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Curso RedeFor de Especialização em Sociologia para Professores de Sociologia Introdução à Ciência Política: Teoria, Instituições e Atores Políticos Módulo 3: Ciência Política Encarnación Moya Recio e Paulo Roberto do Nascimento Equipe Multidisciplinar Coordenação Geral: Gil da Costa Marques Coordenação de Produção: Leila Humes Coordenação do Curso: Amaury Cesar Moraes Gerente de Produção: Beatriz Borges Casaro Autoria: Encarnación Moya Recio e Paulo Roberto do Nascimento Design Gráfico: Daniella Pecora, Juliana Giordano, Leandro de Oliveira, Priscila Pesce Lopes de Oliveira e Rafael Queiroz de Oliveira Ilustração: Alexandre Rocha, Aline Antunes, Benson Chin, Camila Guedes Torrano, Celso Roberto Lourenço, João Costa, Lidia Yoshino, Mauricio Rheinlander Klein, Thiago Augusto M. dos Santos Fotografias: Thinkstock Design Instrucional: Carolina Costa Cavalcanti Revisão de Texto: Márcia Azevedo Coelho Ex: ! Conceito Saiba Mais Atenção Exemplo Ambiente Virtual de Aprendizagem Iconografia Introdução à Ciência Política: Teoria, Instituições e Atores Políticos 1 O cenário da formulação política sobre as sociedades Introdução Esperamos partilhar e cultivar a curiosidade e o interesse pela Políti- ca através do fornecimento de ferramentas teóricas que permitam aos professores lidar com o anseio dos alunos por compreender o univer- so político e as instituições políticas contemporâneas e estimulá-los a enveredar por incursões investigativas a respeito do meio político. Estudar e conhecer a política são passos essenciais para uma parti- cipação cidadã na vida em sociedade. Uma visão sobre a Política e sobre os políticos tem persistido no senso comum: “a política não presta”, “os políticos são todos corruptos”, “o governo só rouba”. E, de fato, a corrupção é um antigo tema no pensamento político. Porém, pensar e entender o que são e como se dão as relações de Poder nas diversas sociedades, quais são as instituições que as sustentam, como se exerce o Poder e como este é contestado, e a história da construção dos direitos de Cidadania – e como o ‘status quo’ é transformado – são questões que todo Cidadão precisa e deve conhecer. tópIco 1 Política, um pensamento que vem de há muito tempo Entender a Política e seu elemento chave, o Poder, leva-nos a discriminar o que significa a Ordem (a Des-Ordem ou o Conflito), considerando desde o início que conceitos e insti- tuições básicas, como governo, representação, sistemas partidário e eleitoral, democracia etc., são hoje bastante comuns no cotidiano dos cidadãos das diversas sociedades, mas também devem ser tratados como construções históricas, com suas especificidades. RedeFor 5Tema 1 O cenário da formulação política sobre as sociedades A “teoria política” – “ciência política” – deve aos gregos seus ter- mos e conceitos básicos, que ainda hoje permanecem como cate- gorias de problematização da realidade política. As linhagens do pensamento político moderno estão em muitos aspectos ligadas a obras e autores que marcam as origens da filosofia política. Filóso- fos cujas obras foram importantes na formulação do pensamento político moderno, como Thomas Hobbes, Jean Jacques Rousseau e Karl Marx, encontraram nos escritos, em especial de Aristóteles, uma fonte para suas questões e problemas. As Ciências Políticas tornam indispensável o retorno a um autor clássico da Antiguidade, como Aristóteles, e iremos fazê-lo tomando como eixo uma obra central para o pensamento político (poderíamos dizer também para a filosofia política): A Política. Tais obras também permitem observar a construção e a transição que o pensamento sobre a Polis, – a cidade grega, seu governo e a cidadania – conhecem no momento mesmo de sua origem. Como nos ensina Jean-Pierre Vernant em As Origens do Pensamento Grego (1992), o advento da filosofia política coincide com a crise da Polis, ao mesmo tempo em que é uma reflexão sobre esta. No mundo grego, a Polis é uma unidade territorial e comunidade autônoma em relação à qual o habitante tem um sentimento de pertencimento. O grego antigo a sente assim, espe- cialmente um ateniense, um espartano, um tebano (Atenas, Esparta, Tebas – cidades-estado). É bom lembrar que a cidade-estado não se assemelha em nada ao Estado-Nação, uma construção e uma experiência moderna, que na contemporaneidade vem sendo abalada pelos processos de globalização. A Polis é o lugar da vida civilizada, pois nela se vive politicamente, o que significa que seu habitante – homem e livre – participa das decisões que concernem ao que é comum na cidade. A participação no espaço público é o que dá sentido de viver ao cidadão da Polis, espaço de igualdade e reconhecimento, onde o poder é decidido. Na Polis grega, particularmente na experiência da democracia ateniense, o poder não é externo nem anterior ao cidadão; é produto do debate, da argumentação, do convenci- mento entre os iguais. Segundo Vernant, a experiência social pode tornar-se entre os gregos o objeto de uma reflexão positiva, porque se prestava, na cidade, a um debate público de argumen- tos. O declínio do mito data do dia em que os primeiros Sábios puseram em discussão a ordem humana, procuraram defini-la em si mesma, traduzi-la em fórmulas acessíveis a sua inteligência, aplicar-lhe a norma do número e da medida. Assim se destacou um pensamento propriamente político, exte- rior à religião, com seu vocabulário, seus conceitos, seus princípios, suas vistas teóricas. Este pensamento marcou profundamente a mentalidade do homem antigo; caracteriza uma civilização que não deixou, enquanto per- maneceu viva, de considerar a vida pública como o coroamento da ativida- de humana. Para o grego, o homem não se separa do cidadão; a phrónesis, a reflexão, é o privilégio dos homens livres que exercem correlativamente sua razão e seus direitos cívicos. (1992: p. 94-5). RedeFor Introdução à cIêncIa polítIca6 A política entre os gregos é atributo e ocupação de homens livres. As crianças e as mulheres obedecem, e no caso destas, administram o oikos, o espaço privado da família, o que inclui seu patrimônio. Apenas a participação no espaço público realmente importa como dignificante da condição humana. No extremo oposto figuram os escravos, considerados “coisas”, parte do patrimônio familiar; são, entretanto, a maioria numérica na Grécia Antiga. Curiosamente, o autor que sistematizou parte das categorias até hoje centrais à filosofia ou ao pensamento político – Aristóteles – não era um “cidadão completo” em Atenas, onde vivia (como estrangei- ro, tinha o status de “meteco”, uma posição de inferioridade social e política). A obra A Política reúne o que originalmente são notas que Aristóteles tomava em seus cursos sobre como os homens vivem na Polis, e as diferentes formas de constituição desta – as diferentes for- mas de governo ou regimes políticos. E isso para descobrir a melhor forma de viver, ou, o bem viver. Segundo Francis Wolff, Aristóteles traz duas questões para a filosofia política: “como são as coisas da cidade” e “como deveriam ser”. São essas questões que orientam o conjunto de textos- -capítulos que compõem A Política e que discorrem sobre a estrutura social e econômica da cidade grega, a Polis, onde o homem é definido como um “animal político”. A Polis é para Aristóteles a “melhor das comunidades humanas”, sinônimo de “comunidade política”. Para utilizarmos uma ideia contemporânea, Aristóteles partilha a visão de mundo (weltanshaung) grega que hierarquiza o lugar dos homens (livres), das mulheres e crianças, e dos escravos. E justifica essa hierarquia por meio das leis (convenções) da cidade, as quais determinam a obediência das mulheres e crianças aos homens livres e a condição de escravo como naturais à ordem da Polis. Natural, aqui, assume o sentido da época. Aristóteles diz que “constituição e governo significam a mesma coisa” e que “o governo é o poder soberano da cidade”, arrolando três tipos de regime/governo que visam ao “bem comum” de acordo com quem e como se exerce o poder: 1) quando “um só” o exerce em prol do bem comum, temos a Monarquia; 2) quando os “poucos ou melhores” exercem o poder para essa finalidade, trata-se de uma Aristocracia; e 3) quando “muitos” governam tendo por fim o bem comum, temos a Democra- cia. Tais formas de governo, no entanto, podem se degenerar, corres- pondendo a cada uma o seu “desvio”, posto que sua finalidade deixa de ser o bem comum: 1) no caso da Monarquia, a Tirania, quando o governo é exercido em favor do monarca; 2) para a Aristocracia, temos a Oligarquia, quando os poucos governam para si; 3) o desvio da Democracia é a Demagogia, forma de governo voltada para os É nos Livros III e IV de A Política que Aristóteles descreve e classifica as “formas de governo” e utiliza o termo politeia, traduzido usualmente como “constituição”. Norberto Bobbio lembra que Aristóteles utiliza muitas definições de “constituição”. Como refere Bobbio, “a constituição é a estrutura que dá ordem à cidade, determinando o funcionamento de todos os cargos públicos e, sobretudo, da autoridade soberana”. (BOBBIO, 1994, p.-55). Aristóteles empregava uma terminologia um pouco distin- ta desta. Assim, onde utilizamos Demagogia, ele empregava Demo- cracia; onde utilizamos Demo- cracia, ele utilizava Politia; onde Monarquia, Realeza; e onde Tirania, Despotia. Preferimos, para melhor compreensão, utilizar os termos atualmente consagrados. RedeFor 7Tema 1 O cenário da formulação política sobre as sociedades “pobres”, orientados por um senso de revolta. Assim, temos as três formas boas e as três formas más de constituição de uma Polis. Séculos mais tarde, o pensador Nicolau Maquiavel irá considerar imprópria a distinção entre formas de governo puras e impuras, sob o argumento de que os governos se transfor- mam e as formas de governo que lhes correspondem se sucedem, num ciclo degenerador, em que as boas formas de governo dão lugar a formas de governo corrompidas. A siste- matização que se segue no pensamento político, sempre expressando as transformações concretas das sociedades, permite que hoje se afirme que as formas de governo podem ser estruturadas em torno de dois formatos básicos: a monarquia e a república. tópIco 2 Poder, Política e Estado Moderno A esfera da vida em sociedade, a qual denominamos de esfera polí- tica, frequentemente se restringe ao tema do uso do poder para que se atinjam os fins governamentais. A Política, assim restrita, incumbir- -se-á das instituições e práticas sociais devotadas à realização do bom governo, discutindo para tanto o distanciamento entre o que seria o ideal de um bom governo (suas instituições, conteúdos e práticas) e a sua realidade, a sua concretude. Decorre que o campo da política é muito mais amplo, extrapolando as questões relacionadas à consti- tuição dos Estados e das práticas políticas governamentais. Da forma como a abordaremos aqui, a Política tratará do exercício do poder, para que se influencie o conteúdo das ações de governo. Sob uma perspectiva geral, o poder é a capacidade de um indiví- duo ou grupo impor sua vontade a outrem, o que pressupõe superar a resistência que porventura haja, utilizando para isso quaisquer recursos, inclusive a força física. Como se vê, o poder pode ser encontrado em todas as relações sociais e não somente nas relações políticas voltadas às atividades governamentais, às quais nos restringiremos aqui. Na verdade, é do exercício do poder político que estaremos tratando, ou seja, da “possibilidade efetiva que tem o Estado de obrigar os indivíduos a fazer ou não fazer alguma coisa, e seu objetivo deve ser o bem público. Quando o poder, no seu exercício, não visa ao bem público, não é mais o poder do Estado, não é mais um direito, não obriga jurídica e moralmente; é apenas a força, a violência de homens que estão no governo.” (AZAMBUJA: 2008, p. 74). O desenvolvimento histórico das sociedades humanas vem produzindo uma infinida- de de práticas e instituições políticas, conforme a especificidade de cada sociedade e as influências que exercem e recebem de outras sociedades, bem como das relações entre É, portanto, fundamental que haja legitimidade no uso do poder político. Sem legitimidade, esse uso será apenas poder, sem a autoridade que deve vir junto com o governo. Assim, “a autoridade é o emprego legítimo do poder. Por legitimidade entende-se que aqueles que se submetem à autoridade de um governo consentem nessa autoridade.” (GIDDENS: 2005, p. 342). RedeFor Introdução à cIêncIa polítIca8 grupos e indivíduos que as compõem. Isso faz da trajetória de cada sociedade um conjunto único de recursos institucionais políticos: um Estado republicano certamente se distinguirá de outro mesmo reu- nindo características que lhes permitam ser classificados como repu- blicanos. O mesmo pode-se dizer de monarquias constitucionais, de repúblicas presidencialistas, de monarquias parlamentaristas, de repúblicas parlamentaristas, de ditaduras e outras. Em uma palavra: é da constituição do Estado Moderno e sua diversidade contemporâ- nea que as Ciências Políticas vêm se encarregando desde há muito tempo. Maquiavel empregou o termo em 1513 e, desde então, Estado está associado ao conceito de sociedade política: reunião de pessoas que buscam alcançar determinado interesse mediante recursos de poder estatal legitimamente estabelecido e reconhecido. Mas o desenvolvimento das formas concretas de Estado e da reflexão sobre sua concepção jurídica nos traz à noção de Estado de Direito e duas de suas manifestações modernas: o Estado Liberal e o Estado Social. São um tema recorrente nas Ciências Políticas os mecanismos democráticos de restrição ao poder dos governantes, ou o da composição representativa da democracia moderna, de o quanto esse aspecto a difere das experiências concretas de democracia na Antigui- dade e de como decorrem como uma imposição irrecorrível da crescente complexidade e dimensão assumidas pelas sociedades modernas. No entanto, o Estado de Direito traz ainda uma outra ordem de limitação, menos de caráter impeditivo e mais positiva quando reconhece o necessário respeito aos direitos como uma poderosa restrição ao poder dos governantes. Ou seja, reconhecendo a representação política nas democracias modernas como uma transformação necessária, comparativamente à democracia ateniense, uma transformação em que se passa do exercício direto do poder – em praça pública – a uma forma mediada de representação social nas instâncias políticas, teria também ocorrido, nesse processo, um fenômeno crescente de institucionalização de direitos. As democra- cias modernas, após subtraírem ao monarca a soberania, não a concedem aos gover- nantes, mas ao povo. Entretanto, nesse movimento, são reconhecidos direitos às pessoas – primeiro, os civis, depois os políticos e, por fim, os sociais, na clássica cronologia estabelecida por T. W. Marshall (1967). Nesse movimento, o próprio exercício do poder fica subordinado ao respeito dos governantes a tais direitos; ou seja, nessa argumentação, os direitos exprimem a pressão popular sobre o poder. Essa restrição, trazida pela institucionalização de direitos ao exercício do poder, seria mais caracterizadora das democracias modernas do que o próprio dilema entre represen- tação ou participação direta. O Estado de Direito, ou “rules of Law ”, porta o preceito da supremacia da lei sobre a autoridade política. Para além da concepção jurídica do Estado que busca impor restrições ao exercício do poder, no Estado de Direito trata-se da restrição repre- sentada pelo reconhecimento e efetividade dos chamados direitos fundamentais. Figura 1: Maquiavel / Fonte: Cepa RedeFor 9Tema 1 O cenário da formulação política sobre as sociedades tópIco 3 A origem do Estado Moderno De uma maneira bastante esquemática, porque há uma grande produção teórica e diver- gente sobre o assunto, vamos fixar as explicações sobre a origem do Estado em duas grandes interpretações: de um lado, há o entendimento de que sua origem é natural, proveniente de um desenvolvimento necessário dos grupamentos humanos. Se é fato que os homens, onde quer que se encontrem, estarão vivendo em sociedade, decorreria que naturalmente esse grupamento desenvolveria formas elaboradas de cooperação que atenderiam a necessida- de de beneficiamento mútuo. Dessa forma, convivendo socialmente, os indivíduos atingem seus objetivos por meio de trocas e ajudas recíprocas. Não é difícil imaginar que a con- vivência, cedo ou tarde, traria a necessidade de uma liderança, um indivíduo ou grupo que, por possuir habilidades especiais, se poria a dirigir, orientar, obrigar os demais, talvez em benefício deles próprios. Esse com certeza é um fenômeno real que expressa o exercício do poder, como o definimos anteriormente. Essa conjunção de fatores, determinados pela mera convivência humana, daria origem ao Esta- do, decorrendo este de um impulso natural. Numa segunda perspec- tiva, a contratualista, a sociedade decorre de um acordo de vontades, segundo o qual seus membros teriam decidido viver juntos. Uma ordem social e política emerge desse acordo, como resultado artifi- cial da criação da razão humana. O elemento fundante da sociedade é o homem que toma uma decisão – viver em sociedade – e para isso irá criar uma organização social e política. Thomas Hobbes (1588-1679), filósofo inglês, está entre os três maiores contratualistas dos séculos XVII e XVIII. Ele parte da ideia de que os homens, vivendo em estado de natureza, não encontram freios a seus impulsos egoístas, a não ser os mesmos impul- sos de outros homens, o que instala um estado de permanente beligerância e violência generalizada: é a guerra de todos contra todos. Tinha o pressuposto de que em épocas primitivas, vivendo fora da sociedade, ou seja, em estado de natureza, eram os homens iguais e essencialmente egoístas. Naquela situação, não existindo nenhuma autoridade ou lei e detentores todos dos mesmos direitos naturais, instalara-se a violência e a anar- quia, pois «nenhum era tão forte que não temesse os outros, nem tão fraco que não fosse perigoso aos demais». A necessidade de reduzir esse estado de tensão emerge da própria vontade e racionalidade desses homens, que então se movem no sentido de formação de um pacto com aquele objetivo. Um poder absoluto se faz necessário para a manutenção Duas variantes concretas do Estado de Direito devem ser lembradas. No Estado libe- ral de direito, os princípios constitutivos do liberalismo, como a divisão dos poderes, a igualdade de direitos e o respeito aos direitos individuais, se estruturam em seu ideário para assegurar, como fundamento desse Estado, as liberdades individuais frente à atuação desmedida do Estado. A este é reservado um papel bem reduzido no que diz respeito à organização da sociedade. Já no Estado social de direito, cristaliza-se um desejo de que, por meio de garantias coletivas, sejam corrigidos os efeitos desmedidos daquele individu- alismo liberal. Direitos sociais emergem no seio de sociedades capitalistas como direitos a serem assegurados pelo Estado de Bem-Estar Social, ou “welfare state”. RedeFor Introdução à cIêncIa polítIca10 dessa nova ordem: o Leviatã. O poder que se imporá e exercerá o controle sobre as ações dos homens será o Estado, que pela força promoverá limites às vontades particulares. Outro elemento importante na formulação de Hobbes é que ele “nega aos homens o direito de resistência à tirania do soberano”. Note-se que, partindo do entendimento da igualdade dos homens, chega-se à concepção de um poder absoluto que fundamenta seu sistema de governo, no qual o poder do soberano será ilimitado e indiscutível. A influência que John Locke (1632-1704) exerceu sobre os governos de seu tempo foi mais imediata do que a de Hobbes. A base do sistema de governo que ele propõe é o consentimento dos cidadãos. Seus ensinamentos influenciarão a Declaração de Inde- pendência dos norteamericanos. Partindo do pressuposto de que havia um estado de natureza, crê, entretanto, que ali existia um princípio organizador baseado na ordem e na razão: os homens são iguais e detêm iguais direitos à vida, à liberdade e à propriedade. Mas a ausência de uma autoridade que resolva os conflitos e defenda os homens contra as injustiças provenientes das imposições dos mais fortes, sustentada em leis fundamentais, leva à criação da sociedade política, por intermédio de um contrato. O Estado é criado para dirimir a instabilidade social decorrente da igualdade de direitos entre indivíduos diferentes entre si, bem como para preservar e consolidar os direitos naturais. O contratu- alismo de Locke, também diferentemente de Hobbes, prevê a possibilidade de se resistir ao poder do Estado sempre que o governo se tornar despótico, não cumprindo sua finali- dade de preservar os direitos naturais. O Estado existe pelo consentimento dos indivíduos, que, por regra de maioria, exercerão o poder, cumprindo a finalidade daquele, qual seja, interpretar a lei natural e preservar a harmonia entre os homens. Para Jean Jacques Rousseau (1712-1778), o homem, em estado de natureza, é essencial- mente livre, feliz e bom, convivendo em situação de plena paz e retirando da natureza todo o seu sustento. A sociedade o torna escravo e mau. Com a divisão do trabalho e a propriedade privada criam-se diferenças entre pobres e ricos, entre poderosos e fracos. No momento em que o primeiro homem cerca um terreno e o anuncia como seu, tem início a história da servidão humana. A desigualdade provém da apropriação e do uso individual da natureza. Mediante um contrato, os homens criam o Estado para evitar maiores desigualdades. Ao criarem-no, cedem a ele parte de seus direitos naturais, o que faz do Estado uma organização política com vontade própria, numa palavra, a vontade geral. Como cada indivíduo possui uma parcela do poder do Estado, por esse mecanismo recupera a liberdade perdida no ato de firmarem o contrato social. Mas o verdadeiro ato de liberdade estaria na obediência à lei, já que o indivíduo a prescreve, em conjunto com os outros, a si mesmo. Além disso, a ideia de vontade geral corresponderia à noção de soberania e, na maioria das situações, expressar-se-ia pela vontade da maioria. As obras desses três pensadores estão obviamente profundamente marcadas pelos temas e conflitos de seus tempos, problemas que procuraram resolver com olhos fixos no que deveria constituir o bom governo. Apesar de haver muita discussão sobre a verossimilhan- ça de tais estados de natureza, e mesmo sobre a viabilidade material de um tal contrato social, este precisa ser entendido como uma metáfora que alude ao histórico (e concreto) viver em sociedade na Modernidade; e aqueles, a um constructo teórico que fornece os elementos selecionados pelos autores para que pudessem construir suas propostas. RedeFor 11Tema 1 O cenário da formulação política sobre as sociedades Também, vale mencionar, Rousseau é frequentemente criticado como extremamente contraditório em suas obras, tanto quanto foi influente numa infinidade de movimentos políticos que marcaram os últimos duzentos anos em todo o mundo. Nessa breve digressão sobre a origem do Estado, é oportuno mencionar Santos (2000: 130 e 131), que acredita que para Rousseau “o problema não é tanto o de basear uma ordem social na liberdade, mas antes o de o fazer de forma a maximizar o exercício da liberdade; assim, seria um absurdo aceitar de livre vontade uma relação contratual se daí resultasse a perda da liberdade (como no contrato hobbesiano)”. Para Santos, a vontade geral de Rousseau “representa a síntese entre regulação e emancipação”, e “essa síntese está muito bem expressa em duas ideias aparentemente contraditórias: a ideia de ‘só obedecer a si próprio' e a ideia de ‘ser forçado a ser livre'.” Nessa perspectiva do contrato social que dará origem ao Estado, a um só tempo se formula o duplo desafio de uma constituição política em que os cidadãos têm obrigações políticas entre si (‘só obedecer a si próprio') e com o Estado (‘ser forçado a ser livre'); desafios concomitantes em que, para Santos, a segunda é apenas derivada da outra. Referências bibliográficas ARAÚJO, Cícero; ASSUMPÇÃO, San Romanelli. Teoria política no Brasil hoje. In: MARTINS, Carlos Benedito; LESSA, Renato (Coord.). Ciência Política. São Paulo: Anpocs/Discurso Editorial/Editora Barcarolla, 2010. (Horizontes das Ciências Sociais no Brasil) AZAMBUJA, Darcy. Introdução à Ciência Política. 2. ed. São Paulo: Globo, 2008. BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. 7. ed. Brasília: Editora UnB, 1994. ______; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO Gianfranco. Dicionário de política. 5. ed. Bra- sília: Edurb, 1993. v. 1 e 2. GIDDENS, Anthony. Sociologia. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005. p. 342-365. MARSHAL, T. W. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro, Zahar, 1967. RAMOS, Flamarion Caldeira; MELO, Rúrion; FRATESCHI, Yara (Coord.). Manual de filosofia política: para os cursos de Teoria do Estado e Ciência Política, Filosofia e Ciên- cias Sociais. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. SANTOS, B. S. A crítica da razão indolente. Contra o desperdício da experiência. São Paulo; Cortez: 2000. RIBEIRO, Renato Janine. A democracia. São Paulo: Publifolha, 2001. (Folha Explica) ______. A república. São Paulo: Publifolha, 2001. (Coleção Folha Explica) VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. 7. ed. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1992. WEFFORT, Francisco C. (Org.). Os clássicos da política. 4. ed. São Paulo: Editora Ática, 1993. v. 1 e 2. WOLFF, Francis. Aristóteles e a política. 2. ed. São Paulo: Discurso Editorial, 1991. Agora que terminamos a leitura do Tema 1, vamos acessar a Aulaweb para revisar e aprofundar nossos conhecimentos.
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