatar que existem setas diretas que vinculam a mãe A 
ao filho C. Facilmente se deduzirá a informação 
 
20 
 
que chega a C quando A está com B e a que chega a A, ,ou parte de C, quando este está 
com B. 
É necessário esclarecer que este fenômeno de ação recíproca muito mais 
complexo, já que os personagens de toda ação se modificam e são modificados cada vez 
que são sujeitos e/ou objetos dos estímulos produzidos. 
Isto é, embora aparentemente as causas atuantes sejam iguais, nunca sua 
qualidade é a mesma. Cada momento é um momento diferente, singular e distinto. 
Dentro deste pensamentos diremos que não há começo e fim. As causas são sempre 
mutuamente interdependentes. 
É importante também acentuar que o fundo contextual, ou cenário, onde os 
fenômenos se dão, atua por sua vez como causa, interatuando e aumentando a 
complexidade das relações dos personagens. Em nosso exemplo, a configuração que 
arbitrariamente escolhemos por A, B e C se dá sob um fundo mais ou menos constante, 
que poderia ser, por exemplo, a casa onde vivem. Mas será suficiente mudarmos o 
cenário e transportá-los a outro contexto para que os fenômenos tanto dos personagens 
quanto do novo cenário adquiram uma configuração diversa. 
A importância do princípio de ação recíproca está no fato de que é a que melhor 
se adapta ao modelo de causalidade oferecido por Freud, o que será abordado a seguir. 
 
AS SËRIES COMPLEMENTARES DE FREUD. 
AS CAUSAS EM PSICOPATOLOGIA PSICANALITICA 
 
Esta 6 a teoria dos “porquês” introduzida por Freud e que é válida e pertinente 
como modelo explicativo dos fenômenos psicopatológicos. (“Conferências Introdutórias 
sobre Psicanálise”, Standard Brasileira, vol. XVI, p. 423 - 1916/17.) As séries 
complementares são assim chamadas precisamente por descreverem uma 
 
21 
 
seqüência interdependente de causas que interatuam entre si. 
Como podemos observar na figura 5, a primeira série está constituída pelos 
elementos transmitidos geneticamente e também pelos que se desenvolveram durante a 
vida intra-uterina. 
A segunda série complementar se encontra composta pelas experiências infantis 
que, como ensinou Freud, adquirem relevante importância pela idade em que ocorrem, e 
são decisivas na formação da personalidade. 
As duas séries em conjunto e combinando-se em proporções variáveis dão como 
resultado a disposição que interatuará com os diversos fatores atuais ou desencadeantes, 
produzindo a sintomatologia psicopatológica. Como facilmente se deduz, um sintoma 
ou um conjunto deles é o produto final de uma complicada série de fatores e situações 
que aparecem hoje, mas que na realidade se originaram em outro tempo e em outro 
lugar. 
Este último conceito é sumamente importante e também foi desenvolvido por 
Kurt Lewin. Seguindo sua linha de pensamento 
 
22poderemos dizer que os fatos passados não existem agora. O do passado e sua influência 
são indiretos. 
Assim, uma mulher aos 30 anos com paralisia histérica terá um ou vários 
“porquês”, que devem ser buscados em seu passado, tanto infantil, quanto congênito ou 
hereditário. Mas ainda que estes dados expliquem a paralisia, não nos fornecem o 
porquê do seu aparecimento em um dado momento, em uma dada situação e vinculada a 
um certo tipo de objeto. 
Esta maneira de observar o campo psicopatológico faz com que o presente e o 
passado se articulem em uma interação constante, o que não nos impede, contudo, de 
hierarquizar sempre os fatores causais, podendo dar prevalência aos mais atuais, que 
não só desencadeiam condutas, mas também permitem sua persistência. 
Para encerrar este capítulo, será interessante transcrever um parágrafo de Luiz 
Alfredo Garcia-Roza: “Freqüentemente ouvimos a confirmação de que a psicanálise 
adota um conceito histórico de causalidade porque explica os fatos presentes por fatos 
passados ocorridos na infância. Parece que há aí um engano. Freud não considera que a 
causa de um determinado distúrbio atual seja um fato localizado na infância. Uma coisa 
é a gênese histórica deste fato, isto é, como ele se localiza num processo histórico 
individual que teve origem no nascimento e de que maneira ele se relaciona com outros 
acontecimentos ou momentos deste processo; outra coisa é a pergunta sobre a causa 
deste fato, isto é, qual a dinâmica da situação presente, que tem como resultado o 
comportamento em questão. Na verdade, para Freud não fazia qualquer diferença se o 
fato passado apontado como a causa do atual tivesse realmente existido ou não. Ele 
considera que um histérico é uma pessoa que sofre de reminiscências. Portanto, é a sua 
referência a um passado que está afetada e não este passado considerado em si mesmo”. 
(Psicologia Estrutural, Ed. Vozes, Petrópolis, RI, 1972.) 
 
RESUMO SOBRE AS CAUSAS OU MOTIVAÇÕES EM PSICOPATOLOGIA 
PSICANALITICA 
 
1. Todo fato psicopatológico se origina no passado, mas só se manifesta e se mantém 
devido a fatores presentes. 
 
23 
 
2. Não existe a simplicidade causal. Um fato psicopatológico é multideterminado e se 
conserva em permanente movimento: ele é criado pela interpenetração de fatores 
históricos presentes. Por sua vez, ele interatua com seu meio atual modificando-o e 
sendo por ele modificado. 
3. Deduz-se dos parágrafos anteriores que não pode ser único ou estático o diagnóstico 
em psicopatologia. Um diagnóstico abrangente deverá contemplar os processos que 
deram aos sintomas atuais assim como também as causas situacionais presentes que o 
perpetuam. 
 
PROBLEMAS E QUESTIONAMENTOS SOBRE A ILUSÃO DA CAUSA ÚNICA 
 
A principal crítica a esta concepção é a dos que pensam que os fatos se originam 
e se mantêm linearmente, o que deveria supor, forçosamente, uma causa de origem. Esta 
é precisamente a armadilha em que cai o profissional iniciante — e a que geralmente 
possui o paciente quando é solicitado a dar uma explicação sobre fatos psicopatológicos 
atuais. 
Se nós supusermos que o encadeamento histórico dos fatos tem um começo 
absoluto, automaticamente se infere que houve a participação de uma CAUSA 
PRIMEIRA1,. A Suposição de uma Causa Primeira é, na prática, uma suposição 
teológica (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, vol. 1, cap. 46, art. 2, Réplica ao 
Objeto 7). Facilmente se compreende que só uma deidade (divindade) pode ser tão 
eficaz para resumir nela mesma todas as Causas Primeiras das coisas, deixando em 
segundo plano as assim chamadas Causas Secundárias ou Naturais. 
Outro problema que apresenta a Causalidade Linear ou Única é exigir a 
regressão ao infinito se não se admite a hipótese da Causa Primeira. Quer dizer: 
retroceder em procura de alguma explicação. Bem próximo aos inconvenientes 
teológicos da Causa Primeira, o postulado do assim chamado regressus ad infinitum 
eleva este infinito à categoria de divindade. Assim, se a intenção é tentar explicar o 
desconhecido atual mediante o conhecido histórico, a regressão ao infinito faz 
exatamente o contrário: — explica as situações presentes mediante um passado 
totalmente 
 
24 
 
desconhecido, hipotético, mítico. Talvez em psicopatologia a maior limitação deste 
modo de pensar seja sua extrema ambiguidade, que a exigência é retroceder em busca 
de causas, sem nos determos em algum fato ou estágio do desenvolvimento. O pensar 
psicopatológico psicanalítico não pode prescindir de níveis ou etapas definidas (como p. 
ex. as etapas da evolução psicossexual) num processo contínuo dentro de novas 
possibilidades que vão produzindo saltos qualitativos, o que torna descontínuo este 
mesmo processo. 
 
PROBLEMAS E SOLUÇÕES DO FEEDBACK 
 
Os modelos da monocausalidade e da causalidade linear afirmam a dependência 
de um princípio geral, o princípio da causa-efeito,e levam em consideração uma 
atividade, mas não a retroatividade.A partir do início do século XIX alguns cientistas e 
filósofos começaram a admitir que as causas naturais sofrem sempre mudanças, as quais 
fazem parte de sucessivos processos mais abrangentes que, por sua vez, produzem 
outras mudanças. A unidirecionalidade da causa antecedeu o moderno conceito de 
interação. Os modernos conceitos de retroação ou feedback incluem, entre outros 
aspectos de interesse para o psicopatologista, o mecanismo de controle. Em qualquer 
aparelho elétrico, como a geladeira, o calefator, etc., uma parte dos efeitos produzidos 
pela entrada da eletricidade é reenviada a um dispositivo especial que se chama 
“controle” e este realimenta a entrada de energia, corrigindo e regulando-a em todo o 
sistema. (Figura 6.) 
O aparelho se auto-regula desta maneira e também com a intervenção externa 
indispensável, fazendo subir ou descer a temperatura, conforme programações prévias. 
Este modelo tem então significativa relevância para os estudos Psicopatológicos 
modernos. Assim, toda vez que as funções — Vistas de forma muito simplificada na 
figura 6 — podem ser ocupadas por. diferentes personagens de um grupo familiar, 
podemos explicar a manutenção auto-regulada de uma doença mental: Esta auto-
regulação servirá de resistência a qualquer mudança, pois o doente mental incluído 
dentro deste sistema estará cumprindo funções reguladoras de equilíbrio homeostático. 
 
25 
 
 
Figura mostrando três quadrados dispostos em forma de triângulo. À esquerda, o 
quadrado “Entrada”, à direita o quadrado “saída” e em baixo “controle”. Entre os três, 
respectivamente, setas indicando um processo cíclico. 
 
Então passam a ser entendidos alguns fenômenos que ocorrem com as outras 
partes do sistema familiar, quando um doente melhora, pois tende (o resto do grupo 
familiar) a apresentar distúrbios de conduta que anteriormente não possuía. 
Deveremos aqui advertir que o conceito de ação recíproca ou feedback tem 
limitações, e que seu uso abusivo pode ser perigoso, apesar de ser muito útil aos 
objetivos de algumas explicações, não só no terreno dos vínculos objetais como no de 
todo sistema aberto. 
A maior parte dos estudiosos da epistemologia moderna alertam contra a 
tendência da localização das causas e efeitos em forma simétrica, excluindo 
radicalmente alguns níveis de predominância dos fatores intervenientes, assim como 
conexões genéticas estruturais absolutamente irreversíveis. 
Descobrir a complexidade de ligações encerradas em si mesmas dentro de um 
fato psicopatológico e sua respectiva manutenção através de vínculos atuais é, portanto, 
de extrema importância. O fenômeno da interação não esgota todas as Possibilidades 
causais, já que não está inteiramente comprovado que asmudanças significativas sejam 
apenas o resultado dessa interação dos diversos componentes entre si. Realmente, 
podem produzir-se mudanças ou efeitos de alta significação apenas pela predominância 
clara de um dos determinantes em jogo, embora devamos reconhecer que esta 
predominância se concretiza a longo prazo e por fatores externos a ela. 
 
26 
 
CAPITULO II 
Etapas da evolução psicossexual 
Características da sexualidade infantil 
 
Será necessário captar bem o que é a sexualidade para a teoria psicanalítica a fim 
de melhor entender os quadros psicopatológicos e agir operativamente com eles. 
Mais adiante (ver p. 139) nos ocuparemos com mais detalhes do modelo dinâmico, o 
qual explica e fundamenta esta sexualidade, porém adiantaremos agora o ponto de 
partida pelo qual Freud concebeu este conceito. 
Freud observou que as crianças que mamam no peito, após a satisfação de sua 
fome, continuavam a ter uma série de movimentos labiais ou mesmo de toda a 
extremidade cefálica, inclusive chupando o dedo polegar ou a mão inteira. O princípio 
elementar a que o grande observador recorreu foi levantar a hipótese de que, se o neném 
tinha satisfeito já os instintos que demandavam a alimentação específica, essa 
continuação dos movimentos era explicada por um excesso de energia não satisfeita e 
que demandava, em conseqüência, objetos não alimentícios (o ato de roçar a pele, as 
sensações de movimento músculo- esquelético, a sensação de suspensão ao colo, etc.). 
Freud denominou a primeira classe de instintos de autoconservação e a segunda 
de instintos sexuais. Como facilmente se deduz, os instintos de autoconservação têm 
objetivo específico neste caso, o leite — e sua satisfação não pode ser adiada. Por outro 
lado, os instintos sexuais não têm objeto especifico - podem ser satisfeitos com a pele, 
com o roçar de uma coberta ou lençol, com o movimento rítmico de um carrinho, etc. 
— e, além disso, não exigem satisfação imediata. Este ultimo conceito exige um 
esclarecimento: quando nós dizemos que os instintos sexuais podem ser adiados na 
obtenção e sua satisfação, estamos dizendo que o seu não-cumprimento, 
 
27 
 
tanto total quanto parcial, não compromete a vida do sujeito, ao contrário dos instintos 
de autoconservação, cujo cumprimento é imperioso e inexorável para que a vida do 
sujeito não fique comprometida. 
Devemos ressaltar que o conceito de sexualidade em Freud tem, sem nenhuma 
dúvida, um suporte biológico, mas, como o leigo facilmente compreenderá, a 
sexualidade aparece como secundária, como manifestação cuja ordem de importância 
vem depois de serem atendidas as necessidades básicas de sobrevivência. Esta 
sexualidade ainda tem pouco a ver com a genitalidade, pois está ligada a carinho, a 
afeto, a modalidades de relacionamento, ou seja, significações. Portanto, enquanto para 
o biólogo, médico-pediatra, interessará a freqüência das mamadas do neném, a 
quantidade do líquido ingerido, o aumento ou a diminuição do peso — elementos sem 
dúvida de grande importância — para o psicólogo ou o psicanalista o que interessa é o 
como se realiza essa alimentação, pois nesse como é que se poderão observar as 
modalidades pelas quais serão satisfeitos os instintos sexuais. 
Após esta pequena introdução, podemos dizer que a sexualidade infantil, sob o 
ponto de vista descritivo, não tem nada a ver com a sexualidade adulta, e apenas que, 
sob o ponto de vista do processo, esta é uma continuação direta daquela. 
Talvez a diferença mais importante entre uma e outra resida naquilo que 
corriqueiramente se entende por sexualidade adulta, que é predominantemente genital, 
enquanto que na infantil, como no exemplo acima, a predominância é muito variável, 
quase sempre não genital e, na maior parte das vezes, desorganizada, disputando 
primazias no percurso de seu desenvolvimento: 
ora anal, ora, genital, ora oral-genital, e assim por diante. 
Assim, pode-se compreender também porque alguns autores denominaram 
aspectos da sexualidade infantil de fase “perverso-polimorfa”. Com este termo fazem 
alusão ao fato de que a primeira sexualidade não chega ainda às fases de liderança 
genital, mas sim que se apresentam em forma multifacetada, variada, com escassa 
organização. Outra característica da sexualidade infantil, que a difere da do adulto, é 
que seus fins não tendem ao relacionamento de coito. Estes, então, e pelo próprio 
impedimento biológico, ficam apenas na fantasia, referida necessariamente 
 
28 
 
ao próprio sujeito, donde a denominação de sexualidade auto-erótica. 
Além do mais, a sexualidade infantil é composta por diversos fragmentos que 
agem como se fossem diversas estações que vão aparecendo e tomando lideranças e 
predominância dentro de todo um todo organizável. A sexualidade infantil é composta 
por impulsos parciais. Só no adulto normal é que ela alcança níveis totais, ou seja, 
integrativos, níveis sintetizadores desses fragmentos. 
Uma última característica, que a diferencia da sexualidade adulta, é o fato de 
agir como se fosse uma massa de excitações cuja origem ou fonte se encontrasse em 
qualquer parte do organismo. Este último conceito é de capital importância do ponto de 
vista psicopatológico. Enquanto um adulto, na maioria das vezes, consegue distinguir o 
lugar de origem de uma excitação, o tempo que transcorre até alcançar seu clímax e a 
posterior satisfação, a criança, de um modo geral, carece de uma diferenciação nítida 
entre excitação e satisfação. Praticamente se confundem, se interpenetram, devendo-se 
ressalvar que, embora tradicionalmente se estudem pontos de liderança biológica 
funcionando à maneira de organizadores o conceito de sexualidade infantil não se reduz 
unicamente aos clássicos pontos — oral, anal, fálico, etc. Como já dissemos, qualquer 
ponto do organismo é capaz de se converter em fonte excitável e, portanto, de 
satisfação: a atividade mecânica músculo-esquelética, a atividade intelectual, os 
estímulos proprioceptivos e exteroceptivos, ou, inclusive, a própria dor. À medida que o 
tempo passa — e esse tempo é muito variável — é que a sexualidade infantil vai se 
definir, se adultificar, isto é, as zonas genitais irão adquirir maior importância, podendo 
sua excitação, manipulação e descarga adquirir formas ou modelos semelhantes ao 
orgasmo do adulto. 
A isto se chama a “primazia genital”, ou seja, o pênis, o clitóris, a vagina e toda 
a zona genital passam a ser capazes de concentrar toda a energia, toda a excitação que 
anteriormente se encontrava espalhada, repartida em outras zonas. 
Não ha dúvida de que, sob o ponto de vista do ordenamento e do processo, este segue 
diversas etapas em seu desenvolvimento. Mas é importante salientar que essas etapas 
não 
 
29 
 
se dão nunca de um modo claro e seguindo uma cronologia etária definida. Existe 
sempre uma evidente interpenetração das etapas que aumenta à medida que nos 
aproximamos das etapas genitais. A genitalidade é quem ordena todo o processo 
anterior enfileirado por trás dela. 
 
 
ESTÁGIO ORAL 
A) FONTE 
 
Definimos como estágio oral aquele primeiro período onde a fonte corporal das 
excitações pulsionais se dá predominante- mente na zona bucal. 
É preciso compreender que embora a boca proporcione um referencial concreto e 
preciso, deveremos tomá-la apenas como um modelo de relacionamento nesta etapa. 
Queremos dizer que a boca não é apenas aquela cavidade anatômica que cumpre 
determinadas funções de ordem biológica, mas também qualquer outro sistema ou 
atividade corporal que preencha os requisitos essenciais deste modelo — corpo oco, 
aconchegante, com movimentos de inclusão e expulsão, etc. — será entendido como 
boca. Assim, por exemplo:— o complexo aerodigestivo, incluindo, sobretudo na primeira etapa, todo o trato 
gastrintestinal; 
— os órgãos da fonação e da linguagem; 
— todos os órgãos dos sentidos: olfato, paladar, visão e audição, são todos cavidades 
em direta relação com o mundo exterior e que servem como intermediárias para a 
interiorização e exteriorização, cada um dos quais com seu material específico; 
— a pele, com todas as suas funções superficiais (tato) ou profundas (sensações 
proprioceptivas). 
Este conceito ampliado da boca como modelo proporciona, então, base e 
fundamento para pensar nas doenças ou transtornos asmáticos, por exemplo, como 
problemas relacionáveis a este período cio desenvolvimento. Pensar nestes termos 
implicará tam 
 
30 
 
imaginar que quando o bebê se sente no colo da mãe, le vivencia sensações de ser 
“contido”, “tomado”, “chupado”, “tocado” por uma imensa boca. Neste período do 
desenvolvimento, o bebê, em seu íntimo, não pode diferenciar o que é ma mão, uma 
perna, ou uma boca propriamente dita. E, muito menos, onde termina ele, com seus 
músculos e sua pele, e onde começa o outro, com seus músculos e sua pele e todos os 
estímulos externos procedentes. Isto é, o neném não pode distinguir a origem do 
estímulo, se vem de dentro dele ou se é de outra pessoa. Mais ainda: não podendo 
distinguir a origem do estímulo, não pode distinguir o conteúdo do mesmo. Daí conclui-
se que funcionará como alimento o que o neném tocar ou aquilo que o tocar. Falar e ser 
falado será para ele, em certo nível e em certa época, como tocar e ser tocado. E assim 
por diante. Só raciocinando deste modo, reportando-se ao vínculo filho-mãe, o 
psicopatologista pode explicar a confusão aparentemente sem sentido de determinados 
sintomas delirantes, ou o pensamento sensorializado da esquizofrenia, por exemplo. 
 
B) OBJETO 
O objeto da etapa oral é o seio, ou seja, tudo aquilo que se refere ao seio materno 
ou o substitui. É necessário destacar que o seio materno vai satisfazer não só a 
necessidade biológica da alimentação, mas também outros tipos de necessidades, como 
por exemplo o prazer de tocar a mucosa bucal ou a mão no peito ou outro fragmento da 
pele da mãe, ou a sensação de calor que toda extensão espacial do corpo da mãe 
transmite à criança. Como se pode observar, o conceito de objeto não é redutível só ao 
seio, anatomicamente falando. “Seios” também são os braços da mãe, os músculos que 
seguram o neném, a VOZ que fala contemporaneamente à incorporação do leite, etc. 
É enorme a importância do vínculo seio-boca neste período, porque ele é 
herdeiro do vínculo estabelecido entre o feto e a mãe; isto é, o seio será o substituto do 
cordão umbilical. A diferença fundamental entre os dois tipos de vínculo é que, enqua0 
o cordão umbilical é uma conexão contínua, o seio é Uma conexão descontínua embora 
concreta. Como se poderá 
 
31 
 
deduzir, o ar, o espaço aéreo, é definitivo, é fundamental como interposição entre o 
neném e sua mãe. Assim, todos os autores aludem às fantasias neste período e não 
deixam de mencionar c alimento como restituidor do vínculo perdido: a simbiose 
biológica intra-uterina. 
 
c) FINALIDADE PULSIONAL 
Neste período, a finalidade pulsional, isto é, o alcance ou a obtenção da descarga 
(satisfação), é dupla: 
— por um lado, a incorporação do sustento biológico, cujo representante máximo é o 
leite, sem o qual o sujeito não pode subsistir. Compreender-se-á com facilidade que dar 
satisfação a estas pulsões chamadas de autoconservação é uma premissa básica, porque 
sem elas, que funcionam à maneira de suporte, não existirá psicologia nenhuma. 
— por outro lado, simultaneamente com a satisfação trazida pela incorporação do leite 
materno, o sujeito obtém um plus de satisfação que é conseqüência de um excesso de 
energia que acompanha a pulsão oral de autoconservação. A este excesso se dá o nome 
de pulsão sexual, e sua satisfação se estende além do limite espacial da boca em si 
mesma (estimulação lábio com lábio, dedos com dedos, dedos com boca, boca com 
dedos) e do limite temporal (antes e depois de mamar a pulsão se satisfaz em diversas 
partes do corpo). 
 
1. DIVISÕES DA ORALIDADE 
Karl Abraham dividiu o período oral em dois subperíodos: 
 
A) ORAL PRIMÁRIO 
Estágio oral primário ou de sucção, que se estende até os 6 meses de idade, 
aproximadamente. Ë também conhecido pelos nomes de fase pré-ambivalente, estágio 
narcísico-primário ou estágio anaclítico. Este subperíodo tem as seguintes 
características: 
 
32 
 
— predominância da incorporação proveniente do mundo externo sob a liderança das 
necessidades biológicas de autoconservação; 
— a satisfação auto-erótica como substituto compensatório nos momentos em que o 
objeto outorgante da satisfação não está presente; 
— tal como já foi dito anteriormente, existe uma indiferenciação no íntimo do neném 
entre ele próprio e qualquer outra coisa que se encontre no mundo exterior. 
Simplificando ele ainda acredita encontrar-se no útero; 
— uma característica muito discutida por diversos autores: a ausência de amor e de ódio 
propriamente ditos. Quer. dizer, neste primitivíssimo período do desenvolvimento, não 
há dúvida de que existem os assim chamados afetos, mas titulá-los de Amor e de Ódio, 
como o faz, por exemplo, Melanie Klein, seria adultificar e, portanto, deformar um 
processo, retirando características que lhe são próprias. 
 
B) ORAL SECUNDÁRIO OU CANIBALÍSTICO 
Estágio oral secundário ou canibalístico — este estágio, que transcorre no 
decorrer do segundo semestre do primeiro ano de vida, é caracterizado pelo 
aparecimento dos dentes, daí o nome de canibalístico. Nessa época a criança se vincula 
pela primeira vez com o mundo exterior, mordendo. A incorporação dos objetos agora é 
predominantemente sádica, destrutiva, e o objeto incorporado é vivido dentro do 
aparelho psíquico primitivo e ainda rudimentar da criança como mutilado, atacado, no 
sentido descritivo. 
Será importante voltar a este estágio e suas conseqüentes fantasias, quando 
falarmos de depressão e melancolia. 
 
2. O RELACIONAMENTO DE OBJETO 
Referimo-nos à relação ou relacionamento de objeto na teoria Psicanalítica como 
ao vínculo dialético que compreende duas as diferentes modalidades de como o sujeito 
organiza seus objetos internos e externos e também o modo pelo qual estes modelam a 
conduta do sujeito. 
 
33 
 
3. O PRIMEIRO OBJETO: A MÃE 
O fato contido neste subtítulo, aparentemente óbvio, exige um pequena 
explicação. Embora, em sentido amplo, seja indiscutível que o primeiro objeto com o 
qual o ser humano se relaciona sua mãe, nem sempre esta mãe precisa ser sua, nem esta 
si precisa ser mãe. Este pequeno trocadilho quer frisar que a mãe para o 
psicopatologista, é mais que um conceito, é uma função, que ocupará um lugar com 
determinadas significações para cada criança em particular. Simplificando: chamaremos 
mãe ao ser humano que alimente o neném e lhe proporcione calor, sustentação espacial, 
contato dérmico, estímulos auditivos, etc. Essas funções podem ser realizadas por 
qualquer pessoa, independente de sexo, idade ou vínculo de parentesco com a criança. 
Há um outro ponto que torna problemática a noção objeto: é que inicialmente 
não existem imagens completas de objeto no sentido psicológico do termo. O neném 
carece do sentido de vinculação entre uma representação sensorial e outra. Para a visão, 
a audição, as multivariadas e caleidoscópicas sensações provenientes de infinitas fontes, 
são fragmentos de uma realidade e por isso são denominadas parciais, e não-unificadas. 
Se alguma consciência pode ter o neném nas primeiras semanas de vida, é um tipo de 
consciênciamuito arcaica, neurofisiológica, que depende totalmente das percepções 
polares tensão e relaxamento. Assim é que ele observa e codifica o mundo em torno 
dele. Ou seja, ou o mundo é tenso e sem prazer, ou o mundo é relaxado e prazeroso. 
Outra ressalva, que se deduz do que foi dito anteriormente, refere-se à fragmentação 
objetal, esta parcialidade de objeto, que nunca é simples, nítida, recortada, pois estes 
objetos parciais se encontram condensadamente constituídos por fragmentos daquilo a 
que chamamos “mãe” e por fragmentos das próprias sensações corporais do neném, 
visto que obviamente ele ainda não tem noção alguma do que é seu e do que pertence 
aos outros. 
 
34 
 
A RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA COM O OBJETO PRIMÁRIO 
 
O conceito de dependência é de capital importância em psicopatologia. 
Simplificando, o homem é o único ser da natureza que nasce desarvorado, isto é, sem 
poder sustentar-se nem sequer engatinhar ou tatear em busca de alimento, como o faz 
um filhote de cachorro. Isto quer dizer que se não houver uma ajuda externa para 
socorrê-lo, alimentá-lo, abrigando-o, sustentando-o, contendo-o, este recém-nascido 
morrerá inexoravelmente. Esta posição dramática de dependência de outro ser humano 
coloca o recém-nascido à mercê dos objetos exteriores. O sujeito tem de aceitar como 
condição indispensável da vida esta extrema dependência inicial que marcará para 
sempre seu desenvolvimento psicológico. Uma das primeiras conseqüências que se 
pode deduzir do parágrafo anterior é que somente outro ser humano pode humanizar 
(ver p. 87). 
Uma segunda conseqüência é que para poder aprender, a criança pagará o 
elevado preço da dependência, já que incorpora não só o leite e seus derivados 
posteriores, mas também o complicadíssimo conjunto de sinais que os seres humanos 
lhe transmitirão, entre eles a linguagem. 
Encontramos então um paradoxo fundamental e básico: para poder ser 
independente, tem que depender. E, a posteriori, para poder se tornar independente 
deverá livrar-se das marcas da dependência. 
Observe-se a construção lingüística: IN-dependência significa literalmente 
incorporação, interiorização de uma dependência. Resumindo, o sujeito independente e 
autônomo do futuro levara para sempre a marca indelével da dependência inicial que lhe 
foi necessária para sobreviver. 
 
 
5. A EVOLUÇÃO NO CONHECIMENTO DOS OBJETOS 
A descoberta real dos objetos, tanto no sentido qualitativo como quantitativo se 
faz, como é lógico, gradualmente. 
 
35 
 
a. Como a vida aérea, extra-uterina, inaugura o ritmo de contato e interrupção de 
alimento que não existia previamente, favorecido pelo progressivo desenvolvimento 
neurofisiológico, os momentos de ausência terão fundamental importância. Isto 
significa que as distinções entre a presença ou ausência do seio, assim como (e 
decorrente disso) os pequenos estados de consciência, dependerão da sensação de espera 
que a criança começa a ter daquele objeto-seio que lhe satisfez anteriormente. 
b. A diferenciação das percepções começa a ser feita progressivamente e, em vez 
da codificação tenso x relaxado que vimos anteriormente, agora teremos confiança ou 
conhecidos x estranhos ou duvidosos. Estes últimos é que são sentidos como perigosos 
e serão o embasamento daquilo a que nós chamaremos Ódio, em oposição aos outros 
que outorgarão confiança e serão a base do Amor. 
c. Não resta dúvida que a comunicação humana vai-se enriquecendo à medida 
que se produzem as diferenciações entre as diversas percepções. A criança principia a 
sintetizar os sinais procedentes do complicado jogo não verbal e verbal de sua mãe. A 
manipulação que os adultos exercem sobre ela são “pacotes” de informação que servem 
como pontes entre ela e o mundo exterior que vai “emergindo”. 
d. Inicialmente e pelas causas acima descritas (indiferenciação do mundo interno 
e mundo externo, confusão entre o que origina o prazeroso e o sem prazer, etc.), o 
mundo fantástico do neném é bivalente. Isto é, ele organiza suas percepções sentindo 
que existem alguns objetos que lhe dão prazer, satisfação, e outros radicalmente 
distintos, que lhe causam desprazer e insatisfação. 
Isto é o que se conhece, na teoria kleiniana, como objetos bons e objetos maus. 
Como se compreenderá, tais qualificativos não têm nada a ver com valorizações 
de ordem moral no que diz respeito aos objetos, ou fragmentos deles, aqui envolvidos, 
O máximo que podemos dizer, do ponto de vista operacional, é que o neném, neste 
período, construirá seu mundo interior com aquilo que sinta lhe está proporcionando a 
primeira experiência de prazer. Seja de que origem for, essa experiência, impossível de 
ser traduzida em palavras, nós, cientistas, adultos, tentamos explicá-la 
 
36 
 
metáforas. Assim, dizemos: estes são objetos bons, protetores, calmantes, etc. Ao 
contrário, todas as experiências que causam desgosto, como por exemplo, a tensão da 
fome, o incômodo da primeira irritação epidérmica provocada pelo retardamento na 
troca das fraldas, a ausência prolongada da mãe, etc., serão vivenciadas como 
provenientes de objetos maus, destrutivos, persecutórios, etc. 
Mais adiante, particularmente a partir do segundo semestre do primeiro ano de 
vida, e transitando já pela segunda fase oral, o mundo começa a ser sentido como 
ambivalente. Isto quer dizer que pouco a pouco, e com as sínteses que vão se 
produzindo em todos os níveis, a criança começará a compreender que suas sensações 
nem sempre serão produzidas por diferentes objetos, e que, quase sempre, um mesmo 
objeto é origem de sensações opostas. O neném terá impulsos de aproximação, ou seja, 
de amor primitivo e também de afastamento e destruição (ódio primitivo) em relação à 
mesma pessoa. 
6. O DESMAME 
Entende-se por desmame o período, em torno dos doze meses de idade, em que é 
retirado definitivamente ao neném o contato com o seio materno. Temos que fazer duas 
ressalvas: 
a primeira é que a data de doze meses é absolutamente relativa, 
-variando para cada mãe, para cada criança, para cada grupo social e para cada cultura. 
Em segundo lugar, sublinhamos nessa data aproximada o último contato com o seio 
materno, a definitiva separação dele como fonte alimentar e, concomitantemente, de 
prazer. Deduz-se facilmente que esta experiência, que aparece perante os olhos do 
observador externo como brusca e dramática (e que de fato às vezes assim o é), na 
realidade vai-se produzindo paulatinamente, a cada mamada. 
Os intervalos existentes entre elas, cada vez mais tolerados pela criança, 
culminam, em dado momento, com aquilo a que chamamos de desmame definitivo. 
Compreende-se também que na imensa maioria dos casos coexiste um período de 
alimentação mista, no qual o neném experimentará diversos modos de vínculos 
alimentares que lhe proporcionarão experiências enriquecedoras de contato e 
comunicação entre ele e o mundo. Isto 
 
37 
 
significa que quando se der o corte oral definitivo, este terá tido um processamento 
histórico de diversos afastamentos precedentes. 
É necessário repetir que aqui entendemos por seio não só o “seio de carne”, mas 
também o seio artificial, proporcionado pela mamadeira e seu bico de borracha, já que, 
como o leitor lembrará, o conceito de mãe não se reduz somente ao aspecto biológico-
alimentar puro. É preciso que se ofereçam ao neném, juntamente com a boa qualidade e 
quantidade de leite, condições de tranqüilidade, calor, aconchego, contenção, estímulos 
táteis, auditivos e olfativos, para que o constructo mãe se incorpore exatamente da 
mesma forma. 
Deste modo poderemos dizer que uma mulher que ama naturalmente seu filho 
pode não cumprir os requisitos psicológicos para que oneném possua as marcas 
sensório-perceptivas daquilo a que convencionalmente denominamos bom objeto, ou 
boa mãe. Por outro lado, um homem que alimente artificialmente seu neném, cumprindo 
esta função com requisitos de atenção e profunda intimidade senso-perceptiva, 
proporcionará a este neném os tijolos necessários e adequados para a formação de seu 
ego.* 
Em resumo, o conceito de mãe, como se observa, é relativo. E, como tal, deverá 
ser pesquisado e explorado em cada situação e em cada caso. 
 
ESTÁGIO ANAL 
No curso do segundo e terceiro anos de vida, a criança já se encontra muito 
desenvolvida em comparação com os primeiros 
 
* Talvez aqui também se pudesse acrescentar que mesmo alimentando naturalmente o 
filho, ou seja, mesmo cumprindo os requisitos de calor, aconchego, contenção, etc., isto 
pode não ser suficiente para transmitir-lhe a sensação de mãe boa, porque a vivência da 
mãe má ou persecutória pode se instalar enquanto o bebê tem simplesmente fome e 
chora, no lapso de tempo que decorre até que chegue o leite. Quer dizer, a vivência 
pessoal, individual de cada criança contribui significativamente para determinar a forma 
como aquela criança vai apreender aquela situação. (Carmine Matuscello Neto. 
Comunicação pessoal.) 
 
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meses de sua vida extra-uterina. Embora ainda não seja de todo independente, possui 
uma série de funções que lhe permitem um afastamento progressivo e relativamente 
autônomo de seus objetos primários (mãe, pai). 
Essas ditas funções são: a) engatinhar e andar; b) a linguagem ; c) O progressivo 
aprendizado de funções fisiológicas que requerem primordialmente controle motor: 
comer sozinho (sem ajuda de terceiros) e controle esfincteriano. 
 
A) FONTE 
É preciso dizer que a região anal se encontra em funcionamento desde o começo 
da vida, mas não adquire grau de ativação nem caracteres libidinais até que as condições 
neurofisiológicas de amadurecimento e meio ambientais ressaltem a musculatura 
voluntária como o centro principal do desenvolvimento. 
No nosso entender, este estágio se denomina anal porque o ato da defecação 
ocupa um lugar importantíssimo no desenvolvimento psicossexual da criança; porém 
não se resume apenas no controle esfincteriano. Este serve de modelo para o controle 
motor em geral, sensações de domínio, prazer na expulsão ou na retenção, etc. 
Portanto a fonte pulsional corporal, ou zona erógena parcial, de onde emanam as 
pulsões neste período é a mucosa ano-retal, que terá a seu cargo sensações conscientes 
de um processo muito importante para a autoconservação: a eliminação dos resíduos 
alimentares indigeríveis. Mas, observado sob este ponto de vista, a fonte pulsional neste 
estágio muito mais ampla. Estende-se desde o esfíncter pilórico (que separa o estômago 
do intestino) até a zona fronteiriça anal, que separa o interior corpóreo do mundo 
exterior. 
O leitor, familiarizado já com a explicação dos fenômenos psicossexuais através 
dos modelos estruturais de funcionamento do aparelho psíquico (ver . 30), poderá agora 
ver O ânus como uma nova boca, enquanto separa e une dois mundos, em dois 
movimentos diferentes. O mundo exterior, que na etapa 
 
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oral era representado pelo peito, e que, como já vimos, a criança não distingue nem 
diferencia, passa agora a ser nitidamente discriminado como elemento distinto do 
mundo interior. E é o esfíncter anal que faz esta delimitação, as fezes passando a ser 
vivenciadas como conteúdos internos que são exteriorizados. 
 
B) OBJETO 
Assim como era fácil distinguir o objeto da fase oral, é bem mais difícil fazê-lo 
no estágio anal. O aparelho psíquico relativamente simples da etapa oral foi adquirindo 
maior complexidade graças ao contato com maior número de objetos e ao 
amadurecimento sensório-motor. É necessário dizer que embora estejamos estudando a 
etapa anal de maneira isolada, só pedagogicamente é assim. Na realidade, ela é herdeira 
da etapa oral, ficando esta ativa, mas superada pelas novas formas que as exigências do 
crescimento vão determinando. Ou seja, a etapa anal tem características específicas que 
a distinguem, mas não é possível estudá-la sem levar em conta seus antecedentes 
históricos. 
A mãe continua sendo o objeto privilegiado da criança, só que agora é um objeto 
visualizado por completo (objeto total). Porém, psicologicamente, passa a ser para a 
criança uma função que além de alimentar, dar aconchego e conter, demonstra interesse 
em sua capacidade de controlar ativamente esfíncteres, mãos, deslocamentos espaciais, 
etc. 
Daí que, para a criança, “mãe” será tudo aquilo que tentar manipulá-la, e que, 
por sua vez, ela também manipulará, tendo como modelo o controle e a “manipulação” 
das fezes.* 
É preciso lembrar que uma das primeiras descobertas da psicanálise foi 
justamente o controle e a manipulação que os neuróticos obsessivos fazem com os 
objetos reais, e até com os pensamentos, tratando-os como se fossem “bolos fecais”, que 
se retêm, que se expulsam, e com os quais se obtém prazer. 
 
* Este manipular x ser manipulado é próprio da estrutura binária pulsional antitética 
deste período do desenvolvimento. O “corpo” é já uma representação, uma projeção do 
nível biológico concreto. A realidade exterior é uma extensão do próprio corpo, 
aparecendo este como um articula- dor com o outro. 
 
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Assim o ruminar obsessivo de um pensador qualquer tem sua origem e modelo 
na capacidade de controlar a musculatura esfincteriana. 
 O assim chamado “bolo fecal” se constitui num objeto intermediário entre a 
criança e o mundo exterior, e um verdadeiro “terceiro elemento” num conjunto em que, 
até então, haviam existido apenas dois. A importância que adquire o bolo fecal como 
campo de disputa e de controle entre os desejos do meio ambiente (mãe, pai, familiares, 
etc.) e os desejos da própria criança, torna-o apto para se constituir, por um lado, em 
herdeiro do objeto-peito da fase oral precedente — e, por outro, no antecessor do pênis, 
objeto privilegiado da fase psicossexual subseqüente. 
De tudo isto, podemos resumir do bolo fecal o seguinte: 
a. Como elemento concreto, é um excitante da mucosa ano-retal e, em tal 
sentido, totalmente equiparável ao relacionamento existente entre o peito e a boca. Em 
ambos os estágios, podemos questionar se a sensação de prazer é primariamente 
fisiológica ou secundária, adquirida pelo aprendizado, ou as duas coisas juntas. 
b. O bolo fecal é expulso do corpo da criança, é um elemento que dele se 
desprende em definitivo. Observe-se a diferença entre o período oral e este: no primeiro, 
o movimento do objeto-peito é “centrípeto”, tomando como eixo central a criança; na 
fase anal, o movimento é “centrífugo”, ou seja, há uma exteriorização dos conteúdos 
internos. Neste sentido, o bolo fecal contribui para modelar a importante noção do que é 
interno e do que é externo ao sujeito. 
Compreender-se-á agora que o medo de ser deglutido na fase oral é substituído, na fase 
anal, pelo medo de ser despojado do conteúdo corporal. Esta fantasia adquire vários 
matizes: ser arrancado, ser violentado, e, sobretudo, ser esvaziado. 
c. Pelas características de intermediação acima comentadas, o bolo fecal vai 
representar um valor de troca entre a criança e o mundo exterior. Eis aqui o substrato 
psicossexual das equivalências descritas por Freud entre as fezes — presentes que se 
oferecem ou se recusam — e o dinheiro, constituindo-se, assim, este ultimo, entre os 
adultos, na representação daquilo que se oferece em troca de alguma coisa e que adquire 
determinado 
 
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valor (que deve estar, portanto, além do que está escrito nos números do papel-moeda). 
Esse valor, que,para o adulto, se encontra além dos números, tem sua origem na fase 
anal, nas maneiras — múltiplas maneiras — mediante as quais as fezes foram 
valorizadas ou desvalorizadas. Um exemplo simples: quando a criança demonstra os 
primeiros indícios de autocontrole, a mãe responde com sinais de satisfação. Produz-se 
aí um ponto de ancoragem, de enlaçamento, de “sujeição”, de união e separação 
simultâneas, onde a criança aprende que em troca do controle do bolo fecal obtém, no 
mínimo, a satisfação da mãe. O bolo fecal começa então a adquirir características de 
valor. Esta mesma criança, convertida em adulto, terá também valores que atribuirá às 
coisas próprias ou alheias. 
Assim, o “belo”, o “feio”, o que vale a pena, o desprezível, e assim por diante, 
terá tido sua origem remota na maneira peculiar como ela foi tratada e/ou manipulada 
neste período do desenvolvimento. Compreende-se assim como o papel-moeda corrente 
(dinheiro) se constitui na representação mais comum do que originalmente foi o bolo 
fecal. Um indivíduo adulto será avarento, “pão-duro” ou generoso, “mão-aberta” quanto 
ao USO particular de seu dinheiro, conforme tenha sido uma criança retentiva ou tenha 
mais docilmente atravessado o complexo aprendizado de seu controle esfincteriano “. 
 
c) FINALIDADE PULSIONAL 
A finalidade pulsional é complexa tanto no que se refere à sua explicação quanto 
no que diz respeito ao objeto. É evidente que a satisfação proporcionada pela função 
fisiológica defecatória exige uma explicação mais complexa do que aquela fornecida 
pela fisiologia. 
 
* Deste modo, o valor adquire historicidade concreta. Não é o valor segundo Platão, 
para quem as coisas tinham valor por si mesmas. O valor, para Freud, é valor enquanto 
desejabilidade. Ou seja, enquanto existam desejos de um indivíduo dirigidos para uma 
determinada coisa, essa coisa estará encaixada na história desse desejo. A história do 
valor será a história do desejo. Freud se insere desta maneira dentro da problemática 
filosófica de Spinoza, Hegel, Nietszche e Marx, os quais desenvolveram uma crítica dos 
valores insistindo em torno de sua subjetividade. 
 
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Com efeito, tanto a expulsão do produto intestinal como a protelação deste ato 
são de um poder erogênico indiscutível. 
Karl Abraham descreveu classicamente dois subestágios: 
1. A Primeira Fase Anal ou Fase Expulsiva — o prazer desta primeira fase é 
fornecido por três vias: 
a. A via fisiológica, que oferece agradáveis sensações na zona ano-retal, cada 
vez que se produz a eliminação das fezes. Este prazer como facilmente se compreende, 
é auto-erótico, pois é fornecido pelo ato em si. 
b. A via “social”, que, apoiando-se na via fisiológica natural, outorga 
importâncias a estas funções anais e conduz a criança a reforçar o interesse na função 
evacuatória e em tudo o que ela conota: puxar, empurrar, fazer esforço, libertar-se de 
uma tensão, etc. 
c. A via contingente, constituída pela introdução na zona anal de medicamentos 
como supositórios ou tomadas de temperatura, ou lavagens freqüentes, além de sua 
necessidade ocasional. Tais ações proporcionam uma série de sensações erógenas que 
podem (não necessariamente) se constituir, em conjunto com as outras vias analisadas 
em a e b, em predisponenteS para estruturas psicopatológicas da personalidade. 
Esta Primeira Fase Anal Expulsiva proporciona dois aspectos que deverão ser 
salientados: l.°) o auto-erotismo, como vimos acima, que é equivalente ao prazer auto-
erótico proporcionado pela passagem da língua entre os lábios ou pelo roçar de lábio 
contra lábio durante a fase oral. 2.°) o aspecto sádico do período anal, aspecto este que 
para alguns autores adquire enorme importância, denominando- se todo o estágio como 
sádico-anal. 
É preciso esclarecer a dupla origem do sadismo na fase anal: 
a. Por um lado, o ato fisiológico da expulsão, e as fezes em si, são vivenciados 
pela criança como atos e objetos de escasso valor e que é por isso mesmo que acontece 
o ato da expulsão (observe-se aqui o sentimento de descrédito, de desprezo, ao comum 
nas fantasias dos pacientes). Toda essa rede de significações desliza facilmente para a 
linguagem cotidiana através as expressões “caguei”, “fui cagado”, e assim por diante, 
 
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que significam: “expulsei sem remorsos”, “fui expulso sem consideração”. 
b. O outro aspecto do sadismo está ligado a diversos fatores sociais, que 
“ensinam” a criança a instrumentalizar esta propriedade fisiológica expulsiva para 
desafiar a autoridade dos pais, que querem justamente o contrário: ensiná-lo a reter, a se 
limpar, a ser “educado” 
2. A Segunda Fase Anal ou Fase Retentiva — aqui, ao contrário da fase anterior, 
o prazer se encontra no ato de retenção das fezes, mas a origem desse prazer é igual nas 
duas fases, embora instrumentalizado de maneira diferente. 
a. A criança vai descobrindo progressivamente que a mucosa anal pode ser não 
apenas estimulada pela expulsão, mas também pela retenção. 
Existe um acordo geral de que aqui se encontraria a descoberta do prazer auto-erótico 
masoquista, que é um componente da sexualidade normal. É preciso grifar que 
masoquista, neste contexto, quer dizer uma série de sensações despertadas 
passivamente, ou seja, a criança sente que o acúmulo das fezes na parte terminal do 
intestino provoca-lhe sensações de prazer. É num segundo momento que este prazer se 
une ao ato voluntário da retenção. Aqui, então, a busca desta sensação de prazer será 
ativa. 
b. Como na fase anterior, o prazer na retenção das fezes está constituído pela 
enorme importância que os adultos lhe atribuem. Daí que a criança começa a saber 
como manipular as pessoas através da retenção das próprias fezes. Observemos, aliás, a 
reemergência do sadismo nesta Segunda Fase Anal. 
A criança terá duas alternativas, a esta altura de sua evolução psicossexual: 
1. Pode utilizar-se de suas fezes como um presente, para satisfazer os desejos 
dos outros, agradá-los, conquistar e manter seu carinho, ou simplesmente como uma 
demonstração de afeto, ou 
2. Numa outra alternativa, que é reter as fezes durante certo tempo, o que será, 
na maioria dos casos, entendido como hostilidade dirigida a seus pais que estão 
preocupados com a produção das fezes e seu respectivo auto-heterocontrole. 
 
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1. O RELACIONAMENTO DE OBJETO NA FASE ANAL 
 
É evidente que sobre a trilha da fisiologia, da expulsão e retenção das fezes, assim 
como sobre os conflitos e vicissitudes suscitados pelo controle exterior (educação, 
limpeza, ordem, etc.), a criança organizará seus vínculos objetais que terão quatro 
características básicas: 
 
A) O SADISMO 
 
Já terá o leitor reparado que este período do desenvolvimento está caracterizado 
pelo prazer em agredir um determinado objeto. 
Isso quer dizer que erotismo e agressividade são encontrados nas duas fases da 
analidade: na primeira, há uma tendência a destruir o objeto exterior (expulsão), na 
segunda, conservá-lo com a finalidade de controlá-lo (retenção). Ambas as tendências 
são igualmente fonte de prazer. 
O problema do sadismo proporciona facetas interessantes sob o ponto de vista 
psicopatológico, sendo que o progressivo domínio do controle esfincteriano permite à 
criança ter acesso à noção de propriedade privada (visto que suas fezes, ele pode 
“oferecê-las” ou retê-las). Quase simultaneamente com a noção anterior, ele constrói a 
noção de poder (poder sobre seu próprio corpo e poder afetivo sobre os objetos do 
mundo exterior, na medida em que os gratifica ou frustra mediante o controle 
esfincteriano) 
Associados a estas duas noções estão os dois sentimentos peculiares e 
característicos desta fase: os sentimentos de onipotênciae de superestimação narcísica 
que a criança experimenta opondo-se aos desejos de controle dos objetos externos sobre 
ela. Isto pode ser resumido na noção de posse. 
Assim, a fantasia característica deste período, e mediante a qual a Criança 
deseja, é qualquer coisa sobre a qual ela possa exercer domínio ou “seus direitos” em 
geral. Compreender-se-á que qualquer objeto é redutível mais primitiva possessão: as 
fezes. 
 
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B) O MASOQUISMO 
Entende-se por este termo os vínculos de objeto cuja finalidade é passiva e que 
levam, como conseqüência, à obtenção de prazer em experiências dolorosas. 
É preciso ressalvar que, normalmente, sadismo e masoquismo estão juntos, 
falando-se então de sadomasoquismo. Além do mais, embora não existam dúvidas de 
que este tipo de relacionamento de objeto afunda suas raízes na fase anal, as explicações 
que os diversos autores têm oferecido são pouco claras e, em alguns casos, 
contraditórias. Assim, classicamente, admite-se que o papel das nádegas no 
masoquismo é relevante porque a libido se desloca desde a mucosa ano-retal até a pele e 
a musculatura da região glútea. Outros autores não outorgam importância tão destacada 
às nádegas e sim à satisfação erótica associada a castigos corporais ou diversas punições 
sofridas no decorrer deste período do desenvolvimento. 
Talvez o aspecto mais interessante deste problema seja a constatação empírica, 
tanto em crianças como em adultos, das condutas de provocação ativas e agressivas que 
fazem com que os objetos exteriores, provocados e agredidos, terminem agredindo o 
sujeito. A estreita união entre sadismo e masoquismo ressalta aqui com toda a clareza. 
 
c) A AMBIVALÊNCIA 
 
Uma leitura detalhada dos itens precedentes mostrará como os objetos são vistos 
e manipulados de maneira ambivalente: 
a. Por um lado, os objetos podem ser expulsos, eliminados, suprimidos, 
destruídos e 
b. Por outro lado, estes mesmos objetos podem ser apropriados e retidos, como 
uma possessão altamente valorizada e querida. 
 
D) BI E HOMOSSEXUALIDADE; ATIVIDADE E PASSIVIDADE NARCISISMO 
ANAL 
a. A bissexualidade humana encontra na fase anal sua expressão mais 
prototípica, já que o reto, sendo um órgão de excreção oco, permite a estruturação de: 
 
46 
 
1 A masculinidade, enquanto o sujeito sente a capacidade de expulsar ativamente 
produtos que se encontram dentro dele. Não é possível entender o sentido desta 
afirmação se não se compreende a historicidade desta propriedade da mucosa anal. Com 
efeito, ela é herdeira da mucosa oral, que forma as paredes desse primeiro oco, onde o 
sujeito aprendeu a “tatear” o mundo exterior. Esta função ativa de tateamento alcança 
sua culminação nesta fase do desenvolvimento, quando a criança vive a sensação de 
saída de seu produto intestinal como primeira função ativa. . 
2. Simultaneamente, o órgão intestinal, como órgão oco, recebe sensações de 
ordem passiva, pela passagem das fezes por sua parte terminal e pela possível 
penetração de corpos estranhos a ele. 
Daqui derivariam as tendências femininas. É preciso sublinhar que na hierarquia 
que adquirem os corpos estranhos a este oco vem em primeiro lugar o dedo, durante o 
ato da masturbação, que serve de exploração, descobrimento e reconhecimento das 
propriedades desta zona erógena. 
A masturbação se constitui assim num prelúdio importantíssimo da sexualidade 
definitiva. 
 
a. O par, atividade-passividade 
Enquanto a masculinidade e feminilidade definitivas ainda não foram 
alcançadas, o binômio atividade-passividade lidera os relacionamentos objetais nesta 
fase do desenvolvimento. 
Seria um erro importante pensar que este binômio é o único nesta fase 
intermediária entre o oral e o fálico. Com efeito, existem outros pares antagônicos que 
se organizam em derredor do ativo-passivo, por exemplo, bom-mau, lindo-feio, e, 
sobretudo, grande-pequeno. Deste último binômio procede um conjunto de fantasias 
subjacentes à estrutura dos jogos infantis neste período: médico-paciente, herói que 
supera perigos na selva, chefe de um exército imaginário, etc. Daí decorre que um os 
elementos da valorização amorosa se encontra na antinomia subjugar/ser subjugado, ou 
dominar/ser dominado. 
 
b. O problema do narcisismo. 
Referimo-nos, com este termo, à supervalorização que a criança atribui ao bolo 
fecal, mediante o qual e pelos fatores 
 
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anteriormente expostos conquista o controle esfincteriano e, por extensão, o controle da 
musculatura voluntária — a marcha e o deslocamento no espaço. Assim mesmo, e pelas 
possibilidades que se lhe oferecem de ofertar e se opor ao objeto materno, se 
alimentarão sentimentos de auto-estima e onipotência. Nessa época, os fins sexuais são 
predominantemente auto-eróticos, instrumentando-se os objetos com fantasias cuja 
finalidade será servir ao prazer concentrado em si mesmo. 
Finalizando, e como resumo do estágio anal, diríamos que suas características 
são as seguintes: 
1. A oposição atividade-passividade; 
2. O aspecto dual no relacionamento de objeto, querendo significar que ainda não é 
totalmente triangular edípico. 
3. A reafirmação e consolidação narcísica do sentimento de poder, que se encontra 
intimamente vinculado a fantasias de retenção-expulsão, e grande-pequeno, entre outras. 
4. O movimento predominantemente centrípeto, ou seja, narcísico, dos fins sexuais. 
Sendo por definição, neste período, praticamente inexistente a diferenciação sexual, o 
vínculo é homossexual, qualquer que seja o sexo real do objeto. 
 
O ESTÁGIO FÁLICO 
 
Por volta do terceiro ano de vida, os estágios precedentes são abandonados, 
passando então a fazer parte da estrutura psicossexual da criança. Sobrevém então o 
estágio fálico, onde os órgãos genitais serão alvo da concentração energética pulsional, 
enfileirando-se todas as outras pulsões anteriores e parciais sob seu comando. É 
importante destacar que ainda não se trata da genitalização definitiva ou verdadeira. 
Ressalvamos também que nesta etapa fálica o conceito “sexo” é muito ambíguo, 
já que não existe, por parte da criança, uma conscientização da diferença sexual 
anatômica. Muito pelo contrário, o que conta, como o nome do estágio o indica, é o 
órgão anatômico masculino, que adquire o monopólio de ser o único valor de existência, 
tanto para o menino, que realmente o possui, quanto para a menina, que dele carece. 
 
48 
 
Estudaremos neste estágio três itens: o desenvolvimento psicossexual, o aspecto 
narcísico e portanto pré-genital do estágio fálico, e a angústia de castração. 
 
1. O DESENVOLVIMENTO PSICOSSEXUAL 
 
O erotismo uretral 
 
Esta subetapa do desenvolvimento foi descrita por Fenichel como um período 
intermediário entre o estágio anal e o fálico propriamente dito. De modo geral, são 
atribuídas à urina as mesmas características das fezes, ou seja, o prazer de urinar junto 
com o prazer da sua retenção. Embora inicialmente seja auto-erótico, progressivamente 
vai adquirindo prazeres mais “centrífugos”, com fantasias as mais diversas de urinar 
sobre ou em outras pessoas. 
O prazer de urinar terá um duplo vértice. 
(1) Em ambos os sexos, existe uma significação fálica e até sádica. O ato de micção será 
equivalente a uma penetração ativa com fantasias de destruição, domínio e controle. 
(2) Ao mesmo tempo, as crianças sentem prazer em sentir passivamente o correr da 
urina por seus canais específicos. 
Nos meninos, este caráter passivo da urina atravessando os condutos uretrais é 
geralmente associado ao prazer de acariciar as zonas genitais, em combinatórias 
diversas com qualquer tipo de fantasia. 
Nas meninas, não há dúvida que a assim chamada “invejado pênis”, que é um 
problema das fases finais do estágio fálico e início do Complexo de Édipo, tem seu 
antecedente no aspecto ativo e portanto fálico da micção. Fenichel afirma, e alguns 
dados clínicos o corroboram, que o prazer passivo proporcionado pela micção está 
deslocado nas mulheres para o correr das lágrimas quando estas fazem parte de quadros 
onde o pranto ocupa um lugar destacado. (Fenichel, O. Teoria psicanalítica de las 
neurosis. Ed. Paidós, 1966.) e Segundo Fenichel, o orgulho narcísico que o controle do 
vesical proporciona está freqüentemente ligado ao sentimento de vergonha, devido às 
recriminações dos adultos, quando esse controle fracassa. É interessante destacar que, 
para esse 
 
49 
 
autor, a vergonha teria sua fixação nesta etapa, ao passo que a ambição seria um 
mecanismo de defesa reativo, característico da luta contra esse sentimento. 
 
A masturbação infantil 
 
Queremos deixar bem claro que, se estudamos agora a masturbação infantil, não 
é porque apareça nesta etapa. Como todo elemento incluído dentro de um processo 
histórico, a manipulação dos órgãos genitais tem seus antecedentes históricos em etapas 
mais anteriores do desenvolvimento. 
E, porém neste período fálico do desenvolvimento sexual que, ajudada pela 
contingência das preocupações sociais de limpeza, a excitação natural da micção ficará 
exacerbada. 
Nessa época, os jogos manuais das crianças representam o que se costuma 
chamar de “masturbação primária”. Uma vez adquirida a disciplina do esfíncter vesical, 
este prazer, inicialmente ligado apenas à emissão da urina, procurará ser obtido de 
forma dissociada dela, ativa, e de maneira repetitiva. Isto é o que se chama de 
“masturbação secundária”, à qual geralmente todos se referem. 
Esta historicidade da excitação ou da procura ativa da excitação de uma parte do 
corpo, e que afunda suas raízes desde o primeiro contato de um ser humano com outro 
ser humano, tem sua origem na estreita ligação de “peles” e “músculos” entre o bebê e 
sua mãe. 
Com efeito, e como já foi dito em páginas anteriores (ver p. 30 e segs.), o 
vínculo do neném com o mundo exterior não se reduz ao contato peito-boca e sua 
satisfação específica por intermédio do leite. Existe uma espécie de “fome” de contatos 
mútuos entre o ser adulto e a criança nesta primitiva etapa do desenvolvimento que, em 
sua grande parte, é satisfeita através do ato de mamar, troca de fraldas, banhos, passeios, 
etc. Pouco a pouco, as “marcas” da satisfação obtida nas diferentes partes do corpo e, 
em especial, na zona oral, são percorridas à maneira de reconhecimento em forma 
manual pelo neném. 
Realmente, a exploração do próprio corpo é uma atividade substitutiva, que 
lembra o conjunto de satisfações obtidas — e aprendidas em contato com outro ser 
humano. Leigos e profissionais costumam chamar de masturbação ao conjunto de 
manipulações 
 
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efetuadas sobre o aparelho genital. Mas, quando as crianças chegam a este tipo de 
atividade, já percorreram muito caminho erótico, aprendendo que os líquidos que 
atravessam os orais, anais, genitais, etc., produzem satisfações diversas caracterizadas 
pelo alívio de tensão decorrente de sua descarga. Por sua vez, esse alívio de tensão vem 
acompanhado de determinados efeitos no mundo exterior e às vezes as sensações são 
provocadas pela ação desse mundo exterior, como é o caso do bebê na fase oral. 
Já desde as primeiras semanas da vida, o ser humano proporciona prazer a si 
mesmo, usando uma parte do próprio corpo para estimular outra parte, geralmente um 
orifício. Assim, o chupar do polegar será o protótipo de uma satisfação substitutiva que 
serve como modelo de exploração e reconhecimento do corpo. 
Será preciso entender que, já desde essas primeiras semanas, o neném, ao se 
auto-satisfazer, exclui os outros seres humanos como proporcionantes ativos de prazer. 
Metaforicamente, diríamos que o neném dá sinais de “independência” e “autonomia”. 
Esta complicada gama de sentimentos de exclusão, que no início da vida passa quase 
despercebida, vai adquirindo maior relevância nos adultos familiares da criança à 
medida que nos aproximamos das etapas fálico-genitais. Acontece, então, uma dupla 
reminiscência. Por um lado, a criança, nos diferentes períodos de seu desenvolvimento 
psicossexual, ao se proporcionar prazer, exclui os adultos que, assim, revivem 
primitivos sentimentos de exclusão de raízes edípicas. Por outro lado, ao contemplar a 
ação auto-erótica das crianças, os adultos “lembram” sua própria atividade 
masturbatória recalcada. 
Desta dupla ação que se potencializa mutuamente, origina-se a repressão da 
masturbação por parte dos adultos contra as crianças. Numa verdadeira repetição de 
fatos similares, acontecidos em sua própria infância, é que os adultos repetem — 
punindo, proibindo — ativamente o que sofreram passivamente. 
A amnésia infantil, ou seja, todos os fatos não lembrados pelo sujeito, em 
particular os anteriores à idade de 6/7 anos, refere-se, direta ou indiretamente, às 
fantasias masturbatórias. Estas compreendem cenas edípicas, misturas de personagens, 
desejos e proibições relativos aos pais. De modo mais preciso, 
 
51 
 
relativas a fragmentos de histórias com os pais, a fragmentos do corpo, fragmentos de 
sensações, etc. 
A violência que durante séculos os adultos têm exercido contra qualquer tipo de 
prática masturbatória assenta, pelo acima dito, raízes em épocas pré-edípicas. 
 
A) A CURIOSIDADE SEXUAL INFANTIL 
 
Estudaremos, sob este título, três itens: 
(a) A descoberta da diferença sexual 
(b) A cena primária ou primitiva; e 
(c) A escopofilia, ou instinto epistemofílico. 
anatômica; 
 
A descoberta da diferença sexual anatômica 
 
Embora a curiosidade sexual infantil tenha sua historicidade, como outros 
elementos do aparelho psíquico — e, portanto não “apareça” até certa idade —, aceita-
se convencionalmente que haja, desde cedo, forte interesse voltado para as 
características sexuais exteriores, tanto em meninos quanto em meninas. Mas o que de 
fato acontece é que, ainda no estágio fálico do desenvolvimento, a “descoberta” não é 
propriamente uma descoberta. Na realidade a diferença não é percebida, e sim negada, e 
em conseqüência, tanto meninos quanto meninas acreditam “ver” o pênis mesmo onde 
ele não existe. 
Será preciso que o leitor encare este problema como um modelo de qualquer tipo 
de aproximação ao que é novo, ao que é desconhecido. Toda “descoberta” começa por 
ser um re-conhecimento, ou seja, projetar-se-á o que já é velho conhecido sobre o que é 
novo (e, portanto, angustiante). Daí que, tanto meninos quanto meninas, apagam a 
existência da diferença sexual, porque isso em última instância acarretaria — como de 
fato acontece posteriormente — a perda do narcisismo, a ilusão de que somos todos 
iguais. 
Este período do desenvolvimento, no que se refere à significação que adquire a 
descoberta da desigualdade da constituição humana, ficará gravado no psiquismo do 
sujeito como um fato muitíssimo importante e, sobretudo, estruturalmente, que 
contribuirá para constituí-lo definitivamente como sujeito no 
 
52 
 
mundo de vinculações objetais. Até esse momento a criança não se colocava problemas 
que atingissem sua própria constituição, sua procedência e a igualdade ou as diferenças 
entre ela e os outros, etc. De agora em diante, e por efeito desta curiosidade, tanto 
meninos quanto meninas começarão a ser pequenos filósofos, que se perguntarão e 
farão perguntas inquisidoras aos adultos sobre as mais diversas matérias. Uma atenta 
observação poderá demonstrar que todas as perguntas se referirão, direta ou 
indiretamente, origem das diferenças (grande/pequeno,macho/fêmea, alto/baixo, 
rico/pobre, etc.) e às subseqüentes angústias provocadas pela constatação progressiva 
dessas diferenças. 
Nesta mesma ordem de curiosidade, o menino e a menina, através de suas 
investigações corporais diretas, e pela visão do próprio corpo ou do corpo alheio, ou 
ainda do corpo de animais, estátuas, desenhos, figuras, etc., vão progredindo e tomando 
consciência da realidade tal qual é, anatomicamente falando. Mas tomar consciência 
desta realidade implicará se perguntar pela função que é atribuída a esta diferença. Ou 
seja, perguntando, o menino saberá que sua própria origem procede dessa diferença. 
Simultaneamente, ele tomará conhecimento do sentido da união sexual de seus pais e 
ficará curioso para saber e conhecer o lugar de sua “ex-residência”: o útero materno. 
Como conseqüência, e como contraste, ele tentará saber e conhecer qual foi e qual é a 
função do pênis nesta união — concepção e nascimento. 
Nos parágrafos que acabamos de descrever, o leitor teve Somente um pálido 
reflexo do drama estruturante que é para 
O Presente-futuro da personalidade do indivíduo, e ao qual se submete por efeito 
da penetração ativa no mundo. 
As respostas, assim como as fantasias que as acompanham, darão a criança à noção 
vivencial de sua posição no mundo. Esta posição, em primeiro lugar, implica a 
existência de diferenças neste mundo — nem tudo é igual a tudo! — principalmente, 
nem tudo é igual a ela. Conhecendo essa desigualdade, o próximo passo será saber qual 
é o lugar ocupado por ela, dentro de toda essa estrutura. Ela saberá, por comparação, se 
é menino ou menina e, em segundo lugar, que é criança ainda e que e muitas coisas mas 
não pode muitas outras. 
 
53 
 
Do que foi dito, pode-se concluir pela estreita vinculação existente entre 
descobrir a diferença sexual anatômica, com tudo o que isto implica, e a queda da 
onipotência narcísica da infância, queda esta que se relaciona com esse NÃO 
estruturante que impede à criança a consumação dos desejos naturais conhecemos com 
o nome de desejos edípicos. Com efeito, esse momento, e de modo geral, 
metaforicamente falando, os pais satisfizeram plenamente os desejos da criança. Este 
seria o SIM, base fundamental sustentadora da vida. Mas é por essa época, a partir do 
estágio fálico, que os pais passam a negar- lhe a possibilidade de satisfação de desejos 
recentemente descobertos. Desde o momento em que a criança descobre o sentido e a 
funcionalidade da diferença sexual anatômica, ela passa a desejar também ter filhos. 
Evidentemente, este desejo é mera ilusão e está fadado ao fracasso. Daí que, para a 
criança, a “descoberta” da diferença começa com sua negação e culminará com toda a 
estruturação das funções do Complexo de Édipo. 
 
A cena primária ou primitiva 
 
Este conceito, na realidade, é uma fantasia que a criança elabora: a de ter sido 
testemunha do relacionamento sexual dos pais. Salientamos que, embora o fato possa 
haver certamente ocorrido, não é relevante para a constituição do mundo fantasmático 
do sujeito. O que é realmente relevante é que, tendo essa fantasia, o sujeito se responde 
à pergunta sobre qual é sua origem como sujeito. Veja-se, então, a íntima vinculação 
existente entre fantasia da origem e teoria da origem. 
É preciso dizer que a cena primária não é a única fantasia sobre as origens 
elaborada pelo sujeito. Ele elabora fantasias de sedução e fantasias de castração. Em 
relação ao drama da descoberta sexual anatômica, o sujeito pode se colocar três 
questionamentos básicos. Um deles é: “de onde venho?”. Este questionamento é 
respondido pela fantasia da Cena Primária. Um outro será: “de onde vem esta sensação 
que me impulsiona até os outros, ou até o outro sexo?”. Esta questão é respondida pela 
fantasia de sedução. A criança faz a fantasia de que alguém adulto a violentou ou quis 
violentá-la. Obviamente, o conteúdo desta fantasia diz respeito à sexualidade humana, 
aos instintos, à energia vital, que foram despertados pelo contato com 
 
54 
 
outro ser humano. É interessante consignar a qualidade de violência desta fantasia; a 
razão que a fundamenta é o fato de o sujeito dar uma resposta mais ou menos coerente 
para as prementes impulsões características da instintividade humana, que ele não pode 
controlar e que portanto o atormentam continuamente. Quer dizer, o sujeito é passivo ou 
assiste passivamente 
o “espetáculo” das forças que tem origem numa outra cena. sta alteridade se encontra na 
própria estrutura do sujeito. A biologia é um outro misterioso que nos impulsiona e nos 
determina, assim como uma Outra Pessoa nos fornece alimentos, sustentação, elementos 
de prazer, linguagem, etc. 
Compreende-se agora, e por efeito dessa alteridade constituinte, a produção de 
três mecanismos prototípicos, incluídos na fantasia da Cena Primária, que são: 
— a identificação com um ou com os dois membros intervenientes na fantasia; mas o 
característico é a adoção do papel passivo nesta identificação; 
— a projeção de sentimentos muito primitivos de raiva, cólera, e desespero, dentro da 
fantasia mesma, o que faz com que ela seja sentida como sádica, e que nos relatos tanto 
de crianças como de adultos seja veiculada através de gritos, gemidos, numa mistura 
variável de eroticidade e de agressividade contra o sujeito; 
— o sentimento de exclusão ou abandono, por se vivenciar a posição de terceiro 
excluído de um vínculo (que, como já foi dito, representa a própria origem do sujeito). 
 
A escopo filia ou voyeurismo 
 
Esta pulsão tem sido sempre estudada como parcial, ou seja, como fazendo parte 
da curiosidade sexual infantil. Traduz-se no desejo da criança de penetrar dentro. Esta 
expressão pode parecer uma redundância, mas é formulada sob o ponto de vista do 
sujeito que experimenta esse desejo: ele ainda não sabe que essa penetração é fora dele, 
já que penetrar dentro do relacionamento íntimo dos pais (Cena Primária) é apenas um 
desejo e essa fantasia reforça no sujeito o conhecimento das origens da sua alteridade. 
Esta pulsão parcial, posteriormente sublimada, será decisiva para o que se chama 
de conduta epistemofílica, que o sujeito adulto terá para poder conhecer, estudar, 
investigar, ou, simplesmente, ter curiosidade de modo geral. 
 
55 
 
B) AS TEORIAS SEXUAIS INFANTIS 
Desde Freud, na realidade, fazemos uma equivalência absoluta entre teoria 
sexual e fantasia. Uma teoria sexual infantil é uma resposta, ou um conjunto articulado 
de hipóteses dado a si mesma pela criança para diversas perguntas. Essas perguntas ou 
hipóteses estão vinculadas ao corpo, como lugar-fonte das pulsões, ao corpo como 
articulador-contato com outros corpos, e novamente ao corpo como sede de outros 
corpos (gravidez). 
 
Teorias infantis sobre a fecundação 
Cada fase psicossexual deixa sua marca expressa num conjunto de fantasias 
onde a sua “matéria-prima” pode ser mais ou menos reconhecível. Assim, por exemplo, 
temos: 
— Teorias da Fecundação Oral: crenças de que, por ingestão de um alimento fantástico, 
ou por contato com outra boca (beijo), se produziria a gravidez humana; 
— Teorias da Fecundação Ano-Uretral; crenças de que os atos de urinar ou de defecar 
em contato com outra pessoa, ou mesmo simultaneamente, seriam os responsáveis pela 
gravidez; 
— Teorias Visuais da Fecundação: crenças de que a exibição simultânea ou sucessiva 
dos órgãos genitais resultariam em gravidez. 
Temos ainda as teorias de troca simbólica entre pênis e nenéns, que apenas 
registramos neste item, mas que por sua importância serão desenvolvidas mais adiante. 
(Ver p. 62-3.) 
Como deduzirá o leitor, o denominador comum de todas estas teorias é que elas 
são simétricas e idênticasquanto à anatomia e à fisiologia da cópula, ou seja, não há 
nenhum indício de distinção entre um sexo e outro. São fantasias especulares, 
narcísicas: o “outro”, como tal, ainda não foi descoberto. 
 
O parto anal 
 
Talvez seja a fantasia que, como teoria sexual infantil, mais se popularizou 
dentro da teoria psicanalítica. Tem suas origens na sensação e visão cotidianas do ato 
defecatório, como um produto que “nasce” do corpo do sujeito, em lugar próximo ao 
aparelho genital. Esta teoria pode evoluir para outros tipos de conteúdos: 
 
56 
 
nascimento pelo umbigo, por extração violenta ou forçada, etc. Reconhece-se nestas 
fantasias a marca histórica da analidade. Com os mesmos conteúdos, esta teoria é 
referida às vezes como “teoria cloacal”. 
 
A idéia do coito sádico 
 
Já nos referimos a este tipo de fantasia ao falar da fantasia de Cena Primária. Mas 
devemos sublinhar que esta é uma teoria sexual infantil e, como tal, uma fantasia, 
produto sobretudo de fenômenos projetivos. A maior parte dessas fantasias compõe o 
edifício imaginativo de todo sujeito, formando verdadeiros embasamentos que darão 
lugar, após sucessivas transformações, às fantasias componentes do Complexo de 
Édipo. Mas o leitor não deverá perder de vista o fato de que essas fantasias pré-genitais 
não são apagadas nem desaparecem: encontram-se integradas, dialeticamente, em todo 
sujeito normal, ainda quando esse sujeito tenha adquirido um nível de desenvolvimento 
genital amadurecido. Como determinante de patologias diversas, encontramos estas 
fantasias nos quadros histéricos ou obsessivos, assim como nas patologias em que o 
corpo cumpre papel relevante: doenças psicossomáticas, somatização, histeria de 
conversão, etc. 
 
2. O ASPECTO NARCISICO E PRÉ-GENITAL DO ESTÁGIO FÁLICO 
 
É preciso esclarecer, antes de tudo, que nesta etapa do desenvolvimento não 
serão atribuídas ao pênis as suas características principais de órgão reprodutor. Muito 
brevemente, e de forma resumida, poderíamos dizer que o pênis é vivenciado, 
percebido, e até instrumentalizado como o órgão que oferece potência e como o lugar 
do corpo que, estimulado, fornece maior gratificação. Isto quer dizer que o pênis não é o 
pênis (genital), mas um Falo, nome que dá título a este estágio. 
Ha uma certa confusão entre o que se denomina pênis e o que se denomina falo, 
já que Freud, em alguns de seus artigos, empregava indistintamente. Com uma visão 
teórica mais moderna, pode-se distinguir: 
 
57 
 
Pênis — é o órgão masculino por excelência, possuindo uma realidade anatômica e 
sensível; 
Falo — ao contrário, tem uma realidade não sensível, abstrata; é um símbolo que é, às 
vezes, erroneamente confundido com o pênis. 
Para explicar melhor, digamos que o falo é um símbolo - mesma maneira que 
uma bandeira é um resumo de idéias tal como pátria, soberania, identidade nacional, etc. 
Falo é, então, uma fantasia que condensa a posse de uma unidade e de uma potência do 
ser. Dentro deste contexto, se entenderá então que a posse real e concreta de um pênis 
dá ao sujeito a ilusão-fetichista de possuir o falo. 
 
A) A ILUSÃO NARCÍSICA 
 
Pelo exposto acima, o leitor deduzirá que, ainda neste estágio, o sujeito não 
chega a adquirir um conhecimento global, total, do objeto. Se entendemos por objeto o 
conhecimento real e o mais objetivo possível de que existem outros (outras pessoas) 
independentemente de nós mesmos, compreendemos facilmente que este estágio fálico 
é praticamente o último baluarte do narcisismo. Esta frase deve ser encarada como uma 
metáfora, já que o sujeito nunca observa a realidade “objetiva” tal qual ela é, e sim 
embora fragmentariamente — como uma extensão narcísica de si mesmo. 
Aproveitamos para dizer que, por sua vez, os objetos olham para o sujeito também 
desde sua subjetividade narcísica, e portanto o sujeito nunca será olhado na sua 
realidade objetiva, mas a partir desta subjetividade, embora fragmentária. Concluindo, o 
vínculo inter-humano será um vínculo inter-subjetivo. Ainda nesta etapa fálica, a 
criança será capaz de diferenciar corretamente ambos os sexos, mas só por comparação 
exterior e por fatos tingidos de fantasias, o que lhe cria armadilhas perceptuais diversas. 
A criança percebe que possui ou não possui um pênis, não apenas para diferenciar duas 
categorias de pessoas: homem- mulher. Nesse estágio, ela está interessada na presença 
ou ausência de um único elemento: o pênis. De agora em diante, ambos os pais, e por 
extensão todos os adultos, serão “classificados” em função de sua potência ou fraqueza, 
decorrente dessa posse ou dessa falta. 
 
58 
 
B) A DESCOBERTA E SUA NEGATIVA 
 
Admite-se que este período fálico seja o período da descoberta da diferença 
sexual anatômica. Mas, para sermos precisos, deveremos dizer que este é o período da 
negação desta diferença, fazendo esta negação parte do conjunto de fantasias capazes de 
criar as armadilhas perceptuais acima referidas. Essas negações, de enorme valor tanto 
do ponto de vista teórico como psicopatológico, são as seguintes: 
— No menino, ha a recusa em aceitar a castração e, portanto, a negação do sexo 
feminino. Ou seja, a impossibilidade de conceber a falta e a instauração do privilégio do 
pênis trará consigo, como conseqüência, o desconhecimento dessas “pessoas sem 
pêniS” o sexo feminino. 
O menino “não poderá” aceitar o sexo oposto porque aceitá-lo implicará o fato 
de que também ele poderia perder o pênis. Ele ainda não compreende que homem e 
mulher são duas categorias essenciais que independem da posse ou da falta de um 
órgão. E como, segundo foi dito anteriormente, a realidade será observada e interpretada 
sob o ponto de vista da subjetividade narcísica do sujeito, para o menino é inconcebível, 
nesse estágio, que existam pessoas não possuidoras do que ele possui. 
— Na menina existe igualmente uma recusa em aceitar a castração. Com efeito, a 
menina faz a fantasia de que ela também possui um pênis, só que “não está totalmente 
desenvolvido”, apoiando esta afirmação na existência do clitóris. Como se observará, 
tanto meninos quanto meninas compartilham a fantasia de que só um sexo existe. Isto 
inevitavelmente leva ambos os sexos a recusarem conhecimento mútuo. 
Indiquemos por último que a aquisição do verdadeiro conhecimento dos sexos 
masculino e feminino não pode existir isoladamente para cada sexo e só será completo 
mais adiante, com a resolução do Complexo de Édipo e em etapas posteriores da 
adolescência 
 
3. ANGÚSTIA DE CASTRAÇÃO 
 
Admite..se esta expressão como a designação de um conjunto complexo de 
reações afetivas que decorrem da observação e constatação 
 
59 
 
da ausência do pênis. No menino, esta constatação desperta a fantasia do temor da perda 
de seu pênis, e nas meninas o desejo de adquiri-lo. 
Desejo ressaltar intensamente o que foi dito acima, já que a angústia de 
castração — embora os termos possam confundir — é uma série de fatos que ocorrem 
normalmente na evolução do sujeito, sobretudo quando ele descobre a diferença 
essencial constitutiva do ser humano. Além disso, repare-se que esta angústia motiva 
dois tipos diversos de comportamento: o menino reagirá à maneira de um fóbico e a 
menina à maneira de um melancólico. Quer dizer: o menino, ou melhor, a essência da 
masculinidade, — forçando os termos — organizará sua personalidade em torno de um 
forte medo de perder algo valioso para ele. A menina, após a constatação da ausência 
real e concreta de um pênis, depois da comparação por observação do sexo oposto, 
organizará a sua personalidade em torno de um forte anseio de suprir, preencher essa 
falta. Nos dois sexos, a angústia de castração está intimamente vinculadaa uma angústia 
muito mais global, que é a angústia de morte, frente à qual se desenvolvem variadas 
defesas, como, por exemplo, ter uma criança. Esse desejo de se ver prolongado, 
duplicado e transcendido num filho, fantasia comum a ambos os sexos, levará consigo a 
“garantia” de se preservar contra a morte. 
A angústia de castração é universal e portanto nenhuma criança escapa a ela. 
Como se advertiu, a angústia consiste numa falsa representação da realidade. 
(Deveremos ressaltar que esta fantasia de mutilação peniana não é exatamente igual ao 
que se conhece popularmente como castração, já que esta última consiste na extração, 
por meios violentos, não do pênis, e sim das gônadas.) 
Um outro aspecto importante para completarmos nossa exposição: embora os 
adultos intervenham, direta ou indiretamente, proibindo, punindo ou limitando algumas 
atividades presentes e passadas dos meninos, a angústia de castração independe 
relativamente dessa contribuição exterior. Essas intervenções limitativas exteriores 
contribuem sensibilizando, mas, de modo nenhum criam a angústia de castração que, 
como foi dito, é um fato normal, efeito do amadurecimento psicológico do indivíduo. 
Deduz-se daí que a primeira grande defesa implementada pela criança, e depois 
 
60 
 
também pelo adulto, é a atribuição da responsabilidade dos fatos (projeção) a esses 
fragmentos de realidade exterior que certamente fazem parte da história do indivíduo. 
Depois que o menino conhece e sabe que é possuidor de um pênis e que existe 
um outro sexo caracterizado por essa falta, haverá unia superestimação, um 
superinvestimento dessa posse. Em primeiro lugar, como veículo instrumentador das 
fantasias masturbatórias. Em segundo lugar, e mais importante, esse superinvestimento 
do pênis outorga-lhe uma supervalorização narcísica, que tende a ser assimilada pelo 
resto da personalidade. Este narcisismo extremo servirá como couraça protetora frente 
aos danos fantasiados que seu pênis poderia vir a sofrer. 
Descreveremos três passos na angústia de castração do menino: 
1.
0
) Inicialmente, o menino tenta rejeitar a realidade e, portanto negar a diferença. Como 
se trata da rejeição de um elemento externo ao aparelho psíquico, esse mecanismo será 
mais corretamente chamado de renegação, repúdio, recusa, desmentido (Verwerfung). 
Aceita-se que em torno desse mecanismo se originam as perversões e as psicoses. (Ver 
p. 188-190-202 e segs.) 
2.°) Logo após esta rejeição da realidade, o menino tenta se reafirmar, atribuindo a 
ausência do pênis no outro sexo a uma mutilação sofrida no passado por parte da 
menina. Ele ainda não teve acesso à realidade tal qual ela é, ou seja, a de que a ausência 
do pênis na menina é uma condição originária e essencial dela. Toda a fantasia de 
mutilação é atribuída pelo menino a uma Punição infligida pelos pais para castigar 
desejos de prazeres Similares aos que ele mesmo sente como proibidos. 
3.
0
) O terceiro passo caracteriza-se pela recusa em estender a todas as mulheres esta 
carência essencial. Para ele, só aquelas mulheres que tiveram a fantasia de obter prazer 
pela masturbação as que sofreram esse “castigo”. Essa recusa em estender a todas as 
mulheres a propriedade fundamental da carência do Pênis se constata na fantasia, válida 
para o menino e para a meninam, de uma mãe com pênis, conhecida com o nome de 
mãe fálica”. 
 
61 
 
Esta fantasia, que goza da propriedade de ser idealizada e persecutória, permite à 
criança pensar que ela não sofrerá as penúrias da castração. Observe-se que a fantasia de 
uma mãe com pênis é uma fantasia de conservação de um pênis imaginário, que, por sua 
vez, simboliza a potência adulta. 
Recentemente, nesta última década, os psicanalistas revalorizaram esta fantasia, 
que fala da existência, no nível imaginário, de um personagem todo-poderoso que se 
instala antes da distinção completa da diferença sexual anatômica. 
 
B) A ANGÚSTIA DE CASTRAÇÃO NA MENINA 
Na teoria clássica freudiana, o desenvolvimento psicossexual da menina é 
praticamente idêntico ao do menino. Segundo essa teoria, a vagina é ignorada e a 
atividade sexual é clitoridiana. A passagem do clitóris para a vagina só se dá numa 
época posterior: a puberdade e a adolescência. 
A menina descobre a ausência do pênis logo após um breve período de rejeição 
dessa realidade, porém se vê forçada a inteirar-se dela rapidamente. 
Talvez o mais importante a destacar no que se refere à castração seja que, na 
menina, essa constatação, que proporciona o acesso ao real, e a grande frustração que 
sobrevém logo após, acontece antes do Complexo de Édipo. Mais precisamente, a 
castração é justamente a comprovação que permite entrar no Édipo. Ou seja, a evidência 
da castração lhe permite agora voltar- se para o pai como objeto de amor, passando a ser 
a vagina a sede corporal de seu investimento libidinoso, enquanto que para o menino a 
castração, ou melhor, o temor da castração, funciona sempre como limite restritivo aos 
desejos incestuosos desta fase, contribuindo, portanto, para fechar, para pôr um fim ao 
Complexo de Édipo. Sempre dentro da teoria clássica, a castração levará a uma ferida 
narcísica, que provocará na menina um sentimento de inferioridade no plano corporal e 
genital. Estes fatores psicológicos encontram um reforço muito forte em fatores de 
ordem sócio-cultural, cuja investigação está hoje em andamento. Também na menina 
observam-se três passos perante a castração: 
 
62 
 
1.°) O tema da reivindicação fálica. Também conhecido com o nome de Inveja do Pênis, 
este conceito é equivalente ao da renegação da diferença por parte do menino. (Ver p. 
61.) A menina fantasiará que possuía um pênis e que alguém o tirou. Toda essa fantasia 
reforçará a idéia de reconquistá-lo. 
2.°) o agente dessa perda imaginária (que curiosamente é duas vezes imaginária, pois 
imagina-se ter perdido um pênis que nunca se teve) será a mãe. A menina 
responsabilizará sua mãe por tal fato, e isso precipitará a vinculação com seu pai. Note-
se que a menina, para entrar no Complexo de Édipo direto, deverá atacar e denegrir sua 
mãe, ou seja, vê-se obrigada a realizar uma mudança de objeto. Por tudo isto, a entrada 
da menina na estrutura de Édipo e, por conseguinte, o acesso à genitalidade adulta, tem 
muito de reacional e defensivo, posto que “cai nos braços do pai para fugir à ameaça 
materna”. 
3.
0
) Por último, e num estágio mais avançado, o tema da reivindicação se transforma. Já 
ligada com seu objeto-pai, a menina substituirá o desejo de ter um pênis pelo desejo de 
ter uma criança. Para poder entender a estrutura dessa substituição, o leitor deverá 
lembrar a assimilação inconsciente de diversos elementos que vão se substituindo ao 
longo da evolução psicossexual: útero, seio, fezes, pênis, valor, dinheiro, neném. (Ver p. 
56.) 
 
ESTÁGIOS GENITAIS 
1. O COMPLEXO DE ÉDIPO 
 
O Complexo de Édipo, nome atribuído por Freud em analogia ao antigo mito 
relatado na obra de Sófocles, é uma estrutura, uma organização central e alicerçadora da 
personalidade humana. Este Conceito é central num sentido duplo: por um lado, como o 
modulo nuclear estruturante do psiquismo; por outro, e no que e refere à prática de 
psicanálise, como a referência conceitual Primeira que outorga identidade a qualquer 
psicanalista, seja de que escola for. 
 
63 
 
A esta altura do conhecimento científico, devemos dizer que até poderíamos 
prescindir do nome — Édipo — dado por Freud a esta estrutura. Com efeito, a tragédia 
sofocliana serviu- lhe como um modelo instrumental e explicativo do conflito básico do 
ser humano. O importante a reter será que, desde que todo ser humano deve sua origem 
adois seres chamados Pai e Mãe, não haverá nada passível de escapar a esta 
triangulação que constitui o âmago essencial do conflito humano. 
Entender-se-á assim que este conflito envolve três personagens. Dizemos 
personagens porque, embora este conflito se apresente com pessoas concretas, estas vão 
adquirindo, em diferentes momentos e situações, papéis diversos. Assim, por exemplo, 
uma mulher, mãe biológica de seu filho, poderá em dado momento assumir para este o 
papel funcional de uma outra pessoa, no caso o pai. Por sua vez, e para essa mesma 
mãe, a presença do filho poderá reatualizar nela velhos conflitos edípicos, vivenciando 
então este filho como se fosse seu pai ou um aspecto de sua mãe. 
Toda esta conflitiva problemática edipiana eclode entre os 3 e os 5 anos de 
idade. Essa eclosão consiste em manifestações afetivas, objetivas, mas, como pode ser 
facilmente compreendido, os alicerces da estruturação edipiana estio presentes desde o 
nascimento. 
Esta última frase faz sentido se o leitor lembrar que a origem de tal problemática 
é a complexa relação existente, desde fases muito precoces, entre a criança e seus pais. 
Estes, obviamente, encontram-se desde o início na vida do menino. As vicissitudes 
pelas quais o aparelho psíquico em formação vai passando são marcadas pelos 
diferentes modos como os pais vão aparecendo, e dão como resultado final a eclosão a 
que nos referimos. 
 
A) FORMAS DO COMPLEXO 
 
Freud descreveu duas formas aparentemente simples pelas quais se apresenta a 
estrutura edípica. Tais formas levam em conta aspectos positivos que na terminologia 
freudiana são representados pela libido e que o uso corrente consagrou com o nome de 
vínculo de amor. Existem também aspectos negativos, que se conhecem com o nome de 
aspectos agressivos ou de ódio. E preciso sublinhar que os termos positivo ou negativo 
não pretendem 
 
64 
 
conceituar conteúdos de valor, mas simplesmente polaridades de localização dentro da 
estrutura. 
Assim, por exemplo, no menino, Freud descreveu o Complexo em sua forma 
positiva da seguinte maneira: 
a) o aspecto positivo ou libidinal dirigido para a Mãe — este seria o amor à mãe; 
b) Simultaneamente, o aspecto negativo ou agressivo: o ódio ao pai. Porém, o 
Complexo de Édipo pode adquirir uma forma global negativa ou invertida (no sentido 
da imagem fotográfica) descrita da seguinte forma: 
a) O aspecto positivo, libidinal, é uma atitude amorosa do menino em relação a seu Pai. 
Esta atitude é uma posição feminina do menino em relação ao elemento masculino-Pai. 
b) Simultaneamente, há o aspecto negativo ou agressivo do menino, dirigido à sua Mãe. 
Compreende-se facilmente que a combinatória múltipla destas possíveis posições é o 
que fará variar a forma de apresentação e a localização dos personagens. Na clínica, o 
mais freqüente é que se apresentem casos de mistura dos Complexos de Édipo positivos 
e negativos. É o que se denomina forma completa ou total do Complexo de Édipo. 
 
E) ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS EM RELAÇÃO AO ÉDIPO 
 
O Complexo de Édipo é um drama dentro de uma estrutura básica. É um drama 
porque o sujeito expressa suas vivências em forma de fantasias que, analogicamente, se 
assemelham a uma peça teatral. 
E o Complexo de Édipo é uma estrutura porque nesse drama fantasiado há uma 
organização de personagens interligados entre Si. Nessa organização há elementos ou 
peças fundamentais e sempre presentes Mãe, Pai e Sujeito. Continuando com a 
analogia, estas peças são os personagens básicos do argumento. No entanto, OS atores 
que viverão esses papéis, assim como as vestimentas, a decoração, a ambientação e o 
clima, serão diferentes em cada momento vivenciado pelo sujeito. 
Não há nada fora do Complexo de Édipo. Durante a vida inteira a pessoa 
continua vivendo essa peça teatral, assumindo diferentes papéis de um argumento que 
reflete sua história passada com 
 
65 
 
os personagens do passado e com os diferentes desfechos a que levaram as 
combinatórias em seu interacionar quase infinito.* 
A vulgarização da palavra complexo conduz facilmente a um pensar errôneo. 
Acredita-se habitualmente que o Complexo de Édipo é algo que se supera e a que não se 
volta mais. A esta altura da explicação, o leitor entenderá que esta é uma visão ingênua, 
mecanicista e filosoficamente idealista. Seria o mesmo que o sujeito amputasse uma 
parte de seu corpo (sendo que, obviamente, esta parte antigamente era menor e estava 
ligada a outras funções adequadas, na época, à idade cronológica), e pretendesse negar 
as conseqüências disto. Será possível separar a história da mão da própria mão? O 
mesmo acontece com o Complexo de Édipo. Estudá-lo é estudar a história individual, 
pessoal e intransferível desse sujeito. Porém veremos também que, já que todo homem 
nasce de um pai e de uma mãe, o Complexo de Édipo adquire características universais. 
E é por esta razão que interessa o seu estudo nos níveis antropológico e sociológico. 
Há uma antropologia psicanalítica que, aproveitando-se das estruturas teóricas 
freudianas, procura semelhanças em diferentes culturas, O Complexo de Édipo se 
institui assim como o resultado da cultura veiculada pelos pais e atuando sobre o 
aparelho psíquico da criança. A ação efetiva desta cultura nas diferentes sociedades 
estudadas é transmitida através de uma troca de símbolos, de complexidade variável, e 
que se constitui numa linguagem. E dentro desse contexto simbólico que se transmite 
uma lei fundamental nas relações sociais: a proibição do incesto. 
Segundo os estudos e as formulações hoje já clássicas de Claude Lévi-Strauss, o 
pai da antropologia moderna, expressas em sua maior parte no texto As Estruturas 
Elementares do Parentesco (Ed. Mouton, Paris, 2. ed., 1967), a proibição do incesto é a 
condição mínima e universal para que a “Cultura” se distinga e se diferencie da 
“Natureza”. Segundo Lévi-Strauss, a Natureza é o reino da espontaneidade, do 
universal, e a Cultura se delineia com precisão como o reino da regulação e da 
relatividade. 
 
* “Em outras palavras... o Édipo é simplesmente uma história, a história de nosso 
primeiro amor, nosso amor infantil, ou então é o intemporal que faz da própria vida uma 
história que se repete, a ponto de que esta vida corre o risco de nunca nascer?” 
(Safouan, M. A sexualidade feminina na doutrina freudiana. Zahar, Rio, 1977, p. 67.) 
 
66 
 
Dentro da ordem da cultura, o sujeito está sujeito (daí o orne) a normas, leis, que 
regulamentam, restringem e orientam a vida social. 5. Leclaire tenta mostrar como o 
incesto é o que da tudo o que pertence à ordem da proibição (Leclaire, S. — para una 
Teoria dei Complejo de Edipo, Ed. Nueva Visión, Buenos Aires, 1978, p. 57). 
Incesto será, para esse autor, o gozo sexual com a mãe, tanto ara o menino quanto para a 
menina. É preciso entender que não trata do prazer genital-sexual entendido como 
figura penal da legislação corrente. Este ato, observado assim, clinicamente, será um 
sintoma grave da ordem das psicopatias ou psicoses. E o incesto que se realiza 
concretamente, na idade adulta. 
O incesto ao qual Leclaire se refere é superposto ao período pré-edipiano entre o 
nascimento e os quatro ou cinco anos de idade. A esta altura do desenvolvimento, existe 
impossibilidade até biológica de consumar o ato sexual-genital do tipo adulto. Mas, sob 
o ponto de vista psicanalítico, a íntima relação erótica com a mãe proporciona um gozo, 
um prazer de tal ordem que é equivalente ao incesto adulto. O problema é um 
complexo. Com efeito, a uma íntima relação “incestuosa” com a mãe corresponde, 
invariavelmente, uma certa ausência ou queda da figura funcional do pai. 
A conceituação leclaireanaconduz a problemas interessantes. Em primeiro 
lugar, a erotização infantil seria equivalente à capacidade de sexualização do corpo da 
mãe (enquanto sexualidade mal acabada, infantil). Esse corpo erotizado encontra-se 
atravessado por fragmentos, parcialidades (orais, anais, fálicas, etc.). 
O corpo materno erotizado relaciona-se, também, com o Problema dos objetos 
parciais, que serão vistos como objetos ainda narcísicos. Assim, a função materna será 
uma função dupla: biológica e erógena (psicologizante). 
Teorizando desta maneira, Leclaire chega à conclusão de que O incesto é o 
modelo mesmo do gozo. De gozar com a própria mãe e, portanto, proibido. Então, o 
gozo será a transgressão, a abolição do limite máximo que é o corpo da própria mãe. 
As conseqüências clínicas são interessantes. Por exemplo: um paciente tem uma 
experiência incestuosa (sua intensa ligação pré-edípica com sua mãe). Está fixado ali. 
Este paciente tem problemas Vinculados ao prazer e ao limite, na medida em que isto 
lhe 
 
67 
 
permite organizar o que é proibido e o que não o é. Alguns destes pacientes vivem, em 
sua vida de adultos, bloqueados, tentando levantar muros, limites, para reconstruir 
“alguma coisa” que garanta a inacessibilidade ao gozo, ou seja, à experiência incestuosa 
com a mãe. A oscilação neurótica fará com que tentem transgredir também este limite. 
Eis aqui o paradoxo que provoca espanto: uma regulamentação restritiva dos 
vínculos sociais e que, entretanto, tem características universais. Ë dessa forma que 
Lévi-Strauss se articula com Freud: a proibição do incesto “é a única regra social que 
possui simultaneamente um caráter cultural e de universalidade”. 
Vale a pena dar uma olhada sintética nas hipóteses pré-lévis-straussianas que 
resultaram em explicações insuficientes para o problema da proibição do incesto: 
Hipótese natural (Westermarck,* Havelock Ellis) 
A proibição incestuosa seria causada por um horror instintivo, por uma 
percepção da “voz do sangue” responsável por uma repugnância psicológica. Lévi-
Strauss contesta com suas pesquisas etnográficas esta explicação, revelando não só que 
não existe essa repugnância, como também mostrando a existência de uma atração 
universal pelo incesto. Porém, tais estudos etnográficos demonstram variabilidade sobre 
onde recai a proibição. Em algumas culturas, os eixos de proibição recaem sobre primos 
nascidos de irmãos do mesmo sexo, em outras sobre primos filhos de irmãos de sexos 
diferentes, etc. 
 
Hipótese dualista (L. H. Morgan,** H. Maine) 
A proibição incestuosa seria o efeito de uma reflexão social sobre um fenômeno 
natural. As motivações desta “ação pensante” social seriam o impedimento das 
desastrosas conseqüências da consangüinidade matrimonial. A contestação lévi-
straussiana é contundente: os estudos de etnografia e genética demonstram que os povos 
que praticam a endogamia por tradição não possuem efeitos aberrantes na proporção em 
que se poderia supor. Além do mais, estes povos ignoram obviamente toda ciência 
genética. 
 
* Westermarck, E. A. The history of human marriage. MacMillan. London (1920). 
** Morgan, L. H. “Systems of consanguinity and affinity of the human family” (1871). 
 
68 
 
Hipótese social (Durkheim,* Lennan, Averbury) 
A proibição é uma regra social e a expressão biológica é um atributo acidental e 
secundário. Segundo Durkheim, a regra proibitiva é derivada da exogamia. Lévi-Strauss 
contesta: como uma regra universal poderia se originar de um costume não-universal? já 
segundo Lennan e Averbury, a proibição seria o resultado da prática matrimonial 
através do “rapto” de estrangeiras. Lévi-Strauss faz objeção a esta tese dizendo que, 
neste caso, trata-se de uma modalidade institucional, ineficaz para explicar as “causas 
profundas e onipresentes”. 
Estas explicações vão desde o natural até o cultural, misturando, como na 
segunda hipótese, as duas polaridades. É o que acontece quando Lévi-Strauss emite sua 
hipótese em íntimo contato com as teses freudianas. A proibição do incesto é por sua 
vez natural e cultural.** O antropólogo francês se filia à concepção de um 
conhecimento e uma matéria-prima produzidos pela profunda interação entre os homens 
e a natureza. A ordem da cultura será o grande filho que nascerá desta concepção parida 
através dos tempos. Textualmente: “A proibição não tem origem puramente cultural 
nem puramente natural; também não é uma Combinação de elementos tomados em 
parte da natureza e em parte da cultura. Constitui-se num movimento fundamental 
graças ao qual, pelo qual, mas sobretudo no qual se cumpre a passagem da natureza à 
cultura” . . . “Não é um fenômeno de dois tempos; é o surgimento, o advento de uma 
nova ordem” (Lévi-Strauss, 0l. Cit., p. 30, 31). Como pode ser visto, a proibição do 
inCesto é o conceito explicativo do surgimento, nada mais e nada menos, que da 
cultura. 
Não desejamos entrar no âmago da obra lévi-straussiana, Para o que remetemos 
à bibliografia correspondente. Porém, é preciso assinalar que, desde suas primeiras 
obras que se ocupam O tema, Freud fez referência a essa determinante que transcende a 
História e o Indivíduo, adquirindo características de universalidade. 
 
* Durkheim, E. De la djvjjón dei trabajo social, Shapire Ed. (1967). (1968) Levi-
Strauss, C. “Antropología estructural”, Eudeba. Buenos Aires 
 
69 
 
Já em Totem e Tabu (1912-1913) [S. B. Vol. XIII, p. 20], Freud arrisca a hipótese da 
exigência que todo ser humano sente de amestrar, domesticar as situações edípicas 
instintivas, para poder ter acesso a uma nova ordem. Com efeito, essas situações 
sumamente arcaicas supõem que esse proto-homem tivesse organizações chamadas 
hordas, conduzidas por um chefe forte e brutal que impunha sua autoridade pela força, 
através do assassinato e do filicídio, ou de uma atenuante intimidatória, a castração.* 
Esse Chefe-Pai primitivo (arque-pai) provocava sentimentos duplos: era temido e 
respeitado e, ao mesmo tempo, profundamente odiado. Um dia X, hipotético, teórico, os 
“filhos” dessa horda primitiva, revoltados, se uniram em força, matando esse chefe-Pai, 
e engolindo-o. Segundo Freud, este seria o primeiro momento da humanidade. Um 
ponto de ruptura. O homem começou posteriormente a lembrar o episódio através do 
culto e da adoração de um totem simbolicamente representativo do Pai morto. Seria esta 
a primeira e mais primitiva religião da humanidade. Por sua vez, a incorporação desse 
Pai primitivo fez emergirem sentimentos de remorso e arrependimento nos filhos, 
motores da adoração e lembranças posteriores. Esta hipótese, hoje discutível e 
dificilmente verificável, será tomada modernamente como o que é: uma hipótese, um 
ponto de partida que ligará Freud a Lévi-Strauss, já que deverá ser entendida ao nível de 
um mito explicativo da origem do homem. Mito explicativo da origem das regras, das 
normas, da cultura. No interior desse mito estuda-se também a origem da proibição 
incestuosa, em torno da qual girará uma série de problemas intimamente vinculados: 
autoridade, poder, agressão, repressão, revolta, incorporação canibal, identificação 
primitiva, ritual obsessivo-religioso, etc. 
 
2. O PROBLEMA DA ESTRUTURA PRÉ-EDIPIANA 
 
Este problema é um problema relativamente complexo e seguiremos nesta 
explicação a trilha de Laplanche e Pontalis. 
 
* O conceito de “horda” é um conceito evolucionista, que intenta reconstituir a origem 
da humanidade. Foi Durkheim quem outorgou ao conceito a significação de “unidade de 
sociedade”, separando-o do contexto historicista e destacando a possibilidade de jamais 
ter havido sociedades históricas semelhantes. (Durkheim, E., Las regias dei entorno 
sociológico. Shapire Ed., BuenoAires (1971)). 
 
70 
 
Desde Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade (1905), passando pelas 
Conferências Introdutórias (1916), Freud admite claramente uma vida intensa, anterior à 
idade em que classicamente culmina o Complexo de Édipo (5 ou 6 anos de idade). Será 
preciso então distinguir a idade do Complexo de Édipo e o período pré-edipiano que se 
estende praticamente desde o nascimento até a fase genital própria do Complexo. Esse 
período pré-edípico é completamente diferente da concepção da escola kleiniana, que 
faz questão de enfatizar a origem do Complexo de Édipo aproximadamente aos 6 ou 8 
meses de idade, na chamada “posição depressiva”. A diferença é substancial, porque, 
embora Freud não desconheça as fases pelas quais atravessa o aparelho psíquico até os 5 
ou 6 anos, considera-as nada mais do que alicerces do aparelho psíquico completo, que 
adquirirá seu verdadeiro significado somente depois, após a resolução do Complexo. 
Este conceito está estreitamente vinculado ao de “posterioridade” ou “retroatividade” 
(nachträglich). 
O conceito de a posteriori ou “posterioridade” foi resgatado por Lacan, 
adquirindo a partir dele uma importância capital dentro da obra freudiana. A respeito da 
estrutura pré-edipiana, a noção se encaixa perfeitamente na relevância que adquire o 
Complexo de Édipo, com suas vicissitudes particulares, “resolvido” em torno dos 5 ou 6 
anos de idade. Com efeito, retroatividade quer dizer reformulação ou re-significação de 
acontecimentos ou situações que foram vividos previamente.* Quer dizer, nem tudo o 
que é vivido pelo sujeito se integra imediatamente dentro de seu aparelho psíquico. Só 
depois é que esses acontecimentos vão adquirir relevância ou significado, quando o 
aparelho psíquico estiver totalmente amadurecido. 
Um exemplo muito simples esclarecerá o leitor: na construção de um edifício, a 
primeira coisa que se faz são as fundações. Nelas serão utilizadas diversas matérias-
primas e diversos tipos de mão-de-obra, num tempo variável e com inúmeros 
problemas, mas essas fundações estão fadadas ao “desaparecimento”, 
 
* Todo este assunto está implícito em Freud quando alude à questão da intemporalidade 
do inconsciente, que é justamente o fator que vai permitir a reativação da situação 
edipiana pregressa com todo o caráter de atualidade com que se manifesta (Freud, S., 
Ed. Stand., Brasil., vol. XIV, P. 214, nota de rodapé n.° 2). 
 
71 
 
já que a evolução natural do edifício colocará sobre elas os pavimentos projetados. À 
medida que a construção evolui, tanto as primitivas fundações quanto os sucessivos 
pavimentos irão se acomodando às novas situações de peso, gravidade, resistência de 
materiais, agressões climáticas ou humanas, etc. Porém, apenas quando os operários 
colocarem o material do último pavimento é que o edifício estará acabado, passível de 
ser habitado. E possível que agora as fundações não visíveis mostrem alguns defeitos de 
construção, ou de projeto, ou de material, que se evidenciarão através de “sintomas”, 
como pequenas rachaduras nas paredes, perda de água nos encanamentos, etc. 
O leitor compreenderá as limitações oferecidas pelo modelo, mas o que desejo 
enfatizar é que, com o termo a posteriori se quer significar que o aparelho psíquico é 
uma estrutura funcional, cujo rendimento e operacionalidade serão mostrados apenas 
quando ele estiver completamente acabado ou amadurecido. Ao admitir que aos 5 ou 6 
anos de idade a problemática edipiana triangular, complexa, “fecha” o aparelho, 
completa-o, atuando como o telhado de um edifício que se começou a erguer há 5 ou 6 
anos, a psicanálise outorga a toda a estrutura pré-edípica enorme importância, mas 
sempre subordinando-se à significação definitiva que lhe dará o Complexo de Edipo 
(ver Cap. 1 — O Conceito de Causalidade Psicopatológica). (Ver p. 70.) 
Três problemáticas são importantes para o estudo psicopatológico relacionado 
com a estrutura pré-edípica: 
a) Os níveis pré-edipianos e observados retrospectivamente desde o Complexo 
de Edipo são níveis de relacionamento predominantemente dual. Simplificando, 
poderíamos dizer que quanto mais amadurecido for o aparelho psíquico mais 
“triangulado” ele está. Ao contrário, quanto mais primitivo mais narcísico, e, portanto, 
mais dual e mais indiscriminado. O movimento progressivo em direção à triangulação 
outorga importância à função de “terceira” pessoa, que é o Pai. Já o movimento 
regressivo tende à fusão com esse objeto primitivo, único e onipresente, a Mãe. 
b) Na realidade, admitimos, desde Freud, dois tempos de “fechamento” do 
aparelho psíquico. Um primeiro tempo que ocorre em torno dos 5 ou 6 anos de idade, 
onde a triangulação edipiana está em seu ápice, e quando a proibição do incesto em seu 
interior, como vimos, “inaugura” a grande socialização do 
 
72 
 
sujeito fora dos marcos de sua família de origem. E um segundo tempo de “fechamento” 
que se completa na puberdade e adolescência, quando o sujeito, agora de posse das 
identificações de seus progenitores, se dirige ao exercício da sexualidade fora deles. 
 
c) Outra grande problemática, vinculada ao período pré-edípico é a sexualidade 
feminina, onde se estudarão os movimentos de relacionamento de objeto e de 
identificação que a menina terá com sua mãe. Para a menina, a mudança de objeto 
amoroso que deverá efetuar, para poder superar seu Complexo de Edipo, dará a este 
características específicas, que estudaremos mais adiante. 
 
3. O RELACIONAMENTO DE OBJETO EDIPIANO 
Como pequeno prefácio a este item, seguiremos alguns conceitos delineados por 
A. Godino Gabas (Qedipus Complexus Est, Helguero Ed., Buenos Aires, 1979). 
Embora o amadurecimento corporal do sujeito tenha destacada importância para a 
configuração de suas representações psíquicas, existem opiniões que deixam em 
segundo plano as conseqüências de tal amadurecimento nas aquisições 
“psicologizantes” do indivíduo. Tal afirmação se apóia na não-exclusividade do fator 
anatômico como determinante da sexualidade, sendo que o fator relacional é 
imprescindível para transformar o corpo biológico em corpo erógeno (psicológico). 
Mais uma ressalva. Tende-se a pensar, esquematicamente e sob o ponto de vista 
anatômico, que existem somente três zonas erógenas e suas conseqüentes relações de 
objeto. Na realidade, este pensamento é reducionista, uma vez que existem múltiplas 
funções no organismo que lideram outras tantas zonas erógenas. Não é preciso sublinhar 
que só falamos das clássicas zonas por motivos pedagógicos, mas deveremos saber — e 
a clínica assim o demonstra — que tanto a pele quanto o olho, a mão, o aparelho de 
fonação, etc., são zonas erógenas. 
Um outro aspecto que devemos lembrar é que todas as zonas encontram-se 
ativadas desde o início da vida, mas que existirá uma predominância alternada e 
sucessiva de alguma zona em particular sobre as restantes. 
 
73 
 
4. O COMPLEXO DE ÉDIPO NO MENINO 
Este é o tipo de estrutura que, desde os tempos de Freud, mais se conhece. 
Poderíamos descrever os seguintes passos: 
1. Inicialmente o menino (tanto quanto a menina) encontra-se em extrema 
dependência de sua mãe. Este primeiríssimo período, como foi anteriormente descrito, é 
dual, predominantemente narcísico e simbiótico. Sendo a mãe, ou as significações dela 
procedentes, o objeto almejado pelo menino, institui-se ela como autoridade e poder 
onipresentes e altamente necessitados. À medida que o tempo passa, e juntamente com a 
ampliação progressiva de seu mundo de relações, outros personagens que não a mãe 
aparecem em seu campo de influência. Um desses personagens será percebido como 
tendo alguma coisa a ver com a mãe e, em conseqüência, herdará seu poder e sua 
autoridade.A relação dual terá se transformado em triangular. Os vínculos se tornam 
mais complexos. O menino, que anteriormente desejara a mãe, agora deseja o que a mãe 
deseja: o pai. Será agora ele o possuidor de um instrumento ideal que regula, dosa e 
regulamenta a estrutura triangular. Esse instrumento ilusório, mas altamente eficaz, é o 
que se chama Falo. 
2. O menino manifestará dois tipos de fixações. O primeiro é uma disposição a 
depositar uma intensa carga libidinal na mãe. Manifesta esta disposição usando de todos 
os recursos adaptativos e ainda agressivos que reafirmam seu di1eito de possuir o 
progenitor do sexo oposto. A força impulsionadora deste tipo de atitude encontra-se 
naquilo que se chama de Identificação Primária com o pai, que estudaremos 
posteriormente (ver p. 93). Estando o menino identificado com seu pai, participa de sua 
potência mágica; porém, diante do inevitável contato com a realidade, os impulsos de 
caráter agressivo sofrem uma transformação (sublimação) que é veiculada através de 
atividades sociais, lúdicas ou de aprendizagem. Os conteúdos eróticos puros são 
também sublimados, transformando.-se em atividades sentimentais, “correntes de 
ternura” que serão instrumentadas como afirmação de presença no relacionamento com 
os adultos ou para aumentar a confiança em si próprio. 
Mas será importante destacar que, pelas causas apontadas em (1), o menino 
encontrará um obstáculo para a obtenção do 
 
74 
 
objetivo materno, que é o pai, funcionando este como rival. A atividade fantasmática da 
criança, desenvolvida progressivamente desde o nascimento, atingirá essa rivalidade 
com o tema da ç5traça0. 
O segundo tipo de fixação, e que também ocorre interpenetrado com o anterior, é 
a fixação libidinal no pai, o qual deve suportar este investimento libidinal. O pai adquire 
significados de dois tipos: como rival a substituir e, simultaneamente, como modelo a 
imitar. 
O processo é liderado também pelo mecanismo da identificação. É um 
movimento complexo, que mostra que imitar o pai funciona simultaneamente como um 
mecanismo de defesa que elimina o pai real (eu SOU o pai e portanto não luto com ele) 
e como uma forma de satisfazer, agradar o pai, deixando-se modelar, educar, 
“fecundar”, metaforicamente falando, por ele. Eis aqui a típica posição homossexual 
passiva do menino, de relevante importância como fator de amadurecimento e 
estruturação psíquica. 
No que diz respeito ao futuro destes tipos de fixações, não é fácil responder às 
perguntas habituais, tais como se essas fixações podem ou não evoluir para uma 
homossexualidade adulta, para uma vida de celibato em submissão ao pai, etc. 
Remetemos o leitor ao Capítulo 1 sobre Causalidade Psíquica. 
Especificamente quanto a este problema, é importante repetir que sempre existe 
uma dupla identificação para o menino, tanto materna quanto paterna. E que na fase 
edipiana as relações do menino com seu Pai estão marcadas por uma extrema 
ambivalência, não redutível a manifestações de ódio. E uma outra advertência: todas 
essas relações descritas ocorrem no plano da fantasia, já que a criança é criança e o 
amor objetal amadurecido, adulto, completado com a união genital, só poderá ser obtido 
pelo menos oito ou dez anos mais tarde. 
Designamos com o termo exogamia uma série de processos de ordem psíquica 
com conseqüências imediatas no “social”, que levam o menino a deixar os vínculos 
primários (pai e mãe), dirigindo-se ao que doravante nomearemos vínculos secundários. 
 
5. O MOVIMENTO EXOGAMICO DO MENINO 
 
75 
 
Por motivos já descritos e sobretudo pela impossibilidade biológica de 
concretizar o incesto, o menino ficará convicto da inutilidade de seus esforços 
conscientes e inconscientes em busca da satisfação incestuosa, O processo da exogamia 
está em marcha se compõe de três fases: 
a) Uma superação da angústia de castração, ou seja, 
fantasia de ser atacado pelo rival-pai será uma fortíssima motivação determinante do 
afastamento do menino. 
b) Simultaneamente, o menino renuncia a conquistar eroticamente a mãe e, em 
conseqüência, abandona a luta contra seu competidor natural, o pai. 
c) Finalmente, fechado o acesso à posse “definitiva”, de seus progenitores, só lhe 
resta o caminho da procura da satisfação nos objetos substitutivos. 
Vemos neste deslocamento fundamental a superação ou liquidação do Complexo de 
Édipo,* que consiste não somente numa “morte” da estrutura dirigida aos pais, mas num 
reinvestimento das cargas libidinais em novos objetos que, direta ou indiretamente, 
recordarão os antigos. Assim, para o menino, os professores serão “segundos pais” ou 
“segundas mães”. 
Aliás, devemos lembrar ao leitor que os novos objetos são apenas relativamente 
novos: por alguma característica mais ou menos importante ou intensa, o objeto 
precedente, velho, arcaico, volta a se apresentar através dos novos — eis aqui a famosa 
frase de Freud: “O encontro de um objeto é, na realidade, um reencontro dele”. (Três 
ensaios sobre a sexualidade [1905] St. Br. vol. VII, p. 229 [1905].) Mais um elemento 
de importância apresenta-se nesta etapa exogâmica: é o abandono, pelo menino, de 
qualquer atitude sedutora em relação ao rival paterno. A atitude feminina de agradar o 
pai, deixando-se educar e modelar por ele é superada pelo processo exogâmico. Porém, 
uma fixação nesse aspecto contribuirá, juntamente com outras variáveis, para possíveis 
atitudes homossexuais passivas (conscientes ou inconscientes) no futuro, persistindo 
sob alguns aspectos o complexo 
 
* Untergang do Complexo Edípico (literalmente, sepultamento do Complexo de Édipo), 
implica um recolhimento libidinal e um afundar-se, dirigir-se aos fundamentos, ou seja, 
ao Id. Daí o Complexo de Edipo rege a vida psíquica. Quando há uma predominância 
no Ego — ou seja, é incompletamente sepultado — acontece a patologia. (A Dissolução 
do Complexo de Edipo. St. Br. vol. XIX, p. 215, 1924.) 
 
76 
 
de castração, tingindo de elementos persecutórios qualquer tipo de conduta 
homossexual. 
 
6. O COMPLEXO DE ÉDIPO NA MENINA 
A) A IMPORTÂNCIA DA MUDANÇA DE OBJETO 
 
Não resta a menor dúvida de que, desde os tempos de Freud, o menino foi 
sempre tomado como eixo de referência no desenvolvimento do processo de finalização 
do Complexo de Édipo. Sabemos que o desenvolvimento objetal na menina é mais 
complicado, mas devemos confessar que não sabemos se é mais complicado 
estruturalmente falando ou se, por ser observado sob o prisma da masculinidade, 
aparece sempre descrito como uma transgressão. 
O eixo central em torno do qual transita a problemática do Complexo de Édipo 
feminino é o deslocamento do objeto primário. Com efeito, o menino está em posição 
de relacionamento heterossexual com a mãe desde o nascimento e, portanto, tem o pai 
como rival; daí que o movimento exogâmico será somente um afastamento “simples” 
desta estrutura elementar. Na menina, porém, o relacionamento inicial é com uma 
pessoa do mesmo sexo, tendo o pai como rival. Compreende-se, então, que o eixo do 
Complexo deverá sofrer uma espécie de torção para colocar a mãe como rival e o pai 
como objeto amoroso. 
No item correspondente aos estágios pré-genitais tivemos ocasião de salientar a 
importância que esses períodos têm para a menina (ver p. 70). Efetivamente, o longo 
desenvolvimento e os processos desenrolados em torno de sua mãe fazem com que a 
menina possua uma conflitiva toda especial em relação ao seu objeto primeiro. Assim, e 
pelas razões apontadas naquele item, extrema dependência, vínculo simbiótico com a 
mãe, relações objetais predominantemente narcísicas, fixação(ões) pré-genital (ais) 
serão denominações diferentes para descrever-se a particularsolução feminina do 
Complexo de Édipo. 
O estudo do processo pré-genital narcísico e “maternizante” faz com que a 
sexualidade feminina seja estudada não só com o objetivo de se saber sobre o Complexo 
de Ëdipo, mas também 
 
77 
 
como modelo apto para aprofundar-se o conhecimento da dependência humana e sua 
saída.* 
A resolução de toda esta complicada problemática, segundo Freud, gira em torno 
da comprovação da inexistência de um pênis, quando se constata que o outro sexo é 
outro porque o possui. 
 
As decepções estruturantes ** 
 
Destacamos em item a parte, com finalidade pedagógica, esta decepção ou 
desapontamento que a menina sofre quando chega ao período conhecido como “estágio 
da descoberta da diferença sexual anatômica”. Realmente, em torno dos 5 ou 6 anos de 
idade, as meninas (e também os meninos) constatam que existem, anatomicamente 
falando, dois sexos. Esta constatação, que se faz mediante a observação, comparação e 
reafirmação, veiculadas através do ato de brincar, leva a esse conjunto de sentimentos 
que nomeamos genericamente de decepção. Mas decepção com quê? Se falamos de 
decepção é porque a menina tinha previamente uma idéia ilusória. Esta ilusão é a de que 
existe um único sexo. Se prestarmos atenção, esta idéia ilusória, fantasiosa, é o suporte 
do narcisismo ou, melhor dizendo, é o último baluarte que resta do narcisismo 
primitivo. Efetivamente, a menina vem se “desiludindo” desde que nasce. Inicialmente 
ela perde o mundo aconchegante do útero materno. Depois de algum tempo, perde 
definitivamente o peito como única e exclusiva fonte de sustento e, mais tarde, 
experimenta sensações de perda de fezes a cada ato de defecação. Tem infinitas 
oportunidades de experimentar a “perda” do afastamento corporal cada vez mais 
prolongado do objeto original-mãe e, em algumas ocasiões, esta exclusividade, o 
monopólio do “criançacentrismo”, é ainda abalada pelo nascimento de algum irmão. 
Portanto, a decepção que marcará a organização final do Complexo de Édipo, na 
menina, chega-lhe como uma coroação de desapontamentos anteriores, O leitor terá 
percebido que desses desapontamentos participa uma única personagem: a mãe da 
menina 
 
* Encontra-se tão articulado o problema da fase pré-edípica com a fixação feminina à 
mãe que autores franceses fazem desses dois termos uma sinonímia, Reservam o nome 
de Édipo (para diferenciar de Pré-Édipo) à fixação ao pai (Safouan, M. A sexualidade 
feminina na doutrina freudiana. Zahar Ed., 1977, p. 70). 
** Ver também p. 149. 
 
78 
 
Então, não será estranho que ao verificar, por comparação com os meninos, que carece 
do órgão genital chamado pênis, a menina atribua à mãe o fato de não possuí-lo. Tem a 
sensação de que possuía o pênis e que sua mãe lho tirou. 
Num artigo fundamental para o entendimento da problemática feminina, Freud, 
referindo-se a esta descoberta diferencial e marcante, diz: “Ela viu isso, sabe que não o 
tem, e quer ,tê-lo.” (“Algumas Conseqüências Psíquicas da Distinção Anatômica Entre 
os Sexos” — vol. XIX p. 314) ,* Não há dúvida de que o demonstrativo isso se refere 
ao órgão masculino, o pênis, e este ver isso e querer tê-lo é o que se conhece com o 
nome de Complexo de Masculinidade na mulher. Este desejo de ter um pênis, no 
entanto, não é assim tão simples. E um desejo que funciona como uma defesa. 
Efetivamente, ela deseja avidamente isso por temor de verificar uma realidade crua: que 
não o tem, não o teve e nunca o terá. 
Porém, tal como Freud o descreveu, a menina conservará esta idéia ilusória que 
ele chamou de esperança “de obter um dia, apesar de tudo, um pênis, e assim tornar-se 
semelhante a um homem”. Esta esperança “pode persistir até uma idade incrivelmente 
tardia e transformar-se em motivo para ações estranhas e de outra maneira 
inexplicáveis. (Idem, p. 314.) 
Este desejo da menina de possuir um pênis também é conhecido como “inveja 
do pênis”. Se foi bem entendido este conceito, compreender-se-á que sua função é a de 
um disfarce daquela carência anatômica fundamental, ou seja, um disfarce da castração. 
Freud denomina esse processo de “rejeição”. Em outros textos, aparece como “recusa” 
ou “renegação”. Esta rejeição é um processo que leva a negar a carência, negação 
veiculada através de um desejo absolutamente normal como processo evolutivo infantil, 
mas que está na base do mecanismo de defesa específico das perversões e psicoses (ver 
p. 61-190, 202 e segs.). 
 
Conseqüências da inveja do pênis 
 
Seguindo o raciocínio das conseqüências psicopatológicas da inveja do pênis, 
uma menina pode persistir na rejeição de sua própria 
 
* Uso, por considerá-la mais adequada, a tradução feita nos livros de M. Safouan. 
(Safouan, M. Estudos sobre o Édipo, Zahar, Rio, 1979, e A sexualidade feminina na 
doutrina freudiana. Zahar, Rio, 1977, p. 85.) 
 
 
79 
 
castração construindo uma grande parte da sua personalidade torno do desejo de ter um 
pênis. Como os desejos, assim como os sonhos, se dão em tempo presente, ela pode 
ficar convicta que realmente o possui, comportando-se por isso como um homem. Este 
comportamento “masculinóide” tenderá sempre a ser algo estranho a ela, contendo na 
maioria das vezes condutas agressivas e denunciando, dessa maneira, a origem não 
satisfeita de conduta. 
Ë freqüente uma certa confusão decorrente da ambigüidade com que Freud 
denominou esse famoso Complexo de Masculinidade na mulher. Sem pretender esgotar 
a multiplicidade de sentidos que pode provocar tal ambigüidade, acrescentaremos que 
geralmente se entende como Complexo de Masculinidade uma estrutura composta em 
primeiríssimo lugar por uma relação extremamente intensa com a mãe, mas não 
resolvida satisfatoriamente. Simultaneamente, é também marcante a rivalidade com 
pai, o que geralmente se expressa, por parte da menina, sob diversas formas de 
descrédito ou desprezo. 
Sabemos que o problema subsiste, porque o parágrafo anterior levanta questões 
tais como “o que se entende por feminilidade ou por feminilidade verdadeira ou falsa?” 
E o problema sumamente interessante de se saber se a mulher, para ser reconhecida 
como tal, não deverá mostrar nada, já que o visível ficaria conotado como masculino. 
Moustapha Safouan, em A Sexualidade Feminina na Doutrina Freudiana (Zahar Ed., p. 
98), conclui que feminilidade verdadeira é um processo de integração do desejo, efeito 
de um duplo movimento: por um lado, da identificação com a mãe como objeto 
desejante e, por outro, pelo “reconhecimento” do Falo (não do pênis) com o pai real. 
Este complicado “reconhecimento”, insistimos que é com o Falo, ou seja, com uma 
marca, um símbolo do Poder, porque o que se observa na clínica é que o que se esconde 
por trás da agressividade masculinóide, dos Ciúmes reivindicatórios, etc., etc., é uma 
“revolta contra a arbitrariedade do pai”. 
O problema de masculinidade como uma das conseqüências da inveja do pênis 
deverá adquirir um sentido clínico, como uma máscara, que esconde embaixo dela, na 
maioria das vezes, recusa da aceitação da diferença sexual (castração). O problema 
 
80 
 
aqui, do masculino em sentido amplo e suas vinculações com a homossexualidade na 
mulher, é discutível. Observado o problema cia dicotomia masculino-feminino, em 
diversas sociedades, não se pode afirmar que toda uma gama de signos exteriores 
(atividades, vestimentas,etc.) apague essa diferença. 
Uma outra conseqüência descrita por Freud dessa decepção chamada Inveja do 
Pênis é o deslocamento que persiste no traço dos ciúmes de uma mulher (Freud, vol. 
XIX, p. 315). Freud outorgava enorme importância ao papel desempenhado por esse 
sentimento muito mais nas mulheres que nos homens, ou seja, à rivalidade expressa,de 
diversas maneiras, pelas “coisas” que outros possuem e ela não. 
Segundo as conseqüências da Inveja do Pênis descritas por Freud, vemos que 
acontece um afrouxamento nos vínculos de afeto da menina com sua mãe. Como se 
compreenderá, esse afastamento do objeto monopolizante torna-se imprescindível para a 
entrada no Complexo de Édipo feminino e, portanto, na sua futura autonomia 
exogâmica. Insistimos no que foi dito anteriormente: a mãe, objeto primordial da 
menina, é responsabilizada por tudo, até — usando palavras de Freud — “por enviá-la 
ao mundo assim, tão insuficientemente aparelhada” (Freud, S. vol. 
XIX, p. 316). 
Os ciúmes geralmente têm um argumento: uma vez descoberta a “inferioridade” 
genital, a menina fantasia que a mãe gosta mais de outra criança, supondo que a esta 
outra ofereceu ou oferece o que não lhe deu. 
 
 
 
 
A procura do pai 
 
Uma vez que a menina, por todas as operações descritas anteriormente, “decide” 
pelo abandono do objeto materno, passa a ter como objetivo principal a obtenção, a 
partir do pai, daquilo que a mãe se recusou dar-lhe. 
A menina renuncia a possuir um pênis e se dispõe a obter uma criança, como 
“presente” por parte do pai. Ou seja, ter um filho do próprio pai. Ë necessário lembrar 
ao leitor que este desejo de ter um filho em vez de um pênis é o produto final de uma 
longa série de elementos concretos que a menina perdeu, no percurso de seu 
desenvolvimento. Assim, perdeu o útero, o peito materno, fezes, e toda uma infinita 
série de experiências de 
 
81 
 
ordem corporal ligadas aos parâmetros psicossexuais descritos. Em cada uma dessas 
experiências, a menina incorporou sensações complexas ligadas a presença e ausência 
(do útero, do peito, das fezes, etc.), a proximidade e afastamento, gratificação e 
frustração, cheio e oco, concreto e abstrato. 
Portanto, quando se produz a “grande desilusão” de não possuir um pênis, esta 
não-posse é a culminação de diversas não-posses anteriores. Como na fase anal, 
imediatamente anterior (ver p. 45 e segs.) a menina havia feito equações simbólicas de 
presença-ausência, retenção-expulsão, “dar fezes de presente”, ser presenteada com 
(afagos, carinhos, gratificações diversas), será fácil compreender agora que ela reagirá 
perante a não-posse do pênis compensando-a com a esperança de ser gratificada agora 
por uma criança proveniente do objeto que deseja (o pai). 
Esta obtenção de gratificação implica uma mudança radical, e daqui em diante as 
tendências de ordem receptiva substituirão as tendências ativas com sentido 
reivindicatório que havíamos examinado previamente. A menina, então, dirige-se ao pai 
para ganhar a atenção e a admiração dele, que é o objeto de amor da mãe, ou seja, para 
seduzi-lo. 
Os restos da fixação à mãe Em decorrência dos itens anteriores compreende-se 
(sempre dentro da tese freudiana) que o vínculo primitivo com a mãe não é facilmente 
superado. Admite-se geralmente que na mulher adulta existem sinais de fixação pré-
edipiana ao objeto materno e que, por esta razão, as mulheres são mais “ambivalentes a 
respeito de sua mãe que os homens com relação ao seu pai”. Estas conclusões são 
decorrentes do peculiar tipo de vinculação, diferente da do menino, que a menina 
precisa desenvolver, partindo dos primeiríssimos estágios de sua vida, com o objeto 
materno. 
 
7. A FINALIZAÇÃO DO COMPLEXO DE ÉDIPO 
Há uma certa especificidade na maneira como é resolvida, em cada sexo, a 
situação edipiana. 
a) No menino, motivada pelo medo de perder seu pênis (ameaça de castração), 
há a renúncia aos desejos genitais pela 
 
82 
 
mãe. Simultaneamente, há um abandono dos sentimentos hostis contra o pai. É 
importante salientar que Freud foi vacilante em muitos escritos no que se refere à 
designação desse processo de desaparecimento da estrutura edipiana. Em alguns textos, 
ele denomina de forma precisa “Destruição do Complexo”,* em lugar da clássica 
“Repressão” (ou Recalque). O que se destrói não pode voltar, mas o que se recalca sim. 
A saúde mental do sujeito dependerá ou estará intimamente vinculada à distinção entre 
estes dois processos. 
A rigor, o Complexo só terá sua resolução terminada na época da puberdade e 
adolescência, quando o sujeito tem a possibilidade de pôr à prova sua genitalidade, que 
foi impedida na época de seus 5 ou 6 anos. Facilmente se compreende que os objetos do 
adolescente “lembrarão” os pais, mas não serão eles. 
b) Em comparação com o menino, o processo da menina é muito mais gradual e, 
de certa forma, menos completo. A complicada e ambivalente vinculação da menina 
com a mãe, antes comentada, é o empecilho principal que retarda o processo. Embora a 
angústia de castração esteja presente, a força que adquire o medo de perder o amor da 
mãe é hierarquicamente superior e contribui para que a renúncia aos desejos pelo pai 
não seja tão drástica como é no menino. Em ambos os sexos, tanto para o menino 
quanto para a menina, finalmente se cumpre um velho ditado: “Quem não possui, é.” 
Ou seja, ao estar vedado o acesso aos objetos primários, pai e mãe, há uma espécie de 
introversão-regressão da libido sobre o ego, ou seja, o ego, tornado “semelhante”, 
identificando-se, com os objetos paternos proibidos, se apresenta ele próprio aos desejos 
libidinosos como um novo objeto de amor. Este processo, decorrente de uma perda, 
culmina com uma identificação com o objeto perdido (identificação secundária). O 
resultado é uma libertação energética, que obviamente irá em busca de novos objetos 
para investir. Aqui se instala o chamado período de latência, durante o qual uma parte 
da energia é colocada a serviço do desenvolvimento das funções intelectuais. 
* E em outros, “dissolução’ (vol. XIX, p. 217). 
 
83 
 
8. 
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DO 
COMPLEXO DE ÊDIPO 
 
O Complexo de Édipo é complexo. Nesta metáfora estão incluídas diversas 
categorias de problemas. Em primeiro lugar, a “complexidade” alude ao polimorfismo 
tanto de sua constituição quanto de sua expressão. Em segundo lugar, e seguindo as 
idéias de Godino Cabas, o único complexo que habita o ser humano é o de Édipo. Não 
existem outros tipos de complexos, tais como “complexo de inferioridade”, de 
“masculinidade”, de “superioridade”, etc., porque isto suporia que tais complexos são 
uma parte do sujeito e Freud insistiu repetidas vezes no caráter estruturante que 
representa o Complexo de Édipo para o indivíduo como um todo. 
Em terceiro lugar, a palavra complexo alude, como vimos anteriormente (ver p. 
63), a uma estrutura e, como tal, o conflito se dá no seio mesmo desta estrutura, como 
uma luta e primazia de funções umas sobre as outras. 
Entendido desta maneira, compreende-se agora, seguindo Laplanche e Pontalis, 
como o Complexo de Edipo é uma encruzilhada, é um nó em torno do qual se organiza 
uma outra estrutura, que é a família humana. Este elemento liga inexoravelmente a 
estrutura edipiana ao fenômeno social. A oposição entre o social e o natural é resolvida 
no seio da estruturação edipiana, através de uma proibição fundamental, de 
conseqüências transcendentes, como é a proibição do incesto. (Ver p. 65 e segs.) 
Em outra ordem, mas decorrente da mesma estrutura, o Édipo é a culminação de 
toda a organização psicossexual do indivíduo, em três direções diferentes: 
1 — A liderança da zona genital que ordena, enfileirando, subordinadas a ela, as outras 
anteriores. 
2 — A superação do auto-erotismo primitivo, ou seja, a libido, cuja localização se 
achava espalhada e fragmentada nos diversos segmentos corporais, tenderá agora a se 
reunir em torno de estruturas significativas, através do interjogo da estrutura edipiana. 
3 — Como decorrênciado anterior, uma decisiva orientação em direção aos objetos 
exteriores. 
 
84 
 
Este último aspecto conduz à construção da realidade do objeto, que agora se 
consolida como um objeto inteiro, global e fundamentalmente sexuado, ou seja, com 
possibilidades de intercâmbio e criatividade, no mais amplo sentido do termo. 
Finalmente, o Complexo de Édipo estrutura todas as instâncias do aparelho 
psíquico (Superego, Ego, Ideal do Ego e Id), reordenando-as definitivàmente. 
 
85 
 
 
86 
 
CAPITULO III 
O Ego 
O Superego 
O Ideal do Ego 
 
São fundamentalmente três as instâncias psíquicas que compõem o aparelho 
psíquico: o Ego, o Superego e o Id. Mas, a rigor, considera-se o Superego subdividido 
em duas instâncias: o Superego propriamente dito e o chamado Ideal do Ego. 
O Id será, para Freud, a instância psicobiológica por excelência, cuja origem 
encontra-se no corpo biológico e de onde nasce a energia dos instintos e das pulsões. 
Antes do estudo das instâncias em si mesmas, é necessário focalizar a atenção 
num ponto importante, que é o processo de Identificação. 
 
A IDENTIFICAÇÃO 
A Identificação é um processo de ordem psicológica mediante o qual o sujeito se 
constitui. Se refletirmos sobre a palavra identificação, deduziremos facilmente que ela 
indica de que modo o sujeito é psicologicamente constituído. Identificação significa, 
entre outras coisas, idêntico, igual, semelhante. Com efeito, o sujeito humano só pode 
ser psicologicamente construído por outro humano, ou seja, por um idêntico, um 
semelhante, um igual (ver p. 35). 
Devemos ressalvar que, sob uma ótica evolucionista biológica, o ser humano, 
comparado aos outros seres vivos, é o produto filogenético evolutivo mais complexo da 
sua espécie. Isto significa que quando o ser humano nasce, seu corpo contém os 
processos de transformação histórica de milhões de anos. 
De modo muito simples, diremos então que o ser humano nasce com todas as 
possibilidades de sê-lo, porém essa possibilidade apenas se concretizará quando esse 
corpo biológico entrar 
 
87 
 
em contato e interagir com outro ser humano. Ficará claro, então, que a forma biológica 
herdada através de séculos será condição necessária, mas não suficiente, para o processo 
de aquisição do psiquismo, ou seja, de um aparelho capaz de produzir pensamentos e até 
de pensar sobre eles. 
Repetindo, o ser humano irá se constituir como tal através de outro ser humano. 
De outro igual. Este processo é denominado Identificação e está relacionado com o 
Narcisismo, termo complexo que abrange uma teoria da origem do sujeito e uma teoria 
do objeto. 
Toda esta longa introdução serve para mostrar que as instâncias Ego e Superego 
são basicamente constituídas por Identificações que, como veremos mais adiante, 
correspondem aos restos representacionais do que anteriormente era um relacionamento 
objetal externo. 
Conhecem-se, em psicanálise, dois tipos de Identificação: 
Identificação Primária e Identificação Secundária. 
A) IDENTIFICAÇÃO PRIMÁRIA 
Conhecemos com o nome de Identificação Primária um tipo especial de 
incorporação do mundo objetal “exterior” nos primórdios do aparelho psíquico. É muito 
difícil explicar em que consiste a Identificação Primária porque, segundo Freud, ela é 
anterior a toda carga objetal. Simplificando, podemos dizer que, ou nesta fase não existe 
objeto, ou ser o objeto e constituí-lo são a mesma coisa. 
O leitor deverá fazer um esforço imaginativo para compreender que os alicerces 
do aparelho psíquico estão formados pelas “marcas” que as circunstâncias que rodeiam 
esse corpo biológico recém-nascido vão deixando nele. 
Alguns parágrafos acima, dissemos que a Identificação Primária é um tipo especial de 
incorporação do mundo objetal “exterior”. O leitor terá observado que exterior está 
entre aspas, porque a rigor não existe exterior, desde o momento em que, no contato 
com outros corpos, o sujeito é esses outros corpos. Isto é o que se quer 
convencionalmente dizer com expressões tais como: “estágio de indiferenciação entre o 
self e o objeto”, ou 
 
88 
 
estágio de indiferenciação narcísica”, ou “estágio de narcisismo primário” ou “estágio 
simbiótico”, ou “estágio autístico”, etc. algumas destas expressões, correntes na 
linguagem teórico-clínica, enfatizam o objeto e outras o tipo de vínculo estabelecido. 
Por flqua11t0, tal terminologia não tem demasiada importância; todas as expressões se 
referem ao processo comum de que o ser humano nasce psicologicamente fundido, 
fusionado, amalgamado, “confundido” com outro ser humano (Identificação Primária). 
Quando descrevemos as etapas orais da evolução psicossexual (ver p. 35), 
sublinhamos o fato de que o ser humano é o único ser vivo que nasce no mais absoluto e 
total desarvoramento e, portanto, na mais absoluta necessidade de depender do outro. 
Justamente, a Identificação Primária é um processo correlativo a essa dependência. 
Praticamente, dizer dependência e dizer Identificação Primária é mostrar um ou outro 
lado de uma mesma moeda. 
Se o sujeito nasce já dependendo, ou seja, se psicologicamente ele é outro desde 
o início, isto significa que por força das circunstâncias ele é passivo, ele sofre as ações 
que os outros determinam. Em outras palavras, ele é identificado. Como podemos 
observar, reencontramo-nos nesta expressão com a dependência que exprime o âmago 
do conceito de Identificação Primária (ver p. 88). 
Não será estranho que a problemática da Identificação Primária tenha profundas 
evocações filosóficas, que farão sentido para o leitor na medida da captação do conceito 
que quisemos expor. Essas expressões filosóficas são, por exemplo: “ser é ser para 
outro”, “ser para outro é ser com outro”, etc. 
Avançando um pouco mais nesta compreensão da complexidade da Identificação 
Primária, poderíamos dizer que o conceito predomina em etapas muito arcaicas do 
desenvolvimento, onde reina o mais puro narcisismo. Isto quer significar, como já 
vimos, que não existe diferença entre Ego e Objeto. O único diferencial é que o sujeito 
sente prazer ou desprazer, e será através deste parâmetro prazer/desprazer que o Ego e 
os Objetos começarão a ser construídos. 
Acrescentaremos que nesta primeira etapa o Ego primitivo tenderá a ficar com 
aquilo que lhe dá prazer e a rejeitar, como num verdadeiro ato reflexo, o que lhe causa 
desprazer. 
 
89 
 
B) IDENTIFICAÇÃO SECUNDÁRIA 
O nome está indicando que este tipo de Identificação ocorre depois que o 
“cimento” das Identificações Primárias formou o “solo” do aparelho psíquico. Admite-
se, desde Freud, que a Identificação Secundária é contemporânea do Complexo de 
Édipo. Designa, por isso, o ponto final da incorporação, agora total e definitiva, de 
ambos os pais. Simplificando, a Identificação Secundária não será senão uma 
continuação da Primária. Nesta última, o sujeito enfrenta seu habitat primário sendo este 
habitat. Na Identificação Secundária, quatro ou cinco anos depois, ele enfrentará esse 
mesmo habitat, só que ele já não será mais o mesmo. Ele terá incorporado dentro de si 
os traços, as marcas, as representações daquele mundo primitivo de quando ele e o 
mundo eram a mesma coisa, ou seja, ele enfrentará a definitiva Identificação com a 
Identificação Primária dentro dele. 
Observe o leitor que, embora a etapa da Identificação Primária esteja localizada 
num período narcísico, na realidade essas identificações são aspectos muito parciais do 
que será a realidade definitiva. Isto quer dizer que este sujeito primitivo sente o mundo e 
ele mesmo como um absoluto. De fora, o observador compreende que esse vínculo é 
parcial, mas de “dentro” o vínculo é total, é tudo o que o sujeito conheceaté esse 
momento. 
Este estado de coisas na Identificação Primária é o que se conhece com o nome 
de Outro Especular, facilmente entendido como se o Outro não fosse uma pessoa 
diferenciada: o Outro é uma imagem, como num espelho, igual ao sujeito mesmo. 
Aos cinco ou seis anos de idade o sujeito chegará a uma fase de acabamento da estrutura 
do aparelho psíquico. Colocará as telhas finais do telhado do edifício que começou a ser 
construído desde o início narcísico da vida. 
A Identificação Secundária é um tipo especial de incorporação do objeto depois 
de sua perda. Isto é, após as primeiras fases de constituição narcísica o sujeito se dirige 
ao mundo objetal, reconhecendo cada vez mais as amplitudes dos objetos. O que 
inicialmente era fusional e fragmentário começa a ser cada vez mais diferenciado e 
totalizado. Isto significa que se vai abandonando esse absolutismo da relação primária 
narcísica para se observar, cada vez com maior complexidade, que os objetos não são 
especulares mas sim relativos. Ou seja, que os objetos se 
 
90 
 
relacionam uns com os outros e nem sempre, sobretudo, com o sujeito. Insistimos, 
passa-se progressivamente de uma crença absolutista das relações a uma ruptura dessa 
crença, ruptura essa imposta pelo relativismo dos vínculos. 
Quer dizer, então, que, metaforicamente, quando o sujeito chegou à idade do 
Edipo, considerado definitivo, os pais disseram sim a todos os seus desejos, já que as 
identificações primárias e parciais com eles levaram a marca do absolutismo narcísico. 
Mas quando o desejo sexual chega a se fazer genital, quer se impor também como 
absoluto: o menino deseja possuir a sua mãe e a menina o seu pai. Mas, pela “primeira” 
vez na história deste aparelho psíquico, tais desejos lhes são negados. E o que se 
conhece com o nome de Proibição do Incesto. 
Compreenderá agora o leitor o que dizíamos em parágrafos acima: que a 
Identificação Secundária se produz por uma perda. Realmente, o modelo descrito por 
Freud em “Luto e Melancolia” (S. B. vol. XIV, p. 271) [1917] mostra que o sujeito 
reestrutura dentro de si o vínculo perdido com seus pais reais e concretos devido a esse 
não edípico fundamental e estruturante. A Identificação Secundária constituirá portanto 
o Superego e compreender-se-á melhor porque o Superego é sempre mais “rígido”, ou 
“sádico”, ou “tirânico”, do que a realidade exterior que lhe deu origem: é porque o 
Superego teve origem numa rejeição (de um desejo sexual-genital). “Abaixo” deste não 
estruturante enfileiram-se todos os outros nãos (rejeições, proibições, abandonos, etc.) 
passados e futuros da vida do aparelho psíquico. 
 
c) FIXAÇÃO, IDENTIFICAÇÃO E ÉDIPO COMPLETO 
Não será difícil compreender que o Ego do adulto estará constituído por um 
traço que guarda a lembrança do vínculo primitivo com sua mãe, chamado Fixação 
Objetal à mãe, e outro constituído pela identificação primitiva com o pai. No caso do 
menino, entende-se facilmente que nas etapas narcísicas de seu desenvolvimento ele se 
ligasse à sua mãe parcial, sendo simultaneamente o pai. 
Esta afirmação complexa só poderá ser entendida tendo-se presente que a rede 
de identificações constitui-se como um sistema. Como tal, será suficiente a nomeação 
de um dos fatores em jogo — por exemplo, “pai” — para que, por oposição e 
automaticamente, 
 
91 
 
se remeta a seu oposto “mãe”. Em tal sentido, e dentro da teoria psicanalítica, não 
haverá possibilidade nenhuma de considerar as identificações isoladas em si mesmas. 
Elas são solidárias e entram em combinações complexas de oposição. 
O Complexo de Édipo será, simultaneamente, a construção de uma alteridade, e 
da individualidade. Porém, essa construção reconhece uma historicidade que começa 
sendo a identificação primária (narcisismo) e culmina com a identificação secundária 
(complexo de castração). Assim, identificar-se com outra pessoa significa assimilar 
algum atributo determinado dessa pessoa. 
Suponhamos que uma menininha (e, no momento, nos ate- remos a ela) 
desenvolva o mesmo penoso sintoma que sua mãe, a mesma tosse atormentadora, por 
exemplo. Isso pode ocorrer de diversas maneiras. A identificação pode provir do 
Complexo de Édipo; nesse caso significa um desejo hostil, por parte da menina, de 
tomar o lugar da mãe, e o sintoma expressa seu amor objetal pelo pai, ocasionando 
realização sob a influência do sentimento de culpa, de seu desejo de assumir o lugar da 
mãe: “Você queria ser sua mãe e agora você é — pelo menos, no que concerne a seus 
sofrimentos.” (Freud, S. Psicologia de Grupo e a Análise do Ego, Standard Brasileira, 
vol. XVIII, p. 134/35, 1921.) 
Pode-se observar, neste expressivo parágrafo, como o ato c identificação é a 
maneira de se transformar (a menina) à imagem e semelhança, neste caso, da mãe. O 
efeito obtido é a supressão da diferença. Ao se converter num igual à mãe, a menininha 
obtém um efeito ilusório (ver p. 62 e 77 e segs.). 
Se repararmos num fragmento da frase expressa por Freud, diríamos também 
que a identificação é liberada pelo desejo “de assumir o lugar. . “. Mas sendo esse lugar 
variável, pela possibilidade de atributos oferecidos para a identificação, teremos que 
concordar que esse lugar é sinônimo de uma função. Enfatizamos o fato de que, ao 
incorporar um atributo, o sujeito c 
o lugar de uma função, ou seja, tudo aquilo que podemos c de alguém (ou de alguma 
coisa).* 
 
* o conceito de função ultrapassa os limites desta obra. Digamos apenas que o uso do 
termo corresponde a toda uma tradição filosófica moderna: Leibniz, Hume, Bercovich e 
Kant. Função é tomada aqui como uma operação ou conjunto de operações 
determinantes de uma realidade, ou que permite compreender esta realidade. O uso do 
termo em matemática é altamente significativo: refere-se a uma relação entre 
quantidades 
 
92 
 
 
Elevado conceitualmente o problema poderia se definir dizendo-se: se identificar 
é ocupar um lugar e esse lugar se refere a uma outra pessoa que cumpre uma função 
determinada para o sujeito identificado. As noções de identificação, rôle (papel) e 
função são superpostas. 
Observe-se que, focalizando o problema da identificação numa função, num 
lugar, mostramos a extrema variabilidade de combinatórias possíveis a serem 
exercitadas por qualquer pessoa. Com efeito, a pessoa encarregada de executar a função 
será importante na medida em que exerça esse mandato exigido pela função mesma. 
Captando uni atributo (função) de outra pessoa, o sujeito se transforma no semelhante, 
isto é, se identifica. 
E outra ressalva, referida a “ocupar o lugar”. Como se constata, a frase exprime 
um conceito tópico (topos: teoria dos lugares) e, além do mais, a palavra “ocupar” está 
vinculada à palavra alemã Bezetzung, conhecida na terminologia psicanalítica como 
“carga”, “catéxia”, ou “investimento”, que quer dizer, precisamente, ocupação, no 
sentido de ocupação de tropas, por exemplo. (Ver p. 132 e segs. e 171.) 
 
1. GENÉTICA E DIALÉTICA DAS IDENTIFICAÇÕES. 
IDENTIFICAÇÃO PRIMÁRIA, NARCISICA E EDIPICA 
 
Na conceituação a seguir, temos presente a trilha fundamental percorrida por 
Freud em O Narcisismo: Uma Introdução [1914] (Standard Brasileira, vol. XIV, p. 89 e 
segs.), Psicologia do Grupo e Análise do Ego [19211 (Standard Brasileira, vol. XVIII, 
Cap. VII, p. 133) e O Ego e o Id [1923] (Standard Brasileira, vol. XIX, Cap. III, p. 42 e 
segs.), assim como a sistematização de Godino Cabas (Godino Cabas, A. — Curso y 
Discurso de la Obra de S. Lacan, Helguero Ed., Buenos Aires, 1977, Cap. V, p. 177 e 
segs.). 
“Ao mesmo tempo que essa identificação com o pai, ou pouco depois, o menino 
começa a desenvolver uma catéxia de objeto verdadeira em relaçãoà mãe, de acordo 
com o tipo [anaclítico] de ligação. Apresenta então, portanto, dois laços 
psicologicamente 
 
93 
 
distintos, uma catéxia de objeto sexual e direto com a mãe e uma identificação com o 
pai que toma como n Ambas subsistem lado a lado durante certo tempo, sem qualquer 
influência ou interferência mútua. Em conseqüência do avanço irresistível no sentido de 
uma unificação da vida mental, c.. acabam por reunir-se e o complexo de Édipo normal 
origina-se de sua influência.” (Standard Brasileira, vol. XVIII, p. 133.) 
Eis aqui, exposto muito sinteticamente por Freud, o problema genético e 
estruturante das identificações. Infere-se do fundamental parágrafo acima transcrito, o 
seguinte: 
a) No início da vida psíquica, identificação e catéxia coincidem (ocupam “o 
mesmo lugar”). 
b) Numa espécie de segundo tempo, ambas — identificação e catéxia — se 
separam. 
c) O destino da catéxia é denominado “escolha do objeto”. 
d) O Complexo de Édipo reconhece uma base nas identificações primárias. 
e) O Complexo de Édipo é um complexo de identificações. 
Mudando a linguagem, Freud vai reformular isto em c significativo parágrafo: 
“ É fácil enunciar numa fórmula a distinção entre a identificação com o pai e a escolha 
deste como objeto. No primeiro caso, o pai é o que gostaríamos de ser, no segundo, o 
que gostaríamos de ter, ou seja, a distinção depende de o laço se ligar sujeito ou ao 
objeto do Ego. O primeiro tipo de laço, portanto, é possível antes que qualquer escolha 
sexual de objeto tenha s feita.” (Standard Brasileira, vol. XVIII, p. 134.) 
Portanto, dizer que no início da vida psíquica, identificação e catéxia coincidem 
ou identificação e escolha de objeto coincidem ou ser e ter coincidem, é dizer, 
equivalentemente, a mesma coisa. Isto será denominado identificação primária. 
O problema da identificação primária (assim como alguns outros conceitos 
fundamentais) é que não tem referente clínico. 
Um suposto teórico e, em conseqüência, inobservável, encontrando-se na mesma 
ordem conceitual que as fantasias primordiais, o mito da horda primitiva, ou o Recalque 
Primário (ver p. 178). 
“. . . por trás dele [ideal do Ego] jaz oculta a primeira e mais importante identificação de 
um indivíduo, a sua identificação 
 
94 
 
com o pai em sua própria pré-história pessoal.” (O Ego e o Id, Standard Brasileira, vol. 
XIX, p. 45.) 
Acrescenta Freud numa nota de rodapé: 
“Talvez fosse mais seguro dizer ‘com os pais’, pois antes de uma criança ter 
chegado ao conhecimento definitivo da diferença entre os sexos, a falta de um pênis, ele 
não faz distinção de valor entre o pai e a mãe.” (Idem, p. 45.) 
Eis aqui, novamente exposta, a coincidência entre identificação e catéxia e, 
portanto, a indiferenciação elevada a nível mítico (pré-histórico). 
Efetivamente, a identificação primária forma o subsolo fundamental de todo o 
problema da identificação e pressupõe que a criança toma, simultaneamente, como 
objeto da catéxia, o objeto da identificação. Questionamos, então, se o que aqui se 
chama de objeto é objeto. No melhor dos casos, um objeto altamente indiferenciado, 
que se confunde com isso que convencionaríamos chamar de Ego primitivo. Este 
processo culminará no Complexo de Édipo. Ali, objetos, catéxias e identificações 
“ocuparão” seus respectivos lugares perfeitamente diferenciados. 
Durante esse tempo, vai-se instituir um conceito eficaz de trabalhar como 
operador provocando a ruptura da indiferenciação e polarizando identificação e catéxia. 
Tal conceito é o narcisismo. 
 
95 
 
Esse “retorno” catexial, o único que tem de similar com a identificação primária, 
é seu movimento centrípeto. A catéxia retorna à própria pessoa, ao corpo, etc., 
erogeneizando o próprio sujeito e iniciando assim o caminho bipolar com a 
identificação, que culminará no Complexo de Édipo. 
Deste movimento, assim descrito, nasce o primeiro e o segundo princípio de 
Identificação: 
Catéxia e Identificação ocupam lugares polares que reconhecem, por sua vez, 
um segundo princípio intimamente articulado com o primeiro: “Ali, onde houve uma 
catéxia, haverá uma identificação.” (Godino Cabas, op. cit., p. 187/188.) 
Assim, o Ego do sujeito constitui-se simultaneamente como uma estrutura 
própria e alheia, já que a identidade se estabelece em contato com outras parcialidades 
que vão deixando sua marca, sendo o “conjunto de marcas” o Ego do sujeito. 
Desta maneira, o narcisismo dá nascimento ao Ego, por um lado, e ao objeto 
(ambos narcísicos, é lógico). Este tipo de identificação, sim, é observável na clínica, 
através de inúmeros exemplos: megalomania, magia da palavra, escolha de objeto 
especular, onipotência de pensamento, etc. Os sucessivos e inevitáveis “abandonos” dos 
objetos reais (peito da mãe) levam a catéxia a procurar seu lugar de coincidência e 
origem com a identificação (fig. 9). 
 
96 
 
“. . . pode-se dizer que essa transformação de uma escolha objetal erótica numa 
alteração do Ego constitui também um método pelo qual o Ego pode obter controle 
sobre o Id e aprofundar suas relações com ele.” (Freud, S. O Ego e o Id, Standard 
Brasileira, vol. XIX, p. 44 [1928].) 
Mas. . . observe-se que, ficando a identificação instalada e constituindo o Ego, 
produz-se uma alteração que fala do ex-objeto (e agora identificação). No caso que 
estamos considerando, fala- se da mãe que, no mínimo, encontrava-se vinculada ao pai. 
Este caminho — o do pai — será o tomado pela catéxia. Constitui-se, assim, o 
Complexo de Édipo, instalando-se as identificações e as catéxias nos lugares 
definitivos. 
Portanto, o Complexo de Edipo está constituído, em sua forma primitiva, pela 
Fixação Objetal à mãe e pela Identificação com o pai. 
Assim, no Complexo de Édipo, a catéxia em direção ao pai exclui a identificação 
com ele, ou seja: quando o sujeito está identificado com a mãe, a catéxia do objeto 
escolherá o pai e Vice-versa. 
 
97 
 
Podemos agora voltar à nossa definição, feita no início deste capítulo, quando 
nos referimos à identificação como o ocupar o lugar de uma função. Neste caso, a 
definição é totalmente correta, salvo no referente a essa parcialidade que é esta função. 
Com efeito, esta será a “identificação histérica”, um tipo especial de identificação de 
efeito limitado e restrita a determinados aspectos, mas que serviu a Freud como ponto 
de partida para estudar a estrutura da identificação, sua qualidade de estruturante e sua 
função dentro do aparelho psíquico. 
 
ALGUMAS DEFINIÇÕES E CONCEITOS LIGADOS À IDENTIFICAÇÃO 
USADOS 
EM PSICOPATOLOGIA * 
 
1. IDENTIFICAÇÃO TOTAL 
 
Equiparação ou igualação de um Ego (como mesmeidade) a outro Ego alheio 
(Identificação Primária, por exemplo). 
 
2. IDENTIFICAÇÃO PARCIAL 
Equiparação ou igualação de um Ego (como mesmeidade) com certos traços, 
atributos, funções do Ego alheio (Identificação Histérica, por exemplo). 
 
3. IDENTIFICAÇÃO PERMANENTE 
Identificação que altera a estrutura egóica em caráter definitivo (a estruturação 
do caráter e do próprio Superego, por exemplo). 
 
4. IDENTIFICAÇÃO TRANSITÓRIA 
Identificação que não altera ou não deixa traços no Ego (a identificação de um 
ator com seu personagem, por exemplo). Sob alguns aspectos, é parecida com a 
Identificação Histérica (ver p. 93 e segs.). 
 
5. IDENTIFICAÇÃO INTROJETIVA 
Resultado da introjeção do objeto dentro do Ego com o que passa a se identificar 
total ou parcialmente. 
 
* Como guia para este item, utilizamos: Laplanche e Pontalis: Vocabulário de 
Psicanálise, Ed. Martins Fontes. Lara-Belmonte, dcl Valie, E.; Kargieman, A.; 
Saludjian, D., La ldentijicación en Freud, Ed. Kargieman, Buenos Aires, 1976, p. 17. 
 
986. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA 
Mecanismo descrito originalmente por Melanie Klein e que visa a colocar partes 
do Ego dentro do objeto. Ë correlato à identificação narcísica de Freud mas, em Melanie 
Klein, acompanha-se de fantasias de controle e intrusão agressiva. 
 
7. IDENTIFICAÇÃO COM OBJETO TOTAL 
Identificação com objeto sexual da libido unificada. No sentido freudiano, objeto 
da fase fálico-genital por volta dos 5/6 anos de idade, contemporâneo do Complexo de 
Edipo. No sentido kleiniano, objeto da fase depressiva, por volta dos 6 meses de idade. 
Em ambos os sentidos, objeto completo semelhante ao sujeito. 
 
8. IDENTIFICAÇÃO COM OBJETO PARCIAL 
Identificação com objeto de pulsão parcial ou tendência libidinal isolada. 
Equiparável ao objeto (a) “pequeno outro” do esquema lacaniano onde e com quem se 
institui o nível Imaginário. 
 
9. IDENTIFICAÇÃO PROGRESSIVA 
A que implica o acesso ao nível superior de desenvolvimento psíquico. Sempre 
supõe um ganho. Exemplo típico: as identificações primárias. 
 
10. IDENTIFICAÇÃO REGRESSIVA 
A que, desmontado um nível de integração adquirida, vai dar numa identificação 
de nível anterior. Exemplo típico: a identificação oral da melancolia quando se perde o 
objeto e a “sombra” dele cai sobre o Ego. 
 
11. INCORPORAÇÃO 
Atividade pulsional ligada à zona erógena oral. Fisiologicamente, consiste em 
engolir, através da boca, alguma substância do mundo exterior. Psiquicamente, expressa 
a fantasia de introduzir dentro do corpo alguma coisa do mundo exterior. Ë o protótipo 
da introjeção. 
 
12. ASSIMILAÇÃO 
Resultado ou efeito de uma atividade pulsional ligada à oralidade. 
Fisiologicamente, expressa a idéia de digestão de uma substância do mundo exterior. 
Psiquicamente, exprime 
 
99 
 
a fantasia de fusão com as propriedades da coisa exterior a assimilar. Protótipo 
biológico da identificação. 
(Ver, por exemplo, o paralelismo entre assimilação, identificação, canibalismo e 
costumes rituais em Freud: O Ego e o Id, Standard Brasileira, vol. XIX, p. 43 [1923]; 
Totem e Tabu, Standard Brasileira, vol. XIII, p. 105, 170, 183- 184.) 
 
13. INTROJEÇÃO 
Mecanismo psicológico que reconhece uma base no ato biológico da 
incorporação mediante a qual o aparelho mental se apropria dos objetos do mundo 
exterior. 
Descrevem-se vários estágios da introjeção. Inicialmente, encontra-se liberada 
pelo Princípio do Prazer, quando o Ego está em etapas sumamente arcaicas. Somente 
depois, quando o Ego se desenvolve, a introjeção coloca-se a serviço do Princípio de 
Realidade e pode-se diferenciar objetos, qualidades dos mesmos e o Ego. Não 
necessariamente este último tipo de introjeção acaba em identificação. Pode dar lugar a 
núcleos ou áreas enquistadas, como magistralmente antecipou o próprio Freud: 
“Embora isto seja um digressão de nosso objetivo, não podemos evitar conceder nossa 
atenção, por um momento mais, às identificações objetais do Ego. Se elas levam a 
melhor e se tornam numerosas demais, indevidamente poderosas e incompatíveis umas 
com as outras, um resultado patológico não estará distante. Pode ocorrer uma ruptura do 
Ego, em conseqüência de as diferentes identificações se tornarem separadas umas das 
outras através de resistências. . .“ (O Ego e o Id, Standard Brasileira, vol. XIX, p. 45 
[1923]). 
 
14. EJEÇÃO 
Expulsão fisiológica de substâncias do interior do corpo para fora dele. Expressa 
— psiquicamente — uma fantasia de rejeição de elementos próprios. Protótipo 
biológico da projeção. 
 
15. PROJEÇÃO 
Mecanismo psicológico apoiado no ato biológico da ejeção. Tem como 
finalidade principal transformar um perigo, ou um fato não-aprazível interior em 
exterior, já que do externo 
 
100 
 
podemos fugir e do interno não. Ë um mecanismo de defesa da série neurótica. Sua 
diferença com a identificação projetiva consiste precisamente nisto. Esta é da série 
psicótica. 
 
16. INTERNALIZAÇÃO 
Processo de transformação psíquica consistente em transformar um vínculo 
externo em intrapsíquico. A interação se faz, agora, dentro do próprio psiquismo. O 
protótipo disso é a finalização do Complexo de dipo numa estrutura intrapsíquica, o 
Superego. 
 
17. IMITAÇÃO 
Ato mediante o qual se copia ou se reproduz um modelo externo ou alguma 
característica dele. Pareceria estar na base das identificações e, às vezes, se confunde 
com elas. 
Em psicologia, o termo tem sido usado por Piaget para descrever o fenômeno ao qual 
está submetido o psiquismo. Existirá a possibilidade de imitar sem identificação e ainda 
sem introjeção (sem representação mental). 
 
18. IDENTIDADE 
É um sentimento ou vivência de mesmeidade alcançado pelo sujeito através do 
tempo e das experiências pessoais, familiares e culturais que lhe permitem manter um 
certo grau de coesão e de equilíbrio mais ou menos constante. 
O conceito de identidade tem vínculos com o mesmo conceito em filosofia (ontologia) e 
lógica, mas não se confunde com ele. Porém, em psicologia, o conceito de identidade 
remete permanentemente ao outro ou outros, na medida em que — segundo Hegel — a 
identidade não é um princípio simples e abstrato, podendo-se observar nela o puro 
movimento da reflexão que deixa o outro numa mera aparência. 
Em resumo: a forma completa da estrutura edipiana mostrará a coexistência de quatro 
tendências pulsionais e de duas identificações: 
— Tendência-pulsão positiva ou amorosa em relação ao pai, e à mãe; e à mãe; 
— Tendência-pulsão negativa ou hostil em relação ao pai, 
— Identificação com esse mesmo pai, e com essa mesma mãe. 
 
101 
 
AS INSTÂNCIAS DO IDEAL DO EGO E DO SUPEREGO 
 
Como estrutura pulsional o Complexo de Édipo é “superado”, “resolvido”, 
dando lugar a duas instâncias representativas de s.... estrutura: 
— O Ideal do Ego, como herdeiro do narcisismo primitivo. Com efeito, esta instância 
será o monumento que lembrará t união primitiva entre o sujeito (ainda não constituído) 
e seus pais. Para dizê-lo em outras palavras, uma lembrança da relação simbiótica 
primitiva formada pelas Identificações Narcísicas. — Ideal do Ego leva o sujeito a se 
igualar, a se modelar como pais: “Faça isto! Faça aquilo! Pense como seu pai! Seja 
como’ ele!”, etc. 
— O Superego, herdeiro do Complexo Edípico. Se foi entendido o que dissemos em 
páginas anteriores sobre a Identificação Secundária, compreender-se-á que o Superego é 
uma instância tardia. Com efeito, é a representação, conseqüência deumperd1 de uma 
recusa dos objetos paterno e materno em satisfazer à desejo (incestuoso) do sujeito. 
Observemos, de passagem, que a clássica afirmação kleiniana da existência prematura 
do Super — é correta, se entendemos por ela a inscrição parcial das pequenas perdas, 
com suas respectivas fantasias, que vão se produzindo ao longo do desenvolvimento do 
aparelho psíquico. 
Deveremos contudo sublinhar que a função do Superego é solidária com o que 
ele realmente é: uma Identificação. Não será demais lembrar que esta Identificação é a 
que fecha o “telhado” do edifício psíquico, desencadeada pela proibição edípica. 
Esta Identificação (produto de uma interiorização), agora denominada Superego, está 
carregada (ocupada) de pulsão. Na realidade o objeto apenas mudou de lugar, já que 
anteriormente a pulsão procurava objetos exteriores que eram os pais reais e concretos e 
agora esses pais se introjetaram, transformando-se num “monumento”: a Identificação, 
o Superego. 
Quando falamos de perda dos pais, para a criança os pais reais continuam a 
existir dentro de seu campo perceptivo, O que se perde, realmente, é um traço, um 
atributo desses objetos. A perda a que nos referimos não é uma perda real, é uma perda102 
 
imaginária. Concordando com o que já vimos ao falar de Castração (ver p. 61 e segs.), 
tanto meninos quanto meninas sofrem uma ameaça de perda do genital ou a convicção 
de que se consumou esta perda, como no caso da menina. No entanto, e segundo Freud, 
as únicas perdas reais e concretas foram: o útero, no ato do nascimento; o peito, no 
desmame; e as fezes, em cada ato defecatório. 
Nunca ninguém viu perder-se o genital. Esta perda é uma perda imaginária, 
sustentada, suportada pela materialidade real- concreta das perdas anteriores. (A 
organização genital infantil [Uma interpelação na teoria da Sexualidade], St. Br., vol. 
XIX, p. 182 [1923]. A Dissolução do Complexo de Edipo. St. Br., vol. XIX, p. 219-20 
[1924]). 
Seguindo uma metáfora de Godino Cabas (Uno Helguero Ed., 1979, p. 53), o 
Superego como instância e como identificação é uma cicatriz da ilusão quebrada. 
Entender-se-á por isto que o fator desencadeante da instância superegóica é a perda de 
uma grande ilusão: a fusão narcísica e total com os pais. 
O Superego se manifesta em forma de impedimentos, obstáculos, empecilhos, 
proibições: “Não faça isto! Não faça aquilo! Não seja como seu pai!” (Esta última 
expressão exprime a proibição do incesto: Eu posso ter relacionamento sexual em “sua” 
mãe, você não!!!). 
 
FUNÇÕES DO EGO, DO SUPEREGO E DO 
IDEAL DO EGO 
 
a) As funções do Ego vinculam-se a duas frentes diferentes: 
a da realidade exterior por um lado e, por outro, a da realidade interior com a 
complicada vinculação intrapsíquica entre o Superego e o Id. O Ego é um campo 
cênico, o lugar do compromisso entre as instâncias permissivas que requerem satisfação 
e as instâncias restritivas que a impedem. Comporta-se como instância mediadora entre 
as pulsões prementes do Id, que requerem sempre satisfação ilimitada, e as condições da 
realidade externa, 
 
103 
 
que impedem as exigências instintivas. Tal mediação requer Ego uma atividade que 
consiste em permitir o que um quer dentro dos limites que o outro permite ou 
possibilita. 
b) As funções superegóicas estão alinhadas nas exigências de ordem moral. Exercem 
uma função crítica que produz efeito de dominação sobre o Ego. Esta crítica é quase 
totalmente inconsciente e, forçando uma expressão, Freud denominou-a “sentimento 
inconsciente de culpa”. Mas é preciso ressalvar que, clínica, esse sentimento 
inconsciente de culpa só se observa como uma necessidade de punição, de castigo. 
c) O Ideal do Ego terá suas funções reconhecidas como uma recaptura do narcisismo 
primitivo, sendo a instância leva o sujeito a se conduzir segundo os padrões aprendidos 
convivência primitiva com os pais. Daí ser um modelo ao qual o sujeito aspira imitar. 
A auto-estima e a confiança do sujeito dependerão de permanente balanço e ajuste entre 
estas duas últimas instâncias, da aprovação ou da rejeição que o sujeito sinta perante os 
pais interiorizados, sejam estes normas ou modelos ideais a imitar, ou proibições ou 
limitações a transgredir. 
 
104 
 
CAPITULO IV 
Latência 
Puberdade 
Adolescência 
 
PERIODO DE LATÊNCIA 
Foi assim denominado o peculiar período que se estende desde os cinco ou seis 
anos de idade até as fases puberais do desenvolvimento. 
O nome reconhece uma certa calma, em comparação com o período precedente, 
a plena fase de eclosão do Complexo Edipiano. Com efeito, tão-logo se reflita sobre o 
particular, a latência é produto direto do não que institui a finalização do Complexo 
Edípico e a lei da exogamia. Ou seja, o sujeito renuncia à satisfação com seus pais das 
pulsões sexuais e é obrigado a se deslocar para fora da estrutura familiar primária 
(exogamia). 
Não se trata absolutamente de uma parada no desenvolvimento sexual, já que é 
evidente para qualquer observador que as crianças têm manifestações sexuais nesse 
período. 
Alguns autores, entre os quais nos encontramos, preferem falar de período de 
latência e não de estágio, porque nesta época carecemos de elementos para descrever 
uma nova organização. 
Metapsicologicamente, o que acontece é que, logo após a violenta eclosão das 
pulsões sexuais durante o período edipiano, estas tiveram que se deslocar para objetos 
não reais-concretos. Eis aqui o porquê de ser este período de latência o período da 
escolaridade, do aprendizado de operações matemáticas e gramaticais e, 
simultaneamente, o de um intenso contato múltiplo 
 
105 
 
com objetos reais-concretos que funcionam como substitutivos dos objetos primários 
mãe, pai, irmãos, etc. Daí que este seja um período de socialização, com mestres, 
amigos, etc. Produziu-se não apenas um deslocamento mas também uma mudança de 
fins nas pulsões sexuais, dando lugar a sublimações parciais e a formações reativas. 
Insistimos: a energia de origem é a energia sexual, mas ela se encontra agora deslocada 
e transformada em novos interesses. 
 
1. DESENVOLVIMENTO PSICOSSEXUAL DO PERIODO DE LATÊNCIA 
Recapitulando, este período se instala pela impossibilidade de tornar efetiva a 
satisfação das pulsões sexuais. 
Tal como vimos anteriormente (ver p. 75 e segs.), esta impossibilidade é 
decorrente de uma proibição que possui dupla face: há proibições externas e há 
proibições internas, que são inerentes à imaturidade do sujeito. Realmente, a pulsão 
sexual emerge, fazendo com que o sujeito deseje quando ainda não tem capacidade 
orgânica suficiente ou adequada para tanto. Mas são as proibições externas as que mais 
irão contribuir para o amortecimento dos desejos sexuais dessa idade e a subseqüente 
acalmia que caracteriza o período. 
O sujeito que entra no período de latência fá-lo com um Superego já totalmente 
constituído, hierarquicamente responsável pelo deslocamento e modificação das 
finalidades das pulsões. 
Esta transformação pulsional vai garantir duas coisas: por um lado a satisfação 
das pulsões através da sublimação e, por outro, a manutenção da proibição edipiana. Daí 
que esta transformação consistirá em investir em outros objetos diferentes daqueles cujo 
acesso lhes é vedado, mas que se constituem em seus representantes. Isto quer dizer que 
o que se observa no período de latência é uma dessexualização dos relacionamentos de 
objeto, trocados por uma predominância do sentimento de ternura, que vai substituir os 
sentimentos eróticos. 
 
106 
 
Metapsicologicamente, as tendências libidinais encontram- se inibidas no que 
diz respeito à sua finalidade, existindo porém uma redistribuição econômica da energia 
pulsional. Dever-se-á então considerar este período como um período de repouso 
aparente e de grandes transformações. As tendências edípicas continuam presentes mas 
encontram-se deslocadas, mudadas, transformadas — porém jamais desaparecidas. 
 
2. O RELACIONAMENTO DE OBJETO 
Os vínculos objetais estabelecidos durante este período são liderados pela 
sublimação das pulsões edípicas e por este motivo vemos o aparecimento de 
manifestações sublimes e de certa forma idealizadas, de afeto: devoção, ternura, 
respeito, etc. 
A curiosidade das crianças desta idade não será apenas exclusivamente sexual, 
como no período edípico, mas orientada para diversos fins, tendendo a incorporar 
conhecimentos que se encontram a serviço da utilidade social. 
Esta será também a idade do ludismo. Este ludismo tem forte sentido social, 
revelando o tipo de jogo, a estrutura do mesmo e as diversas temáticas existentes em seu 
interior — a mudança de objeto efetuada pelo aparelho psíquico. 
As crianças, nos primeiros tempos deste período, guardam ainda “restos” do 
período edípico, procurando se aproximar dos objetos amorosos primários. Mas à 
medida que crescem, emerge uma certa ambivalência entreobediência e oposição, a 
qual, devido à existência do Superego, é seguida pelo remorso. Nas fases iniciais do 
período de latência, as reações de hostilidade tendem a se apagar sem serem totalmente 
eliminadas. A aproximação com crianças, particularmente do mesmo sexo, é 
relativamente fácil e a crescente idealização dos vínculos, tanto de pares quanto de 
adultos, torna facilmente influenciável a criança nesta fase. 
 
107 
 
A PUBERDADE 
É muito difícil definir-se a puberdade, O termo que lhe corresponde não se deixa 
reduzir nem ao sentido de “período” nem ao de “estágio”. Aceita-se, por convenção, que 
se trata de uma crise, cujo início é mais preciso ou delimitado que seu término, 
Essa crise começa sendo uma “crise da natureza”, já que o aluvião pulsional que em 
curto lapso de tempo inunda o aparelho psíquico surpreende-o adaptado às exigências 
instintuais do período anterior, ou seja, a relativa diminuição de interesse pelas questões 
sexuais. Essa luta desigual, inicialmente a favor das pulsões, produz um marcado 
desequilíbrio, responsável por toda uma série de sintomas conhecidos pelo nome de 
Crise Normal da Adolescência. 
 
1. DESENVOLVIMENTO PSICOSSEXIJAL DA PUBERDADE 
Toda a singularidade deste período consistirá no afluir pulsional, que ressurge 
agora com redobrado vigor em conseqüência da eclosão endócrino-somática, a qual atua 
como substrato fisiológico da puberdade. 
 
A) A PUBESÊCNCIA 
É um período intermediário, curto, instalado entre a puberdade propriamente 
dita. Caracteriza-se pela ação dos investimentos pulsionais presentes. 
Embora as condições do aparelho psíquico que vai enfrentar a puberdade sejam 
completamente diferentes de cinco ou seis anos atrás, o desenvolvimento sexual guarda 
semelhanças com o do período genital-edípico devido justamente à inundação pulsional 
do aparelho. Ocorre precisamente uma revivescência de todas as situações edipianas que 
estavam em silêncio durante o período de latência. 
 
108 
 
Este reemergir das pulsões edipianas está contextuado numa verdadeira tormenta de 
identificação e de narcisismo. Apresentam-se comumente sentimentos de angústia e 
dúvida — em alguns casos, com características compulsivas — sobre o corpo (tamanho, 
aparência, estética), o sexo (autenticidade, capacidade), o “si-mesmo” 
(despersonalização, estranheza). Por tudo isto, esta idade é conhecida com o nome de 
“idade do tonto” ou “idade ingrata”. 
Juntamente com essas ansiedades, o sujeito pode apresentar fortes ansiedades 
paranóides, que às vezes se manifestam como verdadeiras hipocondrias circunstanciais. 
Todo esse cortejo de angústias, preocupações e dúvidas, acompanhado de diversos tipos 
de defesas, segue-se às primeiras poluções (aparecimento do sêmen nos garotos) e à 
menarca (primeira menstruação). 
Tanto o garoto quanto a garota demonstrarão uma atitude diferente em relação ao seu 
próprio esquema corporal. O garoto continuará atribuindo uma supervaloração narcísica 
a seu pênis, enquanto a menina investirá todo o seu corpo desse mesmo interesse 
narcísico. Efetivamente, a menina começará a se preocupar intensamente com a 
silhueta, a aparência do rosto, os cuidados e a limpeza no vestir, etc. 
As estruturas psíquicas, em seu circunstancial desequilíbrio, correm o risco de se 
desestruturar total ou parcialmente. Mas, simultaneamente, apresenta-se ao sujeito a 
possibilidade de rearticulá-las agora perante esta investida pulsional. Rearticulação que 
será praticamente a última constitutiva do sujeito. 
 
A ADOLESCÊNCIA 
 
 O amadurecimento físico produz, tanto em meninos quanto em meninas, 
profundas alterações críticas no aparelho psíquico e suas vinculações econômico-
dinâmicas. 
Em primeiro lugar, esse amadurecimento físico proporciona ao sujeito a possibilidade 
efetiva de concretizar sua sexualidade genital. 
Com efeito, a grande massa de energia pulsional, que foi justamente pré-genital durante 
todo o período infantil, devido 
 
109 
 
sobretudo à insuficiência dos aparelhos orgânicos genitais, tem agora, na adolescência, 
ocasião de se satisfazer. A libido, dinamicamente falando, tende a se concentrar e a se 
especificar predominantemente, no aparelho genital. Esse processo, determinado pela 
biologia, terá inevitáveis conseqüências nas áreas afetivas, cognitivas e pragmáticas do 
comportamento do adolescente. 
Assim como a latência impunha um “apagar” transitório de todas as áreas da 
sexualidade, durante a adolescência acontecerá o contrário. Este reemergir quase 
definitivo da sexualidade pré-genital e genital reconhecerá, nesta última, uma liderança, 
até então desconhecida, sobre todo o resto pré-genital. 
Esse processo deverá inevitavelmente se defrontar com o grupo social onde vive o 
adolescente, grupo este que tenderá a formar, canalizar e impor um conjunto normativo 
de regras, sob a forma de modelos de comportamento, costumes, leis, práticas e rituais 
diversos que, sem dúvida, moldarão a personalidade definitiva do futuro adulto. Mas 
essa modelagem é sumamente complexa, já que o jovem se vê obrigado a conciliar suas 
necessidades pulsionais com as normas sociais, tanto as que aprendeu na infância como 
as que encontra agora no contexto social em que atua. Não resta a menor dúvida de que 
este conflito se apresenta, por vezes, de forma tormentosa e não raro violenta. Daí a 
quase constante instabilidade do aparelho psíquico, em estruturação e desestruturação 
contínuas durante toda a adolescência. 
 
1. A MASTURBAÇÃO (ver p. 50) 
 E tão freqüente na adolescência que, embora não se reduza a essa época, é 
convencionalmente considerada como uma atividade sexual típica desse período 
evolutivo humano. 
 Tivemos oportunidade, ao longo de alguns capítulos anteriores, de mostrar as 
diversas atividades de tipo auto-erótico com que, inicialmente o neném, e depois o 
menino amadurecido, se satisfazem. A atividade masturbatória na adolescência pode 
aparentar ser uma atividade própria do período, sem qualquer antecedente na história do 
sujeito. Porém, este tipo de prática foi 
 
110 
 
precedido, tanto em meninos quanto em meninas, por análogas ou similares 
experiências infantis. Acontece que, durante a adolescência, todas as outras 
manifestações auto-eróticas pré-genitais (orais, anais, fálicas) vão sendo 
progressivamente associadas à genitalidade, adquirindo o ato masturbatório uma 
satisfação com fantasias cada vez mais genitais. Daí que a masturbação durante a 
adolescência seja considerada como uma espécie de passo intermediário, um ensaio 
sensório-motor anterior ou contemporâneo ao exercício da atividade genital adulta. 
Entretanto, como toda atividade do adolescente, a masturbação será continuamente 
redefinida pelo grupo social onde ele atua. Isto porque a masturbação será geralmente 
sentida pelo jovem como uma atividade necessária e imperiosa, mas muito reprovada, 
gerando assim fortes sentimentos de culpa. A maior parte das vezes serão estes 
sentimentos de culpa os responsáveis por alguns transtornos psicopatológicOS, mas 
nunca a masturbação em si mesma. 
A reação mais comum é que a atividade masturbatória seja usada como uma atividade 
defensiva perante a ansiedade do adolescente. Com efeito, o adolescente, em constante 
conflito entre suas tendências pulsionais e o mundo social, alterna períodos de intensa 
luta com outros de crises de solidão e fastio. Estes últimos, que às vezes se organizam 
como verdadeiros estados esquizo-depressivos levam-no a procurar no prazer auto-
erótico masturbatório uma quota de compensação gratificante que o ajude a suportar 
momentaneamente a dor e que lhe ofereça, sempre na fantasia, uma deleitável vingança 
diante do frustrante mundoadulto. 
Acrescente-se a tudo isso, particularmente em determinadas camadas sociais, a falta de 
informações precisas sobre as questões sexuais, substituídas por crenças sumamente 
deformadas, que contribuem ainda mais para a perturbação do mundo psíquico do 
adolescente. Será justamente através da masturbação e das fantasias que proporciona, 
que o adolescente conseguirá fugir do “insuportável e humilhante” mundo adulto, 
adquirindo através dela certa autonomia, auto-estima e reafirmação de si mesmo. 
Realçamos particularmente o componente fantástico-imaginativo que acompanha o 
processo masturbatório, componente imaginativo que ocorre de forma exaltada durante 
todo o período 
 
111 
 
evolutivo da adolescência. Com muita freqüência, a sensação de participação grupal, em 
diálogos com companheiros da mesma idade, contribui preponderantemente para que o 
ato masturbatório se instrumente, nesses casos, como um articulador a mais do 
engajamento social do adolescente. 
A masturbação tende a ser, em ambos os sexos, culpabilizada e angustiante por: 
 
A) FATORES EXTERNOS DE PRESSÃO 
 Muito freqüente a associação estabelecida entre situações traumáticas diversas e 
a prática masturbatória. Pais e educadores, durante muito tempo, empreenderam 
verdadeira luta contra a masturbação, aludindo conseqüências nocivas à sua prática: 
impotência, tuberculose, loucura, esterilidade, etc. Hoje sabemos que a veiculação deste 
tipo de fantasia, num contexto de ameaça, leva a um resultado totalmente oposto ao que 
aparentemente se procura. 
 
B) FATORES INTERNOS DE PRESSÃO 
 Talvez sejam os mais importantes, porque tais fatores, não resolvidos no 
aparelho psíquico dos adultos, são os que motivam o exercício intimjdatório das 
fantasias mencionadas. Os fatores internos referem-se, sem dúvida, a toda a conflitiva 
edípica não resolvida, em que predominam as fantasias de castração. O adolescente, por 
sua vez, por esta motivação profunda, é levado a se masturbar para comprovar a 
integridade dos órgãos genitais. 
 A esta altura do desenvolvimento psíquico, o Superego está completamente 
constituído e é o agente proibidor de todas as gratificações genitais em relação aos pais. 
Daí que na atividade masturbatória, que na adolescência se faz com fantasias 
predominantemente edípicas, o Superego adquira relevante papel, vigiando e proibindo 
tais fantasias. Será lógico então que o instrumento que permite tais expressões 
imaginativas seja também punido (pelo Superego). 
Esta é a origem do sentimento de culpa, derivado da transgressão de uma regra ou 
proibição imposta pelo Superego. Como 
 
112 
 
a necessidade pulsional é constantemente renovada, o sujeito entra num círculo vicioso 
de se proporcionar o prazer auto-erótico não apenas em busca da gratificação pulsional 
mas também para gratificar a necessidade de punição que é, por outro lado, a única 
maneira que ele’ encontra de redimir a culpa. 
Finalmente, queremos deixar bem claro que não existem dúvidas sobre os achados de 
masturbação em neuróticos e psicóticos, tal como qualquer clínico constata 
cotidianamente. Mas atribuir a um elemento que faz parte de uma totalidade complexa, 
nosográfica e situacional, a responsabilidade da patologia, é confundir efeitos com 
causas. Dito de outra forma: são as conseqüências de ordem psicológica da culpa e 
ansiedade os motores psicopatológicos, e não os efeitos da masturbação em si mesma. 
 
2. O RELACIONAMENTO DE OBJETO E 
A ESCOLHA OBJETAL NA ADOLESCÊNCIA 
 Será necessário considerar que o aparelho psíquico que enfrentará o 
recrudescimento pulsional próprio desta fase da vida encontra-se mais adaptado às 
exigências do período anterior: a latência. 
 Durante todo o período de latência, a libido deslocou-se fundamentalmente dos 
objetos primários, mãe e pai, trocando as metas e convertendo as finalidades genitais em 
produtos altamente sublimados como pensamentos, fantasias, objetos formais- abstratos, 
dramatizações veiculadas através de jogos sociais, etc. 
 No começo da puberdade há um reinvestimento da libido nos objetos de amor da 
sua primeira infância, só que o aparelho psíquico não é o mesmo de cinco ou seis anos 
atrás. 
 Agora, toda a luta do aparelho psíquico será entre uma tendência à escolha 
objetal primária carregada de libido genital com possibilidades fisiológicos reais de 
efetivação, e uma outra tendência antitética cujo sentido é o de fazer desaparecer, 
deslocar e transformar esta escolha parental numa escolha que esteja em conformidade 
com as normas de exogamia impostas no período edípico. 
 Em termos objetais, o dilema se apresenta entre um retorno a escolhas primárias 
narcísicas com características pré-genitais 
 
113 
 
e tendentes a serem duais, e outra mais amadurecida que tende a “triangular” os 
vínculos e a genitalizá-los. 
 De modo geral, podemos dizer que existe uma multiplicidade de defesas que se 
põem em movimento nesta luta. O jovem passa por verdadeiros períodos esquizóides de 
introversão, que são geralmente circunstanciais mas que, em alguns casos, podem 
desembocar no autismo esquizofrênico. 
 Outra característica distinta neste período do desenvolvimento é a revolta juvenil 
contra a autoridade, e em primeiro lugar a dos pais. 
 Não há dúvida de que a criança também se revolta, com freqüência, e às vezes 
com muita intensidade. Mas a criança não sabe se está ou não em discordância com a 
ordem imperante e, portanto, não questiona o princípio geral da obediência. 
 O adolescente, ao contrário, não aceita obedecer e questiona ativamente a 
autoridade, fundamentação da ordem estabelecida. Este repúdio é correlato à 
autolegitimação de si mesmo como autoridade e, portanto, somente ele é quem pode 
decidir o que é bom e o que é mau. Só ele tem o direito de determinar o que é liberdade 
ou falta da mesma. (Porot e Seux: Les Adolescents Parmi Nous, Ed. Flammarjon, Paris, 
1964, p. 55.) 
 A revolta não se localiza apenas no âmbito familiar, já que é uma revolta de 
princípios, sem especificação topológica, situacional. Tanto é assim que tudo aquilo que 
se apresente como uma “conserva” cultural fixa e imutável é questionado e agredido: 
escola, sociedade, religião, etc. 
Mas um dos elementos mais notáveis, e que mais chama a atenção no relacionamento de 
objeto dos adolescentes, é que o comportamento acima descrito coexiste com uma forte 
nostalgia da infância. A revolta juvenil possui, entre outras características, a qualidade 
de ser uma negativa a toda dependência, porém é justamente a segurança e o conforto 
proporcionados pela infância que são sentidos como falta. 
Essa falta aparece em diversos níveis do desenvolvimento, levando o sujeito a elaborar 
verdadeiros lutos: em primeiro lugar, luto pela infância que vai embora; em segundo 
lugar, luto pelos pais que já não proporcionarão mais a segurança e o aconchego, pelo 
menos da maneira como o faziam; e, ainda, luto pelo corpo que, modificando-se dia a 
dia, deixa para trás formas 
 
114 
 
que não serão jamais recuperadas. (Knobel, M.: “El Sindrome de la Adolescencia 
Normal”. In: Adolescencia Normal. Paidós, 5. ed., 1977.) 
 No meio dessa tormenta emocional, o adolescente amiúde deixa de distinguir 
aquilo que se conhece como espírito crítico e espírito de crítica. Qualquer pai de 
adolescente sabe que esta confusão é instrumentada com a finalidade de irritar um 
adulto cuja autoridade ele contesta. Essa necessidade de contestação é quase uma 
formação reativa perante a desvalorização e inferioridade em que se encontra o 
adolescente. 
 A contestação pode atingir níveis-limite e até patológicos, como verdadeiras 
fugas para se subtrair às imposições que são sentidas comointoleráveis. Essas fugas 
podem ser motoras e/ou perceptuais, sendo estas últimas ativadas, por exemplo, pelo 
consumo de drogas. Em algumas ocasiões, esse afastamento é muito mais complexo, 
manifestando uma carência de interesse por certos valores sociais admitidos por 
consenso, como trabalho e estudo, podendo desembocar em qualquer tipo de 
delinqüência. (Kusnetzoff, Juan C. Psicanálise e Psicoterapia Breve na Adolescência. 
Zahar Ed., Rio, 1980.) A reivindicação ativa e por vezes violenta, com escassíssima 
discriminação e carregada afetivamente, pode encontrar vazão tanto nos contextos 
políticos quanto nas companhias sexuais, ou ainda com o patrão, num nível trabalhista. 
 Qualquer que seja o caso, o resultado final da conflitiva adolescente será a 
escolha de objetos diferentes dos de sua infância. Freqüentemente, os afetos são 
intensos mas passageiros por pessoas da mesma idade. Assim, o relacionamento pode 
ser visto como amizades profundas ou amores violentamente apaixonados. Outro tipo 
de adolescente apresenta esse mesmo gênero de afeto, mas por pessoas mais velhas, às 
vezes bem mais velhas, representando substitutos paternos, na maioria das vezes usados 
como intermediários no processo de amadurecimento. 
 Muito raramente são definitivos estes objetos dos adolescentes. São na realidade 
fixações identificatórias, obviamente do passado, mas que servem como modelo 
narcísico de aproximação e transformação do mundo exterior. 
Essa tendência geral à reprodução narcísica do passado sobre objetos do presente 
articula a passagem de uma psicologia predominantemente 
 
115 
 
individual para uma psicologia social. Explica, também, uma característica geral do 
adolescente de se “agrupar”, reunir-se com outros. 
 Ë uma necessidade de apreensão do mundo numa dimensão diferente do marco 
familiar ou escolar, O grupo oferece ao adolescente uma possibilidade de identificação 
múltipla, assim como uma descentralização do interesse voltado para si próprio. Outro 
efeito importante da participação grupal é constatar e testar a infinita gama de 
possibilidades de observar e de agir. Ligado a isto, o grupo oferece ao adolescente um 
lugar no qual ele terá que se adaptar a uma determinada disciplina dentro de um 
consenso de aceitação mútua. 
 Algumas vezes, os grupos são homossexuados, com a ostensiva finalidade de 
fugir ao “perigoso” contato com o sexo oposto. Dentro desse contexto, a primeira 
escolha do adolescente como relacionamento amoroso ou de amizade é, freqüentemente, 
homossexual, sendo comuníssimas as experiências homossexuais ocasionais entre os 
adolescentes. Será necessário compreender que, tanto dinâmica quanto 
fenomenicamente, a homossexualidade adolescente não é necessariamente patológica, já 
que representa, como vimos, uma fixação identificatórias infantil expressa por uma 
conduta. Na imensa maioria dos casos, esta conduta é temporária, representando um 
esforço adaptativo do aparelho psíquico, enquadrando-se na situação geral da timidez 
em relação ao sexo oposto, característica desta idade. 
116 
 
CAPITULO V 
Noções de metapsicologia freudiana 
 
 Entende-se por metapsicologia o estudo dos aspectos teóricos psicanalíticos. — 
no dizer de Laplanche e Pontalis — uma dimensão onde se elaboram diversos modelos 
conceituais que explicarão os dados empíricos transmitidos pela experiência. 
 Pode parecer um tanto estranho que devamos fornecer elementos de 
metapsicologia para quem estuda o fenômeno psicopatológico psicanalítico; porém hoje 
se sabe que o próprio Freud não se mostrou muito interessado nos estudos clínicos em si 
mesmos, mas sim na construção de uma teoria global do psiquismo. 
 Mas estudar metapsicologia é importante porque nela são estabelecidos os 
alicerces necessários que permitirão compreender-se determinados quadros da 
nosografia psicopatológica psicanalítica. Ao mesmo tempo, os modelos 
metapsicológicos permitem ampliar o horizonte muito restrito pela psicopatologia 
clássica, entre o que é “são” e o que é “doente”. 
 Os modelos da metapsicologia freudiana são fundamentalmente três: 
— dinâmico, onde se fala de pulsões, instintos, forças, moção impulsora, etc.; 
— tópico, que é o ponto de vista que supõe o aparelho psíquico dividido em sistemas 
com características e funções diferentes e então, classicamente, fala-se de Consciente, 
Pré-Consciente e Inconsciente, ou de Ego, Superego e Id; 
— e finalmente, o modelo econômico, que é o ponto de vista que observa o aparelho 
psíquico como uma circulação, distribuição e administração de uma energia 
quantificável; falamos então de catéxias, ou cargas, que aumentam, diminuem, 
sobrecarregam, etc. 
 
117 
 
O QUE Ë UM “MODELO”? 
 Sem querer obviamente esgotar, nesta pequena introdução, estudo tão 
complicado para a ciência moderna, não podemos deixar de dar algumas explicações 
sobre o uso que tem esta palavra em psicopatologia e que iremos instrumentar em seu 
estudo. E já estamos oferecendo uma pequena distinção com outros ramos do saber, já 
que em todos os setores da ciência é habitual o uso e o estudo de modelos. 
 Essencialmente, um modelo é uma simplificação. Ë um estudo simplificado dos 
caracteres genéricos de uma realidade qualquer. Esta simplificação é sempre 
instrumental. É uma ferramenta que o cientista utiliza para ordenar suas descobertas e 
poder formalizar a correspondência e a articulação existente entre o real-empírico e o 
que se pensa sobre ele. 
 Em certo sentido, falar de modelo é como falar de uma metáfora. Assim, por 
exemplo, um sentido que exprimiria mais literalmente o termo modelo diria que é uma 
maquete, ou um protótipo reduzido. 
 Como quem diz: observei e tive uma idéia da casa, porque me ofereceram um 
modelo em escala, feito em madeira e cartolina. 
 Outro sentido muito comum da palavra modelo é o que designa um tipo especial 
de desenho (modelo de vestido) ou, ainda, alguma coisa ou alguém a imitar, que serve 
como exemplo (determinada pessoa como modelo de honestidade). 
Explicitamos estes últimos sentidos de modelo porque a metapsicologia tem algo a ver 
com eles, embora não se reduza exatamente a eles. 
 O sentido de modelo que melhor se adapta aos esquemas freudianos 
metapsicológicos é o de analogia. Entendemos como tal qualquer tipo de construção 
destinada a reproduzir, o mais fielmente possível, a trama de relações, a estrutura 
proveniente do original, porém de forma comparativa, através do estabelecimento de 
relações de igualdade ou correspondência entre o que estamos querendo dar a conhecer 
e outras estruturas já conhecidas, tomadas como parâmetro. 
 
118 
 
 Aos modelos analógicos não interessa a imitação ponto por ponto, respeitando, 
em sua reprodução, a proporção da medida. Pelo contrário, o que interessa ao modelo 
analógico é uma finalidade muito mais abstrata: a reprodução de um sistema interligado 
de funções, ou seja, de uma estrutura. 
 O modelo analógico compartilha com seu original a mesma configuração de 
relações, desinteressando-Se da proporcionalidade (se grande, se pequeno, se fino, se 
grosso, etc.). Os matemáticos modernos, particularmente Carnap, chamam de 
“isomórfico” ao modelo analógico (Carnap, R.: Introduction to Symbolíc Logic and its 
Applications, New York, 1958, p. 75). 
 O leitor deverá observar que, ao conceber tão abstratamente um modelo, este 
adquire possibilidades infinitas, o que torna seu estudo fascinante. A abstração também 
lhe concede grande poder explicativo, como ocorre com os modelos metapsicológicos 
freudianos. Mas será também necessário ressalvar que o modelo, por mais aperfeiçoado 
que seja, é uma hipótese (literalmente, uma sub-positio, uma suposição) e, portanto, 
proporciona uma plausibilidadeem relação aos fatos, nunca suas demonstrações. 
 Os cientistas sempre trabalharam com modelos, com um conjunto de conceitos 
esquemáticos, e Freud não escapou disto. 
 O modelo não pertence aos domínios da experiência ordinária (nunca ninguém 
viu ou tocou um modelo!) e pode ser tão simples ou tão complicado quanto o 
desejemos, contanto que saibamos usá-lo. 
 Em ciência, a riqueza de um modelo, tal como aconteceu com os que Freud 
esboçou desde 1913, época da sua criação metapsicológica, consiste na quantidade de 
sugestões e especulações novas para operar de forma eficaz no campo empírico. Veja-se 
como Freud, com um modelo simples com reminiscências ópticas do Consciente, Pré-
Consciente e Inconsciente, operava, interpretava e tratava seus doentes, já em 1900. 
Quando esses modelos se tornaram pouco eficazes, porque mudou o campo do real-
empírico, não existiu então para ele a correspondência suficiente entre seus pacientes e 
as hipóteses com as quais ele pensava sobre eles. Assim, para os quadros psicóticos e 
narcísicos, Freud foi reformulando sua modelística inicial até desembocar na segunda 
teoria dos instintos, no Segundo Tópico, etc. 
 
119 
 
 O PONTO DE VISTA TÓPICO OU TOPOGRÁFICO 
 
 Este ponto de vista ou modelo metapsicológico supõe o aparelho psíquico como 
uma organização dividida em sistemas ou instâncias. Literalmente, tópico vem do grego 
topos, que significa lugar, portanto o modelo tópico é um modelo dos lugares. 
 Esses lugares, ou sistemas, estão dispostos numa determinada ordem, formando 
um conjunto que funciona como tal. Este último conceito é importante porque, embora 
estudemos separadamente cada um desses sistemas, isto se dá por exigências descritivo-
pedagógicas, mas a realidade nunca se comporta da mesma forma. Por isso, ressalvamos 
que o termo tópico faz cair a acentuação sobre uma certa disposição espacial das 
instâncias, podendo dar uma significação errônea de seu funcionamento. Provavelmente 
por essa razão Freud usou a palavra “aparelho”, que sublinha a funcionalidade 
interligada das instâncias entre si, como também a capacidade de produzir um trabalho. 
 A noção de aparelho psíquico como um conjunto articula- dor de lugares virtuais 
aparece desde A Interpretação dos Sonhos, em 1900, onde, em seu famoso Capítulo VII, 
Freud desenha o aparelho como um aparelho óptico, capaz de condensar, distribuir, 
focalizar ou dispersar o feixe luminoso. Temos aqui o modelo óptico mostrando, por 
analogia, uma das funções principais do aparelho psíquico: as transformações da energia 
(dos instintos). 
 Como se pode observar, é muito difícil separar o Modelo Tópico do Modelo 
Dinâmico, porque neste último a origem, o processamento, a distribuição e o destino 
final da energia estão articulados às distintas funções que correspondem a cada lugar, a 
cada instância do Modelo Tópico. 
 
1. O PRIMEIRO TÓPICO 
 O contexto epistemológico em que Freud trabalhou, particular- mente na 
segunda metade do século XIX, era um contexto impregnado de trabalhos 
neurofisiológicos relativos às localizações cerebrais de funções. 
 
120 
 
 Freud foi um brilhante expoente dos laboratórios experimentais da época e, além 
de dúzias de trabalhos sobre neurofisiologia, escreveu em 1891 um livro sobre as 
afasias. O tema, de grande importância, critica as teorias que hierarquizavam a 
localização anatômica-concreta, de renomados cientistas da época. A semente da 
construção de um aparelho teórico, ou seja, descritivo de lugares não detectáveis 
histologicamente, já se encontra aí. Sua associação com Breuer desemboca numa 
espécie de axioma: “o espelho de um telescópio não pode ser, simultaneamente, uma 
chapa fotográfica”. Isto significa uma antecipação da formulação teórica de 1900, onde 
a função perceptiva e a função mnésica requerirão dois sistemas diferentes. 
 Será interessante observar que, dentro de todo esse contexto, Freud escolhe o 
sonho como cena para sua primeira modelização. Ou seja, uma produção mental que 
aparece tanto em pessoas normais como em doentes, e que é independente do controle 
consciente. 
 O leitor concluirá facilmente que por todas estas razões Freud viu-se obrigado a 
conceber um aparelho psíquico que explicasse o fenômeno da inconsciência e que, ao 
mesmo tempo, tivesse funções de recepção, processamento e arquivo dos estímulos. 
 O aparelho psíquico do primeiro tópico compõe-se de três sistemas: o 
Inconsciente (abrev. Ics), o Pré-Consciente (PCs) e o Consciente (Cs). Este último 
sistema é às vezes denominado Sistema Percepção-Consciência (abrev. Cc-Cs) [fig. 11]. 
 
121 
 
A) O SISTEMA PERCEPÇÃO.CON5Cf OU CONSCIÊNCIA 
 
 Do ponto de vista tópico, este subsistema está localizado na periferia do aparelho 
psíquico. Embora Freud manifestasse a intenção de evitar localizações precisas, não há 
dúvidas de que existem “infiltrações”, como as que estamos vendo, que denunciam a 
origem anatomofisiológica do modelo. 
 Fiel ao postulado axiomático de que um espelho de um telescópio não pode ser 
simultaneamente uma chapa fotográfica, Freud outorga a este sistema Consciente a 
função de recepcionar as informações provenientes do exterior e do interior, mas sem 
conservar nenhum traço, nenhuma marca duradoura dessas informações. A Consciência 
será um fato fugaz, e nunca um arquivo. Estas informações excitarão, no sistema 
Consciente, uma espécie de registro qualitativo sensível ao prazer e ao desprazer. 
 O sistema Consciente funciona em conjunção com o sistema Inconsciente, mas 
se opõe a ele, desde que o sistema Inconsciente é o lugar de registro e de conservação 
das excitações. 
 O sistema Consciente cuida dos processos do pensamento, do juízo, assim como 
da parte consciente da evocação. 
 
E) O PRÉ-CONSCIENTE 
 Designa um sistema, dentro do aparelho psíquico, claramente diverso do sistema 
Inconsciente, mas que, de modo funcional, está articulado ao sistema Consciente. 
 Do ponto de vista tópico, o Pré-Consciente está separado do Inconsciente pela 
Censura, a responsável pela interdição, à maneira de crivo, sofrida pelos conteúdos e 
processos inconscientes em sua intenção de entrar no campo da consciência. 
 Mas será importante destacar que sua localização, próxima do campo 
Consciente, faz do Pré-Consciente um pequeno arquivo, sem que por isto se assemelhe 
ao Inconsciente. A característica do sistema Pré-Consciente é que seus conteúdos 
podem ser recuperados por um ato da vontade, o que não ocorre com os do Inconsciente 
Por essa razão, do ponto de vista descritivo, um conteúdo mental qualquer pode ser 
consciente ou inconsciente. Mas bastará um ato da vontade para fazê-lo entrar ou não na 
 
122 
 
Consciência. Se isto foi possível é porque o conteúdo estava no Pré-Consciente (diz-se 
então que o conteúdo estava reprimido); se não foi possível, a sua localização era no 
Inconsciente (diz-se então, que o conteúdo estava recalcado). 
Insistimos: o que caracteriza o Pré-Consciente é a capacidade voluntária de se chegar a 
ele. Como é expresso por Laplanche e Pontalis, o Pré-Consciente de modo geral designa 
o implícito na atividade mental, embora não seja objeto de consciência. 
Sob o ponto de vista do conteúdo, o Pré-Consciente contém “representações de 
palavra”, uma marca mnésica da palavra ouvida. Insistimos: é uma representação, não 
uma palavra. Ou seja, é um elemento sensível que deixou marcas de sua passagem pelo 
aparelho psíquico. 
 A “representação de palavra” é uma marca acústica, que se opõe à chamada 
“representação de coisa”, que se encontra no Inconsciente e é predominantemente 
visual. A “representação de coisa” nunca pode ser consciente se não estiver associada a 
alguma representação verbal, encontrada noPré-Consciente. 
 
C) O INCONSCIENTE 
 Já dissemos que o ato da consciência é temporalmente circunstancial, 
momentâneo. Isso significa que há elementos que nesse momento se encontram fora da 
Consciência. Deduz-se daí que aquilo que está fora da Consciência, 
fenomenologicamente, é chamado Inconsciente. Dissemos também que esses 
determinados conteúdos inconscientes, sob o ponto de vista tópico, poderão ser pré-
conscientes ou se localizarem no inconsciente propriamente dito, conforme possam ou 
não ser recuperados por um ato da vontade. 
 Ocupar-nos-emos aqui do Inconsciente no sentido tópico. 
 Trata-se da parte mais arcaica do aparelho psíquico, estudando-se nela as 
representações chamadas “representações de coisa”. Devemos também lembrar que 
“representação ideativa”, “traço mnêmico” e “representações de coisa” são sinônimos. 
 O Inconsciente contém “representações de coisa”, que são fragmentos de 
reproduções de antigas percepções. Essas representações estão dispostas como uma 
sucessão de inscrições, que são 
 
123 
 
como uma espécie de arquivo sensorial. O leitor deverá fazer um esforço imaginativo 
para conceber esta espécie de registro sensorial como um conjunto de elementos 
despidos de palavras. São as coisas, reduzidas a seus traços constitutivos essenciais, tal 
como se inscreveram, numa época em que não existiam palavras para designá-las: de 
zero a dez ou doze meses, aproximadamente. Embora essas representações se refiram a 
todos os sentidos, auditivo, gustativo, olfativo, tátil e visual, é este último quem exerce 
uma clara predominância hegemônica sobre o resto. Daí que o conjunto de 
representações inconscientes forma verdadeiros fantasmas, carregados de energia 
proporcionada pelas pulsões. 
 Assinalamos mais acima que o Inconsciente é o subsistema mais arcaico do 
aparelho psíquico. Mas devemos ressalvar que é arcaico num sentido duplo: 
ontogenética e filogeneticamente. 
 De fato, Freud nunca deixou de admitir, particularmente depois de 1923, a 
existência de uma parte do Inconsciente como herança genética, a que chama de 
“Núcleo do Inconsciente”. Esta experiência filogenética se articularia a um outro 
conceito de Freud, que são as “protofantasias”, ou “fantasias primitivas ou originárias”. 
Freud denomina “protofantasias” a estruturas fantasmáticas transmitidas 
filogeneticamente, e que têm consistência e organização não correspondentes à 
experiência real infantil vivida pelo sujeito. (Ver p. 178.) 
 Devemos reconhecer que esse conceito de “Núcleo do Inconsciente” é um 
conceito polêmico, controvertido, que deu e dá margem a acaloradas discussões, 
particularmente epistemológicas. Transcrevemos, porém, literalmente, a frase final da 
autorizada opinião de Laplanche e Pontalis: “No nosso modo de ver, as reservas 
suscitadas pela teoria de uma transmissão genética hereditária não devem nos fazer 
considerar igualmente caduca a idéia de que existem, na vida fantasiosa, estruturas 
irredutíveis às contingências do vivido individual”. 
 Além das “representações de coisa”, o Inconsciente é constituído por energia 
proveniente das pulsões. Funcionalmente, representação de coisa e energia pulsional 
operam em conjunto. 
 As representações, juntamente com sua energia correspondente, caracterizam-se 
pelo fácil deslocamento e descarga. Isto é o que se conhece com o nome de “Processo 
Primário”, caracterizado 
 
124 
 
por dois tipos de mecanismos que afetam as representações: deslocamento e 
condensação. 
 Este último é o somatório das várias cadeias de representações; é um produto do 
deslocamento. Para facilitar a compreensão, diríamos que a condensação é o sintoma, 
enquanto o deslocamento é o mecanismo que conduz a ele. A condensação não deverá 
ser confundida com um resumo; é um produto da interseção circunstancial de 
deslocamentos em vários níveis do Inconsciente. Assim como a energia circula 
praticamente livre no Inconsciente, assim permanentemente ocorrem deslocamentos que 
produzem condensações, as quais, por sua vez, originam novos deslocamentos, e assim 
sucessivamente. (Ver p. 165.) 
 
D) CENSURA 
 
 Com o termo Censura denominamos uma importante região fronteiriça que une e 
separa o Pré-Consciente/Consciente do Inconsciente. Esta ação fronteiriça é permanente 
e sua origem confunde-se com a da repressão (recalque). 
 A título prático, podemos dizer que Censura e Repressão (recalque) são 
sinônimos.* 
 Deveremos também assinalar que esta Censura é chamada “Censura Verdadeira” 
ou “propriamente dita”, já que existe outra Censura, muito mais fraca, entre o Pré-
Consciente e o Consciente. 
 A Censura Verdadeira, ou Censura do Recalque (ver p. 165 e segs. e p. 188), é 
uma força intensa, rígida, responsável pelos impedimentos à passagem dos conteúdos 
inconscientes à Consciência. Nesse impedimento a Censura opera transformando as 
representações, por meio dos dois mecanismos anteriormente descritos: 
deslocamento e condensação. Mas a Censura tem no Primeiro Tópico um caráter ainda 
passivo, de barreira inerte que apenas separa com rigidez os conteúdos inconscientes do 
sistema Cs-PCs. Esta Censura, descrita originalmente em 1900, na “Interpretação dos 
Sonhos”, é um adiantamento do que Freud depois 
 
* Na moderna terminologia, o termo Censura é aplicado de forma mais restrita: apenas 
para caracterizar a ação do recalque na elaboração dos sonhos. 
 
125 
 
 
descreveu como Superego. Realmente, em 1923, ele incluiu entre as funções do 
Superego, a da Censura, mas conferindo_lhe agora um sentido de coisa vigilante e 
dinâmica, com caracteres de psíquica diferenciada. 
 
2. O SEGUNDO TÓPICO 
 A partir de 1920, especificamente após seu polêmico artigo “Além do Princípio 
do Prazer”, Freud elabora sua segunda 
definitiva grande concepção do aparelho psíquico, chamada Segundo Tópico [fig. 12]. 
(St. Br., vol. XXII, p. 100) 
 Seria muito simples dizer-se que o nascimento desse Segundo e importante 
modelo ocorreu em 1920, mas ele vinha sendo elaborado, por exigências teóricas e 
fundamentalmente práticas, há pelo menos dez anos. Com efeito, aponta-se sempre 
como razão principal de tal mudança a crescente e destacada importância do subsistema 
defensivo que Freud vai encontrando na clínica. 
 Como a maior parte das defesas eram inconscientes, e sendo o Ego a residência 
natural dessas defesas, os limites da poderosa 
126 
 
instância egóica deviam ser alongados, obrigando-o então a remodelar o Primeiro 
Tópico, já que neste aquilo que Freud chamava de Ego era o Pré-Consciente/Consciente 
[fig. 13]. No Segundo Tópico, então, o Ego passa a ter partes também jnconscientes, o 
que muda totalmente o caráter mais estático e passivo da Censura do Primeiro Tópico, 
evidenciando-a agora como algo dinâmico, ativo, e que não necessita obrigatoriamente 
de um sítio fixo de focalização. Contrastando, até, com aquelas características do 
Primeiro Tópico, esta Censura assim “diferenciada” vai justamente se destacar como 
uma instância psíquica bem caracterizada, que passa a receber o nome de Superego. 
Mas, ligadas a esta importante razão encontram-se as Identificações, verdadeiros 
“tijolos” carregados de catéxia, decisivos na formação da personalidade. 
 Como vimos noutro capítulo, a importância do papel desempenhado pelas 
identificações foi-se tornando cada vez maior, devido à maior experiência clínica de 
Freud e à complexidade nosográfica dos pacientes que a ele se apresentaram no período 
que vai de 1905 a 1918. Além disso, temos que considerar também, nesse período, uma 
formulação decisiva para toda esta reestruturação teórica: o conceito de Narcisismo. 
Esse conceito se apóia no problema das Identificações e conduz à reelaboração domodelo dinâmico e econômico. (Ver p. 93.) 
 Devemos fazer uma importantíssima ressalva: o Segundo Tópico não elimina o 
Primeiro. Haverá uma integração num nível mais desenvolvido, já que as instâncias 
Consciente, Pré-Consciente e Inconsciente passam a fazer parte do novo sistema, mas 
sob a forma de atributos ou qualidades. Assim, por exemplo, 
o Ego é Consciente, Pré-Consciente e Inconsciente; o Superego é uma ínfima parte Pré-
Consciente, e o resto “afunda suas raízes” no Inconsciente; e o Id é totalmente 
Inconsciente. 
 O novo Tópico inaugura uma nova linguagem prática. No Primeiro Tópico, a 
linguagem é predominantemente fisicalista: catéxias, representações, forças, recalques, 
etc. No Segundo Tópico, o modelo é antropomórfico, e parece então que as instâncias 
“falam”. O Superego, por exemplo, será “sádico”, uma parte do Ego “luta” contra outra 
parte, e assim por diante. Desta forma, 
 
127 
 
existe uma aproximação analógica entre a teoria do aparelho psíquiCO e a vida 
fantasmática que “habita” dentro do sujeito. 
 
A) O ID 
 Começamos por esta instância porque é a única, dentro do Segundo Tópico, que 
tem seu exato equivalente no Primeiro Tópico. Com efeito, o Inconsciente como 
instância no Primeiro Tópico coincide quase totalmente com o Id, embora uma parte do 
Inconsciente constitua agora a parte inconsciente do Ego. 
 Classicamente, o Id é o pólo psicobiológico da personalidade, constituído 
fundamentalmente por pulsões. Os conteúdos fantasmáticos do Id são, em sua maior 
parte, hereditários e o restante adquirido. 
 Do ponto de vista econômico e dinâmico, o Id é reservatório e fonte da energia 
psíquica, sendo que as outras duas instâncias são originárias dele. Freud assinala que 
essa é a parte mais escura e impenetrável de nossa personalidade. Numa formulação 
definitiva, o Id é ocupado pelos instintos de vida e de morte, o primeiro dos quais 
contém em si as pulsões sexuais e de autoconservação. 
 Sob o ponto de vista funcional, o Id se assemelha ao Inconsciente: reina nele o 
princípio de prazer e, portanto, o processo primário. 
 O aspecto genético do Id, como foi assinalado, é motivo de controvérsias entre 
partidários que salientam ora o ponto de vista filogenético, ora o ontogenético. a 
metáfora freudiana que permite tal controvérsia: “No princípio tudo era Id. O Ego tem 
se desenvolvido a partir do ld, através da persistente influência do mundo exterior” 
 
B) O EGO 
 O Ego é a instância central da personalidade, e constitui o pólo psicológico por 
excelência. Metaforicamente falando, é uma 
 
129 
 
instância-palco, onde se montam os argumentos fantasmáticos procedentes, 
inevitavelmente, do Id e do Superego. Está implícito na frase anterior que o caráter de 
inevitabilidade atinge o no qual temos já montadas as três instâncias que dão origem 
conflito intrapsíquico humano. 
 Tal metáfora foi elaborada com finalidade unicamente pedagógica, porque de 
fato a autonomia do palco egóico é sempre relativa, ou seja, sempre condicionada às 
relações de dependência estabelecidas com as outras duas instâncias. 
 A gênese do Ego é um problema importantíssimo, que tem preocupado os 
teóricos e clínicos de todas as épocas. Na realidade, conforme vimos anteriormente, a 
origem do Ego é o Id em contato com o mundo exterior. 
 A diferenciação progressiva das camadas superficiais do Id produz-se em torno 
de uma espécie de núcleo original organiza- dor, que é o sistema perceptual. 
 Mas existem outros pontos de vista, que uma leitura mais “objetalista” de Freud 
nos permite. Por exemplo, o Ego se formaria, se moldaria, sim, em contato com o 
mundo exterior, mas como resultado de identificações que, sucessivamente 
interiorizadas, introjetadas, formariam sua estrutura. 
 Há pontos de concordância em quase todos os autores: que se constitui 
progressivamente, que seu aparecimento nunca é brusco. E também, que é uma 
organização que sempre aparece como tendendo a uma unidade, que funciona 
proporcionando à pessoa estabilidade e identidade. 
 Como foi antecipado, o Ego, no Segundo Tópico, acumula as funções da 
Consciência e do Pré-Consciente. Está a serviço da autoconservação na medida em que 
concilia, em seu “palco”, exigências procedentes do Id, do Superego e do mundo 
exterior. 
 O Ego atua então como amortecedor das exigências instintivas procedentes do 
Id, adaptando-as à realidade externa. 
 Mas a grande revolução freudiana, e que até hoje causa surpresa, foi que, neste 
Segundo Tópico, a maior parte do Ego é Inconsciente. Um exemplo clássico, para 
facilitar a compreensão desta noção, é a série de rituais de que padece um neurótico-
obsessivo. 
 
130 
 
 Ele “assiste” a essa maneira de se comportar, mas não consegue interferir no 
sentido de modificá-la ou controlá-la, embora o lugar desse padecimento seja o Ego. E 
não há dúvidas de que este Ego é totalmente inconsciente. 
 Incluem-se, então, dentro da noção de Ego, as funções inibitórias e retardatárias 
dos processos primários, que vão constituindo verdadeiras camadas de barragens 
defensivas que o diferenciam claramente do Id. Por isto, diz-se que o Ego, em contato 
direto com o mundo exterior, tem funções adaptativas, capazes de fazer uma espécie de 
“triagem”, selecionando e avaliando a estimulação advinda do meio exterior. 
 Por tudo o que foi dito acima, o Ego, além de ser o pólo psicológico por 
excelência, é o pólo defensivo da personalidade, cuja representação máxima é a ação 
repressiva que se manifesta clinicamente como resistência. Resistência esta que se 
apresenta como uma ação defensiva do Ego contra a emergência de conteúdos 
inconscientes que ameaçam a estabilidade psíquica. 
 
C) O SUPEREGO 
 É uma das três instâncias descritas por Freud no Segundo Tópico. Segundo uma 
frase clássica, “o Superego é o herdeiro do Complexo de Édipo”, o que vem significar 
que é subseqüente a esse período, e está constituído pelo precipitado das identificações 
com as exigências e proibições dos pais. 
 Observe-se que o Superego não é a interiorização dos pais, como às vezes se 
compreende literalmente. O Superego está construído por aspectos dos pais, e muito 
mais ainda: o Superego está identificado com o Superego dos próprios Pais. Por tal 
motivo, encontram-se no Superego os valores ditados pela cultura em que viveu o 
sujeito. 
 Além dos valores, encontra-se também o que nomeamos ideologia ou ideologias, 
conjunto de crenças e preconceitos carregados afetivamente e que se impõem, à maneira 
de imperativo categórico kantiano, como mandamentos éticos. 
 O Superego, instância fundamental para o entendimento da conduta do 
indivíduo, e sobretudo de sua psicopatologia, se expressa 
 
131 
 
em dois tipos de linguagem: a linguagem prescritiva e a linguagem valorativa. Ou seja, 
indica, assinala, determina e estabelece, a partir da história infantil do sujeito, o que ele 
deve fazer. E, simultaneamente, também partindo da história infantil, o que ele deve 
preferir, desejar, escolher, etc. Veja-se, então, como Freud se inscreve dentro de toda 
uma linha filosófica representada por Nietzsche, Spinoza, Hegel, onde o valor está 
ligado ao desejo, sendo este, por sua vez, um produto histórico: o desejo dos Pais. Desta 
forma, o Superego outorga uma espécie de cosmovisão, uma ótica mediante a qual se 
observa o mundo e os objetos. 
 A formação do Superego tem dado origem a acirradas polêmicas no seio da 
teoria psicanalítica. Enquanto uma leitura de Freud permite supor que o Superego se 
estrutura tardiamente, aos 5 ou 6 anos de idade, segundo Melaine Klein e autores que se 
dedicaram ao trabalho com psicóticos, a formação do Superego tem início nos primeiros 
meses de vida. De fato, pareceriaque as incorporações das perdas e, sobretudo, a 
multiplicidade de maneiras como essas perdas são incorporadas, têm início muito 
precocemente. 
 Essas perdas — de “seios”, de “contatos corporais próprio e exteroceptivos”, de 
“fezes”, etc. — vão se enfileirando com o conjunto de diversas proibições e regulações 
da conduta que, desde muito cedo, indicam à criança o caminho social. (Ver p. 81.) 
 Quando o aparelho psíquico chega à época da descoberta sexual anatômica, aos 
5 ou 6 anos de idade, é evidente que ele entra nessa descoberta carregado do conjunto 
de desejos e proibições historicamente incorporados desde o nascimento. O último 
grande desejo, ter um coito com os pais, está fadado a não ser realizado. A proibição do 
incesto será a interdição que liderará todas as outras anteriores, e será uma interdição 
sobre um objeto (ou objetos) real-abstrato (ver “Castração”, p. 59), ao passo que as 
proibições anteriores se efetuaram sobre objetos reais-concretos. 
Freud denominou Ideal do Ego à instância resultante da articulação entre narcisismo e 
identificação com os pais. Como tal, é a instância-modelo, ou seja, as maneiras que o 
sujeito aspira 
 
132 
 
imitar, tratando-se também por isso de uma exigência. O antecedente do Superego, na 
obra de Freud, é o Ideal do Ego. Em 1923, em O Ego e o Id (S. B., vol. XIX, p. 42), ele 
concebe o Superego como a fusão da proibição e do ideal. Realmente, o Superego 
parece reunir, funcionalmente, estas duas operações, em termos de subestruturas: a 
função proibitiva — a “voz da consciência”, e uma função idealizadora, como uma 
exigência a imitar. Em resumo, o Ideal do Ego está constituído por imagens de objetos 
amados, e o Superego por objetos temidos. 
 O Superego se constitui assim no pólo psicossocial por excelência. Sendo o 
herdeiro do Complexo de Edipo, o Superego é a representação, o monumento 
identificatório levantado para lembrar que antigamente, em vez desse monumento, 
existia uma relação com um objeto real-concreto. Na verdade, o Superego nasce por 
ação da última grande proibição exercida pelos pais e pela cultura sobre os desejos da 
criança: seus desejos incestuosos. Assim, o Ego e o Id, que antes se dirigiam aos objetos 
exteriores reais e concretos, depois da constituição do Superego tomarão a este como 
objeto. Isto quer dizer que aos objetos exteriores, de agora em diante, chegará, sim, a 
energia pulsional intermediada pelo Ego, mas “fiscalizada”, permitida ou proibida, pelas 
prescrições e valores inscritos no Superego. 
 Logo, qualquer conduta humana é o produto complexo de um arranjo 
biopsicossocial. Em outras palavras, de um Id que só quer desejar, de um Superego que 
também manda desejar, mas segundo os valores culturais incorporados desde a vida 
infantil, e de um Ego que tenta conciliar essas duas instâncias mediante transações e 
acordos (defesas). 
 
O PONTO DE VISTA ECONÔMICO 
 Dentro deste ponto de vista, estudamos diversos conceitos intimamente ligados 
entre si. Alguns deles são: Carga Psíquica, Energia, Investimento, Descarga. Existem 
alguns outros conceitos decorrentes dos anteriores, que correspondem a este item, 
 
133 
 
tais como: Processo Primário, Processo Secundário, Princípio de Prazer, de Realidade e 
de Constância. 
 O Ponto de Vista Econômico é, de todos os modelos desenhados por Freud, o 
mais controvertido, e isso porque à luz da ciência moderna, particularmente das ciências 
físicas, não existe nenhuma precisão quanto aos componentes essenciais das energias. 
Todas as ciências físicas tratam das energias pelos seus efeitos — fazendo o mesmo que 
Freud muitos anos mais tarde, em seu trabalho “Os Instintos e Suas Vicissitudes”, de 
1915 — reconhecendo ignorar tudo o que se refere à natureza do processo excitatório. 
Entretanto, Freud apela para a hipótese energética quase que continuamente quando fala 
da energia libidinal, das pulsões em geral e, sobretudo, da necessidade explicativa dos 
diversos processos transformacionais produzidos no aparelho psíquico. Em alguns 
fragmentos de sua obra, Freud aponta a esperança de quantificar no futuro essa energia. 
 A Energia é conhecida, na teoria psicanalítica, como catéxia ou catexis, palavra 
que tenta traduzir o vocábulo alemão Besetzung. De fato, como as representações 
encontram-se carregadas de certa quantidade de energia psíquica, esta ação de 
“ocupação” pelas cargas é o que exprime a palavra original alemã. A palavra em 
português “investimento” é, terminologicamente, muito mais adequada que catéxia, pois 
até sob o ângulo da ciência econômica permite uma solidariedade entre a coisa investida 
o “capitalista investidor”. 
 
* Numa metáfora freudiana clássica energia, ou catéxia, será definida como aquilo que 
sofrerá aumento, diminuição, descarga, deslocamento, etc., assim como uma carga 
elétrica. 
 Ainda hoje é muito difícil abandonar-se a hipótese econômico-energética, 
embora importantes objeções tenham sido feitas ao uso ambíguo que Freud lhes dá. 
Quase sempre essa ambigüidade é contornada utilizando-se os conceitos energéticos no 
sentido metafórico: “aparelho psíquico carregado de tensão”, “hipercatéxia da 
representação”, etc. 
 
 Como assinalamos noutro capítulo (ver p. 92-3) o modelo energético-econômico 
se articula com o modelo tópico. A matéria “ocupa” lugar. 
 
 
134 
 
 
 A ambigüidade mais importante provém dos esquemas neurofisiológicos 
empregados por Freud, de forma predominante antes de 1900. Assim, por exemplo, um 
“traço mnésico”, uma “representação psíquica”, um “objeto interno” podem estar 
carregados de catéxia. E difícil, porém, conceber-se em que consiste esse investimento 
de cargo sobre um objeto exterior. Como assinalam Laplanche e Pontalis (Vocabulário 
da Psicanálise), outra grande dificuldade surge quando Freud vincula o modelo 
econômico ao modelo tópico, sobretudo quando concebe catéxias que denomina 
inconscientes. 
 Porém, tal como antecipamos, é difícil prescindir da noção econômico-
energética, já que alguns quadros psicopatológicos evidenciam uma carência de energia 
em certas áreas, como acontece nos quadros de esquizoidia, depressões ou histerias 
conversivas. 
 Finalizando, voltamos a repetir que os conceitos energéticos são simples 
metáforas que ocultam nossa ignorância a esse respeito. 
 
1. ENERGIA LIVRE E ENERGIA LIGADA 
 Deveremos lembrar que as noções de energia, em biologia, faziam parte do 
contexto epistemológico e, por conseguinte, da linguagem assimilada nos primeiros 
trabalhos de Freud e Breuer. Este último, particularmente, teve destacada participação 
nos conceitos físicomecânicos elaborados por Helmholtz, Meynert, Brücke, herdeiros da 
clássica filosofia alemã leibnitziana. De fato, quase todos estes autores haviam falado de 
duas maneiras ou formas sob as quais circulava a energia nervosa. Breuer, em 1893, 
chama estas duas formas de energia de “Energia Livre” e “Energia Ligada”. 
 Em 1895, em seu famoso “Projeto para uma Psicologia Científica” (5. B., vol. 1, 
p. 395), Freud descreve um funcionamento primário do aparelho neurônico, onde a 
energia circula livremente e, como tal, tende a se descarregar de forma 
 
135 
 
quase explosiva, imediata e completa. Um pouco mais adiante, falaremos do Princípio 
de Prazer-Desprazer, intimamente vinculado a este tipo de Energia. 
 Freud descreve ainda um modo de funcionamento do aparelho psíquico chamado 
Secundário, onde a energia está presa e circula de forma compacta, chamando-a de 
Energia Ligada. A ação das barreiras e do controle que certos neurônios exercem sobre 
a energia vão inibindo-a e provocando uma forte elevação tônica de sua carga, com um 
mínimo de deslocamento. Este será o modelo do pensamentoe da atenção. 
 Essa linguagem biológico-neurológica, anterior a 1900, dará origem aos 
conceitos de Processo Primário, onde circula a Energia Livre característica do 
Inconsciente, e de Processo Secundário, característico do Pré-Consciente e do 
Consciente. 
 
2. PROCESSO PRIMÁRIO E PROCESSO SECUNDÁRIO 
 São duas as maneiras de comportamento do aparelho psíquico, que dizem 
respeito à circulação da energia psíquica: 
 O Processo Primário é caracterizado pelo livre fluir da energia, como acontece 
topicamente no Inconsciente. Esta hipótese de livre circulação é condição necessária 
para explicar o deslocamento da energia sobre as representações e portanto o diferente 
valor, em intensidade e significação, adquirido por uma representação em relação a 
outra. Este processo de deslocamento culmina com a condensação, que é uma 
confluência de diferentes representações e que, como seu nome indica, oferece uma 
superdeterminação de representações. 
 O Processo Secundário é a outra maneira de operação da energia dentro do 
aparelho psíquico. Aqui, topicamente, nos encontramos com o Pré-
Consciente/Consciente. A energia é ligada e, assim, altamente concentrada. Essa 
hipótese é a condição necessária para explicar os processos de atenção, raciocínio, juízo, 
etc. Na metáfora clássica, aqui a energia está inibida, não 
 
136 
 
flui livremente, e sua principal função é a de regular os processos-de descarga. 
 O Processo Primário está dominado pelo Princípio do Prazer e o Processo 
Secundário pelo Princípio da Realidade. 
 
3. PRINCIPIO DO PRAZER E PRINCIPIO DA REALIDADE 
 Originalmente, o Princípio do Prazer se denominava Princípio do Prazer-
Desprazer, querendo significar que o aparelho psíquico tendia a fugir de tudo aquilo que 
provocasse desprazer. Esta fuga, seria uma forma de não aumentar a quantidade de 
excitação dentro do aparelho psíquico, finalidade que podia ser atingida descarregando-
se o excesso de carga. De forma resumida, o Prazer era produzido pela redução ao 
mínimo da tensão energética. 
 Porém, 20 anos mais tarde, Freud descreve aumentos de tensão que eram 
agradáveis, prazerosos (como por exemplo a própria tensão sexual, cujo acúmulo 
progressivo não é acompanhado por nenhuma sensação de desprazer, ainda mais quando 
se conta com a possibilidade da satisfação futura), e também, nos últimos anos de vida, 
considerou variações na estrutura da energia, como por exemplo o ritmo, responsável 
pela percepção qualitativa do prazer. O fato continua sendo, ainda hoje, motivo de 
polêmica. 
 Sendo o Princípio do Prazer um elemento regulador dos Processos Primários, 
está necessariamente articulado ao Princípio da Realidade. Com efeito, essa descarga 
explosiva, brusca, reflexa, provocada pelo Princípio do Prazer vai, à medida que o 
aparelho entra em contato com a realidade, se protelando, se inibindo, aceitando 
alcançar sua finalidade e seu objetivo num período de tempo mais longo. Como se 
observará, o Princípio da Realidade é um desenvolvimento e um aperfeiçoamento do 
Princípio do Prazer. 
 Com o nome de Princípio da Constância, Freud se refere a uma certa faixa de 
ótimo funcionamento que o aparelho tende a manter. O Princípio da Constância é um 
correlato do Princípio da Homeostase Biológica. 
 
137 
 
 O Princípio da Constância é vinculado (às vezes oposto) ao Princípio do 
Nirvana,* que é aquele Princípio, nomeado por Freud, que tende a reduzir ao zero 
absoluto toda a excitação. O Princípio do Nirvana é o Princípio que governa o conceito 
de Instinto da Morte, que veremos mais adiante. (Ver p. 148 e segs.) Resumindo, o 
aparelho psíquico, sob o ponto de vista de sua administração de Energia, movimenta-se 
numa faixa de tensão a mais baixa possível. A manutenção do nível dessa faixa é 
chamada Princípio da Constância. Um excesso de excitação faz ativar o Princípio do 
 Prazer, provocando ou um afastamento do estímulo ou uma descarga niveladora. 
Se essa descarga, teoricamente, continuasse além do nível da Constância em direção a 
um hipotético Zero, teríamos o Princípio do Nirvana. Tal efeito não ocorre porque o 
contato com a realidade exterior, denominada significativamente por Freud de “as 
ineludíveis condições de vida”, recarrega o aparelho, impedindo sua descarga total e 
modificando o curso da excitação. 
 Tentaremos, muito brevemente, articular alguns conceitos que geralmente são 
estudados isoladamente. 
 Os assim chamados Princípios são aceitos comumente nas Ciências e, de modo 
geral, procedem de Aristóteles. Admite-se que um Princípio é um ponto de partida, 
podendo logicamente existir vários princípios, que regulam determinado Sistema lógico 
ou cognitivo. 
 O Princípio do Prazer expressa essencialmente a idéia de que a catéxia pulsional 
tende a se satisfazer de modo imediato. Por isto, Freud o comparava a um processo 
“plano”, querendo assim dizer que o rolar de um pequeno objeto sobre uma superfície 
lisa se faz rápida e bruscamente, sem obstáculos à sua passagem. Estas são as 
características da “realização alucinatória de desejos”, modelo sobre o qual estão 
constituídos os sonhos, 
 
* Tanto em “O Problema Econômico do Masoquismo” (S. B., vol. XIX, p. 199) quanto 
em “Os Instintos e suas Vicissitudes” (vol. XIV, p. 141), Freud se refere a estes dois 
princípios (do Nirvana e da Constância) como idênticos, opondo-se, sim, ao princípio 
do prazer: “O princípio do Nirvana [e também o da Constância] expressa a tendência do 
Instinto da Morte; o princípio do prazer representa as exigências da libido, e a 
modificação desta última; o princípio da realidade representa a influência do mundo 
externo” (vol. XIX, p. 201), consultar “Princípio da Constância”. (Vocabulário da 
Psicanálise). 
 
138 
 
as fantasias, o nível ilusório e os delírios. Mas essa realização de desejos é uma 
realização decepcionante, desapontadora, porque se satisfaz com um objeto 
“representacional” ou psíquico. Não existe situação duradoura quando se persiste na 
ignorância ou no afastamento da realidade. Por isto, o Princípio da Realidade é o 
conceito que exprime a modificação da realização alucinatória dos desejos em 
realização na realidade concreta e objetiva. Em conseqüência, o Princípio da Realidade 
é uma modificação do Princípio do Prazer, imposta pelas condições reais do mundo 
externo. 
 Como o leitor poderá observar, o conceito de Prazer está perfeitamente 
articulado com o de Processo Primário, con o de Energia Livre e com o de Identidade de 
Percepção. Por outro lado, Realidade está articulada com o Processo Secundário, com 
Energia Ligada e com Identidade de Pensamento. Em termos do Primeiro Tópico, o 
Princípio do Prazer, com todas as suas séries articuladas, corresponde ao Inconsciente e 
o Princípio da Realidade ao Consciente. Em termos do Segundo Tópico, esta primeira 
série (Princípio do Prazer, Energia Livre e Processo Primário) corresponde ao Id e à 
parte inconsciente do Ego. A segunda série (Princípio da Realidade, Energia Ligada e 
Processo Secundário) corresponde ao Ego consciente. 
 
O PONTO DE VISTA DINÂMICO 
(ver p. 171 e segs.) 
 O ponto de vista dinâmico é aquele que fala das pulsões, dos instintos, dos 
objetos e da sexualidade de modo geral. 
 Para poder entender melhor uma certa topologia do aparelho psíquico, 
deveremos tomar um modelo sumamente útil sob o ângulo psicopatológico, desenhado 
por Freud tanto em 1895, no “Projeto para uma Psicologia Científica”, quanto em seus 
“Artigos Metapsicológicos” de 1915 (S. B., vol. XIV, p. 123). Em ambos, é 
estabelecido que o aparelho psíquico está impactado por dois tipos diferentes de 
estímulos. Os estímulos externos ou exteriores e os estímulos interiores ou internos. 
Ambos exercempressão sobre o aparelho, mas sua diferença consiste na possibilidade 
de fugir deles ou não. 
 
139 
 
 Os estímulos exteriores são passíveis de serem afastados, mediante a atividade 
muscular. Ao contrário, os estímulos internos exercem pressão mais ou menos contínua, 
não havendo nenhuma possibilidade de se afastar deles, sendo aí inútil a ação muscular. 
A este último tipo de excitação chamamos de pulsão, e também de instinto. 
 Segundo a revisão da epistemologia francesa contemporânea, parece preferível o 
termo pulsão (usado por Freud, em alemão, com a palavra Trieb), que exprime uma 
idéia de urgência em se descarregar, parecendo específica do nível psicológico, O termo 
instinto (poucas vezes usado por Freud, com o nome de Instinkt) fica restrito a 
comportamentos hereditários sobretudo fixos, característicos da espécie. 
 Nos “Artigos Metapsicológicos”, particularmente em “Os Instintos e Suas 
Vicissitudes”, de 1915 (Standard Brasileira, vol. XIV, p. 137), Freud nos legou uma 
definição já clássica de pulsão: que é “um ‘instinto’ que nos aparece como sendo um 
conceito situado na fronteira entre o mental e o somático, como o representante psíquico 
dos estímulos que se originam dentro do organismo e alcançam a mente; como uma 
medida da exigência feita à mente no sentido de trabalhar em conseqüência de sua 
ligação com o corpo” (id., ib, p. 142). Entre aspectos interessantes a salientar nesta 
definição, está a expressão “medida da exigência”, que é coerente com o conceito de 
pressão ou “empurrão”, que examinaremos a seguir. 
 “Por pressão (Drang) de um instinto, compreendemos seu fator motor, a 
quantidade de força ou a medida da exigência de trabalho que ela representa.” (Id., ib, p. 
142.) Esta é uma característica essencial de toda pulsão e até quando se fala de “pulsão 
passiva” está-se assinalando uma brevíssima maneira de exprimir a idéia de uma 
exigência ativa em procurar situações de passividade, Este ponto é de capital 
importância, já que Freud não quis atribuir a atividade a uma pulsão específica (como 
Adler, por exemplo), pois que toda pulsão, por definição, tem capacidade de 
desencadear a atividade motora. 
 “A finalidade (Ziel) de um instinto é sempre a satisfação, que só pode ser obtida 
eliminando-se o estado de estimulação na fonte do instinto.” (Id., ib, p. 142/143.) A 
finalidade de uma pulsão também é conhecida com o nome de meta ou objetivo. 
 Observe-se a íntima ligação existente entre esta característica da pulsão e o 
ponto de vista econômico. Realmente, o desaparecimento da tensão, que traz uma 
satisfação, se efetua mediante uma descarga, ou seja, mediante a transposição da energia 
ao exterior do sistema. Esta maneira de se conceber a satisfação é ampla, mas às vezes 
se entende também por descarga os instrumentos, os meios e os mecanismos que 
permitem alcançar tal finalidade. 
 Uma outra importante característica da pulsão é a fonte “... o processo somático 
que ocorre num órgão ou parte do corpo, e cujo estímulo é representado na vida mental 
por um instinto.” (Id., ib, p. 143.) Veja-se o grifo freudiano na origem material da 
pulsão. Sem matéria-corpo — é óbvio — não existe psiquismo. Com o conceito de 
fonte pulsional entendemos não apenas uma noção causal, de origem. Entendemos 
também uma noção topográfica, mais explicitada por Freud em Três Ensaios Sobre 
Sexualidade (Standard Brasileira, vol. VIl). Assim, fonte pulsional parece designar não 
só o que conhecemos com o nome de zonas erógenas, mas também causas químicas, 
mecânicas, e a atividade muscular ou intelectual. 
 “O objeto (Objekt) de um instinto é a coisa em relação à qual ou através da qual 
o instinto é capaz de atingir sua finalidade.” (Id., ib, p. 143.) Este aspecto é 
importantíssimo sob o ponto de vista clínico e, examinando os parágrafos nos quais 
 Freud a ele se refere, chegamos às seguintes conclusões: 
 a) Um objeto é o elemento mais variável de uma pulsão. A ligação a um objeto é 
feita com a exclusiva finalidade de procurar a sua descarga (da pulsão). Muitos 
fenômenos de ordem psicopatológica, especialmente os mais primitivos, são explicados 
por essa característica, onde o aparelho psíquico parece atuar às cegas na procura de sua 
descarga, tendo o objeto em si mesmo valor secundário. 
 b) O conceito de objeto não se refere a uma coisa alheia ao sujeito. Pode ser uma 
parte de seu próprio corpo. Compreende-se facilmente como o corpo pode, 
simultaneamente, servir como fonte e como objeto, elemento fundamental para se 
entender, entre outras coisas, o narcisismo. 
 c) Um mesmo objeto pode servir simultaneamente a vários instintos, 
característica destacada no desenvolvimento sexual 
 
141 
normal, onde a mão, por exemplo, pode desempenhar ftnção de objeto de satisfação da 
pulsão oral e, muito mais tarde, servir de continente adequado para a satisfação auto-
erótica genital. 
 d) Os itens precedentes estão enfileirados na característica de “variável” do 
objeto. Mas pode haver uma estreita relação entre o objeto e seu instinto, ligação esta 
que se conhece com o nome de fixação. 
 e) O objeto é classicanlente relacionado ao sujeito e portanto pode ser uma 
pessoa total, mas também pode ser um “objeto parcial” ou seja, uma parte de uma 
totalidade; o “seio materno”, por exemplo. 
 f) O objeto pode pertencer ao mundo real externo ou ao mundo real interno 
(fantasia). 
 Alguma coisa a mais, no que se refere ao objeto: conhecemos em teoria 
psicanalítica o que é a Relação de Objeto. Com este nome entende-se, na literatura pós-
freudiana, a consideração da vida psíquica de um determinado sujeito em situação, ou 
seja, junto ou inscrito em seu mais amplo contexto. -Permite- nos observar uma 
complicada rede de elementos diversos, tais como pulsões, ansiedades e defesas, que 
dizem respeito não apenas ao sujeito mas também ao objeto. Este último conceito tenta 
exprimir que o objeto em si mesmo, “escolhido” pelo sujeito, tem uma vida própria e 
uma historicidade que explica o seu aparecimento nesse lugar e nesse tempo. Como 
pode ser observado, a Relação de Objeto coloca a categoria “objeto” dentro do campo 
social. 
 
1. TEORIA DAS PULSÕES 
 Para um estudo mais adequado, deveremos dividir o desenvolvimento 
progressivo da teoria pulsional em três etapas: 
— a primeira etapa é caracterizada por um antagonismo entre a pulsão sexual e a pulsão 
de autoconservação; 
— na segunda etapa temos o aparecimento do narcisismo, introduzindo-se como 
elemento clínico e teórico, e provocando a 
— terceira e definitiva etapa, constituída pela oposição entre pulsões de vida e de morte. 
 
142 
 
 Primeira etapa 
 
 A primeira etapa da dualidade pulsional está descrita num trabalho de 1910 
intitulado “A Concepção Psicanalítica da Perturbação Psicogênica da Visão” (Standard 
Brasileira, vol. XI, p. 193), onde Freud mostra a inegável oposição entre esses dois 
grupos de pulsões, as sexuais e as de autoconservação ou auto- preservação. 
Ressalvemos, ainda, que neste, como em outros trabalhos, Freud se refere a esses 
últimos instintos com o nome de Instintos do Ego. 
 Citando o poeta alemão Schiller, Freud diz: “. . . todos os instintos orgânicos que 
atuam em nossa mente podem ser classificados como ‘fome’ ou ‘amor’” (id. ib., p. 200). 
Essa oposição permite compreender uma referência maior: 
a conservação do indivíduo — pulsões de autoconservação — versus a conservação da 
espécie — pulsões sexuais. 
 Constituindo as pulsões sexuais a energia fundamental do aparelho psíquico, a 
novidade apresentada por Freud em 1910 foi a existência de uma outra energia que, em 
determinadas situações, se opunha àquela fundamental e inconsciente. O leitor deverá 
entender isto sob a ótica do Primeiro Tópico, onde o conflitoocorre entre as instâncias 
até esse momento delineadas: 
 Pré-Consciente/Consciente versus Inconsciente. Mas não é possível entender-se 
esta dualidade pulsional primeira sem o conceito de apoio ou anaclisia (Anlehung). Esta 
elaboração, que procede do trabalho de 1905, Três Ensaios Sobre a Sexualidade, mostra 
que inicialmente as pulsões sexuais e as de autoconservação não só não se opõem mas 
colaboram entre si. Significa que as pulsões .sexuais se apóiam nas funções de 
autoconservação para sua descarga e extravasamento. 
 Isto ficará claro ao se compreender que Freud observara que, uma vez satisfeita 
em uma criança sua necessidade de fome, existe um “excedente”, um “resto” de energia 
que não se satisfaz agora com o objeto específico (peito/leite). Esta sobra de energia é o 
que Freud denominou sexualidade e que se esvazia pedindo “emprestados” os canais 
corporais de autoconservação. 
 Esta união, que inicialmente caracteriza a vida pulsional, tende a se 
independentizar no decurso do desenvolvimento. Porém, todo o caminho posterior, 
adulto, da sexualidade ficará de 
 
143 
 
 
 algum modo marcado por esta origem traçada nos trilhos da autoconservação. 
Daí, por exemplo, que no clássico quadro de um melancólico, ou de uma depressão 
simples, uma perda qualquer é sentida como uma falta concreta corporal, como próxima 
do desaparecimento físico, etc. As pulsões sexuais falam ainda com o “sotaque” das 
pulsões de autoconservação. 
 Numa terminologia mais rigorosa e moderna, as pulsões de autoconservação se 
denominam “necessidades”, com o intuito de diferenciá-las claramente da pulsão 
sexual. 
 Dever-se-á reconhecer que, em tal sentido, a pulsão de autoconservação é a 
única que está ligada a um objeto específico, porque dele depende, obviamente, a 
autoconservação. 
 O protótipo da pulsão de autoconservação é a fome, e nunca Freud se preocupou 
em descrever outro tipo. Mas, em sentido geral, admite-se que qualquer função orgânica 
seja fonte deste tipo de pulsão. 
 A conseqüência mais decisiva ç destacada desta origem pulsional é o conceito de 
Pulsão Parcial. Com efeito, inicialmente, as múltiplas funções orgânica possuíam 
fragmentos de pulsões onde se misturavam as pulsões de autoconservação 
correspondente a essa função e o fragmento de sexualidade nela apoiado. 
 O conceito de .Pulsão Parcial exprime sua atuação original- mente independente, 
fragmentária, e que progressivamente tende a se unir, a se juntar numa unidade 
estrutural de nível superior. 
 Sob o ponto de vista psicopatológico, o conceito de apoio e de Pulsão Parcial 
serve para explicar transtornos de ordem funcional que têm dado lugar a importantes 
contribuições na literatura psicanalítica. Ao contaminar ou ocupar o espaço da pulsão de 
autoconservação, a pulsão sexual “sexualiza” ou “erotiza” a função a ela ligada, 
perturbando desse modo, em maior ou menor intensidade, aquela atividade. 
 Assim, por exemplo, o comer muito (bulimia) ou o comer pouco (anorexia) 
podem ser explicados pela hiperativação, no primeiro caso, ou pela inibição, no 
segundo, da função do apetite pelos efeitos produzidos pela pulsão sexual, apoiada nas 
de autoconservação. 
 Outra conseqüência de suma importância para o desenvolvimento psíquico é 
que, se no início as duas pulsões “trabalhavam” juntas, descarregando-se ou 
satisfazendo-se num mesmo 
 
144 
 
objeto, pouco a pouco tendem a se separar. Realmente, deduz-se do que foi dito até aqui 
que a necessidade, a pulsão de auto- conservação, é a que requer um objeto exterior 
concreto. Podemos afirmar que a necessidade é a que marca o caminho para o encontro 
com outra pessoa, ressalvando-se que no início essa outra pessoa é apenas parcialmente 
visualizada. Mas a pulsão sexual não precisa de um objeto exterior para se satisfazer. 
Ela vai se descarregando nos fragmentos funcionais-fisiológicos do próprio corpo, ou 
seja, satisfaz-se auto-eroticamente. 
 É por tudo isto, e por requererem objetos concretos, que as pulsões de 
autoconservação estão regidas pelo Princípio da Realidade. Ao contrário, as pulsões 
sexuais, ao se “demorarem” nas satisfações corporais, prescindem de objetos exteriores, 
sendo regidas pelo Princípio do Prazer. Veja-se aqui o modelo da fantasia. A fantasia, 
como expressão das pulsões sexuais, e portanto do corpo, constitui-se num refúgio, num 
espaço diferente do mundo exterior. 
 
Segunda etapa 
 A importância decisiva desta etapa na elaboração da teoria pulsional provoca 
ainda hoje comentários e desenvolvimentos especulativos. Em 1914, Freud “introduz” o 
narcisismo (5. B., vol. XIV, p. 89). 
 Como sempre, alguns fatos clínicos não eram facilmente explicados pela 
dualidade pulsional que na época servia de marco teórico. Esses quadros 
psicopatológicos se referiam quase sempre a casos particularmente graves, que incluíam 
um afastamento total ou parcial do mundo exterior. Entre estes quadros, Freud 
interessou-se pela esquizofrenia (em especial pelo autismo), pela hipocondria, pelo 
desinteresse do paciente por qualquer outra coisa que não a preocupação com o estado 
de algum órgão ou função do corpo, etc. E mesmo outros estados, não necessariamente 
patológicos, mas que reproduzem esse “recolhimento”, essa “invaginação” da energia 
psíquica: uma dor de dentes, por exemplo, ou até os sonhos normais, que expressam 
uma atividade psíquica intensa, com total afastamento do mundo exterior. 
Todas essas considerações levaram Freud a substituir a dualidade pulsões de 
autoconservaÇão versus pulsões sexuais, pela dualidade libido do objeto versus libido 
do Ego. 
 
145 
 
 Com efeito, tentamos mostrar que agora o modelo seguido por Freud é mais 
“objetalista”, valorizando mais o lugar para onde se dirige a libido e determinando se 
este “lugar” está fora ou dentro (do corpo, do sujeito, do Ego). 
 Isto nos leva também a reformular a gênese do investimento psicossexual, 
admitindo que não é só um fragmento do corpo que é investido de energia (zonas 
erógenas), mas sim a pessoa inteira (Ego-corpo). 
 Freud usa uma metáfora hoje famosa: “o corpo seria como uma ameba, que se 
liga aos objetos através dos seus pseudópodes”. Desta maneira, estabelece-se uma 
balança entre o objeto e o Ego: quanto mais se esvazia o Ego, mais se carrega o objeto, 
e vice-versa. 
 Aqui, o Ego se constitui como um grande reservatório de energia libidinal e 
implica um certo estágio teórico de narcisismo primário ou original, onde os objetos 
exteriores ainda não existiam; esta seria uma etapa na evolução libidinal. Por outro lado, 
sempre existe um “núcleo” estrutural narcísico, espécie de representação daquele 
período do desenvolvimento em que se podia prescindir das satisfações proporcionadas 
pelos objetos exteriores. Ë a este núcleo narcísico que o sujeito, já adulto, tende a 
retornar em determinadas circunstâncias, o que constitui o narcisismo secundário. Este 
tipo de narcisismo, como seu nome indica, é o refluxo energético pulsional que depois 
de ter investido os objetos exteriores volta a seu lugar original, o Ego. 
 Esta última descrição tem evidentes correlatos observáveis clínicos, como, por 
exemplo, a perda de um objeto altamente investido, e portanto valorizado, e esse mesmo 
investimento voltando para o Ego e “tentando” reconstruir nele o objeto perdido 
(modelo da melancolia). 
 Devemos salientar que não existe correlato clínico semelhante ao narcisismo 
primário. Insistimos que é um conceito teórico e entre os psicanalistas existe um acordo 
quase unânime de que seu protótipo mais aproximado seja a vida intra-uterina. Neste 
narcisismo primário há uma total indiferenciação entre o Ego e o Id, e entre essas duas 
instâncias e o mundo exterior. 
 Toda essaconcepção terá enorme importância, não só sob o ponto de vista 
psicopatológico e clínico, mas também para o tratamento dos pacientes graves, 
psicóticos. 
 
146 
 
 Destes desenvolvimentos partem as hoje clássicas teorizações de Melanie Klein 
sobre as primeiras relações de objetos. Estes “objetos” não são objetos exteriores e sim 
pedaços do Ego corporal primitivo, ou seja, são objetos narcísicos e em seu 
relacionamento posterior o Ego primitivo tenta recuperar o estado indiferenciado fetal. 
Por outro lado, Jacques Lacan descreveu em 1936 a fase do espelho, apoiando-se 
fielmente nos primeiros desenvolvimentos freudianos. O narcisismo primário, na 
teorização lacaniana, provém de um momento de unificação, unificação esta que é 
proporcionada pela alegria que um bebê sente ao se reconhecer num espelho. Essa 
unificação refere-se à percepção, pela criança, da imagem do semelhante. Ela 
identificar-se-á com essa imagem. 
 Observe-se que, para Lacan, a base constitutiva do que nós denominamos Ego é 
imaginária, e será a matriz onde posterior- mente se precipitarão as Identificações 
Secundárias. 
 Num sucinto resumo do que foi dito até agora, distinguiremos quatro elementos 
imprescindíveis para se pensar psicopatologicamente: 
— Um primeiro estágio, que poderíamos denominar indiferenciado: Id-Ego e Id/Ego 
(sujeito) -mundo exterior; 
— A satisfação “anárquica” auto-erótica das pulsões, segundo sua funcionalidade 
fisiológica. Assim, haveria tantas parcialidades de corpo quantas funções fisiológicas 
existissem (fantasia do “corpo despedaçado”, de Lacan); 
— A constituição de uma unidade, de uma primeira identidade que se efetua por 
interiorização da imagem de outra pessoa (embora a imagem do espelho seja a sua 
própria, o menino não sabe disso, pensa que é Outro); 
— O Ego narcísico primitivo, assim constituído, dirige-se aos objetos exteriores. O 
leitor deverá compreender, por esta descrição, que o Ego tinha contatos com os objetos, 
mas ele não se apercebia de que esses objetos eram externos a ele. Por isto, a descoberta 
da exterioridade do objeto é contemporânea à constituição de um Ego nomeável em 
primeira pessoa. 
 Uma vez desinvestidos os objetos exteriores, a libido neles investida retorna 
ritmicamente a seu “centro” natural: o Ego. 
 
147 
 
Terceira etapa 
 A última etapa da teorização pulsional tem como contexto mais abrangente toda 
uma revolução intrateórica do texto freudiano. Somente com essa visão podemos nos 
aproximar de uma inteligibilidade mais ou menos operativa mas que, por ser muito 
complexa, não se esgota nem admite uma explicação simples. Esta revolução 
intrateórica tem um ponto de referência fundamental, que é o trabalho de 1920, Além do 
Princípio do Prazer (Standard Brasileira, vol. XVIII). Mas devemos reconhecer que esta 
revolução vinha se gestando desde os Escritos Metapsicológicos de 1915. Ali, a 
dualidade pulsional, expressa nos pares antitéticos sadismo e amor, colocava problemas 
que durante alguns anos fizeram vacilar os textos freudianos, até seu reordenamento 
definitivo depois de 1920. 
 Em Além do Princípio do Prazer, faz-se a proposta de duas pulsões 
fundamentais que se contrapõem entre si: pulsões de vida e pulsões de morte. 
Até hoje, no plano teórico e clínico, as polêmicas dividem os cientistas das ciências 
psicológicas. Mas, tentando seguir estritamente o raciocínio de Freud em Além do 
Princípio do Prazer, faremos constar que a nova conceituação não emerge do nada, 
embora reconheçamos que alguns recortes na leitura do texto podem levar a pensar 
numa espécie de origem mitológico- explicativa para a justificativa de seu 
aparecimento. 
 Seguindo Laplanche, diremos que o texto de 1920 se apresenta como “... o mais 
fascinante e mais desconcertante de toda a obra freudiana. Jamais Freud se mostrou tão 
livre, tão audacioso, como neste grande afresco metapsicológico, metafísico e 
metabiológico. Apatecem nele termos absolutamente novos: 
Eros, pulsão de morte, compulsão à repetição.. .“ (Laplanche, J. — Vie et Mort en 
Psychanalyse, Flamarion, Paris, 1970 — Cap. VI). 
 Como já mencionamos, este novo esquema pulsional apresenta alguns 
obstáculos de ordem empírica que se constituem em antecedentes diretos desta 
revolução intrateórica: 
 
148 
 
A) A COMPULSÃO À REPETIÇÃO 
 O problema da repetição é antigo em Freud. Com efeito, antes de 1900 viu-se ele 
confrontado, no plano fenomenológico, com a repetição. Por exemplo, o próprio sistema 
que reproduz alguns elementos de um conflito passado; repetição que se manifesta nos 
sonhos angustiosos e na neurose pós-traumática, etc. 
 Num contexto um pouco mais dramático, Freud constata certo “destino” de 
alguns quadros psicopatológicos, sujeitos à “condenação de repetir situações dolorosas”. 
 Observando jogos infantis, genialmente Freud observa que a estrutura geral do 
jogo é quase sempre a mesma, ou seja, a criança repete, tentando elaborar ativamente o 
que ela sofreu passivamente: por exemplo, a perda de um ser querido. 
Esta compulsão (Zwang), que designa uma força interior premente, fascina Freud, 
fazendo-o conceituar a existência de um princípio que estaria além do Princípio do 
 Prazer, já que este último se mostra incapaz, em determinadas circunstâncias, de 
“domar” situações penosas. Ele chega a conclusões controvertidas mas, sob todos os 
aspectos, importantes. Esta tendência à repetição não só se apresenta em algumas 
circunstâncias penosas, como faz parte de uma propriedade geral das pulsões, cuja 
conseqüência é transportar o organismo, na sua idêntica reprodução, a um estado 
anterior. Esse estado anterior é um estado de inércia, do qual o organismo saiu por 
exigências das “ineludíveis condições da vida”. Ou seja, a ação de fatores externos 
causou a perturbação do estado inicial de quietude. 
 Daqui resta apenas um passo para a conclusão de que a força pulsional tende a 
fazer voltar o organismo vivo ao estado inorgânico. E uma conclusão nos limites do 
filosófico: a finalidade de toda vida é a morte. 
 É desta maneira — fundamentalmente introduzida pela evidência clínica da 
Compulsão à Repetição — que a Pulsão da Morte faz seu aparecimento. A Pulsão da 
Vida será inteiramente oposta, é uma força construtiva que tende a organizar o 
organismo em conjuntos cada vez mais complexos. 
 “Sedutora, traumatizante, a forçada introdução da Pulsão da Morte não podia 
deixar de suscitar, entre os herdeiros de Freud, todas as variações possíveis de defesas: 
rejeição motivada 
 
149 
 
em uns, aceitação puramente escolástica em outros da noção e do dualismo Eros-
Tanatos, aceitação numa forma modificada e separada de seus fundamentos filosóficos 
numa autora como Melanie Klein e, ainda mais amiúde, a preterição ou o esquecimento 
total da noção” (Laplanche, J. op. cit. *). 
 Para justificar a inclusão deste novo dualismo, Freud recorre aos 
desenvolvimentos de ordem biológica, inteiramente especulativas. As conclusões, muito 
resumidas, destas justificativas são de que os organismos unicelulares seriam 
virtualmente imortais. Nestas especulações, para avalizar o esquema teórico pulsional, 
Freud recorre aos mitos platônicos. Não sendo totalmente satisfatório o marco 
puramente especulativo, volta ele a apelar para alguns argumentos empíricos. 
 
B) A PROBLEMÁTICA DO SADISMO, O MASOQUISMO E A AGRESSÃO 
 Antes de 1920, a agressividade não aparece como uma pulsão que lhe 
corresponda. Salvo quando critica Adler, Freud não faz praticamente menção a ela, mas 
isso não significa que desconhecesse todo o conjunto problemático envolvendo o ódio, a 
agressividade e o sadomasoquismo. 
 O sadismo, até 1920, fazia parte do instinto sexual, apenas como uma espécie de 
pulsão dedomínio (Bemüchtigungstrieb), cuja finalidade é a dominação do objeto pela 
força. 
 Os casos clínicos perversos e melancólicos mostram, de modo evidente, que 
existe algo como uma tendência agressiva voltada contra o sujeito e permanecendo 
dentro dele com toda a sua força destruidora. 
 O problema do masoquismo, neste momento, vem justamente se constituir num 
paradoxo: a obtenção de prazer no desprazer. 
 Com a introdução, em 1920, da Pulsão da Morte, Freud descreve esta última 
como sendo dirigida contra o próprio sujeito (numa tentativa de levá-lo a seus estados 
inorgânicos primitivos). Mas, por efeito da energia libidinal contida na Pulsão 
 
* Grifado no original. 
150 
 
da Vida, que possui uma direção totalmente oposta, é conduzida— a Pulsão da Morte 
— em direção ao mundo exterior. Daí que uma parte da Pulsão da Morte fica 
neutralizada pela Pulsão Sexual, permanecendo porém estreitamente ligada a ela. Isto 
será, definitivamente, o sadismo. 
 A parte restante, também unida à Pulsão da Vida, mas que está dentro do 
aparelho psíquico, constituirá o masoquismo primário. 
 O leitor perceberá que é função da Pulsão da Vida essa tendência de juntar, unir, 
amalgamar-se e se fusionar com o Instinto da Morte. 
 Nesta formulação admitem-se as variações sumamente ricas e infinitas que 
constituem essa mistura instintiva. Um aspecto grandemente controvertido desta teoria 
pulsional é a existência de energia dessexualizada ou neutra, que, entre outras coisas, 
serviria para converter um instinto em outro. 
 A primitiva noção de “apoio” ou análise dentro dos marcos da Primeira Teoria 
Pulsional foi substituída, num nível de maior abstração, pela noção de fusão-desfusão. 
(O Ego e o Id. St. Br., vol. XIX, p. 56; 1923.) 
 
RECAPITULAÇÃO E REVISÃO DAS TEORIAS PULSIONAIS 
 Tendo observado que, na Primeira Teoria Pulsional, havia uma coincidência 
entre o conflito pulsional e o conflito das instâncias, aqui, depois de 1920, desaparece 
essa concordância. A origem “mitológica” das pulsões está no Id, sendo o Superego 
uma pura concentração de pulsões de morte. Portanto, será preciso reter que, 
clinicamente, qualquer problema de ordem masoquista tem a ver com uma submissão 
do Ego aos mandamentos agressivos e destruidores do Superego. Deste modo muito 
particular, o Ego satisfaz a energia pulsional superegóica. 
 A Segunda Teoria Pulsional abalou quase todo o edifício teórico freudiano. 
Observado na sua totalidade, o Princípio do Prazer perde, depois de 1920, a hierarquia, 
enquanto os problemas relativos à agressão são colocados em primeiro plano. 
 
151 
 
 Seguindo certo raciocínio cuja origem se encontra no marco filosófico alemão 
dos séculos XVIII e XIX, a partir da r.. conceituação Freud concebe o organismo 
vivente suportado por um conjunto pulsional. Esse conjunto é dividido em dois 
punhados energéticos, um que induz a reproduzir, a somar, a crescer, e outro que leva a 
restabelecer um estado anterior. 
 Enquanto na Primeira Teoria Pulsional a origem da vida surge no interior do 
organismo, na Segunda Teoria a vida 6, concebida por uma modificação acidental 
exterior ao organismo, que tende naturalmente a lutar contra esse acidente, querer impor 
a inércia e a quietude. Vê-se aqui o âmago da filosofia de Schopenhauer, que afirmava 
que a morte era o destino vida. 
 Uma parte da teoria libidinal, porém, permaneceu inabalada: a que se refere ao 
desenvolvimento psicossexual e, particularmente, aos estágios pré-genitais. 
 
TEORIA DA ANGÚSTIA * 
 Dividiremos, para maior compreensão, a Teoria da Angústia e duas subteorias 
cronológicas: a Primeira Teoria da Angústia, que se estende desde 1905 até 1926, com 
ligeiras variações nesse tempo intermediário, e a Segunda Teoria, elaborada a partir 
fundamental trabalho “Inibições, Sintomas e Angústia”. 
 
 Quanto ao uso dos termos “angústia” e “ansiedade”, em nota do 1 tradutor 
brasileiro no início da Conferência n.° XXV de 1916-17, (vol. XVI, p. 457-458) há um 
comentário elucidativo que dá à “ansiedade” uma conotação de referir-se “. vivência de 
sofrimento.. . determinado... por um conflito interno.., designando, pois, o aspecto 
mental do fenômeno...”, e o termo “angústia” designaria “... o aspecto global, 
abrangendo o componente psíquico, a ansiedade, mais as manifestações somáticas 
decorrentes do estado de tensão e sofrimento internos.” Embora aceitando tal distinção, 
mantivemos a expressão “angústia” não só porque a assimilação das citadas 
manifestações somáticas em nada viria a prejudicar o sentido da palavra, como também 
para uma tentativa uniformizante de aproximá-la dos conceitos de “neurose de angústia” 
e “histeria de angústia”, expressões já tornadas definitivas pelo uso. 
 
152 
 
1. PRIMEIRA TEORIA DA ANGÚSTIA 
 
 Esta teoria, cuja descrição mais importante está em Três Ensaios Sobre a 
Sexualidade (1905), reconhece antecedentes a partir de 1892. 
 Com efeito, no “Rascunho E” (Standard Brasileira, vol. 1, p. 261), intitulado 
“Como se Origina a Ansiedade”, Freud é taxativo: a angústia reconhece uma etiologia 
sexual. Através da observação de infindáveis casos clínicos, ele reúne uma série de 
circunstâncias da vida sexual de seus pacientes, em especial circunstâncias recentes. 
Ali constata que, na imensa maioria dos casos, a angústia consistirá numa descarga 
aberrante, desviada, da excitação sexual insatisfeita. A tendência “mecanicista-
hidráulica” de se liberar a energia bloqueada em sua satisfação leva à procura da 
descarga. Porém, se estiver fechado o acesso às vias específicas, a tensão procura 
viabilidade em caminhos não específicos, o que resulta em angústia, ou qualquer um de 
seus equivalentes. 
 Como se pode observar, a concepção econômica está no âmago desta teoria. Em 
Três Ensaios Sobre a Sexualidade, Freud oferece uma definição já elevada ao nível de 
postulado: a angústia é a conversão da libido não satisfeita. Numa nota de rodapé de 
1920, acrescenta ele que essa ansiedade neurótica é um produto da libido, da mesma 
forma que o vinagre é um produto do vinho. 
Em 1917, nas “Conferências Introdutórias à Psicanálise”, Freud nos dá uma síntese 
muito precisa de sua visão da angústia até esse momento. No Capítulo 25, que trata da 
ansiedade (angústia) esta é descrita como um fenômeno corrente, não exclusivo da 
psicopatologia, ocorrendo, por exemplo, diante da percepção de um perigo real. Essa 
reação ansiosa corresponde ao reflexo de fuga e se enquadra, logicamente, dentro das 
pulsões de autoconservação. 
 A expressão Realangst-Neurotische Angst merece uma análise um pouco mais 
detalhada. “Real” está como substantivo, não como adjetivo. Isto significa que o termo 
poderia também ser traduzido como “angústia do real” ou “angústia perante o real”. 
Formulações um pouco mais precisas fazem aparecer o 
 
153 
 
termo como “angústia perante um perigo real”, opondo-o à “angústia neurótica”, que é a 
angústia perante um perigo fantasiado ou interno, O que se quer dizer com angústia 
substantivada é que ambas, a “real-real” e a neurótica, são reais. 
 A angústia real, como foi consignada, importantíssima para a posterior 
conceituação de 1926, é uma reação perante um perigo e, simultaneamente, uma 
preparação para o perigo, na medida em que esse reflexo é uma adaptação evolutiva. 
 
A) CONSIDERAÇÕES SOBRE A ANGÚSTIA REAL OU A REALIDADE DA 
ANGÚSTIA 
 Pelos parágrafos anteriores pode-se deduzir a objetividade oferecida pelo real, 
que desencadeia esse reflexo de fuga perante um perigo. 
 Deveremos, porém, especificar melhor essa realidade da angústia. Existem 
estreitas correlações entre o saber e o poder. Saber pouco sobre um determinado fato e, 
em conseqüência, ter explicações sumamentefantasiosas com escassa correspondência à 
realidade do fenômeno, é fato capaz de desencadear angústia. Daí a importância 
outorgada a instruir, preparar e informar o mais adequadamente possível uma pessoa 
que esteja em vias de enfrentar um fato real externo, por exemplo, uma intervenção 
cirúrgica, uma excursão à África, ou de percorrer lugares sabidamente perigosos em 
determinados momentos. Paradoxalmente, o contrário também pode ser verdadeiro. 
 Saber demasiado sobre determinadas coisas e poder compará-las com os dados 
recolhidos na realidade pode desencadear até pânico. Lembremos, por exemplo, a 
reação de Robinson Crusoé ao encontrar na praia uma pegada humana. Ele acreditava 
estar sozinho e, por conhecer o sinal que observava, inferiu rapidamente que na ilha 
existia pelo menos mais uma pessoa. Se ele não tivesse sabido nada sobre pegadas ou 
coisas parecidas, é óbvio que nada lhe aconteceria. 
 São de capital importância as considerações que ligam o real aos afetos 
causadores de desprazer desencadeados por efeito desse real. Na verdade, para poder 
fugir, o sujeito desenvolve uma série de processos energéticos, que são efetivados pelos 
 
154 
 
aparelhos musculares e neurovegetativos, e que chamamos afeto.* E aqui temos duas 
situações polares. Freud considera que a angústia real possui dois aspectos: um, de 
preparo para o perigo, desde que será suficiente um desencadeamento mínimo de 
angústia para provocar as reações neurovegetativas necessárias à luta ou à fuga. A isto 
se denominará sinal de angústia. 
 Por outro lado, um outro aspecto é irracional, e se constitui no que se chama 
desenvolvimento da angústia. Como seu nome indica, esse é um processo que acaba 
descontroladamente, difícil de dominar, e que também se conhece com o nome de 
ataque de angústia, e que não é absolutamente adequado às situações de luta ou fuga. 
 O que desejamos sublinhar, acompanhando Laplanche (Laplanche, Jean — 
Problemática Psicanalítica, Ed. Nueva Visión, Buenos Aires, 1979, p. 53), é um dado 
nem sempre bem compreendido e de capital importância psicopatológica: que a angústia 
real tem um desencadeamento objetivo, concreto e exterior, mas também tem um 
desenvolvimento patológico incontrolado, irracional, podendo culminar num ataque ou 
numa reação de pânico. Isto leva-nos a procurar motivações inconscientes que atuem 
como desencadeantes destes afetos: portanto, subjacente a uma angústia real, na imensa 
maioria dos casos, encontra-se uma angústia neurótica. 
 
B) SUSTO, ANGÚSTIA, ANSIEDADE E MEDO 
 Achamos oportuno explicitar, da melhor maneira possível, algumas distinções 
que têm valor não só lingüístico mas também psicodinâmico. 
 Particularmente em 1920, em Além do Princípio do Prazer, Freud emprega três 
termos: 
— Schreck: susto. E um termo simples, às vezes traduzido como terror ou pânico, sem 
muitas “penumbras” de associações 
 
* A palavra “afeto” não é aqui usada com o sentido que comumente lhe damos, de 
sentimento, afeição, mas sim o sentido que Mac Lean em 1952 atribuiu às emoções, ou 
seja, todo o séquito de manifestações neuroendócrinas que acompanham as reações 
emocionais dos organismos, como taquicardia, vasoconstrição, hiperpnéia, etc. 
 
155 
 
 Refere-se à aparição súbita de um estímulo inesperado, e a qualidade de seu 
efeito é a surpresa. 
— Angst: angústia. Em alemão, porém, significa também medo. Considera-se que é 
uma vivência que causa desprazer, semelhante ao medo, mas que se diferencia dele 
porque este reclama a presença de alguma coisa real para seu desencadeamento. É 
possível, por essas considerações, que, sendo Angst tanto angústia quanto medo em 
alemão, a dificuldade para traduzi-lo em nossa língua tenha provocado deslizamentos 
confusionais compreensíveis. 
 De acordo com um exemplo clássico, não é o mesmo ter medo de um terremoto 
que se fantasia ou com que se tem sonhado do que sentir medo quando a terra está 
tremendo e as casas desabando. No primeiro caso, dizemos que se trata de angústia, no 
segundo, de medo perante um fato concreto. Mas estes estados se interpenetram, o medo 
podendo acabar em angústia, terror, ou pânico. 
 Enquanto a angústia é um estado de expectativa, portanto, de preparo, o susto é 
um estado inesperado e os acontecimentos adquirem qualidades traumáticas e 
dramáticas. 
 Para o medo, Freud reserva o termo Furcht. 
 Observar-se-á que a angústia serve sutilmente de preparo para o susto e portanto 
nos protege dele, sendo que, em tal sentido, a angústia é imprescindível como 
mecanismo de defesa do aparelho psíquico. 
 Sendo complementares as noções de susto e trauma, o desenvolvimento da 
angústia é um preparo mínimo contra os fatores traumáticos. 
 O estado de não-preparação (susto) que vai permitir a irrupção violenta de 
reações dentro do aparelho psíquico (trauma) desempenha importante papel. Em seus 
estudos com Breuer, Freud explica o valioso conceito de que o próprio susto pode 
provocar um estado de dissociação ou deslocamento de um grupo de representações que 
o sujeito terá dificuldade em reintegrar posteriormente. 
 Reservamos o termo ansiedade, que é quase sempre usado como sinônimo de 
angústia, para descrever um estado de expectativa consciente de um perigo, embora este 
não seja conhecido. Observe-se que sublinhamos estado de expectativa perante uni 
 
156 
 
perigo, e não perante um objeto, ao passo que a angústia é uma sensação quando nada 
de concreto permite supor a existência do perigo. Ansiedade é uma espécie de 
preparação mental para esse perigo, existindo alguns elementos que o tornam uma 
possibilidade. 
 
 Finalmente, devemos deixar claro que a palavra angústia tem sua origem no 
grego Anxius ou Angor, significando aperto, estrangulamento, impossibilidade de 
respirar. A etimologia exprime os habituais acompanhamentos neurovegetativos do 
sentimento desagradável que é a angústia. 
 
2. SEGUNDA TEORIA DA ANGÚSTIA 
 
 Tal como antecipáramos, em 1926 Freud publicou seu trabalho inibições, 
Sintomas e Ansiedade, que servirá como apresentação de uma reformulação da Primeira 
Teoria. 
 É preciso dizer que o Complexo de Castração é uma noção elaborada entre 1908 
e 1924, e imprescindível para a compreensão da Segunda Teoria da Angústia (ver p. 61 
e segs.). 
 Lembremos muito brevemente que o Complexo de Castração e as ansiedades a 
ele ligadas aparecem contemporaneamente a uma resposta à curiosidade sexual infantil. 
É uma teoria explicativa da diferença sexual anatômica. Trata-se, na feliz expressão de 
Laplanche, de um “problema de origem. E como os problemas de origem só encontram 
sua resposta em mitos, a castração é tanto uma teoria como um mito”. (Laplanche, J. — 
op. cit., p. 153.) 
 O Complexo de Castração fala das diferenças, tanto de mais como de menos, ou 
seja, de presença e ausência. O sujeito, então, pelo resto de sua vida, fantasiará 
mitologicamente, a partir de sua realidade anatômica, que se aconteceu um 
“cerceamento”, haverá a possibilidade de que ele volte a se produzir. Será sempre uma 
ameaça que salienta a diferença sexual anatômica e, portanto, o comércio do 
intercâmbio, uma dialética de trocas, numa desesperada tentativa de recapturar a fusão 
inicial. 
 Este último conceito remete necessariamente ao narcisismo, já que para Freud a 
criança acredita na existência de um único 
 
157 
 
sexo: a primazia do falo. (Freud, S. — A Organização Genital infantil: lima interpolação 
na Teoria da Sexualidade, Standard Brasileira, vol. XIX, p. 179.) 
 Lembremos aqui que no menino, ao contrário da menina, o Complexo de 
Castração coroa o final do Complexo de Edipo.. 
 O Complexo de Castração é a expressão fantasiada da proibição de se ligarsexualmente à mãe. Por isso, é o veículo do que se chama A Lei do Pai. Porém, esta lei 
ou regulamento fundamental proíbe a mãe, mas não proíbe todas as outras mulheres, 
pelo contrário, possibilita-as. Como isto é uma fantasia, as possibilidades de 
combinação são muitas e variadas, podendo se estender a proibição desde a mãe até 
qualquer mulher, sendo transposta a esta o mesmo modelo de vinculação à mãe. 
 No caso da menina, ao contrário do menino, o Complexo de Castração vem 
antes, inaugurando o Complexo de Édipo. Com efeito, a menina comprova, por 
comparação com o menino, que carece de pênis e, portanto, reclama-o de sua mãe, 
reclamação esta que se apóia sobre a trilha de perdas anteriores: 
útero, peito, fezes. Como a decepção em relação à mãe é inevitável, em meio a um 
agudo conflito com ela a menina se dirige ao pai para obter deste o pênis almejado. A 
menina reclama simbolicamente uma criança (deseja ter um filho com o pai, obtido 
como um presente que lhe corresponde). 
A) A IMPORTÂNCIA IX) COMPLEXO DE CASTRAÇÃO NA SEGUNDA TEORIA 
DA ANGÚSTIA 
 Como deve ter-se observado, em decorrência de complicações clínicas o 
problema da angústia havia se tornado um problema teórico. Realmente, o 
desenvolvimento da estrutura do Complexo de Édipo leva Freud a estudá-la 
profundamente, encontrando nele um conjunto de subestruturas composto de funções e 
afetos. 
 Como antecipamos (ver p. 157), antes da perda fantasiada do pênis o sujeito teve 
outras perdas, no registro real-concreto. A primeira delas, motivo de acirrada polêmica 
com Otto Rank, é a perda do útero no ato do nascimento. O chamado trauma do 
nascimento é uma experiência dolorosa, que marca a passagem 
 
158 
 
de um estado aquoso a outro aéreo e, sob o ponto de vista psicofisiológico, manifesta-se 
por uma profunda inundação excitatória dos aparelhos neurovegetativos e musculares. 
 A experiência do desmame é a segunda grande perda que o sujeito deverá 
enfrentar, acompanhada dos afetos-angústias correspondentes (ver p. 37). Será preciso 
lembrar que o desmame é um processo rítmico que consiste numa série de perdas 
sucessivas, não só do peito em si, mas também de todo um conjunto de experiências 
córporo-afetivas que são componentes necessárias do ato de mamar. 
 Na fase seguinte, anal, a perda de fezes (ver p. 45) será codificada pela criança 
como uma angústia de separação ou renúncia, ao mesmo tempo que se exercitam 
muscularmente os controles desta ansiedade. Freud expõe que um dos elementos 
possíveis da angústia de separação do pênis (castração) é o julgamento de que ele é 
“separável” do próprio corpo, experiência que a criança teve, cotidianamente, na fase 
anal. 
 O leitor terá percebido que todos os objetos precursores da castração são parciais 
em relação, é claro, ao resto do corpo. Estes elementos parciais, juntamente com as 
fantasias e perigos conseqüentes, Freud tentará articular em inibições, Sintomas e 
Ansiedade (S. B., vol. XX, p. 107; 1926). 
 
B) INIBIÇÃO, SINTOMA E ANGÚSTIA 
Angústia Automática 
 Com este termo, Freud designa a reação do indivíduo ao se encontrar perante um 
afluxo de excitações que não consegue dominar. Evidentemente, este modelo é tirado do 
estado de desarvoramento em que se encontra o recém-nascido. Portanto, a angústia 
automática reconhece como modelo o trauma do nascimento. 
 Os conteúdos desta angústia são da ordem das pulsões de autoconservação, onde 
“a realidade está em seu ponto máximo e o perigo é hiper-real (é, sem dúvida, o mais 
real que pode existir, já que, em verdade, se trata de sobreviver ou não)”. (Laplanche, J. 
— Problemática Psicoanalítica. Ed. Nueva Visión, Buenos Aires, 1979, p. 164, grifado 
no original.) 
 
159 
 
 O leitor deverá fazer um esforço imaginativo: o perigo não é percebido como tal, 
a rigor o Ego é sumamente primitivo, se é que existe Ego (nesta idade) e não há 
aparelho para perceber um perigo. Tudo o que o observador, de fora, vê, e portanto 
considera, são movimentos corporais desordenados (espernear, gritos, choros, descarga 
de secreções, etc.). 
 Tem-se especulado muito sobre se o bebê “sente” ou não a angústia, o perigo e a 
separação. Segundo Freud, em seu famoso texto de 1926, diremos que o único fato que 
o recém-nascido pode talvez reconhecer é alguma coisa que o violenta em seu 
equilíbrio, até esse momento, estável. Mas isso não é suficiente para catalogá-lo como 
situação perigosa, é uma reação, o neném ainda não tem condições de poder nomeá-lo, 
carece do elemento fônico fundamental e significante que, por comparação com outros, 
lhe outorgará capacidade para distinguir o que é uma e o que não é uma situação de 
perigo. 
 “O nascimento será um protótipo, isso sim, (um modelo) de todas as posteriores 
situações de perigo.” (Standard Brasileira, vol. XX, p. 186.) Os afetos ligados a essa 
situação iniciai se reproduzem automaticamente em situações análogas. Mas, sendo 
automática, essa reprodução vem a ser uma forma inadequada de reação. 
 Desejamos salientar que a estrutura de separação e tudo 
que é angústia estão presentes (como consciência) nos adultos que rodeiam a criança 
que, posteriormente, aprenderá que “aquilo” (o espernear, os gritos) tem o nome de 
angústia. 
 Os afetos ligados à fase oral e os perigos aos quais a criança está exposta 
encontram-se já vinculados a fantasias que em parte lembram os problemas de vida ou 
morte, decorrentes da presença ou ausência do elemento líquido material que possibilita 
a vida: o leite. Ë, porém, um abuso falar de castração ao se referir à perda do peito em 
cada ato de amamentação. No máximo, a criança sente abandono do peito e suas 
fantasias e ansiedades estão, necessariamente, codificadas pelo ato: a criança se sente 
“comida”, “chupada”, “sugada”, assim como, simultaneamente, “comendo”, 
“chupando” ou “sugando”. O objeto é parcial, mas a criança não sabe disso, ela o sente 
como total. 
 Durante a fase anal (e lembremos uma vez mais que só se entra nessa etapa 
depois de se ter percorrido a etapa precedente) 
 
160 
 
acontece também uma separação de uma parte do corpo. Desta vez, não do peito e sim 
de fezes. Observe-se a diferença: na fase oral, o objeto que se perde está “fora”, é 
alheio, não pertence ao corpo real-concreto do sujeito e a criança está (radicalizando a 
situação) à mercê dele. Já na fase anal, o objeto pertence ao próprio corpo real e a 
retenção, domínio e oportunidade de expulsão serão dados de acordo com as 
significações que o meio social irá lhes outorgando. E estas significações, dependentes 
de uma complicada série de atos sociais, vão adquirindo cada vez mais importância. 
 Finalmente, ao nível fálico-genital, a ansiedade tem como tema também a perda, 
porém — observe-se a diferença — não haverá nada real-concreto que se perca, como 
nas fases anteriores, e aqui a significação é tudo. Eis aqui o que se chama o nível 
simbólico. O sujeito teme perder uma coisa que nunca sentiu, nem viu perder, e esse 
medo se apóia necessariamente nas perdas que sentiu perder corporalmente antes. 
“Angústia-Sinal” ou o Sinal de Angústia 
 Freud tomará um processo de desenvolvimento teórico a partir da angústia 
automática como protótipo de reações a perigos ulteriores, para desenvolver um 
elemento essencial em sua teoria da angústia: angústia-sinal. 
 Reconhecemos, então, que o afeto angústia é uma reação geral a um perigo e que 
essa angústia está localizada no Ego, já que só ele pode experimentar esse afeto 
desagradável. * 
 Mas a raiz da importância crescente que o Complexo de Castração adquire para 
Freud é a constatação de que a angústia é desencadeada por uma ameaça. E, conforme 
vimos no final do item anterior, esta ameaça não é real-concreta:é principalmente uma 
significação. 
 O pulo teórico de Freud e sua conseqüência se fazem sentir: a angústia não é 
provocada pelo acúmulo de energia pulsional. Muito pelo contrário, são as séries de 
significações 
 
* Tal como vimos no capítulo correspondente (ver p. 87), o Ego, no Segundo Tópico, 
adquire relevante importância, obrigando a reformular quase todos os aspectos da teoria, 
incluindo logicamente a angústia. 
 
161 
 
 
desencadeadas da angústia (angústia de castração) que provocam a repressão (recalque). 
Aparece, desse modo, o conceito de sinal de desprazer, ou seja, uma espécie de 
dispositivo sediado no Ego e posto em ação por ele perante uma situação de perigo, cuja 
finalidade é evitar que aconteça o que sucede com a angústia-automática: o 
transbordamento e a inutilização do aparelho psíquico por uma “avalancha” de angústia, 
com todas as suas conseqüências neurovegetativas e paralisantes. 
Veja-se que a noção de sinal de angústia tem todas as características de uma atividade 
significativa ou, se preferirmos, simbólica. Inclusive, é preferível a nomeação atividade 
simbólica, porque não existe relação entre o desprazer desencadeado e o perigo que leva 
a ele. 
 Mais ainda: há uma espécie de polissemia da situação perigosa, já que os perigos 
temidos se remetem uns aos outros, formando uma rede onde o sujeito fica preso. 
(Green, A. — La Concepción Psicoanaiítica dei Afecto, Siglo Veintiuno Ed., Buenos 
Aires, 1975.) 
 Observe-se, então, em toda a sua dimensão, a importância do medo da perda do 
objeto pênis (Complexo de Castração), medo da perda que se inscreve num plano não-
real-concreto. Como agora é o universo de significações quem vai “dizer” o que é perda 
e o que não é, que parte do corpo se perde e que importância com sua respectiva fantasia 
tem essa. perda, todas as fases pré-genitais ficarão ressignificadas por essa angústia 
específica. 
 Uma outra conseqüência desta reformulação teórica, e de relevante importância 
clínica, é que há perigos diferentes para diferentes fases da evolução libidinal, como 
deixamos entrever anteriormente. No fundo de todas elas existe o perigo de abandono 
total, mas, nas fases adultas, qualquer elemento ameaçador está sempre ligado à perda 
de alguma coisa hipercarregada narcisicamente e cujo modelo ou protótipo é o pênis 
(Complexo de Castração). 
 Seguindo o esquema de Green, no caso da angústia automática, ela parece 
responder a uma manifestação do Id, que invade e alarga as possibilidades de contenção 
do Ego e cuja 
 
162 
 
conseqüência clínica é o pânico, o desespero, a impotência, o abandono. 
 No caso da angústia-sinal, esta funciona como um alarme e a instância posta em 
jogo é o Ego, que, aqui sim, pode controlar a situação. 
 A angústia-sinal é responsável pelo início de todas as operações defensivas 
contra a invasão pulsional do Id. Neste caso, os mecanismos de defesa, quaisquer que 
sejam, cumprem uma atividade simbólica operativa, a serviço da adaptação ao meio, 
com a finalidade de modificá-lo. 
 O leitor não se deverá deixar enganar pelas metáforas; não existe uma angústia 
do Ego e uma angústia do Id. Toda angústia se dá no Ego, mas, como é lógico, provém 
do Id. O que a angústia-automática faz é apagar, violentamente, as diferenças entre as 
instâncias e, também, entre o interno e o externo. O Ego, aí, desaparece (no sentido de 
perda de autonomia) e o aparelho volta a seu primitivo mecanismo: ser um aparelho de 
reflexos. 
 No caso da angústia-sinal, é como se o Ego usasse pequenas quantidades de 
energia pulsional para se “vacinar” e mobilizar as defesas. 
Essas pequenas quantidades de energia são o que possibilitará o aparecimento das 
funções judicativas superiores: o pensamento. 
 
163 
 
CAPITULO VI 
Sonhos, fantasias e função imaginária 
 
SONHOS 
 
 A rigor, a ciência psicanalítica começou sendo uma ciência onírica. É o estudo 
dos sonhos que marca o que se conhece com o nome de ruptura epistemológica 
freudiana e, embora muito se tenha escrito e teorizado a esse respeito, quem deseja 
aprender alguma coisa sobre o que se denomina “registro imaginário” terá que 
mergulhar na clássica obra de 1900. 
 O sonho é, em primeiro lugar, uma necessidade fisiológica e, 
fenomenologicamente, constata-se com facilidade que é uma que se produz quando o 
sujeito está completamente afastado do mundo exterior. 
 Vamos conhecer o conteúdo do sonho pela comunicação que aquele que sonha 
fará para seu circunstancial interlocutor. Observando minuciosamente os parágrafos 
acima, veremos que o estudo dos sonhos foi e é importante como estudo do narcisismo 
(afastamento do mundo exterior), como conhecimento “puro” da produção mental, 
como modelo da estrutura de um sintoma e, portanto, como abordagem válida ao estudo 
das neuroses. Sendo uma atividade normal, nos proporciona uma oportunidade 
 
* Foram utilizados, na elaboração deste capítulo, a Interpretação dos Sonhos, partes 1 e 
2, 1900, vol. IV e V da Ed. Standard Brasileira; Conferências Introdutórias Sobre 
Psicanálise, 1916, vol. XV, parte II Laplanche, J. & Pontalis, 1. B., Fantasme 
Originaire, Fanrasmes des Origines, Origine du Fantasme, Les Temps Modernes n.° 25, 
Paris, 1964; Pontalis, J. B., Entre le Rêve er la Douleur, Gallimard, Paris, 1977; Godino 
Cabas, A., Curso y Discurso de la Obra de 1. Lacan, Ed. Helguero, Buenos Aires, 1977. 
 
165 
 
de estudo da ritmicidade com que o Ego se aproxima e se afasta do mundo exterior. O 
sonho é uma produção inconsciente (o sujeito dorme), porém, temos também sonhos 
acordados: são os devaneios e os delírios, cuja correspondência estrutural com a 
atividade onírica é quase total. 
 “Interpretar significa achar um sentido oculto em algo.” (Freud, S. — Standard 
Brasileira, vol. XV, 1916, p. 109.) 
 É esta será a intenção que levará Freud a encontrar esse “algo” depois de 
interpretar os sonhos. Esse “algo” será a Teoria do Inconsciente. 
 Fenomenologicamente, há sonhos muito curtos, com uma só imagem, e outros 
muito compridos, que abrangem enormes experiências internas. Alguns são nítidos e 
reproduzem quase fielmente a experiência diurna, como acontece com os sonhos das 
crianças. E outros — a maioria — são obscuros e incompreensíveis. Há sonhos em que 
nos vemos como frios espectadores, e outros em que se expressam profundos 
sentimentos de ansiedade que são capazes de nos fazer acordar (pesadelos). 
 Normalmente, um ser humano sonha todas as noites, e sua produção é variável 
nas diferentes horas em que se estende seu sono. Porém, uma destacada característica é 
o esquecimento fácil da produção onírica. Há pessoas que só excepcionalmente se 
lembram de algum fragmento e outras que são capazes de lembrar até pequenos 
detalhes. 
 Abandonando a fenomenologia, diremos que uma das importantes descobertas 
de Freud é mostrar que o sonho é o guarditio do dormir. Realmente, graças a esse 
“sintoma natural”, o sujeito consegue continuar dormindo. E esta é uma experiência 
subjetiva do sonhador que, no momento em que é comunicada, se torna intersubjetiva. 
Freud constata um conflito entre desejos: o desejo de dormir e o desejo proveniente do 
inconsciente, que luta por emergir. De fato, a que se referem os conteúdos de desejo de 
um sonho? A dois níveis de experiências: a primeira delas, às circunstâncias externas do 
mesmo dia ou dos dias anteriores, e a segunda, às circunstâncias profundas infantis. 
Explicado de forma simples, um sonho é formado pela confluência destas duas direções: 
a atual, que se chama “o resto 
 
166 
 
diurno”, e a inconsciente infantil. Na ilustrativa metáfora freudiana, o desejo 
inconsciente é como o capitalista do sonho, é quem proporcionaa energia principal para 
construí-lo (pulsão) e o “resto diurno” é o sócio industrial, só tem importância na 
medida em que oferece ao desejo inconsciente um transporte para sua veiculação. 
 O sonho é uma realização alucinatória de desejos. Esta fórmula geral é 
sumamente importante porque mostra duas coisas de alta significação: primeiro, que um 
desejo não se satisfaz nunca, só se realiza alucinatoriamente; segundo, que a natureza 
onírica nos faz entrar em outros produtos mentais intimamente vinculados a ela, as 
fantasias, os devaneios, o imaginário. 
 E se um sonho, como Freud exaustivamente demonstrou, tem um sentido oculto, 
também o tem uma fantasia, um devaneio, um delírio. “Os devaneios são fantasias 
(produtos da imaginação); são fenômenos muito generalizados, observáveis mais uma 
vez tanto nas pessoas sadias quanto nas doentes, e são facilmente acessíveis ao estudo 
em nossa própria mente (.. .). Nelas não experimentamos nem alucinamos algo, mas 
imaginamos alguma coisa, sabemos que estamos tendo uma fantasia, não vemos mas 
pensamos.” (Freud, S. — Op. cit., vol. XV, p. 122.) 
 Assim, tanto sonhos quanto devaneios e fantasias serão uma solução de 
compromisso entre os desejos infantis, que durante a noite encontram a censura mais 
relaxada, e os restos desta, que não deixam de existir, mesmo se relaxada. 
 Desta maneira se efetua o trabalho onírico, que é toda uma produção psíquica 
que transformará a matéria-prima desejante no produto final que será o sonho relatado a 
outro. O trabalho onírico consistirá, então, na transformação das representações 
inconscientes, inaceitáveis para a parte consciente do Ego, em outras representações que 
servirão de disfarces ocultadores das representações originai. Isto é o que se chama a 
codificação do sonho. Interpretar um sonho será decodificá-lo, voltar a encontrar aquele 
conjunto representacional oculto, descobrindo assim a rede de sua organização interna.* 
 
 
 
167 
 
 Como se vê, o sonho, como um sintoma, é uma deformação, e essa deformação é 
a que interfere em nossa possibilidade de compreendê-lo, pelo menos diretamente. Todo 
sonho (a rigor, toda produção mental), “. . . resulta de uma atividade censora dirigida 
contra inaceitáveis impulsos plenos de desejo inconsciente” (Freud, S. — Op. cit., vol. 
XV, p. 179). 
 O sonho se produz por ação fundamental de dois mecanismos, o deslocamento e 
a condensação. 
 O deslocamento (Verschiebung) consiste em transferir o acento, o interesse, em 
última instância a energia de uma representação muito carregada, a outra ou outras. Ver-
se-á que é o fenômeno fundamental da substituição e também faz parte da estrutura de 
qualquer sintoma. 
 Uma característica importante é que o deslocamento ou substituição não anula o 
substituído, e sim o integra numa cadeia associativa. Freud se refere ao deslocamento 
como uma alusão e, portanto, este é o principal efeito pelo qual um determinado 
conteúdo parece descentrado e estranho. 
 O segundo mecanismo é a condensação (Verdichtung), que seria o corolário do 
deslocamento. Uma representação única concentra em si várias cadeias associativas 
produzidas por deslocamento. Para sermos mais gráficos, a condensação é o resultado, e 
o deslocamento, a “causa”. 
 A condensação é responsável pelo sintético, pelo pouco expressivo que resulta o 
conteúdo manifesto de um sonho ou a expressão consciente de um sintoma, em 
comparação com o que ele oculta. É como se fosse uma tradução abreviada; entretanto, 
a condensação não é um simples resumo, já que cada elemento que o compõe é produto 
final de outras complexas redes associativas. Um sonho é uma articulação de várias 
estruturas condensadas, embora em seu relato possa parecer simples. 
 Modernamente, e através da lingüística, o deslocamento se conhece com o nome 
de metonímia, e a condensação como metáfora. 
 
168 
 
 O próximo mecanismo a ser examinado é a representação verbal plástica, ou 
seja, a transformação das idéias em imagens visuais. Este é o terceiro mecanismo, que 
consiste em transformar o pensamento em imagens. Em outras palavras, um sonho é um 
pensamento que se vê. 
 E de fato, qualquer fantasia, qualquer devaneio e, de modo geral, todo o nível do 
imaginário, terá ligação com a hierarquia do visual, situando-se a imagem como o 
âmago do problema. 
 Essa transformação do pensamento em uma produção visual lembra, segundo 
Freud, o aspecto arcaico da linguagem, já que, no início, ontogenética e talvez 
filogeneticamente, as palavras não eram palavras e sim a “coisa” concreta. A abstração 
é uma aquisição sempre posterior. Por isso deveremos encarar esse imaginário comércio 
onírico também como uma linguagem, onde, de forma similar às origens das línguas, 
uma mesma palavra ou uma mesma imagem pode ter significados muito diversos e até 
antitéticos. 
 Freud ilustra essa transformação regressiva entre o pensamento e a imagem 
como uma substituição semelhante à troca de um editorial político num jornal qualquer 
por uma série de ilustrações (Freud, S. — Standard Brasileira, vol. XV, p. 209). 
 Poder-se-á observar aí um retrocesso da escrita alfabética para a escrita 
pictográfica. Não haverá maior dificuldade na transformação de pessoas ou objetos 
concretos, mas os obstáculos mais importantes serão a “pictografia” das palavras 
abstratas e de todos aqueles componentes do discurso indicando relações entre 
pensamentos. 
 Assim, por exemplo, aparecerão pintados enunciados diferentes do original, com 
fortes componentes concretos, e aí então nos lembraríamos que a maioria das palavras 
abstratas “são palavras concretas ‘diluídas’ e, por essa razão, teríamos que retroceder, 
sempre que possível, à significação concreta original de tais palavras”. 
 Por exemplo, para expressar oniricamente a idéia de posse o trabalho onírico 
pode nos mostrar uma pessoa sentada numa cadeira. Um outro exemplo: para traduzir 
em imagens o adultério (literalmente, quebra do vínculo matrimonial), o sonho o 
substitui pela visão de uma outra quebra, talvez de uma perna. 
 
169 
 
 Como se pode observar — com finalidade exclusivamente pedagógica — a 
substituição é quase um trabalho de sinonímia. E essa sinonímia faz-se sobre o trilho da 
similitude ou da analogia, ou pela contigüidade espacial em que a representação se 
apresenta. A representação onírica não deixa de ser uma imitação. 
 Chega-se à conclusão de que a elaboração onírica é a transformação da palavra 
em imagem. Ao mesmo tempo, refletimos em sentido inverso: na origem de nossa vida, 
não tínhamos pensamentos, só possuíamos imagens sensoriais, matéria-prima oferecida 
pelas impressões dos sentidos, ou, para sermos mais precisos, pelas representações ou 
traços mnêmicos dessas impressões. Foi mais tarde que a palavra ouvida veio se soldar 
a essa representação sensorial. 
 Sonhar é portanto regredir, implicando isso uma eliminação parcial do que foi 
acrescido “como aquisição nova no decorrer da evolução das imagens mnêmicas para 
pensamentos” (Standard Brasileira, vol. XV, p. 216). 
 O quarto e importante mecanismo do trabalho onírico é a chamada elaboração 
secundária, também denominada “tomada em consideração da inteligibilidade”. 
 É fácil inferir que, uma vez desmontados os mecanismos do pensamento em 
vigília, através de deslocamentos e condensações, e feitas a “arrumação” e as montagens 
de tradução em imagens plásticas, o sonho terá agora que se apresentar como um todo 
coerente e compreensível. 
 Deste modo, a censura (que, lembramos, não foi totalmente abolida) e os 
elementos conscientes, assim como o Superego, serão os responsáveis por esta condição 
de apresentabilidade. A elaboração secundária abrange também as modificações e 
transformaçõessofridas pelo produto onírico quando este é relatado, e até quando 
parcial ou totalmente esquecido. 
“A elaboração onírica é um processo de tipo muito singular, do qual ainda não se tem 
conhecido similar na vida mental. Condensações, deslocamentos, transformações 
regressivas de pensamentos em imagens. . . (. . .) .. . a partir das comparações com a 
elaboração onírica, as conexões que se revelaram entre os estudos psicanalíticos e 
outros campos do conhecimento 
 
170 
 
especialmente os referentes à evolução da linguagem e do pensamento. Somente 
poderemos formar uma idéia da transcendente importância destas descobertas quando 
aprendermos que o mecanismo da construção onírica é o modelo segundo o qual se 
formam os sintomas neuróticos.” (Standard Brasileira, vol. XV, p. 218.) 
 
FANTASIAS, DEVANEIOS, NIVEL IMAGINÁRIO 
 O parágrafo anterior exprime exatamente a grande semelhança existente entre o 
sonho e o sonho diurno (fantasias e devaneios). A função principal de um sonho é a de 
ser lembramos — o guardião do dormir. Guardião de quê, é um sonho diurno? 
O que sabemos até agora é que ele procura fornecer ao sujeito uma satisfação 
independente da realidade exterior. 
 Da mesma maneira que um sonho, a fantasia tira seus conteúdos da história 
infantil do sujeito e seus mecanismos são exatamente iguais aos de um sonho: 
deslocamento, condensação e representação visual. Porém, fenomenologicamente, a 
elaboração secundária, o conjunto de disfarces com que ela se apresenta, é bem maior. 
Não resta a menor dúvida de que muitos sonhos diurnos (fantasias) são uma mera 
continuação do sonho noturno, e vice-versa. 
 A essa altura, deveremos lembrar ao leitor que, assim como um sonho é formado 
por uma parte consciente (o sócio industrial) e uma parte inconsciente (o sócio 
capitalista), a fantasia tem o mesmo modelo, sendo que aqui o capital adquire uma 
importância extrema. 
 Com efeito, a fantasia, às vezes também chamada de fantasma, é uma 
cenarização imaginária que representa, deformada, a realização de um desejo. E esse 
desejo é inconsciente. Fica claro, então, que o desejo é o motor dessa atividade. 
Quem diz fantasia, diz também uma série de conceitos a ela ligados, que sobrecarregam 
sua denominação, transformando-a num elemento de inigualável riqueza teórica e 
clínica. Assim, por exemplo, fantasia designa imaginação e imaginação leva à imagem, 
ao visual, à ilusão, à alucinação, ao sonho, ao delírio, à 
 
171 
 
representação (imaginária), à percepção, à realidade, à ficção, à verdade e ao mito. 
 O leitor, nessa necessária e breve síntese, toma contato com uma série bastante 
abrangente de problemas, que ocupou e ocupa a psicanálise contemporânea, assim como 
a lingüística, a semiótica e a antropologia. 
 Para explicar metapsicologicamente o conceito de fantasia, recorreremos ao 
modelo do desejo, ao qual está intimamente vinculado. 
 No capítulo referente ao Modelo Dinâmico (ver p. 139), dizíamos que uma 
pulsão tem uma fonte, uma meta ou finalidade, uma pressão e um objeto. O tema da 
fantasia começa a partir daqui. 
 A pulsão é um conceito predominantemente psicológico (Trieb) e, antes de estar 
a serviço do nível psicológico, era instinto (Instinkt), ou seja, uma força que se encontra 
no nível biológico. A problemática será: como transformar a matéria instintual biológica 
em psicológica? 
 Aqui se introduz o conceito de “necessidade”. A “necessidade” é um estado de 
tensão interna que requer uma ação específica para a obtenção de um objeto específico. 
Por exemplo, necessidade de água, ou necessidade de leite (e só de leite) para o recém-
nascido. Dirige-se este instinto a um objeto e só com ele se satisfaz. Ver-se-á então que 
o objeto desse instinto, que é necessitado, está inscrito na história filogenética e se 
encontra — repetimos — no nível biológico (sendo difícil estudar-se seu domínio, que é 
matéria dos biólogos, dos etólogos, dos físico-químicos e, até certo ponto, de alguns 
ramos da ciência médica). Teoricamente, o neném, ao nascer, uma única vez tem 
necessidade “pura”: a primeira vez. Depois de haver mamado, e tendo se acalmado 
como resultado da ação específica (o ato de mamar) e da incorporação do objeto 
específico (o leite), na segunda vez em que sentir renovadas as tensões biológicas 
(fome) já possuirá dentro de si uma marca, uma representação da satisfação da 
necessidade. Agora, portanto, ele se dirige ao mundo exterior demandando a reaparição 
do objeto primeiro. 
 Como facilmente se compreenderá, esse objeto primeiro nãO reaparecerá, não só 
porque não é o mesmo em si, mas principalmente 
 
172 
 
pela transformação que lhe foi imposta pela experiência organizada dentro do neném. 
 Mas quem é o encarregado de fornecer a matéria-prima, o leite? Um outro ser 
humano, adulto. Isto significa que o sujeito psicológico se organiza por um encontro 
entre a biologia e a cultura. O desejo — precisamente — será essa tensão, apoiado na 
necessidade, que deseja igualar uma ou mais experiências anteriores mas que, por ser 
desejo, está fadada a nunca ser alcançada. 
 Como se pode observar, o conceito de desejo implica o conceito de pulsão. 
Dirigindo-se a pulsão a um objeto, a pergunta que cabe é: este objeto, o que é? 
 Sabíamos que, no caso da necessidade, o objeto era específico. Já no desejo, não 
o é, há uma modificação do objeto, requer leite e alguma coisa a mais. Essa coisa a mais 
é uma representação, uma imagem daquilo que foi e que se deseja possuir agora. 
 Vejam-se então articulados dois conceitos fundamentais que correspondem à 
biologia (instinto/necessidade) e à psicologia (pulsão/desejo). Mas, na descrição 
anterior, vimos também o conceito de objeto. Esse objeto, para o instinto, será aquele 
elemento específico que satisfará essa tensão. Já para a pulsão, o objeto não é 
específico, será uma qualidade ou um conjunto delas que, como imagens, acompanharão 
o objeto concreto. Por isso, Lacan introduz a especificidade do desejo humano na 
procura de um Outro semelhante. 
 Sob o ponto de vista do instinto, o sujeito está à espera do objeto (peito, leite, 
por exemplo), ou seja, o instinto busca, procura objetos para satisfazer sua necessidade. 
Em troca disso, e sob a perspectiva do desejo, o objeto, o Outro semelhante a ele, espera 
o sujeito. Desta maneira, existirá uma importante acentuação na psicanálise 
contemporânea quanto à relação estabelecida entre um aparelho psíquico, com 
necessidade e desejos, e outro aparelho psíquico, também com necessidade e desejos. 
 Vemos, assim, que o conceito de pulsão é um conceito-limite. Limite entre o 
biológico (que se constitui como fonte) e o psíquico (que se constitui como seu destino 
ou meta). 
Como o destino psicológico de uma pulsão será encontrar sua satisfação num 
semelhante, num igual, num outro ser humano 
 
173 
 
deveremos observar que o destino de uma pulsão é construir uma ou mais séries de 
identificações, e estas identificações serão os “tijolos” constituintes do Ego. 
 A esta altura, deveremos lembrar que, para que a pulsão se constitua em 
identificação, deverá se “apoiar” (anáclise) no objeto concreto procurado pelo instinto. 
 Assim, a identificação constitui-se num elemento articulador que une a pulsão ao 
objeto concreto. A catéxia será a energia que sustentará essa articulação e que, em 
definitivo, “vem a ser a peculiar ligação que a identificação estabelece com o “objeto” 
(concreto). 
 Finalmente, a fantasia é, na feliz definição de Godino Cabas (op. Cit., p. 14), “a 
expressão ou superestrutura da peculiar relação estabelecida entre identificação e 
objeto.” 
 Ou seja, a fantasia, compreende-se agora, é aquele famoso corolário mental de 
um instinto, comoaparece nas clássicas descrições de Melanie Klein e Paula Heiman. 
 Assim, por exemplo, aplicando o esquema anteriormente citado, diremos que o 
sujeito sente uma certa tensão interior que reconhece como fome, cuja origem é 
totalmente biológica. No nível psicológico, esta energia pulsional começa a circular 
num mundo de identificações (de velhas tensões com pedaços de sua mãe ou de seu pai, 
infinitas maneiras de lhe serem satisfeitas tensões análogas, etc.). A partir dessa(s) 
identificação(ões), o sujeito se dirige ao mundo para satisfazer concreta- mente sua 
tensão de fome. 
 Porém, a maneira singular, distinta, como vai satisfazer essa tensão, expressará 
as fantasias que nele habitam e que determinarão o encontro com o objeto. Observe-se 
que no encontro com esse objeto o sujeito descarregará o instinto — ou seja, a fome 
pura, o necessário para a vida das células — mas a maneira pela qual ele se aproxima ou 
se afasta, ou as diversas modalidades de conduta que organiza em volta desse objeto 
concreto, serão de responsabilidade da fantasia. 
 Em outro exemplo, podemos dizer que a pulsão genital, originada em fonte 
biológica, irá requerer um objeto genital para sua satisfação (descarga). Existe, porém, a 
possibilidade eventual de que essa pulsão carregue, dentro do aparelho psíquico, 
identificações de diferentes níveis, inclusive do nível oral. A conseqüência será que o 
sujeito, fortemente carregado de fantasias orais, se dirigirá a um objeto concreto para 
satisfazer originaria- mente necessidades biológicas genitais. 
 Este simples fragmento pode ser extrapolado a qualquer exemplo clínico. Será 
necessário definir, para cada situação, as pulsões, as identificações e os objetos que 
entram em jogo. A fantasia será o elemento que reúne a dialética entre estes três 
elementos. 
 Por isto, uma fantasia é uma cenarização onde sempre se encontra o sujeito 
aparecendo em diversas formas de identificação, procurando sempre um Outro 
semelhante, Outro que vai satisfazer o concreto que pode dar, e a imagem, essa série de 
qualidades que farão com que esse Outro seja um id-êntico, um semelhante a ele. 
 Veja-se, então, a estreita união existente entre a fantasia que nos vincula aos 
Outros, que são semelhantes a nós, e a imagem. 
176 
 
 Porque, quando falamos de imagem, falamos do efeito dessa imagem que, 
necessariamente, é ilusório. 
 Voltemos ao ponto de partida: vinculamo-nos aos outros mediante fantasias, que 
são imagens, que são relativas a nós mesmos e que produzem uma ilusão. Aqui está 
contida toda a conceituação e terminologia da psicanálise contemporânea, fortemente 
influenciada por Lacan. 
 Falando de fantasias, fala-se da ilusão e, pela ilusão, conhecemos os semelhantes 
a nós. E, se são semelhantes, são idênticos (problema da identificação). E, se são 
idênticos, os Outros não são diferentes. Portanto, nós nos reencontramos com e nos 
Outros. 
 Apenas duas palavras para esboçar o tema do chamado “Registro do Imaginário” 
e “Registro Simbólico”. 
 Como foi dito, a fantasia é uma cena imaginária onde o sujeito, a própria pessoa, 
aparece disfarçado sob diversas formas (como se fosse um sonho). Chama-se Registro 
Imaginário quando a fantasia e a imagem nela contida se relacionam com a imagem de 
um semelhante. Ou seja, é uma função exercida pela imagem em relação à imagem do 
Outro. 
 Este é, como facilmente se deduz, um simples processo de igualação, em que se 
tenta definir um Outro mediante a incorporação (identificação) de determinado atributo 
ou predicado característico. 
 Essa é a essência do desejo humano: constituir-se à imagem e semelhança do 
Outro. Por este simples processo, resulta indistinto, especialmente durante um 
tratamento psicanalítico, falar de si próprio ou falar dos outros. 
 Resta esclarecer, de forma muito sintética, que quando se diz Registro 
Imaginário não há nisto nada de concreto. Referimo-nos somente a uma função. E aqui 
deveremos dizer que qualquer fantasia opera com duas funções simultâneas: uma, a que 
acabamos de examinar, a função imaginária, isto é, sua capacidade de produzir efeitos 
de ilusão (de semelhança) e outra, a função simbólica, ou seja, função de revelação ou 
denúncia, de divulgação (de que não é semelhante). Este nível simbólico é o que nos 
mostra para que serve a fantasia. Por oposição ao nível imaginário, o nível simbólico 
mostra que o sujeito não é igual a um semelhante, e que está incluído numa história 
antiqüíssima, e que a circunstância particular só faz isso, particularizá-la. 
 
177 
 
 Enquanto a função imaginária diz ao sujeito que o Outro é uma ilusão, a função 
simbólica subverte isto, denuncia que tanto esse sujeito quanto Outro estão incluídos em 
leis universais que nos governam: o desenvolvimento psicossexual, o Complexo de 
Édipo, etc. E estas leis universais, que falam do Registro Simbólico, não só não 
pertencem ao indivíduo, como também são de domínio social. Assim, o Registro 
Imaginário, se refere à ilusão, imagem, Outro. O Registro Simbólico refere-se, em 
primeiríssimo lugar, à noção de cultura e ao ordenamento social. Registro Imaginário é 
o registro do sempre igual, do narcisismo. Registro Simbólico é o registro do sempre 
diferente, do não-narcisismo. 
 
1. FANTASIAS ORIGINÁRIAS OU PRIMITIVAS 
 Como se infere do que foi dito até agora, a importância da fantasia chega a ser 
tal que se constitui no ponto máximo de atenção e estudo cada vez mais específico da 
psicanálise. A fantasia constituirá a “realidade psíquica”, mas, se é apresentada como 
um campo autônomo e específico, resta indagar sobre suas origens, tanto em morfologia 
quanto em conteúdo. 
Laplanche e Pontalis, num já clássico estudo (Laplanche, 
J. Pontalis, 1. B.: “Fantasme originaire, fantasmes des origines, origine du fantasme”, 
Les Temps Modernes, Paris, ASAREL, 1964), resgatam a palavra de Freud, que diz ter 
descoberto uma cena que remonta aos tempos originários e que resolve enigmas ainda 
não solucionados por ele. Essas cenas dos tempos originários (Urszenen) passam a ser 
estruturas fantasmáticas típicas, funcionando como organizadores da vida fantasmática 
do sujeito. Conhecem-se com o nome de fantasias primitivas, ou originárias, ou 
protofantasias. O termo provém do alemão Urphantasien — Ur significa “primeiro”, 
“regente”, “principal”. Por isso, modernamente, tenta-se impor a palavra “primordial” 
(fantasias primordiais). Procura-se deste modo exprimir, similarmente à antropologia, 
que se trata de uma fantasia das origens, a qual, simultaneamente, lidera a conduta atual 
(Etcheverry, J. L. — Sigmund Freud, Obras Completas, Sobre la Versión Casteilana, 
Amorrortu Ed., Buenos Aires, 1978, p. 20). 
 
178 
 
 Três são as fantasias primordiais descritas por Freud, embora ele reconheça que 
podem existir outras: 
 
A) CENA PRIMÁRIA OU ORIGINÁRIA (ver p. 54) 
 O conteúdo desta fantasia, talvez a mais conhecida, é o coito que papai e mamãe 
praticam diante do menino que os contempla. Aqui o sujeito tem uma participação 
apenas visual e, obviamente, está excluído. 
 Esta fantasia responde ao enigma da origem das crianças, já que os dois 
personagens que o sujeito contempla têm alguma relação com o tema que o preocupa, 
uma vez que o neném sabe que é filho de ambos. 
 A fantasia primária é a maneira peculiar de se explicar como ele vem a ser o 
filho de seus pais. 
 Observe-se que o eixo principal da origem do sujeito está na sua exclusão. Ser é 
ser excluído. 
 
B) FANTASIA PRIMORDIAL DE SEDUÇÃO POR UM ADULTO 
 Esta fantasia — a primeira cronologicamente descoberta e investigada por Freud 
em seus primeiros casos clínicos —, encontra-se tanto em mulheres como em homens, 
que relatam ter tido este tipode experiência em sua infância. Mas, qualquer que seja o 
conteúdo manifesto dessa fantasia, ela, no nível simbólico, expressa a jdéja de que 
mamãe foi a pessoa que “transfundiu” isto que, desde então, habita em mim. E o que é 
isto? Isto é a sexualidade. 
 A fantasia de sedução responde ao enigma da origem dessa força misteriosa e 
desconhecida que é a sexualidade. Nossa mãe, ou quem quer que tenha ocupado seu 
lugar, foi a “sedutora” primordial, ela nos acariciou, nos deu de mamar, nos fez tomar 
banho, nos trocou as fraldas, nos atraiu e nos afastou. Fundamentalmente — insistimos 
— nos “transfundiu” o hálito da vida, que é a vida erótica. 
 
179 
 
 
C) FANTASIA PRIMORDIAL DE CASTRAÇÃO 
 Esta fantasia é chamada por Freud de “Teoria Sexual Infantil”; sob os mais 
diversos disfarces, toda menina e todo menino a têm em algum momento de sua vida 
infantil. O conteúdo da mesma não é outro senão a castração em si mesma, havendo um 
progenitor simbólico (pai) amputado os órgãos genitais das mulheres. Por esta “razão”, 
as mulheres são mulheres e os homens temem sê-lo. 
 O enigma revelado por esta fantasia é a diferença sexual anatômica, diferença 
fundamental do ser humano, já que em tudo o mais um sujeito é semelhante a outro 
(sujeito). 
 Finalmente, fechamos este capítulo mostrando a estreita, a íntima vinculação 
surpreendente de parentesco, entre as fantasias inconscientes profundas, o trabalho 
onírico e o devaneio. 
 O “grande capitalista” continua a ser as fantasias primitivas ou primordiais que, 
por lógica, são inconscientes. Mas os restos diurnos, as fantasias topicamente pré-
conscientes, não deixam de ser fantasias, ou seja, o “sócio industrial” é composto da 
mesma matéria-prima que o “sócio capitalista”. Entretanto, na elaboração secundária, aí 
onde o sujeito “arruma”, em vigília, seus pensamentos, para poderem ser apresentados 
de forma coerente e inteligível, aí também se encontra a fantasia, na forma de arri? mar, 
ajeitar e dispor as representações. 
 
180 
 
 Esta “fachada”, mediante a qual o sujeito fala e se apresenta, é uma cenarização. 
E nestas cenarizações conscientes são reveladas as repetições e transformações de cenas 
infantis, em cujo núcleo, inexoravelmente, encontramos os temas de Édipo, exclusão 
(cena primária), mamãe (sedução) e papai (castração). 
 
181 
 
CAPITULO VII 
Defesas, mecanismos de defesa 
 
 O aparelho psíquico está construído como um conjunto organizado de barreiras 
contra as estimulações internas (instintos, pulsões) e externas que o invadem. As 
defesas serão, então, um conjunto de operações * que, reduzindo ou suprimindo tais 
estímulos, tentarão manter o aparelho no Princípio da Constância (ver p. 133 e segs.). 
 O grande cenário onde se “montam” as diversas operações defensivas é o Ego, e 
lembremos que a maior parte das defesas opera inconscientemente; portanto, o Ego 
inconsciente é o responsável por elas. 
 Não apenas os estímulos são afetados pelo ato defensivo, também os efeitos de 
desprazer e as motivações diversas que levam ao processo defensivo podem ser objeto 
deste. 
 Assim, a base fundamental do processo defensivo é o conflito psíquico. Uma vez 
que a teoria psicanalítica reconhece o conflito como constitutivo do ser humano, esta 
definição pode ser extensiva às defesas. Assim como não existe vida sem conflito, assim 
também não existe vida do aparelho psíquico sem defesas. 
 De modo geral, o conflito se desenvolve entre uma tendência que procura uma 
descarga e uma outra tendência, que tenta evitá-la. 
 Reconhecer-se-á, nessa definição, que a instância que tende permanentemente a 
se descarregar, num verdadeiro “processo primário”, (ver p. 136), é o Id. E as instâncias 
que se opõem a ela são o Ego e o Superego. Lembramos que o Ego é uma 
 
* Que produz efeitos. 
 
183 
 
instância formada pelas camadas superficiais do Id, em contato com a realidade exterior. 
 Veja-se, então, que o próprio Ego é em si mesmo uma defesa, uma forma 
adaptativa da matéria instintual e pulsional, encontrada para lidar com os fortes 
estímulos anteriores, O próprio Ego, uma vez constituído, funcionará como uma espécie 
de retícula, ou filtro, reduzindo a velocidade de descarga do Id. O Superego, sendo 
constituído pela soma de identificações dos pais, e portanto da cultura, é uma 
modificação do Ego, alimentada permanentemente pela energia do Id. Ë a instância 
responsável, na maioria das vezes, pela oposição à descarga instintual. 
 
A) O PAPEL DO MUNDO EXTERIOR NA DEFESA 
 O papel desempenhado pelo mundo exterior, tanto na formação do Ego quanto 
contribuindo para motivar defesas, é relevante, particularmente no Segundo Tópico, 
onde adquire praticamente as características de uma instância. Mas o mundo exterior 
somente se expressa através do Ego. Assim, por exemplo, qualquer percepção exterior 
pode ser rejeitada, como acontece regularmente nas neuroses traumáticas. Mas essa 
função “rejeitadora” é exercida pelo Ego, que desta forma evita o acréscimo de 
estímulo* que desequilibrariam o aparelho. Em algumas ocasiões, esta rejeição exterior 
produz-se para evitar uma reativação de sensações dolorosas. 
 Mas é relativa a rejeição do estímulo exterior “puro” e atualmente muita 
controvérsia entre as diferenças que podem existir entre uma neurose e uma psicose. Na 
época de Freud dizia-se que a neurose consistia numa rejeição do instinto e, 
simultaneamente, em ficar-se à mercê do mundo exterior. Na psicose, rejeitar-se-ia o 
mundo exterior, obedecendo automaticamente ao Id. 
 Estas afirmações, como foi dito, são hoje relativas, que as rejeições do mundo 
exterior “arrastam” igualmente “pedaços” do Ego e do Id. Além disso, como veremos 
mais adiante, o Ego costuma se defender, tanto nas neuroses como nas psicoses, com 
mecanismos mistos, e sobretudo, com cisões (spliting) (ver p. 190). 
 
184 
 
B) O PAPEL DO SUPEREGO E DO SENTIMENTO DE CULPA 
 Literalmente, o sentimento de culpa expressa a tensão existente entre o Superego 
e o Ego. Ou seja, enquanto o Ego, como executor de seu mandante, o ld, deseja uma 
determinada coisa, o Superego, onde estão alojados os valores dos pais e da cultura 
incorporados durante a infância, opõe-se ao cumprimento de tais desejos. Mas este 
conflito estrutural, que chamamos de culpa, é totalmente inconsciente. 
 E é preciso sublinhar que falar de sentimentos inconscientes de culpa é uma 
redundância, é apenas uma metáfora explicativa. O único que se observa na clínica, e de 
considerável valor em psicopatologia, é a necessidade de punição ou de castigo. 
 Assim, qualquer tipo de conflito reconhecerá de forma implícita a participação 
do Superego em sua gênese. Portanto, de modo variável, haverá, na sintomatologia 
psicopatológica, sentimentos de culpa inconscientes. Isto quer dizer que qualquer 
sintoma psicopatológico é em si mesmo uma forma de punição. O sujeito vive o 
conjunto sintomatológico como merecendo-o. Desta forma, todo conflito que 
desemboque num quadro psicopatológico qualquer reconhece, em sua estrutura, a 
participação de um desejo (Id), de um contradesejo (Superego) e de uma sede ou lugar 
onde esta luta se desenrola (Ego). 
 Normalmente, o papel do Superego e do sentimento de culpa é estudado em dois 
quadros psicopatológicos clássicos: a neurose obsessiva e a melancolia, o que não quer 
dizer que haja uma exclusividade de ocorrência destes sintomas nestes quadros: 
todos os quadros psicopatológicos contêm, em maior ou menor grau, uma necessidade 
de punição, ou seja, o sentimento de culpa. 
 
C) O PAPEL DA ANGÚSTIA NA MOTIVAÇÃO DEFENSIVA 
 O aparelho psíquico, como aparelho defensivo, estende-se como num 
“continuum” desde a fuga dos estímulos dolorososaté as formas mais sofisticadas de 
controle das estimulações que vêm desembocar nas estruturas do pensamento. 
 O Ego, no início da vida, constitui-se apenas como um aparelho que rejeita, de 
forma reflexa, os estímulos que lhe são 
 
185 
 
inadequados ou que lhe trazem desconforto ou dor. O fato de que esse Ego primitivo, 
sumamente rudimentar, precise de ajuda exterior para satisfazer as exigências 
instintivas, dará como resultado o perigo constante de situações traumáticas. Estas 
consistem, além dos fatos manifestamente traumáticos (golpes, quedas, etc.), em 
desaparecimentos temporários dos objetos primários que acodem em auxílio do Ego 
para satisfação do Id. 
 Estes traços dolorosos primários constituir-se-ão em lembranças associativas de 
que a satisfação pulsional pode acarretar um perigo (sobretudo de abandono e não-
satisfação). 
 Dever-se-á então compreender, acompanhando o que já foi abordado no capítulo 
sobre a fantasia, que as ameaças e proibições originadas no mundo exterior associam-se, 
desencadeando temor às pulsões e suas conseqüências. Lembramos que “temor às 
pulsões” é uma metáfora com fins pedagógicos, já que esse temor entra numa interação 
dialética entre a pulsão propriamente dita, a identificação e a catéxia, que ligará a pulsão 
ao objeto real-concreto. 
 A inserção do sujeito na cultura em que vive faz com que o Ego infantil sofra a 
ação de medidas educacionais, normativas, destinadas a dominar a conduta natural-
instintiva, ficando gravadas impressões e traços mnêmicos no aparelho psíquico de que 
a conduta instintiva deverá ser refreada, suprimida e, no melhor dos casos, adiada. Estas 
impressões primeiras, desenvolvidas a longo das diversas fases da evolução 
psicossexual, são atuantes no aparelho psíquico do adulto, capazes de provocar variados 
mecanismos de defesa. 
 Por volta dos 5 ou 6 anos de idade, algumas dessas impressões inscritas no 
desenvolvimento pré-genital acabam se organizando, completando sua estrutura 
definitiva na instância chamada Superego. 
 Daí em diante, os traços mnêmicos pré-genitais provocadores de ansiedades, 
com fantasias dessa mesma ordem (pré-genitais), serão substituídos pelo sentimento de 
ansiedade, produto’ da tensão existente entre o Superego e o Ego. Assim, a culpa é uma 
forma particular de ansiedade. 
 
186 
 
OS MECANISMOS DE DEFESA DO EGO 
 Os mecanismos de defesa do Ego nunca desfrutaram de “boa reputação” 
(Bergeret, J. — Abrégé de Psychologle Pathologique, Masson & Cia. Ed., Paris, 1972). 
O problema é que, ideologicamente, os mecanismos de defesa sempre foram associados 
ao aspecto patológico, obscurecendo as funções adaptativas sobre as quais qualquer 
aparelho psíquico se estrutura. Este problema, importante e complicado, atinge tanto o 
conceito de normalidade quanto de patologia, já que uma pessoa não adoece por possuir 
defesas e sim pela sua ineficácia ou pelo mau uso que faz delas. Nesse sentido, cabe-nos 
expressar uma série de atributos tais como flexibilidade versus rigidez, ou estereotipia 
defensiva em relação a esse uso defensivo, etc. 
 Quem se inicia em psicopatologia, acredita que um determinado paciente está 
“curado” quando se conseguem “abater as defesas”. Erro grave, porque podem passar 
inadvertidas ao profissional mudanças nas apresentações de conduta pertencentes às 
defesas articuladas pelo sujeito para lidar com os estímulos internos e externos. 
 Existe uma íntima vinculação entre estilo e defesa. Realmente, a maneira 
especial, tanto gestual quanto no discurso falado, com que o paciente se apresenta ao 
profissional, é característica das operações defensivas. Diante de estímulos de qualquer 
tipo, que possam resultar num perigo ameaçador do equilíbrio do aparelho psíquico, 
entram em funcionamento, de acordo com uma certa constância de estilo, as diversas 
operações defensivas características desse mesmo estilo, tendentes a reduzir a tensão. 
 Estudando-se atentamente o parágrafo anterior, chega-se a duas conclusões: 
 a) A operação defensiva é automática, inconsciente; o sujeito consciente sofre a 
ação tanto do perigo quanto dos afetos desencadeados que causam desprazer (angústia), 
bem como do conjunto de operações defensivas mobilizadas pela parte inconsciente do 
Ego. 
 b) Os mecanismos de defesa funcionam como “relés” autoestabilizantes e com 
nítida função homeostática. 
 
187 
 
1. DOIS MECANISMOS FUNDAMENTAIS: A REPRESSÃO (RECALQUE) E A 
DIVISÃO (CISÃO) 
 
A) REPRESSÃO, RECALQUE 
 Desde o início de sua obra, Freud preocupou-se em encontrar um mecanismo de 
defesa específico para os processos neuróticos e psicóticos. Admitimos de modo geral 
que a Verdrüngung (repressão, recalque) é o mecanismo específico e básico das 
neuroses, enquanto que a Verwerfung (rejeição, repúdio, desmentido) constitui a base 
das estruturas psicóticas. (Ver p. 61 e segs.) 
 A repressão (recalque) foi o primeiro grande mecanismo investigado por Freud e 
consiste num ato de despejo do nível consciente da representação ligada à pulsão. A 
partir daqui, Freud investigou o mecanismo interveniente nos esquecimentos e na “belie 
indifférence” dos neuróticos histéricos. Esse despejo do nível consciente é um 
verdadeiro esforço, um trabalho feito pelo aparelho psíquico para manter no 
inconsciente essa representação, porque a entrada da mesma na consciência poderia 
provocar desprazer. 
 A importância do estudo da repressão excede os limites da psicopatologia, por 
ser o mecanismo constitutivo do inconsciente. Isto quer dizer que, se um sujeito está 
estruturado com um nível consciente e outro inconsciente, a fundação e a manutenção 
dessa estrutura é de responsabilidade da Verdrdngung. 
 Durante muito tempo a Verdrdngung foi utilizada por Freud quase como 
sinônimo de defesa. E foi este o modelo por ele instrumentado para a elaboração de 
mecanismos defensivos mais complexos. 
 Deve chamar a atenção o problema terminológico. Realmente, usamos a palavra 
repressão por ter sido consagrada pelo uso de várias gerações de estudiosos, mas a 
tradução de Verdrãngung por repressão não tem sido muito afortunada e pode dar 
origem a mal-entendidos. 
 Modernamente, chama-se “repressão” àquela operação psíquica que ocorre no 
espaço consciente, mas cujo destino é alojar a representação no espaço pré-consciente 
(Unterdrückung). Em espanhol, costuma-se traduzi-la por “supresión”. 
 
188 
 
 Reservamos o nome de “recalque” (em francês refouiement) para a mesma 
operação de despejo do plano consciente, mas cujo destino é o inconsciente. 
A função principal do recalque é rejeitar e manter afastadas do plano consciente 
determinadas representações, o que requer um esforço permanente e contínuo. Daí o 
consumo energético na sua manutenção. Numa feliz analogia, Tallaferro (Tallaferro, 
A. — Curso Básico de Psicoanalisis, Paidós Ed., Buenos Aires, 1962) diz que o 
recalque “é o trabalho que precisa fazer um homem que deseja manter afundado na água 
um barril vazio; deverá usar uma força constante e a interrupção da mesma permitiria 
que o barril voltasse bruscamente à superfície”. 
 De fato, o ato repressivo do recalque em si mesmo, o que se chama de “recalque 
propriamente dito”, recai sobre os derivados ou ramificações da representação que 
sofreu o despejo primeiro, assim chamado de primeiro momento do recalque. 
Efetivamente, os sintomas de ordem neurótica são derivados, são deslocamentos das 
representações originais recalcadas, que “furam” a barreira repressiva e “fazem subir 
bruscamente o barril”. 
 O âmago do processo do recalque consiste em manter afastados, desvinculados, 
o sistema consciente e, por conseqüência, o mundo exterior, do inconsciente. 
 Ou seja, o que efetivamente aparece na consciênciasão derivados que deixaram 
de ser perigosos precisamente por isso, por serem apenas derivados daquelas 
representações perigosas originais. Numa analogia matemática, poder-se-ia dizer que a 
força da repressão é inversamente proporcional à distância entre a representação da 
consciência e a representação recalcada original. 
 Daqui se deduz com facilidade o conceito de resistência. Este será um conceito 
clínico. É o que sente o profissional quando, deixando transcorrerem as livres 
associações (representações conscientes) dos pacientes, “tropeça” em recusas, silêncios, 
negativas, hesitações, etc., sinais indiretos de que o trabalho associativo se aproxima 
“perigosamente” da representação original. 
 Sendo o recalque sumamente variável e individual, não existem normas fixas a 
indicar. Cada quadro psicopatológico, cada fragmento de conduta, cada situação, põe 
em jogo particulares formas de exercício desse mecanismo. Fazendo parte dos 
mecanismos 
 
189 
 
normais, o recalque, como todo mecanismo de defesa, tomar-se-á patológico por um 
defeito ou um excesso quantitativo. 
 Como se compreenderá, o mecanismo complexo do recalque quebra os vínculos 
do sujeito consciente com a pulsão (o que se chama o sujeito desejante), inaugurando 
uma relação heterônoma. Referimo-nos à concepção de Max Schiller, de que a pessoa 
tem a autonomia como suporte mas, encontrando-se dentro de uma comunidade, 
sobretudo uma comunidade de valores, é heterônoma. 
 Isto significa que o plano da consciência é o lugar das vicissitudes da 
representação e dos sentidos múltiplos outorgados pelo permanente deslocamento e 
distorção da representação original. Mas o que se deseja destacar é que estas 
representações conscientes não são o sujeito. Remetem a uma alteridade diferente, 
heterônoma, instituída pelo recalque. 
 
B) DIVISÃO, CISÃO. RECUSA, REJEIÇÃO, RENEGAÇÃO 
 A partir de um trabalho tardio de Freud, de 1937, a Divisão do Ego no Processo 
de Defesa (Standard Brasileira, vol. XXIII, p. 305 [1938]), este mecanismo adquire uma 
importância fundamental, tanto teórica quanto clínica. Terminologicamente, tem 
recebido numerosas acepções; com o mesmo significado se conhecem os termos 
Spaltung, splitting, “clivagem”, “cisão”, “divisão”, “dissociação”. Porém, depois da 
teorização de Melanie Klein, deveríamos ressaltar que o termo splitting, por ela 
utilizado, aceita uma adequada tradução em português na palavra “clivagem”. Com 
efeito, clivagem alude à concepção mineralógica de separação de pedaços, seguindo 
certos planos já previamente traçados. Já Breuer, no início do século, distinguira 
Spaltung de Zerspaltung, reservando este último termo para a fragmentação de algumas 
partes da personalidade em direções não-comuns ou habituais. 
Como se pode notar nesta breve exposição, o termo “divisão”, splitting ou Spaltung 
convoca um fato fundamental na estrutura do sujeito humano, e não outra coisa exprime 
a palavra “in-divíduo” que, como se perceberá, implica a interiorização de uma divisão. 
 
190 
 
 De fato, desde o nascimento a vida psíquica não é uma unidade, O psiquismo vai 
se constituindo como uma espécie de colcha de retalhos, de somatório de múltiplas 
unidades que abrange em sua constituição a divisão da personalidade psíquica. 
 É assim que a psicanálise, desde que se reconhece como uma teoria de um 
sujeito que não governa seus instintos, pelo contrário, é governado por eles, constitui-se 
numa teoria do sujeito dividido, ou cindido. E esta cisão é desde muito cedo apontada 
por Freud, em seus Estudos Sobre a Psicoterapia da Histeria (Standard Brasileira, vol. 
II, p. 311 [1893/95]). Aí ele já reconhece a existência de núcleos psíquicos 
independentes, autônomos, que não entram no circuito associativo do resto do 
psiquismo. 
 Mas a cisão, o Spaltung, que nos interessa, data dos artigos de após 1927 
(“Fetichismo”, Standard Brasileira, vol. XXI, p. 179, 1927; “Sexualidade Feminina”, 
Standard Brasileira, vol. XXI, p. 259, 1931; e o já mencionado “A Divisão do Ego no 
Processo de Defesa”). Ali, o que se expõe é uma divisão no âmago mesmo do Ego. O 
Ego é dividido. E Freud salienta dois núcleos do Ego com existência autônoma e que 
coexistem, ambos mantendo certo grau de independência. Estes dois núcleos serão 
ligados, um predominantemente com a realidade exterior, e o outro com a realidade 
instintiva, com o desejo (Resnicoff, B. — “Escisión dei Yo”, “Mesa Redonda”, Revista 
de Psicoanalisis, Buenos Aires, tomo XXXVII, N.° 2, 1980, p. 385). 
 Porém, o aspecto mais interessante que transparece na divisão egóica proposta é 
que esses dois núcleos funcionam com uma lógica diferente. Realmente, um deles é 
escravo do Princípio da Realidade e, portanto, admite a diferença sexual anatômica, 
tendo por isso saído do narcisismo, aceitando a castração e a ausência do pênis na 
mulher. O outro núcleo permanece submisso ao Princípio do Prazer, rejeita, rechaça, 
repudia, conduzindo-se como se negasse o conhecimento da diferença sexual anatômica 
e, em conseqüência, não saiu do narcisismo e o órgão feminino não existe ou, no melhor 
dos casos, a mulher também tem pênis. 
 Facilmente se deduz a diversidade e importância dos problemas que deixa em 
aberto esta cisão do Ego. O principal deles tem relação direta com os vínculos do Ego 
com a realidade. Poder-se-á observar que existem duas maneiras fundamentais de 
 
191 
 
funcionamento do Ego com relação ao conhecimento da realidade. Apresenta-se assim a 
existência de duas atitudes psíquicas diferentes, opostas, e esta divisão entre esses 
aspectos do Ego marca uma barreira intransponível, coexistindo ambos, lado a lado, 
sem se confrontarem. 
 O parâmetro central que vai determinar a diferença entre estes dois aspectos 
separados do psiquismo é o problema da castração. Com efeito, um aspecto que, 
poderíamos dizer, produzirá sintomas de ordem neurótica, aceita a castração, tendo por 
isto acesso ao nível simbólico, e usa como mecanismo fundamental de operação o 
recalque (Verdrüngung). Nesta ordem, e a título de exemplo, temos fobias, ansiedades, 
medos de modo geral. Para poder comparar com o que explicaremos a seguir, citamos 
um clássico exemplo de Freud, do medo de uma paciente sua de que lhe tocassem os 
pés. Poder-se-á ler aqui o medo à castração que se encontra reprimido e que “re-
emerge” deslocado, condensado e simbolizado numa parte de seu corpo. 
 O outro aspecto do Ego se comporta de modo diverso, rejeita, recusa, repudia, 
exclui o conhecimento da não-existência do pênis na mulher e, em conseqüência, não 
tem acesso ao conhecimento de uma parte da realidade, ficando submisso do Princípio 
do Prazer. O típico sintoma “fabricado” por isto é o objeto fetiche. Aqui, o sujeito, 
operando com este aspecto arcaico do Ego, tem uma impossibilidade de aceitar a 
ausência, a carência, a vulnerabilidade a que fica exposto quando “observa” e olha o que 
“não se tem” (o pênis, no órgão genital feminino) .‘ 
 O mecanismo da cisão egóica faz ressaltar a heterogeneidade estrutural do Ego 
e, sobretudo, os dois “amos”, “senhores” aos quais deve obediência: o reconhecimento 
das exigências da realidade e as exigências de satisfação dos desejos pulsionais. Dito de 
outro modo — e válido psicopatologicamente para qualquer 
 
* O leitor entenderá estes dois modos diversos de operar do aparelho psíquico como 
dois modelos que produzirão patologias diferentes: 
um, a patologia neurótica, e outro, a patologia perversa e psicótica, da qual, por sua vez, 
o objeto fetiche se constitui no exemplo mais significativo. O objeto fetiche é tratado 
pelo sujeito como se fosse um pênis, mas sabendo que não o é. A diferença entre um 
sintoma neurótico e um fetiche é que o primeiro é um símbolono sentido estrito do 
termo, por aparecer em lugar do objeto ausente. Ë uma representação e, como tal, 
reconhece a ausência do representado. O fetiche é também uma representação, mas que 
tenta obstruir a ausência, substituí-la, negando seu reconhecimento. 
 
192 
 
quadro clínico — uma porção do Ego aceita a realidade tal qual ela é constituída, 
podendo simbolizá-la, e outra porção, a rejeita, criando uma outra “realidade” que pode 
ir desde o objeto fetiche até um franco delírio alucinatório. 
 Metaforicamente, diremos que um neurótico esquece, sofre de reminiscências, 
tem recalcados os fatos originais dos sintomas pelos quais ele agora padece. Ele diz: “eu 
sofro, mas não sei por quê”. Um psicótico, entretanto, e, em certa medida, um perverso, 
credita numa realidade (delírio) que implica a rejeição de uma qutra realidade cuja 
existência teve previamente que admitir. É como se o psicótico dissesse: “eu não sofro, 
isto é o que sinto e penso”. 
 Modernamente, o mecanismo básico das psicoses e perversões recebeu 
denominações diversas, como repúdio, rejeição, exclusão, desmentido, para traduzir a 
palavra alemã Verwerjung. Em francês a tradução proposta por Lacan é forclusion. 
Trata-se de uma rejeição, ou afastamento, próximo do recalque, mas não se confundindo 
com ele. 
 Antes de 1900, em As Neuropsicoses de Defesa (Standard Brasileira, vol. III, p. 
71), Freud refere-se ao mecanismo que depois seria conhecido com o nome de recalque 
e que consistia na separação entre a idéia e o afeto ligado a ela. Mas já adianta que o 
mecanismo específico que estamos considerando é diferente do recalque: “Em ambos os 
casos até aqui considerados, a defesa contra a idéia incompatível era efetuada 
separando-a de seu afeto; a idéia permanece na consciência, ainda que enfraquecida e 
isolada. Há, entretanto, uma espécie de defesa, muito mais poderosa e bem-sucedida. 
Aqui o Ego rejeita (verwirft) a idéia incompatível (ou intolerável) juntamente com seu 
afeto, e comporta-se como se a idéia jamais lhe tivesse ocorrido.” 
 Mas o texto onde fica mais patente este mecanismo de defesa (repúdio, exclusão, 
forclusion) é no caso do “Homem dos Lobos” (Standard Brasileira, vol. XVII, p. 13, 
1918). Aí, referindo-se ao problema da castração de que padecia este paciente, Freud diz 
o seguinte: 
“... fizeram-no perceber a diferença entre os sexos e o papel sexual desempenhado pela 
mulher. Nessa contingência, ele comportou-se como em geral as crianças se comportam 
quando lhes é fornecido um detalhe de informação não desejado — quer seja 
 
193 
 
sexual ou de qualquer outra espécie. Rejeitou [verworfeng] o que era novo (no nosso 
caso, de motivos ligados com o seu medo de castração) e agarrou-se rapidamente ao que 
era velho. . .“ [.. .] “. . . repudiou a nova informação e apegou-se à velha teoria”. [...] 
“Não é que sua nova compreensão ficasse sem efeito; muito pelo contrário. 
Desenvolveu um efeito extraordinariamente poderoso. . 
[. . .1 “Pode ter havido a possibilidade de que, a partir dessa época, o medo da castração 
tenha existido lado a lado com uma identificação com as mulheres, por meio do 
intestino, embora se deva admitir que isso envolve uma contradição.” [. ..] “Uma 
repressão é algo muito diferente de uma rejeição.” [Eine Verdrdngung ist etwas anderes 
ais eine Verwerjung.] (Standard Brasileira, vol. XVII, p. 101.) 
 Veja-se contida, implícita, na teoria freudiana do fato psicótico e perverso, a 
divisão eficaz do aparelho psíquico com as duas maneiras diferentes de operatividade 
anteriormente referidas, assim como a justificativa moderna, feita por Lacan, para 
resgatar o termo Verwerfung como diferente de Verdrdngung. Desta maneira, a 
exclusão (forclusion) da castração implica necessariamente em ausência da existência 
desse fato. O recalque (Verdriingung), ao contrário, exige o reconhecimento da 
existência do elemento a reprimir. 
 “Já tomamos conhecimento da atitude que o nosso paciente adotou, de início, em 
relação ao problema da castração. Rejeitava a castração e apegava-se à sua teoria de 
relação sexual pelo ânus. Quando digo que ele a havia rejeitado, o primeiro significado 
da frase é o de que ele não teria nada a ver com a castração, no sentido de havê-la 
reprimido. Isso não implicava, na verdade, em julgamento sobre a questão da sua 
existência, pois era como se não existisse.” [. . .1 “Afinal, seriam encontradas nele, lado 
a lado, duas correntes contrárias, das quais uma abominava a idéia da castração, ao 
passo que a outra estava preparada para aceitá-la e consolar-se com a feminilidade, 
como uma compensação.” (Freud, S., op. cit., p. 107.) 
 Mas o fato mais importante que a psicanálise contemporânea hierarquiza como a 
base do mecanismo de defesa usado na produção dos sintomas psicóticos está na 
seguinte frase: 
 “Para além de qualquer dúvida, porém, uma terceira corrente, a mais antiga e 
profunda, que nem sequer levantara ainda 
 
194 
 
a questão da realidade da castração, era ainda capaz de entrar em atividade.” (Op. cit., p. 
107.) 
 A seguir, Freud expõe a alucinação do “Homem dos Lobos”. Metaforicamente, e 
para esclarecer este complicado e fundamental mecanismo de defesa, transcreveremos 
uma expressiva e notável explicação de Leclaire: 
 “Se imaginamos a experiência como um tecido, ou seja, ao pé da letra, como um 
pedaço de fazenda constituída por fios entrecruzados, poderíamos dizer que o recalque 
estaria representado por alguma ruptura ou por algum rasgão, importante e sempre 
passível de ser cerzido ou reparado, enquanto que a exclusão (forclusion) estaria 
representada por alguma abertura devida ao tecido mesmo, isto é, por um buraco 
original que jamais seria suscetível de encontrar sua própria substância, já que esta 
nunca teria sido outra coisa senão substância de buraco, e que nunca poderia ser 
preenchido senão de modo imperfeito por um ‘remendo’, para retomar o termo 
freudiano.” (Leclaire, S. “A Propos de I’Episode que Présenta l’Homme aux Loups”, La 
Psychanalyse, vol. IV, p. 97.) 
 Deste modo, a alucinação, o delírio, será a “realidade” que “tampará” o buraco a 
que se refere Leclaire. 
 
Algumas Considerações Sobre a Importância da Cisão (Spaltung) em Psicopatologia 
Psicanalítica 
 Há um fio condutor em toda a obra psicanalítica, a partir de Freud, de que o 
Sujeito e, portanto, os quadros psicopatológicos por ele sofridos não desfrutam de algo 
parecido com Unidade. Esta ilusão de um Sujeito ou um quadro psicopatológico 
apresentar-se como um todo compacto, maciço, é permanentemente dividida em partes 
e subpartes, fazendo desta operação o âmago da técnica: a análise. (Freud, S., O Moisés 
de Michelangelo [19141, Standard Brasileira, vol. XIII, p. 253.) 
 Até toda sua teoria estrutural, Freud nos apresenta como que uma articulada 
série de funções que entram em conflito entre si. Porém, no texto de 1938, insinua 
concepções polêmicas. Assim, a cisão (Spaltung) egóica por ele proposta é uma cisão 
intra-sistêmica, sendo um prolongamento das cisões intersistêmicas (Superego versus 
Ego, ou Ego versus Id, etc.). Mas quando se diz que a cisão egóica deixa o Ego dividido 
em duas correntes 
 
195 
 
contraditórias, alguns autores sublinham que essas correntes são autônomas entre si, 
mas não se opõem conflitivamente. O argumento principal levantado é de que o Ego se 
divide não como fonte de conflito e sim como uma forma de superar o conflito. (Abadi, 
M. — “Mesa Redonda — Escisión dei Yo”, Revista de Psicoanalisis., Buenos Aires, 
vol. XXXVII, N.° 2, p. 393.) 
 Observar-se-á deste modo a enorme importância adquirida pelo conceito 
defensivo de divisão como uma importante maneira de lutar contra o conflito. Como já 
aludimos, o Ego não se fratura e simse desarticula como duas partes previamente 
soldadas. Esta desarticulação, então, respeita certas linhas de clivagem, cujo desenho, 
forma e profundidade dependem da herança e constituição egóica. Lembramos também 
que esta constituição entra em conjunção serial com as experiências infantis (ver p. 21), 
proporcionando estas identificações múltiplas, sucessivas, dando como resultado uma 
disposição quase caleidoscópica do Ego. 
 Como tentamos mostrar anteriormente, o problema da cisão é um problema 
defensivo extremo para evitar o conflito, já que normalmente — neuroticamente, 
digamos — o Ego teria um trabalho mais sintético, representado pela construção de uma 
transação que vai dar num sintoma. Este sintoma é um compromisso, um arranjo, entre 
os interesses da realidade exterior, as exigências superegóicas e os desejos prementes do 
Id. 
 Observe-se a diferença. A transação consiste, fundamentalmente, em ceder 
alguma coisa à outra parte. Em troca, a divisão do Ego é uma não-transação, é uma 
separação ou divórcio de duas partes. 
 Deveremos advertir que esta divisão ou desunião, conservando a autonomia das 
partes, desarticuladas sim, mas não fragmentadas, será a base dos quadros perversos, 
borderlines e psicoses leves. Já uma fragmentação, ou seja, uma divisão em múltiplos 
pedaços, é a base de uma anarquia funcional egóica, sem um centro organizador, dando 
a impressão, ao observador externo, de caos e de dificuldades na reintegração (psicoses 
mais graves). 
 Conseqüências não somente de ordem teórico-clínica, mas também de ordem 
técnica, coloca o problema da divisão. Enquanto para resgatar aspectos reprimidos, 
recalcados, o terapeuta interpreta, ou seja, mostra o sentido oculto daquilo que 
 
196 
 
se apresenta, essa operação interpretativa se mostra insuficiente com as apresentações 
de conduta onde predomina a defesa dissociativa, a Spaltung. De fato, o trabalho 
psíquico com um perverso ou com um psicótico exige verdadeiros esforços 
reconstrutivos (daquela substância de buraco aludida por Leclaire). A patologia grave, 
na maioria dos casos de significativos abandonos precoces e de múltiplas situações 
traumáticas de um psicótico, levam-no a divisões desarticuladoras de seu aparelho 
psíquico, produzindo objetos bizarros e condutas extravagantes. Nesses casos, a ação 
interpretativa deverá ser apoiada pela ação direta com objetos reais-concretos, através 
de confrontações com o núcleo familiar ou em terapias comunitárias. (García 
Badaracco, J. — “Mesa-Redonda”, op. cit., p. 141.) 
 Assim, a interpretação constitui-se na arma terapêutica de eleição quando no 
quadro clínico predomina o recalque (Verdrangung) como a base da estrutura defensiva 
em jogo (neurose). O método será o deciframento, porque a experiência traumática 
permitiu que o aparelho psíquico alcançasse alguma forma de simbolizar e os 
sucessivos deslocamentos, condensações e distorções fizeram perder o sentido original, 
que se recupera com o trabalho interpretativo. 
 Já no problema da psicose, a estrutura desarticulada não é passível de ser 
representada simbolicamente, daí resultando que a interpretação, como recurso 
terapêutico, é inadequada — o psicótico sofre não de conteúdos inconscientes ocultos e 
reprimidos, mas sim da invasão do Ego por esses conteúdos primitivos e profundos, o 
que torna sua realidade difícil de ser aceita, obrigando-o defensivamente a regressões 
para níveis bem mais arcaicos de seu desenvolvimento, para épocas em que a existência 
de tais conteúdos não acarretava tantos conflitos. As situações traumáticas são arcaicas 
e muito profundas, na maioria das vezes repetições de situações patogênicas no âmbito 
familiar- histórico. Isto supõe uma força eficaz, potente e dissociadora, que se repete e 
se reforça de geração em geração. Cabe aqui uma verdadeira ação reconstrutora e, às 
vezes, construtiva, para “tampar” as fendas que mantêm o sujeito alienado. 
Para que o sujeito possa se reconhecer numa história real- concreta e, a partir daí, 
estabelecer-se o recalque. (Pantolini, J. M. — “Mesa-Redonda”, op. cit., p. 414/415.) 
 
197 
 
CAPITULO VIII 
Os critérios de diagnóstico e as 
operações defensivas 
 
 Seguiremos neste capítulo a trilha estabelecida por Enrique Pichon-Rivière (Dei 
Psicoanalisis a ia Psicología Social, 2 vol., Ed. Galerna, Buenos Aires, 1970) e José 
Bieger (Psicología de ia Conduta, Eudeba, Buenos Aires, 1963 e “Critérios de 
Diagnóstico”, Rev. Psicoanalisis., Buenos Aires, tomo XXX, n.° 2, 1973, p. 305 e 
segs.). 
 O problema do diagnóstico tem sido sempre, para qualquer escola de psicologia 
e psicoterapia, sumamente complexo. Em primeiro lugar, porque não existe um 
diagnóstico “em si”, abstraído do sujeito que faz o diagnóstico e sobretudo das 
finalidades para os quais ele será instrumentalizado. Em segundo lugar, e decorrente do 
anterior, o profissional que vai estudar e usar o diagnóstico terá em mente todo um 
conjunto de conceitos que funcionarão como parâmetros fundamentais de referência 
para as diversas categorias patológicas que encontrará e classificará em seus pacientes. 
 Estes conceitos estarão formados pelo conjunto de idéias científicas e não-
científicas que aprendeu no percurso de sua vida pessoal, de sua experiência, dos livros 
lidos, das aulas assistidas, etc. 
 Será, portanto, preciso saber diagnosticar mas, sobretudo, saber para que, com 
que finalidade. Em alguns casos, o diagnóstico é praticamente desprezível, acontece 
assim com alguns psicanalistas. Em troca, alguns profissionais interessados em “filtrar” 
determinados quadros clínicos, como por exemplo a psicose, estarão motivados a tomar 
as precauções necessárias para chegar a um diagnóstico o mais preciso possível. 
 Um outro objetivo de se fazer diagnóstico será com a finalidade de determinar o 
tipo de terapia a ser administrada. 
 Mas o diagnóstico pode não ter relação direta com o tipo de 
 
199 
 
terapia, mas terá por exemplo com a seleção de pessoal de uma fábrica ou de uma 
empresa, triagem de estudantes para ingresso em determinada escola, etc. 
No meio hospitalar, os critérios de diagnóstico se tornam por vezes imperiosos, quer por 
exigências administrativo-estatísticas, quer pelas necessidades de atingir, com o mínimo 
possível de fracasso, clientes para psicoterapia focal ou de tempo limitado. 
 Tal como frisou Bleger (op. cit., p. 306), além do diagnóstico e dos critérios que 
conduzem a ele, dever-se-á ter em conta a teoria de cura que possui o profissional e a 
teoria geral que lhe serve de enquadramento referencial. Assim, por exemplo, um 
paciente pode se apresentar com uma sintomatologia evidente de angústia e sofrer, por 
isto, de uma inibição em determinadas áreas de sua conduta. Se o profissional, visando 
ao critério pragmático, se encaminha para solucionar o sintoma angústia, evidenciará 
uma teoria do adoecer e do curar que se torna, nesse momento, efetiva. Mas pode 
acontecer que o profissional observe esse conjunto sintomático como um sintoma de 
alarme por ruptura de uma estrutura caracterológica narcísica. Nesse caso, o profissional 
tenderá a preservar o valor significativo do sintoma, focalizando sua ação nas áreas e 
nas causas produtoras da dita ruptura. 
 O que desejamos encarecer é que fazer diagnóstico não é nenhum “hobby”, nem 
passatempo classificatório em vão, O diagnóstico é sempre operativo, no sentido de que, 
à medida em que é feito, se está intervindo no campo de interação entre o 
diagnosticador e o diagnosticado. Simultaneamente, o diagnóstico nos proporciona uma 
preparação logística para trabalhar de modo eficaz em qualquer terapia que apliquemos. 
Teremos o cuidado de evitar fazer diagnósticos de entidades clínicas totalmenteisoladas: por exemplo, “neurose fóbica” ou “psicose paranóica”, etc. Tais diagnósticos 
não só serão de escassa validade clínica como também correm o risco de se constituírem 
num obstáculo, ao “condenar” o sujeito que padece de uma doença mental qualquer a 
ser fixamente enquadrado num rótulo por toda a vida. 
 O diagnóstico será funcional, abrangendo vários itens ou parâmetros que 
incluam o diagnóstico “clássico” de personalidade 
 
200 
 
mas que também falem da inscrição desses itens nos âmbitos psicossociais mediatos e 
imediatos onde o doente se movimenta: 
família, instituições, etc. 
 
1. PARÂMETROS PARA O 
DIAGNÓSTICO FUNCIONAL EM PSICOPATOLOGIA 
 
A) DIAGNÓSTICO ESTRUTURAL 
 Uma estrutura de conduta, estudada a nível psicológico, é uma totalidade 
organizada, funcionando como unidade de experiência e unidade de significado (Bleger, 
J. — op. cit., p. 151). 
 Inclui-se nesta denominação de estrutura o tipo particular e específico de relação 
de conduta, em suas diversas modalidades. Ou seja, uma entidade clínica qualquer, 
esquizofrenia por exemplo, colocada em determinado contexto e vinculada a 
determinados objetos, pode apresentar determinadas estruturas funcionais de conduta 
que não coincidam, necessariamente, com a organização patográfica. Por exemplo, em 
determinadas circunstâncias poderá apresentar uma estrutura histérica, em outras uma 
estrutura hipocondríaca, e assim por diante. 
 Fazer diagnóstico de estrutura de conduta é estudar o paciente em situação, 
incluindo, necessariamente, todas as variáveis presentes num campo dado e o 
profissional diagnosticador como, talvez, a variável mais importante. 
 Partimos do princípio que, em condições habituais, uma pessoa não movimenta a 
totalidade de estruturas possíveis, organizando sua personalidade sob o predomínio de 
uma ou algumas delas. Dessa forma, a quantidade de combinatórias de estruturas e 
subestruturas que se apresentarão interagindo com o profissional pode ser das mais 
variadas e complexas. Uma personalidade histérica pode se apresentar com uma 
estrutura fóbica e, em outros momentos, com estrutura conversiva, estruturas que, por 
sua vez, são organizações defensivas de estruturas esquizóides ou melancólicas 
subjacentes. 
 Examinar em detalhe as estruturas em jogo proporciona interessantes visões da 
estruturação dos quadros psicopatológicos. 
 
201 
 
 
“Geralmente, quando se fazem diagnósticos diferenciais, quando se procura ver, em 
discussões intermináveis, se se trata de uma neurose, de uma fobia, de uma histeria de 
conversão, ou de traços caracterológicos, acaba-se dizendo que o sujeito tem tudo isso.” 
(Bieger, J. — op. cit., p. 308.) 
 Como se pode observar, a finalidade principal de se fazer diagnóstico de 
estrutura é não rotular, não encaixar o paciente num rótulo e, sobretudo, tentar evitar um 
fato sumamente freqüente que é confundir a categorização clínica com o ser humano 
que a padece. Uma doença qualquer não e uma coisa. “ uma estrutura muito mais 
complicada, e temos que tentar ver, funcionalmente, essa complicação.” (Bieger, 3. — 
op. cit., p. 309.) 
 
B) DIAGNÓSTICO DE NÍVEIS DE INTEGRAÇÃO 
NEURÓTICA OU PSICÓTICA 
 Entende-se por integração um determinado desenvolvimento progressivo e 
crescente de aperfeiçoamento na organização psicológica. Este desenvolvimento 
implica uma maior complexidade na estrutura e funcionamento do aparelho psíquico, 
assim como uma crescente diferenciação do mesmo. 
 Os elementos fundamentais que intervêm nestes diferentes níveis São os 
mesmos, mas as inter-relações organizadoras e de funcionamento de cada nível são 
diversas. 
 A partir dos desenvolvimentos e trabalhos sobre organizações Psicóticas e 
perversas, iniciados por Freud e continuados por Melanie Klein, Enrique Pichon-
Rivière, Bion, Bieger, e outros autores, assim como o grande desenvolvimento da escola 
francesa, tem-se acentuado a estrutura dividida da personalidade. 
 Com efeito, tentamos detectar, neste segundo item, qual O lugar, na conduta do 
indivíduo, onde se localiza o fundamento psicótico. Ambos os tipos de funcionamento 
diferenciar-se-ão pelo tipo de relacionamento objetal e, sobretudo, pelo tipo de estrutura 
defensiva posta em jogo. 
 Partimos do pressuposto de que todo paciente, e até mesmo O profissional, 
possui os dois níveis de organização. Muito mais importante do que detectá-los é saber 
onde se localizam, a serviço de que áreas estão, e como se encontram organizados. 
202 
 
C) DIAGNÓSTICO DE CLIVAGEM E ESTEREOTIPIA DOS NíVEIS 
ORGANIZATIVOS 
 Toda estrutura, colocada num dado campo, possui certo movimento 
característico. Movimentando-se certas condições desse campo, teoricamente as 
condutas tendem a se modificar, seja em intensidade ou duração, ambas muito variáveis. 
 Daí que todo ser humano tem certo grau de liberdade para poder exercitar as 
diversas estruturas com as quais pode responder e atuar perante as exigências externas e 
internas. 
 Neste item, interessa-nos estudar o grau de estereotipia ou rigidez das estruturas 
em jogo, assim como a facilidade, a permeabilidade para um intercâmbio entre os níveis 
neuróticos e psicóticos. 
 Interessa pesquisar não só a fluidez da divisão destes níveis no plano sincrônico 
(diagnosticador/diagnosticado), mas também no plano diacrônico (em que época da vida 
se quebrou, se se manteve da mesma maneira, etc.). 
 O problema da clivagem ou Spaltung interessa sobremaneira quando se trata de 
fazer diagnósticos operativos para pacientes aptos para terapia focal ou de curta 
duração. O paciente pode ser psicótico, ou ser possuidor de uma grave perversão, e este 
diagnóstico será condição necessária, embora não suficiente, para excluí-lo de uma 
psicoterapia breve. Muito dependerá do grau e força da diferença entre o nível 
organizativo neurótico e perverso da personalidade, o grau da estereotipia e as 
circunstâncias em que esta aparece, etc. 
 
D) DIAGNÓSTICO DE NÍVEIS E GRAUS DE DEPENDÊNCIA-INDEPENDÊNCIA 
 Fortemente influenciados pelos estudos do primeiro ano de vida, autores como 
Margaret Mahler e o próprio Bleger observam detidamente o grau em que, na 
atualidade, é mantida a simbiose infantil. (Mahler, M., O Nascimento Psicológico da 
Criança, Zahar Ed., Rio, 1977 e Bleger, J. — Simbiose e Ambigüidade, Francisco Alves 
Ed., Rio, 1979.) Estudar a simbiose é — predominantemente — estudar a variabilidade 
ou rigidez em relação ao objeto depositário, assim como os diversos problemas que 
 
203 
 
se enfileiram sob o item narcisismo. Acredita-se, erroneamente, que a simbiose é uma 
palavra restrita apenas à patologia, ignorando-se que todo ser humano vive em algum 
grau de dependência simbiótica, consistindo a patologia ou num grau excessivo de 
rigidez e estereotipia e, portanto, dependência de um objeto, ou na ausência declarada 
de objetos depositários com os quais estabelecer uma relação simbiótica. 
 O problema da dependência simbiótica atinge não só o problema do objeto 
depositário mas também o problema temporal. De fato, é possível que uma dependência 
simbiótica se prolongue por diversas causas além do necessário, como, por exemplo, 
nos casos de adolescência prolongada. 
 
E) DIAGNÓSTICOS DE ÍNDICES DO NEUROTISMO E DO PSICOTISMO 
 Os quatro itens anteriores são parâmetros que balizam referencialmente o 
enquadramento diagnóstico. Os índices são elementos que estão muito mais perto do 
nível empírico. Estes índices agrupam-se em dois grandes conjuntos ou séries, seguindo 
a divisória do neurotismo e do psicotismo. Dentro deles, poder-se-ão seguir bem de 
perto os parâmetros, vendo-se assim as estruturas em jogo, as entidades clínicas, a 
clivagem, o grau de estereotipia,etc. 
 A título de referência, transcreveremos a listagem estudada por Bieger (Criterios 
de Diagnostico, p. 313 e “Criterios de Curación y Objetivos dei Psicoanalisis”, Rev. 
Psicoanal., tomo XXX, n.° 2, 1973, p. 338): 
 
204 
 
 Não nos deteremos aqui nos diversos índices, alguns dos quais estão distribuídos 
ao longo desta obra, e outros virão a seguir. Deter-nos-emos apenas, na segunda parte 
deste Capítulo, nas operações defensivas, com o intuito de tentar diferenciá-las nos dois 
níveis do desenvolvimento. 
 O esquema apresentado possui forte influência jacksoniana. Com efeito, este 
neurologista inglês, herdeiro da doutrina “evolucionista spenceriana”, formulou, no final 
do século passado, sua célebre Teoria da Dissolução, que encontrou importante 
repercussão nos meios neurológicos e psiquiátricos. 
 Efetivamente, voltamos a ressaltar que o diagnóstico multivariado permite 
detectar que, por trás da sintomatologia com a qual o paciente se nos apresenta, (e nisso 
consiste a dissolução jadesmiana) existem bases constantes que formam os fundamentos 
do aparelho mental. De tal maneira, possuímos um instrumento para avaliar, dentro de 
certos limites, a importância e a hierarquia dos sinais presentes e suas possíveis 
implicações, tanto na gênese como no prognóstico da doença. 
 
205 
 
 A atual escola estruturalista costuma definir as relações estruturais em função do 
papel desempenhado por cada elemento dentro de uma dada organização. Claude Lévi-
Strauss, o pai do estruturalismo, escreveu expressivamente: “. . . que uma disciplina, 
cujo primeiro objetivo é analisar e interpretar as diferenças, poupa-se muitos problemas 
ao considerar somente as diferenças, (Lévi-Strauss, C. — Race et Histoire, Ed. 
Gonthier, Paris, 1901.) 
 Observe-se então que, sob esse ponto de vista, a análise diagnóstica refere-se a 
uma interação dialética constante entre a globalidade organizacional e as parcialidades 
funcionais que a compõem. Trata-se, também, de observar como se articulam as 
distintas partes e níveis entre si. Ou seja, fazer diagnóstico é também fazer uma análise 
sintática. 
 
2. AS OPERAÇÕES DEFENSIVAS 
 
A) CONSIDERAÇÕES GERAIS 
 Como foi anteriormente consignado, o termo “defesa” foi usado por Freud antes 
de 1900 (As Neuropsicoses de Defesa [1894], Standard Brasileira, vol. III, p. 57 e 59), 
mas adquire seu verdadeiro nível de importância somente em 1926 (Inibições, Sintomas 
e Ansiedade [1926], Standard Brasileira, vol. XX, p. 199). 
 A palavra “defesa”, no sentido que hoje lhe é atribuído pela comunidade 
psicanalítica, exprime o conjunto de operações efetuadas pelo Ego perante os perigos 
que procedem do Id, do Superego e da realidade exterior. Simplificando, o Ego em si 
mesmo é uma defesa que se constitui perante os perigos internos e externos. 
 Mas as defesas se traduzem ou se manifestam como condutas, embora nos 
tratados clássicos e na linguagem corrente estudemos “mecanismos” (de defesa). Os 
“mecanismos” derivam de um processo de abstração e generalização das condutas 
defensivas, que exprime a idéia de um sujeito numa situação determinada. 
 As condutas defensivas não são necessariamente de exclusividade da patologia. 
Elas intervêm, normalmente, no ajustamento, adaptação e equilíbrio da personalidade. 
Embora se estudem 
 
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estruturas defensivas típicas de determinados estilos ou estruturas psicopatológicos, isto 
fala de certa constância e regularidade que se tem constatado entre o aparecimento 
desses quadros e as ditas estruturas defensivas. Deveremos, porém, ressalvar que a 
diferença entre o normal e o patológico é uma questão de grau e que, ao mesmo tempo, 
há uma certa correspondência entre a conduta defensiva apresentada e o contexto 
situacional em que ela se inscreve. 
 Seguindo estas considerações, poderíamos dizer que cada sujeito apresenta uma 
evolução, uma historicidade, nas suas estruturas defensivas e aquilo que, num contexto 
infantil ou adolescente, foi adequado, poderá não sê-lo dez ou quinze anos mais tarde. 
De tal modo, exprimimos a idéia de rigidez ou plasticidade no “repertório” defensivo de 
um sujeito. 
 Teoricamente, portanto, um sujeito seria capaz de apresentar todas as condutas 
possíveis se a situação, o contexto onde ele se inscreve, assim lho exigisse. Porém, todo 
sujeito tem “selecionado”, inconscientemente, um certo número, bastante restrito, de 
estruturas defensivas, que utiliza para lidar contra os perigos internos e externos em 
quase todos os contextos e meios sociais em que lhe cabe viver. Esta seleção apresenta-
se como um estilo muito particular e característico do sujeito. 
 Deduz-se daí que qualquer estrutura defensiva, ao se constituir como uma 
escolha inconsciente de operar, afasta outras possibilidades defensivas a serem 
empregadas. Ê por esta razão que toda conduta defensiva produz uma certa limitação 
funcional do Ego, sendo esta limitação sumamente variável dentro de um espectro de 
possibilidades. 
 Tal como assinala Bleger (Psicologia de la Conducta, p. 144), a conduta 
defensiva ou os mecanismos defensivos não são um acréscimo. a conduta mesma, aberta 
na multiplicidade de alternativas, oferecidas ao sujeito pela interação entre mundo 
interno e mundo externo. 
 
B) DEFESA E CONTRACATÉXIA 
 A contracatéxia, também chamada de contra-investimento, é um processo 
econômico, descrito por Freud, que funciona como suporte 
 
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da atividade defensiva. Normalmente, entende-se por contracatéxia uma espécie de 
barreira levantada perante outras catéxias transportadas pelas pulsões e desejos 
inconscientes. 
 O processo contracatéxico é correlativo do processo de recalque (repressão). 
Como tal, consiste numa retirada das cargas ligadas a uma representação provinda do 
inconsciente e que ameaça irromper no espaço pré-consciente e consciente, produzindo 
desprazer. 
 Esta “retirada” é conhecida com o nome de descatéxia ou descatexização. 
 Essa energia, ou conjunto de cargas que foram liberadas pela retirada da 
representação original, é reutilizada imediatamente em forma de contracatéxia. Ver-se-á 
aqui que o processo contracatéxico conserva a representação original em seu lugar (o 
inconsciente). 
 Em segundo lugar, a representação, ou conjunto de representações que 
“herdarão” as cargas retiradas, pode ser de diversas naturezas: pode ser uma 
representação ligada, por contigüidade ou analogia, à representação original (caso das 
fobias, por exemplo), ou pode ser uma representação oposta àquela (formação reativa, 
representações de limpeza exagerada para lutar contra representações de sujeira). 
 Segundo Freud, a contracatéxia, ou seja, a energia retirada da representação 
original, é a responsável pelas condutas defensivas e por sua estabilidade. Facilmente se 
deduz que a luta estabelecida entre os desejos originais e as defesas levantadas contra 
eles exige um permanente gasto psíquico. 
 Talvez a melhor demarcação operacional de contracatéxia tenha sido dada por 
Fenichel. Para este autor, a contracatéxia é o sinal de angústia, já que o sinal de angústia 
é uma antecipação ativa de certa possibilidade de perigo. Acrescenta ele que, sendo um 
fenômeno automático, é uma reação do Ego, não criada por ele e sim utilizada por ele. 
De tal maneira, toda conduta defensiva tem a finalidade de manter um equilíbrio 
homeostático (Princípio da Constância — ver p. 137), sendo que toda defesa é defesa 
contra a ansiedade, contra a angústia. (Fenichel, O. — Teoria Psicoanalítica de las 
Neurosis, Paidós, 2. ed., Buenos Aires, 1964, p. 159.) 
 
208 
 
 Existem várias maneiras de dispor, para o estudo, os diversos mecanismos de 
defesa. Assim, classicamente, Fenichel os dividiu em

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