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SUSAN KRATOCHWILL EDUCAÇÃO ON-LINE: PERSPECTIVAS DE UMA AVALIAÇÃO DIALÓGICA NO FÓRUM DE DISCUSSÃO Dissertação apresentada à Universidade Estácio de Sá como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação. Orientador: Prof. Dr. Marco Silva. Rio de Janeiro 2006 SUSAN KRATOCHWILL EDUCAÇÃO ON-LINE: PERSPECTIVAS DE UMA AVALIAÇÃO DIALÓGICA NO FÓRUM DE DISCUSSÃO Dissertação apresentada à Universidade Estácio de Sá como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação. Aprovada em _____ de _________________ de 2006. BANCA EXAMINADORA ______________________________________________________________________ Prof. Dr. Marco Silva ____________________________________________________________________ Profª. Drª. Lucia Regina Goulart Vilarinho ______________________________________________________________________ Profª. Drª. Ângela Carrancho da Silva Às amigas-irmãs, Deise Rodrigues Sampaio e Márcia Moraes, responsáveis pela concretização deste projeto de vida. AGRADECIMENTOS A Deus, acima de todos os seres e todas as coisas. Ao meu orientador, Marco Silva, pela dedicação e paciência. A toda Equipe CEDERJ/UERJ pela confiança e atenção no desenvolvimento desta pesquisa. A CAPES/PROSUP, pelo auxílio concedido por meio da bolsa de mestrado. A querida Tia Bel, pela grande ajuda na conclusão deste texto. Livro só existe no plural, de modo que não há como abrir um único, sem que com isso outro, e assim acionar a espiral que, par em par, outros abrirá; o mesmo que a mão dentro do bolso surpreendesse outro e, nesse um, outros bolsos em seqüências infinitas à semelhança de uma dízima; e em cada qual houvesse chaves de cofres há muito saqueados, de gavetas que nenhuma abre, da cidade depois dos bárbaros, porque chegamos sempre tarde. (Fernando Fábio Fiorese Furtado) RESUMO A popularização das tecnologias digitais da informação e da comunicação, especialmente da internet, vem propiciando o desenvolvimento de ambientes virtuais de aprendizagem (AVA) nos quais se dá a educação na modalidade on-line. O objetivo deste estudo foi analisar as possibilidades de implementação de uma avaliação dialógica, dirigida especialmente às atividades da interface Fórum do AVA em uma disciplina pedagógica de licenciatura do Consórcio CEDERJ/UERJ. Trata-se de uma pesquisa qualitativa de cunho sócio-histórico que considera a relação entre os sujeitos pesquisados e o pesquisador como uma dinâmica dialógica. Tomou-se por base a teoria enunciativa de Bakhtin e a perspectiva do desenvolvimento de Vygotsky e, para compreender os processos de interação e de interatividade inerentes ao desenvolvimento da dialógica no contexto das tecnologias digitais on-line, foram adotados os fundamentos da interatividade, segundo Silva. Para compor um quadro teórico capaz de abarcar as possibilidades de uma avaliação dialógica, recorreu-se a Luckesi e Hoffmann como referências da educação presencial, porém transpostos para a educação on-line. Concluiu-se, inicialmente, que houve subutilização do fórum quanto à sua potencialidade dialógica/interativa e avaliativa, com base nos indicadores de qualidade em avaliação da aprendizagem on-line construídos em acordo com o quadro teórico da pesquisa. Todavia, experimentaram-se modificações no sentido de potencializar sua utilização a partir da intervenção dialógica do pesquisador através de questionamentos e sugestões que propiciaram momentos de reflexão e reformulação da prática interativa no fórum, novas posturas docentes foram construídas e, conseqüentemente alteraram as posturas discentes na referida interface. Ademais, verificou-se que o fórum de discussão, além de melhorar o desempenho do aprendiz na pesquisa, na leitura e na escrita, estrutura-se como um arquivo de participações individuais e coletivas, aproximando os sujeitos e ampliando a colaboração. Caracteriza-se como um valioso recurso dialógico-avaliativo em educação on-line, aprofundando a interação e a interatividade entre os sujeitos, entre estes e a interface fórum e entre os sujeitos, a interface e o conteúdo. Palavras-chave: educação on-line, avaliação da aprendizagem on-line, dialógica, interatividade, fórum de discussão on-line. ABSTRACT The popularization of information and communication digital technologies, especially the internet, has promoted the development of virtual learning environments (VLE), where online education takes place. The aim of this study was to analyze the possibilities of implementing a dialogical evaluation, particularly focused on the activities of the Forum interface of the VLE in a pedagogical discipline of the Teaching course in CEDERJ/UERJ. It is a piece of qualitative social-historical research which considers the relationship between the researched individuals and the researcher as a dialogical dynamics. It is based on the Bakhtin’s elucidative theory and the development perspective of Vygotsky. Also, to understand the interaction and interactivity processes linked to the development of dialogic in the context of on-line digital technologies, interactivity notions were implemented, according to Silva. In order to compose a theoretical board including all possibilities of a dialogical evaluation, Luckesi and Hoffmann were used as references to presential education but adapted to on-line education. It was concluded that, initially, there was a subutilization of the forum considering its dialogical/interactive and evaluative potential based on the quality indicators of on-line learning developed according to the theoretical board of the research. Nevertheless, changes were made in order to reinforce its utilization from the dialogical intervention of the researcher through queries and suggestions that led to moments of reflection and reformulation of the forum’s interactive practice. New teaching approaches were adopted and consequently they changed the students’ attitudes in the referred interface. Moreover, it was verified that not only does the discussion forum enhance the performance of the learner in the research, in both reading and writing, but it is also a file of individual and group participations, bringing together the individuals and promoting cooperation. It is characterized as a valuable dialogical and evaluative resource in on-line education, expanding the interaction and interactivity among individuals, between them and the forum interface, the interface and the content. Key words: on-line education, evaluation of on-line learning, dialogical, interactivity, on-line discussion forum SUMÁRIO 1 A EDUCAÇÃO EM UM NOVO CENÁRIO ..................................... 1.1 Objetivo e questões desenvolvidas ......................................................... 1.2 Justificativa ............................................................................................. 1.3 Metodologia ............................................................................................ 2 A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NO AMBIENTE ON-LINE PRESSUPÕE DIALOGICIDADE ........................................... 2.1 Concepção dialógica ............................................................................... 2.1.1 A interatividade no processo dialógico .................................................. 2.2 A postura dialógica da avaliação ............................................................ 2.3 O fórum de discussão on-line ................................................................. 2.3.1 O fórum de discussão como interface dialógica de avaliação ................ 3 O CAMPO E O CENÁRIO DA PESQUISA ..................................... 3.1 Apresentando o CEDERJ/UERJ ............................................................ 3.1.1 Conhecendo o AVA do CEDERJ .......................................................... 3.2 O cenário da pesquisa ............................................................................ 3.2.1 As primeiras impressões do fórum de discussão ................................... 3.2.2 O diálogo no campo ................................................................................ 3.3 As novas práticas no fórum de discussão ............................................... 4 AS POSSIBILIDADES DE IMPLEMENTAÇÃO DE UMA AVALIAÇÃO DIALÓGICA DINAMIZADA NO FÓRUM DO AVA ....................................................................................................... 4.1 As posturas pedagógicas docentes e discentes ....................................... 10 22 24 25 35 39 49 56 60 65 70 70 80 83 83 88 94 102 105 4.2 O fórum como um dos potencializadores da avaliação dialógica no AVA ................................................................................................................. 4.3 Dificuldades e limitações do AVA na perspectiva dialógica ................. 4.4 Interferências e sucessos da/na pesquisa ............................................... CONCLUINDO .................................................................................... REFERÊNCIAS ................................................................................... ANEXO A – Entrevista on-line com docentes ...................................... ANEXO B – Entrevista on-line com estudantes .................................... ANEXO C – Entrevista presencial com docentes .................................. 109 114 119 124 129 135 139 142 10 1. A EDUCAÇÃO EM UM NOVO CENÁRIO A educação a distância (EAD) não é um fato novo no Brasil, há tempos está presente em nossa sociedade apesar de obter pouco valor e incentivo. Certamente em muito já contribuiu para a formação e inclusão de profissionais de diversas áreas no mercado de trabalho formal e informal, mesmo sendo considerada uma modalidade de ensino à margem da educação presencial tradicional e tendo convivido com os questionamentos da área acadêmica e da própria sociedade quanto a sua qualidade e validade. No entanto, torna-se cada vez mais possível um ensino não-presencial efetivamente qualificado, enfocando-se aqui o ensino dinamizado a partir do ambiente virtual de aprendizagem (AVA), tendo como suporte as tecnologias digitais, os conteúdos e os professores mediadores. O preconceito com relação à EAD perdura nos dias de hoje, pois esta ainda é tratada como forma de atendimento aos excluídos, aqueles que não têm acesso a uma educação de qualidade no ensino presencial regular. No entanto, nos últimos anos, alguns fatores vieram, de forma direta ou indireta, redirecionar o foco das atenções para essa modalidade de ensino, colocando-a em evidência nesse início do século XXI quando se tem evidenciado uma nova forma de educação a distância, a educação on-line. Dentre esses fatores, cabe citar o avanço das tecnologias digitais invadindo as mais variadas áreas, provocando inegáveis e irreversíveis mudanças no comportamento social, político e econômico daqueles que, hoje, participam da nova onda de “reconexão da humanidade consigo mesma” (LÉVY, 2000, p.198-9). As possibilidades criadas com as tecnologias da informação e da comunicação (TICs), evidenciando-se as tecnologias digitais, estão colaborando para alterar cenários na sociedade. Silva (2003, p.34), sinaliza tais alterações ao mencionar uma sociedade que caminha da “modernidade fordista” para a “flexibilidade pós-moderna”, ou ainda, segundo o mesmo autor (2002, p.28), “a passagem da ênfase na idéia de sociedade ‘pós-industrial’ para a ênfase na 11 idéia de ‘sociedade da informação”. De acordo com Silva (2002), o termo “sociedade da informação” baseia-se nas publicações de Daniel Bell, de 1980, e traz em si a idéia de desvincular a sociedade do paradigma de produção em massa, instaurado até então, e que não mais atende aos novos rumos tomados pela humanidade no cenário da cibercultura. Estando a educação diretamente inserida no contexto social e tendo ela o propósito de formação e informação continuada do cidadão, não poderia ficar excluída das atuais transformações políticas, econômicas e sociais que permeiam a sociedade desde o final do século XX. “É nas lutas e contradições destas duas épocas que reside o desafio da mudança para os professores que preparam as gerações futuras” (FREITAS, 2004, p. 96). A sociedade da informação demanda uma educação voltada para o novo cidadão, um fruidor, um autor histórico-social, vislumbrando um novo indivíduo que constrói e reconstrói a história da humanidade, trata-se, pois, de uma educação voltada para a cidadania, conforme propõe a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) – nº 9394, de 20 de dezembro de 1996 (CARNEIRO, 2002). Sob esse propósito, não cabe mais a formação do cidadão repetidor, que deriva de um paradigma positivista, é necessário sim, conforme sugere Bordignon e Gracindo (2001, p.149), pensar numa cidadania que: requeira igualdade de diferença, conceitos aparentemente antagônicos, mas fundamentalmente vinculados. Ao mesmo tempo que se é igual na dignidade humana, nos direitos e nos deveres, se é diferente, como um ser único, com vocação e potencialidade própria. Diferenças que não fazem de cada um ser mais ou menos que os outros, mas apenas diferentes, singulares. Assim, a educação, tanto a presencial quanto a distância e/ou on-line, precisa acompanhar essa (re)evolução social e tecnológica. Entendendo-se aqui, a integração da educação com o avanço das tecnologias digitais não como uma imposição que vem atender às urgências mercadológicas, mas como resultado das mudanças que se apresentam ao homem. 12 Como lembra Moraes (2004, p. 8) “devemos ter em mente que as imposições ou as resistências ou a vontade de alterar as formas de ensino frente às tecnologias da informação e da comunicação são resultados, exclusivamente, da grande capacidade humana de criar”. É a criatividade humana que tem proporcionado cada vez mais avanços tecnológicos e, concomitantemente, as novas necessidades sociais e educacionais. Faz-se necessário ressaltar que a própria EAD tem assumido uma nova configuração a partir dos avanços que as tecnologias digitais têm apresentado. Estas tecnologias expandiram as possibilidades de uma educação não-presencial que foge do modelo unidirecional de um- um ou um-todos utilizado no sistema analógico de emissão fechada, recepção passiva e reprodução em massa. O sistema digital proporciona um modelobidirecional, híbrido, polifônico, aberto e co-participativo entre emissão e recepção, diminuindo a polaridade e aumentando a interação e a interatividade. “A EAD, em especial pela internet, propõe o currículo sem limites. Saberes até então excluídos do ensino invadem a cabeça dos estudantes e de forma transgressora convidam os mesmos a fazer links e a ousar abrir janelas” (RAMAL, 2001, p13). As tecnologias digitais têm propiciado um avanço no campo da EAD, diminuindo cada vez mais as distâncias físicas, sociais, econômicas e culturais, e ainda potencializando a afetividade e a socialização através da dialógica e da interatividade. A plasticidade característica do sistema digital acaba por proporcionar com fluidez os mecanismos cognitivos da aprendizagem, conforme sugere Ramal (2001, p. 15): a informática transforma o conhecimento em algo não-material, flexível, fluido e indefinido, provocando rupturas: a interatividade, a manipulação de dados, a correlação dos saberes através de nós de rede, a plurivocidade, o apagamento das fronteiras rígidas entre texto-margens e autores-leitores. Os suportes digitais e os hipertextos são, a partir de agora, as tecnologias intelectuais de que a humanidade passará a se valer para aprender, interpretar a realidade e transformá-la. 13 Dentro deste cenário, instala-se uma nova geração de EAD mais conhecida como “educação on-line” que, segundo Peters (2001, p. 33), “é, portanto, didaticamente híbrida, o que proporciona à educação a distância uma flexibilidade ainda maior e um enorme potencial didático de mudança”. A educação on-line está sendo configurada como um fenômeno da cibercultura, a cultura que emana a partir do ciberespaço. Conceituar ou definir cibercultura tem sido uma incessante busca de muitos teóricos da filosofia, sociologia, antropologia e de outras áreas. Com base nas contribuições desses teóricos, considera-se cada vez mais difícil esta tarefa de conceituar cibercultura e ciberespaço de uma forma definitiva. Primeiro: considera-se que os conceitos se caracterizam estáticos diante de um fenômeno altamente plástico, em mutação e em fase de constante adaptação. Não se pretende analisar ou discutir cibercultura com base em conceitos, mas sim visando as mutações do universo, as relações da própria natureza como numa teia de relações, a própria teia em que se desenvolve a vida. Segundo: imagina-se que para se entender o que é cibercultura é preciso entender o ciberespaço, posto que se considere cibercultura um fenômeno que se baseia no efeito do ciberespaço no mundo da cultura. E terceiro: é preciso considerar a cibercultura como um fenômeno que engloba o computador, mas vai muito além deste. Fenômeno este ligado a revolução tecnológica baseada na microeletrônica, nas tecnologias da informação e da comunicação, que também estão para além do computador, e na biotecnologia, como uma fonte de referência que também vem contribuindo para essa mudança de cenário, de corporações e das culturas, influindo umas sobre/nas outras. Entende-se ciberespaço como o espaço por onde transita a tecnologia digital, onde ocorrem todas as ligações que a rede permite e acaba por influenciar no plano da cultura, da política, da economia, da educação e do modo de vida, não apenas um espaço onde ocorram 14 as conexões dos objetos digitais. Lévy (2005, p. 92) define ciberespaço “como o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores” e ele ainda complementa afirmando que “essa definição inclui o conjunto dos sistemas de comunicação eletrônicos, na medida em que transmitem informações provenientes de fontes digitais ou destinadas à digitalização”. Esse mesmo ciberespaço tem se expandido na proporção mais rápida já presenciada em toda a história, permitindo uma comunicação bidirecional e ao mesmo tempo polarizada, a partir dos princípios “um para todos” e “todos para todos” (LÉVY,2000). Rosnay (2000, p. 222) entende que no ciberespaço: estamos longe das infra-estruturas pesadas da sociedade industrial a que se refere essa metáfora rodoviária com seus pedágios e o controle da circulação. Esboça-se antes uma superposição de vasos capilares, de veias e de artérias fortemente ramificados, irrigando todos os ramos da sociedade. São essas ramificações (vasos capilares) que irrigam toda a sociedade, em suas diferentes nações e distintas culturas, que trazem para junto da realidade coletiva e da realidade de cada sujeito uma imensidão de novidades que se multiplicam e se transformam contínua e aceleradamente. Ao se deparar nesta rede, os sujeitos acabam presos a ela mesmo que não estejam diretamente atrelados a nenhum de seus nós. Mesmo aquele cidadão que não se conecta a rede digital sofre influências proporcionadas pela cibercultura e influencia nela, como o sujeito excluído digitalmente que sofre influências do ciberespaço e, a partir dessas influências, se insere na cibercultura que se instala a partir deste espaço em rede, trazendo transformações que alteram e são alteradas concomitantemente como num fluxo de causa e efeito. Desta forma, não cabe à cibercultura uma concepção exclusivamente do mundo digital, pode-se vislumbrar a cibercultura na busca obsessiva do homem pelo crescimento, 15 pelo novo, pelo prazer total e pelo imediato, o que configura um novo cenário em educação, que passa a refletir novas necessidades e a construir novas concepções. Muitas vezes, nessa busca, o homem se perde de sua essência humana, esquivado da ética, acaba por esquecer que faz parte do meio ambiente, que é um elemento da natureza, onde tudo se conecta, se adapta e se encadeia. Acredita-se que cabe conceber a cibercultura na percepção de mundo que se tem hoje, um mundo transnacionalizado, onde o Estado perde poder e força e o mercado ganha. Dreifuss (1996, p. 134) aponta um “processo facilitado pela crescente padronização e homogeneização dos bens de uso, das modalidades de consumo e de infra-estrutura de mercado”. Ele ainda enfoca que as: multinacionais norte-americanas foram as porta-bandeiras de uma perspectiva diferente. Na realidade, dinamizaram três grandes processos de transformação transnacionalizantes: de mundialização de estilos, usos e costumes; de globalização tecnológica, produtiva e comercial; e de planetarização da gestão. (DREIFUSS, 1996, p. 135, grifo do autor) Com certeza as tecnologias digitais da informação e da comunicação possibilitam a ocorrência desses fenômenos assim como eles servem à disseminação e inovação dessas tecnologias. Dentro desse mesmo contexto insere-se a cibercultura, enquanto uma cultura que se relaciona às possibilidades proporcionadas pela microeletrônica, seus fenômenos e eventos. Cultura esta que teve seu embrião no ciberespaço, mas se engendrou por outros espaços alcançando nações globalizadas e globalizantes, onde o que se come e o que se veste, o que se ensina e o que se aprende, os costumes e as necessidades, podem perder-se do que se idealizava como autonomia e identidade, caminhando para uma hegemonia idealizada pelos países dominantes, e por que não dizer, pelos interesses capitalistas, e só o próprio homem poderá definir o fenômeno da cibercultura como alienador ou como integrador. Em entrevista dada no simpósio “Cibercultura 2.0”, em novembro de 2003, São Paulo, o professor Lemos define: 16 a cibercultura nada mais é do que a cultura contemporânea em sua interface com as novas tecnologias de comunicação e informação, ela está ligada as diversas influências que essas tecnologias exercem sobre as formas de sociabilidade contemporâneas,influenciando o trabalho, a educação, o lazer, o comércio, etc. Todas as áreas da cultura contemporâneas estão sendo reconfiguradas com a emergência da cibercultura (LEMOS, 2003, p. 2). Vivenciando o fenômeno da cibercultura se faz necessário quebrar paradigmas em educação, uma necessidade que Teixeira (1963, p. 6) anteviu ao dizer “ainda não fizemos em educação o que deveria ser feito para preparar o homem para a época a que foi arrastado pelo seu próprio poder criador”. Agora, uma nova época se instala e o homem ainda despreparado necessita rever a educação como forma de inserção na atualidade. É nessa perspectiva que Ramal (2002, p. 79) dá enfoque à urgência de mudanças nas posturas: queiramos ou não, neste momento complexo e contraditório, momento de rupturas e renegociações de sentidos, de queda de fronteiras e de acirramento de desigualdades, gesta-se e é gestada uma humanidade diferente, que se comunica de uma forma nova, que faz coisas diversas nos espaços e nos tempos que lhe cabem, que vê o mundo a partir de novos dispositivos. É também tarefa dos pensadores da educação e dos pesquisadores deste momento ajudá-la a compreender e a tornar-se melhor. Neste cenário de mudança assumem relevância muitas das contribuições de Freire (2005, p.79), por trazerem em si a base epistemológica da sociedade da informação onde “ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo”. As mudanças que estão atingindo a educação anunciam que os contextos de aprendizagem não comportam mais a figura do professor-transmissor e do estudante-receptor. Esta questão é bem sinalizada por Lévy (2005, p.172, grifo do autor): 17 como manter as práticas pedagógicas atualizadas com esses novos processos de transação de conhecimento? Não se trata aqui de usar as tecnologias a qualquer custo, mas sim de acompanhar consciente e deliberadamente uma mudança de civilização que questiona profundamente as formas institucionais, as mentalidades e a cultura dos sistemas educacionais tradicionais e sobretudo os papéis de professor e de aluno. Valendo-se do computador conectado à internet, a educação on-line vem ocupando cada vez mais espaço no mundo contemporâneo e representa mais um fenômeno da cibercultura. As tecnologias digitais acabaram por favorecer, em muito, essa expansão que necessita ser cuidadosamente analisada. A interação, em nível de interatividade, propiciada pela internet e todo o ambiente digital, pressupõe que o ensino e a aprendizagem no ambiente on-line incorporem uma perspectiva interacionista e dialogal, que apóie a humanidade na construção consciente deste novo cenário, evitando-se a reprodução dos modelos e a padronização. Cabe ressaltar que ao falar em interatividade pretende-se caracterizar uma especificidade da interação, já que esta comporta um complexo e amplo campo de significados e possibilidades, conforme esclarece Silva (2002, p. 98, grifo do autor): Blumer e Mead, mentores do “interacionismo simbólico” também remetem ao sentido genérico da interação. Eles firmam uma premissa: nenhuma ação humana existe separada da interação. Esta premissa é oriunda da sociologia e pode ser localizada em G. Simmel e M. Weber nos seguintes termos: os indivíduos são ligados uns aos outros por uma trama de relações sociais, e a interação implicada pela orientação do comportamento em relação a outrem toma lugar, por conseguinte, no seio de um conjunto. Nessa trama de relações, o termo “interação” pode abarcar tanto generalidade quanto especificidades e singularidades. As tantas formas possíveis de interação são possíveis e pertinentes no ambiente digital, enfatizando-se uma de suas especificidades: a interatividade, pois na educação on-line pode- se considerar que as interfaces, as ferramentas, o hipertexto e tantos outros recursos disponíveis podem proporcionar um fazer pedagógico mais interativo, tanto no âmbito da 18 interação quanto da interatividade, mediatizado pelo mundo, pelo ciberespaço e pelo educador. De acordo com Silva (2002), a interatividade é uma especificidade das inúmeras formas de interação e se torna tão significativa na educação on-line por permitir participação- intervenção, bidirecionalidade–hibridação e permutabilidade-potencialidade, fundamentos que não são essenciais para que haja interação, mas são primordiais à interatividade. Desta forma, a dialógica e a interatividade são conceitos pertinentes ao AVA e não podem ser desconsiderados nos processos de ensinar, aprender e avaliar em educação on-line. Esse fazer pedagógico também pode contextualizar-se com maiores possibilidades dialógicas, onde se privilegia o diálogo não como simples troca de informações e idéias, mas como forma de compreensão, pois segundo Bakhtin (2004, p.132): “a compreensão é uma forma de diálogo [...] Compreender é opor a palavra do locutor uma contrapalavra” e também como forma de significação, visto que segundo o mesmo autor: a significação não está na palavra nem na alma do falante, assim como também não está na alma do interlocutor. Ela é o efeito da interação do locutor e do receptor produzido através do material de um determinado complexo sonoro. É como uma faísca elétrica que só se produz quando há contato dos dois pólos opostos.(BAKHTIN, 2004, p. 132) É neste sentido que este estudo busca, no fazer pedagógico, a avaliação inerente ao próprio processo de aprendizagem, de modo que a construção e a co-construção do conhecimento sejam desencadeadas dialógica e continuamente com vistas à autonomia do sujeito/cidadão e com respeito à alteridade. Conforme nos apresenta Buber (2004, p. 59) “O Eu se realiza na relação com o Tu; é tornando Eu que digo Tu. Toda vida atual é encontro”. A partir das possibilidades interativas proporcionadas pelo ambiente on-line, vislumbra-se a efetivação da dialógica nos processos de ensinar e de aprender e, principalmente sob este contexto, no processo avaliativo da aprendizagem. 19 As práticas pedagógicas, evidenciando aqui as referentes ao processo avaliativo, na perspectiva dialógica apresentada por Bakhtin, preocupam-se com o percurso das trocas, isto é, aquilo que é dado como real a atingir o potencial, consolidando a autonomia desejada. Sob esse aspecto, Vygotsky (1998), esclarece que entre o desenvolvimento real e o desenvolvimento potencial do sujeito há um longo caminho de trocas a ser construído. Entende-se, nessa pesquisa, que esse caminho percorrido pelo sujeito na construção do conhecimento trata-se de um processo que está para além do processo de ensinar e de aprender, que a retórica inicial do professor ao apresentar o problema/conteúdo deve desencadear-se e desdobrar-se numa dialógica de construção, que permita ao sujeito o diálogo, a intervenção, a participação. Sendo assim, a comunicação é fator crucial nos processos de ensinar e aprender e está além do próprio processo, pois desse diálogo surgirão a compreensão e a significação. Segundo Bakhtin (2004, p. 124): “a comunicação verbal entrelaça-se inextricavelmente aos outros tipos de comunicação e cresce com eles sobre o terreno comum da situação de produção”. Os processos de ensinar e de aprender não se consolidam sem a comunicação verbal, seja ela oral, escrita ou reflexiva, e junto a ela desencadeiam-se situações de produção necessárias à construção do conhecimento. A partir da informação transmitida ou adquirida, o sujeito estará propenso à construção/produção do conhecimento. Para tanto, ele necessita de espaço, de tempo e de diálogo para consolidar o conhecimento produzido e caracterizar a aprendizagem.Os caminhos trilhados pelo sujeito/aprendiz na construção/produção do conhecimento caracterizam um processo avaliativo; visto sob o ângulo de trocas, diálogos e mediações, firma-se num processo de avaliação dialógica. Conforme argumenta Hoffmann (2001, p. 63- 64): 20 a perspectiva da ação avaliativa é percebida como uma das mediações pela qual se encorajaria a reorganização do saber. Ação, movimento, provocação, na tentativa de reciprocidade intelectual entre os elementos da ação educativa. Professor e aluno buscando coordenar seus pontos de vista, trocando idéias, reorganizando-as [...] a ação avaliativa, enquanto mediação, se faria presente, justamente, no interstício entre uma etapa de construção do conhecimento do aluno e a etapa de produção por ele, de um saber enriquecido, complementado. Ao se mencionar educação on-line, pensa-se no fazer pedagógico que permeia essa prática tão diferenciada da educação presencial regular. Na legitimação da educação on-line, no cenário atual, a discussão e as pesquisas têm se ampliado, mas ao se caracterizar essa prática estar-se-á caracterizando a prática de avaliação. Por ser uma modalidade de educação que conta com momentos síncronos1 e assíncronos2, sem o contato da presença física, há de se contar com recursos, métodos, técnicas e instrumentos que dêem o suporte necessário para o acompanhamento, as mediações e as trocas que caracterizarão e qualificarão a avaliação. Em se tratando de uma educação conectada a rede internacional de computadores, também há de se privilegiar a capacidade hipertextual do ambiente de aprendizagem on-line, julgando-se, num processo avaliativo dialógico, a capacidade hipertextual do ambiente como relevância da construção não-linear do conhecimento. Ao novo sujeito/aprendiz não cabe mais a reprodução passiva de conhecimentos, autoritariamente direcionados, mas sim a possibilidade de delinear sua própria busca, tracejar os caminhos que lhe subsidiarão na construção/produção do próprio conhecimento, conforme argumenta Ramal (2002, p. 87, grifo do autor): hoje, se entende por hipertexto a apreensão através de uma rede de nós interconectados por links que pode ser navegada livremente pelo leitor de um modo não-linear [...] permite – ou, de certo modo, em alguns casos até mesmo exige – a participação de diversos autores na sua construção, a redefinição de autor e leitor e a revisão dos modelos tradicionais de leitura e escrita. 1 Momentos síncronos são aqueles em que a comunicação se dá ao mesmo tempo entre emissão e recepção. 2 Momentos assíncronos são aqueles em que a comunicação não se dá ao mesmo tempo entre emissão e recepção. 21 Permitir ao sujeito/aprendiz a construção do conhecimento através de sua própria escolha dos caminhos para essa construção é uma visão de educação voltada para a autonomia, autoria e transformação, conforme almejava Freire (2005). A concepção que se tem de educação fatalmente determina a concepção que se tem de avaliação (ROMÃO, 2005). O ambiente de aprendizagem on-line conta com uma gama de possibilidades que proporcionam o declínio da educação bancária3 para o ápice e a emergência de uma educação alicerçada por uma avaliação dialógica, assim apresentada por Romão (2005, p. 88-89): o conhecimento não é uma estrutura gnoseológica estática, mas um processo de descoberta coletiva, mediatizada pelo diálogo entre educador e educando [...] a avaliação deixa de ser um processo de cobrança para se transformar em mais um momento de aprendizagem, tanto para o aluno quanto para o professor – mormente para este, se estiver atento aos processos e mecanismos de conhecimento ativados pelo aluno, mesmo no caso de “erros”, no sentido de rever e refazer seus procedimentos de educador. Sob essa visão de educação como um processo coletivo de construção, a avaliação não poderia se dar de outra forma, senão como um processo dialogal que acompanha os percursos de construção, detectando o erro como um norteador de caminhos e propiciando a auto- avaliação do educador e do estudante. É neste sentido, que este estudo buscará através das práticas presenciadas na educação on-line, as possibilidades de uma avaliação dialógica no fórum de discussão dos ambientes virtuais de aprendizagem. O fórum de discussão dos AVA é considerado um recurso didático que propicia os debates, as trocas, as interferências, a resolução de problemas e, por que não dizer, a oportunidade de se construir novos conhecimentos, novos significados. Todo fórum utilizado didaticamente possui um mediador, sendo o professor este mediador, pode-se contar com suas intervenções e acompanhamentos ao ponto de se constituir um ambiente propício a avaliação 3 Freire (2005) em “Pedagogia do Oprimido” caracteriza como educação bancária a educação baseada no professor-transmissor e no aluno-receptor, como um mero depositário de informações. 22 de proposta dialógica. Trata-se exatamente deste enfoque de avaliação, a partir deste recurso didático, a temática deste estudo. 1.1 Objetivo e questões desenvolvidas Considerando-se a educação como processo coletivo, que concebe o ensino e a aprendizagem na perspectiva dialógica de construção do conhecimento, isto é, a partir do diálogo, da troca, da compreensão e da significação desse conhecimento, tratando-o como um saber inacabado, acredita-se na avaliação enquanto norteadora desse processo construtivo e não uma mera medição da aprendizagem. A partir desta visão pretende-se: Analisar as possibilidades de implementação de uma avaliação dialógica, dirigida especialmente às atividades da interface fórum que se insere no contexto de duas das disciplinas pedagógicas presentes em três cursos de licenciatura que têm parte de sua carga horária oferecida on-line. Deste objetivo mais amplo foram geradas as seguintes questões de estudo: Que posturas pedagógicas são esperadas de um educador, atuante no ambiente de aprendizagem on-line, quando ele se propõe a concretizar a avaliação da aprendizagem numa perspectiva dialógica? Como o fórum, uma das interfaces do ambiente de aprendizagem on-line, pode ser usado para promover a avaliação dialógica? Que dificuldades e limitações transparecem na avaliação dialógica realizada em um ambiente de aprendizagem on-line, especificamente no fórum de discussão? Cabe, em relação ao objetivo e às questões apresentadas, delimitar o sentido de alguns termos que se inserem. O fórum de discussões, por exemplo, caracteriza-se, nesse contexto, 23 como uma interface4 do ambiente de aprendizagem on-line de interação assíncrona e que possibilita aos participantes interagirem em uma discussão por tema definido ou temas diversos. Pode ser mediado pelo professor ou pelos próprios alunos/aprendizes. Por não exigir uma interação síncrona entre os participantes, pressupõe participações mais reflexivas, estruturadas, aprofundadas e fundamentadas. Pode permanecer aberto para discussão de acordo com o período de tempo desejado e as participações feitas nesse ambiente podem interferir e receber interferências de todos os integrantes de forma dialogal (VILLARDI e OLIVEIRA, 2005). Um fórum de discussão, quando integrante de um determinado ambiente de aprendizagem on-line, conta com a participação exclusiva dos professores e estudantes cadastrados neste ambiente. Com relação ao que se entende por posturas pedagógicas, cabe expressar que para este estudo trata-se de investigar de quais formas os professores se colocam diante dos processos de ensinar e de aprender em consonância com a perspectivadialógica que se pretende para a avaliação da aprendizagem. Diante do contexto no qual se insere esta pesquisa, algumas atitudes e predisposições são esperadas por parte dos educadores/professores e, segundo Lévy (2005, p. 171), “a principal função do professor não pode mais ser uma difusão dos conhecimentos, que agora é feita de forma mais eficaz por outros meios. Sua competência deve deslocar-se no sentido de incentivar a aprendizagem e o pensamento”. Daí a necessidade de se caracterizar ‘posturas’ diante dos processos de ensinar, aprender e avaliar, como um fator preponderante para a delimitação do contexto no qual as práticas pedagógicas estão inseridas. 4 Silva (2005, p. 65) considera interface “termo que na informática e na cibercultura ganha o sentido de dispositivo para encontro de duas ou mais faces em atitude comunicacional, dialógica ou polifônica [...] é um objeto virtual”, o que se difere de ferramenta que, segundo o mesmo autor, “realiza a extensão do músculo e da habilidade humana na fabricação, na arte [...] opera com o objeto material [...] como instrumento de fabricação, de manufatura”. Disponível em: http://www.tvebrasil.com.br/salto/livro/2sf.pdf. 24 1.2 Justificativa Acredita-se na relevância desse estudo sob a perspectiva de colaboração aos debates acadêmicos que continuam a discussão quanto à implantação e a implementação da educação on-line, com respeito à qualidade e superando os ranços e preconceitos que permeiam os processos de educação não-presenciais, não deixando de atribuir a credibilidade e a qualidade que lhe são pertinentes. E, acima de tudo, contribuir com cursos de capacitação, formação e formação continuada de educadores, posto que a LDB nº 9394/96 contempla essa modalidade de ensino, tornando-a regular dentro do sistema educacional e as Instituições de Ensino Superior (IES) abraçam essa legitimidade dentro de suas visões educacionais. Desta forma, necessitam cada vez mais de educadores que estejam familiarizados com a educação on-line e seus processos de ensino, aprendizagem e avaliação. No cenário que desencadeia tais discussões, considera-se de fundamental importância contribuir com o meio acadêmico e com o fazer pedagógico no campo da educação on-line, tendo como estudo a dialógica no processo avaliativo. Considera-se como fator essencial analisar e discutir as possibilidades e limites que o fórum, como interface do ambiente de aprendizagem on-line, e os sujeitos envolvidos podem proporcionar à consolidação de uma avaliação dialógica. Busca-se evidenciar as possibilidades de uma avaliação dialógica on-line que atenda a demanda da nova sociedade da informação e ao sujeito/aprendiz, voltada à cidadania, à autoria, à autonomia e ao perfil multifacetado do indivíduo, que não se contenta mais em ser um mero espectador passivo de conteúdos e da história. Este estudo evidencia que a dialógica, as interações e mediações pertinentes ao fórum em ambiente de aprendizagem on-line, decorrentes das ações entre estudante/estudante e entre estudante/docente, estão diretamente interligadas ao processo de avaliação. Apesar de alguns instrumentos utilizarem momentos específicos para caracterizarem uma avaliação, esta não se 25 dá apenas em tais momentos, estando todo o processo avaliativo dentro do próprio processo de ensino e de aprendizagem. Ao pretender-se um ambiente de aprendizagem on-line dialógico, para uma pedagogia dialógica, de produção/construção do conhecimento, concebe- se a avaliação sob essa mesma visão, pois do contrário não se caracterizaria a dialógica e a transformação almejadas. E para que se atinja tal propósito, é primordial que este debate esteja inserido e venha contribuir na formação docente. 1.3 Metodologia A partir da própria experiência da pesquisadora em atuar como professora-tutora em ambientes virtuais de aprendizagem, deu-se a intensa necessidade de procurar melhor compreender como se dão os processos avaliativos dialógicos a partir de uma das interfaces disponibilizadas no AVA: o fórum de discussão on-line. Para viabilizar a pesquisa de campo foi escolhida a plataforma de aprendizagem on- line do Consórcio CEDERJ – Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro – para cursos de graduação nas Licenciaturas em Matemática, Física e Ciências Biológicas. Este consórcio é formado pelas universidades públicas do Estado do Rio de Janeiro, sendo a UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) até o início do primeiro semestre de 2006, a responsável por oferecer algumas das disciplinas pedagógicas eletivas e as disciplinas pedagógicas obrigatórias para todos os dezessete pólos do consórcio. No decorrer de 2006/1 houve uma transição de responsabilidades e as disciplinas pedagógicas obrigatórias passaram a ser oferecidas pela UERJ apenas para oito pólos do consórcio. Esta Universidade foi responsável também por oferecer, dinamizar e validar o estágio supervisionado de todos os pólos até o final do primeiro semestre de 2006. A partir desta data, esta disciplina ficou restrita aos oito pólos atendidos pela UERJ. 26 Através de uma das coordenações do processo dinamizado na UERJ, a pesquisadora foi levada a conhecer este projeto e optou por explorá-lo como campo de pesquisa, direcionando-se especificamente para as disciplinas pedagógicas obrigatórias: Fundamentos da Educação 1 e 2. Foram escolhidas estas duas disciplinas porque na ocasião parte da equipe de professoras-tutoras atuava dinamizando ambas, com vasta experiência e acompanhamento dos estudantes nos dois semestres em que estas eram cursadas. Desta forma, a investigação começou com os estudantes cursando Fundamentos da Educação 1 e dando prosseguimento no semestre seguinte em Fundamentos da Educação 2. Após autorização das respectivas coordenações no CEDERJ e na UERJ, a pesquisa de campo teve seu início em agosto de 2005, prolongando-se até junho de 2006. A pesquisadora teve total acesso ao que se refere a estas disciplinas na plataforma on-line e também às coordenações das disciplinas, aos professores-tutores a distância e aos estudantes. O recorte desta pesquisa ficou estabelecido para abranger os três cursos das licenciaturas devido ao fato da disciplina ser dinamizada para todos os cursos utilizando-se da mesma prática, mesmo processo avaliativo, os mesmos professores-tutores a distância e coordenadores. A própria equipe sugeriu à pesquisadora fazer esta abrangência uma vez que o curso é semi-presencial e não obriga aos estudantes a interagirem no ambiente on-line, assim como não os obriga a freqüentar a tutoria presencial, o que ocasiona uma baixa freqüência no AVA. Desta forma, a pesquisadora construiu dialogicamente a pesquisa de campo com os coordenadores, a tutoria a distância e os estudantes que interagem na plataforma, especificamente no fórum de discussão (cerca de 40%, segundo dados oferecidos pela coordenação da disciplina e a coordenação de tutoria). Alguns aspectos da teoria crítica foram adotados como norteadores das ações que orientam esta pesquisa, visando compreender melhor os sujeitos e os espaços nos quais se inserem, pois segundo Alves-Mazzotti (2002, p. 139): 27 nenhum processo social pode ser compreendido de forma isolada, como uma instância neutra acima dos conflitos ideológicos da sociedade. Ao contrário, esses processos estão sempre profundamente vinculados às desigualdades culturais, econômicas e políticas que dominam nossa sociedade. Por se tratar de um estudo baseado no uso das tecnologias digitais e que abrange um grande campo geográfico conectado ao ambientede aprendizagem on-line, não se pôde deixar de considerar as barreiras e desigualdades que constituem o quadro histórico, cultural, social e econômico dos sujeitos envolvidos no processo. Também foram considerados outros olhares, outras suposições e outras perspectivas quanto à visão do pesquisador, dos espaços e dos sujeitos inseridos no fenômeno da cibercultura que se instala no cenário mundial, e conforme menciona Cunha (1998) “O pensamento pós-moderno admite que a conversação cultural, previamente proibida, se evidencie a partir de novas questões feitas por vozes antes excluídas”. Em se tratando de uma pesquisa voltada para a sociedade do conhecimento e da informação, uma sociedade que se insere “no quadro de mudanças estruturais pelas quais o mundo vem passando” (TAKAHASHI – Livro Verde, 2000, p. 59), buscou-se a perspectiva dialógica e de transformação social que caracterizam a essência no estudo do homem enquanto sujeito histórico e social. Adotou-se a abordagem qualitativa como base fundamental dessa pesquisa, o que não impediu que alguns dados quantitativos fossem empregados no decorrer do processo, pois segundo Minayo (1999, p. 22) “O conjunto de dados quantitativos e qualitativos, porém, não se opõem. Ao contrário, se complementam, pois a realidade abrangida por eles interage dinamicamente, excluindo qualquer dicotomia”. A abordagem qualitativa foi adotada com o propósito de observar e analisar questões não-mensuráveis do processo, dos sujeitos e do espaço, visando o aprofundamento “no mundo dos significados, das ações e relações 28 humanas, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e estatísticas” (MINAYO, 1999, p. 22). A perspectiva sócio-histórica (FREITAS, 2002, 2003a, 2003b) foi utilizada como orientadora da abordagem qualitativa, evidenciando os sujeitos envolvidos não mais como objeto de pura observação, mas como sujeito de estudo dentro de um contexto histórico e social, transformando a pesquisa em um processo dialógico de acordo com a teoria enunciativa da linguagem de Bakhtin (2000, 2004). De acordo com Freitas (2002, p. 21), a pesquisa qualitativa orientada pela perspectiva sócio-histórica: enfatiza [...] a compreensão dos fenômenos a partir de seu acontecer histórico no qual o particular é considerado uma instância da totalidade social. A pesquisa é vista como uma relação entre sujeitos, portanto dialógica, na qual o pesquisador é uma parte integrante do processo investigativo. Considera-se de caráter fundamental a postura do pesquisador no processo investigativo que deve instaurar uma relação de confiança e diálogo, de modo que suas interferências resultem na perspectiva de melhor compreensão dos sujeitos e dos fenômenos. Da mesma forma que as influências sofridas por ele também caracterizem os esforços de sua ação compreensiva. Através do olhar sócio-histórico (FREITAS, 2002, 2003a, 2003b), buscou-se a construção de uma metodologia que caracterizasse a postura dos professores-tutores e dos estudantes em relação à avaliação dialógica, relacionando a prática vivenciada com os anseios e concepções do grupo de sujeitos. A partir desta metodologia, os sujeitos despertaram para a reflexão sobre a ação (prática pedagógica vivenciada), o que gerou uma re-ação como conseqüência da avaliação que fizeram de si mesmos. Pesquisadora e pesquisados se (re)significaram no campo (FREITAS, 2002). 29 Cabe aqui ressaltar que a chegada no campo de pesquisa havia sido estruturada a partir de outra abordagem da pesquisa qualitativa, porém, tal perspectiva não se sustentou devido ao impacto causado pela pesquisadora no campo. O fato de revelar quais eram os objetivos deste estudo para a equipe de professoras-tutoras (tratadas agora no feminino após ter se constatado que eram todas professoras nestas equipe) que atuavam nas disciplinas em questão levantou muitas inquietações e polêmicas quanto à utilização dialógica do fórum. Toda a equipe movimentou-se em reavaliar suas posturas e estratégias adotadas neste recurso, pois as primeiras observações, pautadas nas definições de fórum on-line e nas concepções dialógicas de Bakhtin, revelaram que as práticas avaliativas a partir do fórum de discussão do AVA não contemplavam as características dialógicas. Procurou-se, então, uma reestruturação da metodologia em que se permitisse os diálogos e interferências no campo, trazendo para a pesquisa a perspectiva dialógica e a oportunidade dos sujeitos se (re)significarem, reavaliando suas concepções e suas práticas pedagógicas/avaliativas. Mediante essa situação de “ação – reflexão – re-ação”, a pesquisa de campo acabou por desmembrar-se em duas etapas: uma primeira etapa exploratória, para conhecimento e constatação das práticas vivenciadas no fórum de discussão on-line e, a partir das reflexões que suscitaram novas ações, a pesquisa propriamente voltada para a avaliação dialógica da aprendizagem a partir do fórum de discussão on-line. Para organizar a pesquisa de campo que teve início em agosto de 2005, contou-se com o objetivo e as questões que embasam este estudo. E no intuito de contextualizar o campo antes que este sofresse e projetasse dialogicamente interferências nas práticas e na pesquisa, foi estruturada a primeira etapa da seguinte forma: a) Uma entrevista semi-aberta, on-line, com as 7 (sete) professoras-tutoras das disciplinas Fundamentos da Educação 1 e 2 e com dois alunos de cada um dos 16 (dezesseis) pólos nos quais a disciplina Fundamentos da Educação 1 estava sendo 30 oferecida pela UERJ na ocasião que a pesquisa iniciou-se, pois, conforme já mencionado, no decorrer do primeiro semestre de 2006 a UERJ passou a interagir apenas com 8 (oito) pólos regionais. Os dois alunos de cada pólo foram escolhidos aleatoriamente pelas professoras-tutoras, dentre os alunos que mais participavam do fórum de discussão que estava em andamento na disciplina e mais interagiam no AVA com a tutoria, totalizando 32 (trinta e dois) alunos. (Anexos A e B) b) Observação do fórum que estava em andamento, com direito a participação da pesquisadora por cadastramento na plataforma de ensino on-line. Como segunda etapa da pesquisa estruturou-se: a) Uma entrevista aberta e presencial com as professoras-tutoras das disciplinas em questão; b) Observação dialógica de todos os fóruns abertos nas disciplinas no período de agosto de 2005 a junho de 2006; c) Observação dialógica das dinâmicas de mediação dos fóruns e as práticas avaliativas caracterizadas no processo; d) Uma entrevista aberta com os estudantes a partir de um fórum aberto com o intuito de captar a visão dos próprios aprendizes quanto às possibilidades de concretização da avaliação dialógica a partir do fórum de discussão do AVA. Esta dinâmica considerou os sujeitos envolvidos como co-autores da pesquisa referindo-se à abordagem sócio-histórica que, segundo Freitas (2003a, p. 29): considerar a pessoa investigada como sujeito implica compreendê-la como possuidora de uma voz reveladora da capacidade de construir um conhecimento sobre sua realidade que a torna co-participante do processo de pesquisa. 31 Bakhtin (2000) considera o homem como um ser que se expressa e se comunica, e se ele é o centro de interesse da pesquisa nas ciências humanas, sua expressão, seu texto/contexto são fontes significativas da pesquisa. Na tentativa de se dar relevância a estes aspectos, foram considerados como instrumentos desta pesquisa de cunho sócio-histórico o diário de campo, a observação dialógica e a entrevista aberta e semi-estruturada. Optou-se por caracterizar a proposta de observaçãodesta pesquisa como dialógica por considerá-la para além da observação como simples descrição dos fatos. Assim como também não foi uma observação de interpretação sob a óptica da pesquisadora, mas sim numa dimensão alteritária, de construção dos sentidos com os sujeitos. O pesquisador ao participar do evento observado constitui-se para ele, mas ao mesmo tempo mantém uma posição exotópica que lhe possibilita o encontro com o outro. E é este encontro que ele procura descrever no seu texto, no qual revela outros textos e contextos. Dessa forma, vejo a situação de campo como uma esfera social de circulação de discursos e os textos que dela emergem como um lugar específico de produção do conhecimento que se estrutura em torno do eixo da alteridade. (FREITAS, 2003, p. 32) Na observação dialógica, segundo Freitas (2003a), há o encontro de muitas vozes, pesquisador e sujeitos pesquisados interagem no mesmo campo e refletem seus textos e contextos. Dentro desta situação praticamente não se define previamente momentos específicos para entrevistas, uma vez que na presença do diálogo e do confrontamento de idéias surgem as trocas como uma necessidade decorrente do processo. Pelo fato do pesquisador não assumir uma postura passiva, mas sim de constante interação com o grupo, compartilhando os acontecimentos, faz com que a entrevista se torne uma verdadeira “produção de linguagem” (FREITAS, 2003a, p. 34), pois os questionamentos surgem a todo o momento, constituindo um entrelace de discursos que se constituem pelo diálogo e pela produção de conhecimento no processo de pesquisa. 32 Sob esta perspectiva, algumas entrevistas foram realizadas com a tutoria a distância da disciplina e também com alguns estudantes que interagem no AVA. Tais entrevistas foram preparadas com questões abertas e semi-estruturadas e realizadas presencialmente no pólo de tutoria da UERJ e também on-line, através da própria plataforma do CEDERJ, utilizando-se das interfaces de “mensagens pessoais” e do fórum de discussão, também foi utilizado e-mail pessoal das professoras-tutoras. Para a realização das mesmas foi considerada a proposta de Freitas (2003a, p. 34): a entrevista acontece entre duas ou mais pessoas: entrevistador e entrevistado(s) numa situação de interação verbal e tem como objetivo a mútua compreensão. Não uma compreensão passiva baseada no reconhecimento de um sinal, mas uma compreensão ativa que, no dizer de Bakhtin (1988), é responsiva, pois já contém em si mesma o gérmen de uma resposta. O ouvinte concorda ou discorda, completa, adapta, repensa e essa sua atitude está em elaboração constante durante todo o processo [...] A proposta das entrevistas on-line teve como propósito potencializar as ferramentas e interfaces do AVA. No caso da plataforma do CEDERJ, não está disponível uma interface de voz, por este motivo usou-se a forma escrita do diálogo e, neste movimento de produção textual, tanto professoras-tutoras quanto estudantes deixaram emergir suas vozes mais reflexivas que, em um processo gradual, evidenciou um amadurecimento sobre o tema da dialógica. O processo de entrevistas foi muito enriquecedor, pois segundo Bogdan e Biklen (1994) parafraseados por Freitas (2002, p. 37) a entrevista é: o melhor instrumento de abordagem para o estudo de pessoas que partilham uma característica particular. Aquilo que partilham entre si revelar-se-á mais claramente quando cada um puder falar de suas perspectivas, mais do que quando observado em suas atividades. A utilização das entrevistas on-line não descaracterizou o processo dialógico, uma vez que as questões não foram fechadas e a partir das respostas anteriores eram desenvolvidas as 33 questões seguintes. Desta forma, também se evitou criar situações artificiais, produzidas unicamente para a pesquisa, uma vez que não existe o contato presencial/físico das coordenações e professores-tutores a distância com os estudantes, toda interação entre eles é através do AVA e a pesquisa não pretendeu alterar esse processo. Algumas entrevistas foram realizadas presencialmente com as professoras-tutoras a distância aproveitando-se os momentos de encontro no laboratório de tutoria das Licenciaturas da UERJ. O diário de campo serviu para registrar detalhadamente os relatos e reflexões decorrentes da pesquisa, o que se tornou uma fonte preciosa para o desenvolvimento e a apresentação da mesma. Os procedimentos adotados na pesquisa proporcionaram grande fonte de dados, pois além das anotações do diário de campo, ainda contou-se com as entrevistas e com os próprios diálogos estabelecidos em alguns fóruns realizados em momentos distintos, cada um abrangendo um tema relacionado aos conteúdos da disciplina e também a temática da avaliação dialógica e do fórum como recurso desta avaliação. Os dados foram distribuídos em quatro aspectos: visão docente da avaliação dialógica, visão discente da avaliação dialógica, visão dos sujeitos com relação ao fórum de discussão on-line como potencializador da avaliação dialógica e dificuldades e limitações para a concretização da avaliação dialógica no fórum de discussão on-line. A partir destes aspectos, os dados foram analisados segundo as orientações de Freitas (2002, 2003a, 2003b), de acordo com o contexto da pesquisa qualitativa de cunho sócio-histórico, buscando-se a compreensão de seus conteúdos relacionados aos contextos. As anotações do diário de campo, resultante da observação dialógica, foram entrecruzadas com as entrevistas e com as falas que se caracterizaram nos fóruns de discussão on-line. Este procedimento deu origem a textos reflexivos e conclusivos quanto ao resultado apresentado. Após a caracterização, análise e interpretação dos dados, adotou-se o procedimento de triangulação entre as fontes e entre os 34 dados de mesma fonte e/ou fontes distintas, sob o mesmo aspecto, mas coletados através de instrumentos distintos. A partir destes procedimentos construiu-se o cenário do campo investigado, as prospecções e conclusões, sempre fundamentadas pelo quadro teórico que embasa esta pesquisa e com a preocupação de ser uma construção dialógica, pois segundo Freitas (2003a, p. 37), “É nesse jogo dialógico que o pesquisador constrói uma compreensão da realidade investigada transformando-a e sendo por ela transformado”. 35 2. A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NO AMBIENTE ON-LINE PRESSUPÕE DIALOGICIDADE Com a promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9394 de 20 de dezembro de 1996 (CARNEIRO, 2002), percebe-se uma crescente expansão da educação a distância (EAD), considerando-se a educação on-line como uma das formas de se constituir a EAD. Tal modalidade de ensino fôra contemplada nesta mesma lei em seus artigos 32, 47 e 80. Muitas instituições de ensino, principalmente as de ensino superior (IES), têm optado por oferecer cursos inteiramente ou parcialmente a distância, tendo como um dos meios mais utilizados o ambiente on-line, também conhecido como plataforma de ensino ou ambiente virtual de aprendizagem (AVA). A garantia legal abriu espaço para a utilização de ambientes de aprendizagem on-line em processos formais de ensino, na medida em que estes apresentam capacidade conversacional, hipertextual, não-linear, que promove intensa dinamização das atividades educacionais e amplia as possibilidades de interação, interatividade e dialogia. Visando garantir a construção de caminhos que proporcionem a utilização desse ambiente virtual em todo seu potencial, inúmeras pesquisas e projetos vêmsendo desenvolvidos. Muitos teóricos da educação têm oferecido contribuições, entrelaçando estudos e teorias que fundamentam os processos educacionais em qualquer modalidade de ensino. Com o propósito de contribuir para o aprimoramento da educação on-line, esta pesquisa buscou a visão de avaliação dialógica inerente aos processos interativos de ensinar e aprender. Nesta direção, valeu-se da concepção dialógica de Bakhtin (2000, 2004) e da teoria do conhecimento de Vygotsky (1998, 2003). Ao dedicar-se ao processo avaliativo no ambiente de aprendizagem on-line, a pesquisa voltou-se para a transformação do sujeito enquanto cidadão transformado e transformador do 36 ambiente histórico-social. Vislumbrou-se um processo que atue dialogicamente e, assim como pretendia Freire (2003, p. 168), prestigie uma educação que: respeitosa da compreensão do mundo [...] desafiasse a pensar criticamente. Uma educação em cuja prática o ensino dos conteúdos jamais se dicotomizasse do ensino do pensar certo. De um pensar antidogmático, anti- superficial. De um pensar crítico, proibindo-se a si mesmo, constantemente, de cair na tentação do puro improviso. Apesar de Paulo Freire acreditar no aprender mútuo, na troca entre quem aprende e quem ensina, construindo o conhecimento um com o outro, através do pensamento crítico, em momento algum ele propõe um “laissez-faire” pedagógico. Da mesma forma, desenvolveu-se nessa pesquisa um embasamento teórico que sustente práticas dialógicas e interativas no ambiente de aprendizagem on-line. Buscou-se no pensamento sócio-interacionista de Vygotsky (1998, 2003) o fundamental papel da linguagem enquanto mediadora e, desta forma, favorecedora da construção do conhecimento nas interações de um sujeito com o outro, com o conteúdo e com o meio. A descoberta de que o significado das palavras evolui tira o estudo do pensamento e da fala de um beco sem saída. Os significados das palavras são formações dinâmicas, e não estatísticas. Modificam-se à medida que a criança se desenvolve; e também de acordo com as várias formas pelas quais o pensamento funciona. (VYGOTSKY, 2003, p. 156) Seu propósito era demonstrar que o sujeito sempre aprende em seu cotidiano e para tal desenvolve o conceito de internalização, que demonstra que o desenvolvimento pode se dar de fora para dentro. Todas as situações vividas e observadas, através da fala do outro, do confronto com o outro, são internalizadas e vão ganhando significados distintos conforme a linguagem e o pensamento vão se desenvolvendo e a consciência vai se formando dialeticamente. 37 Vygotsky (1998) desenvolve o conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP) ao acreditar que o sujeito está sempre em aprendizagem, em contato com o meio e com os outros (sócio-interacionista), ele afirma que existe um nível de desenvolvimento real, relativo àquilo que o sujeito sabe agora e é capaz de realizar sozinho, e um nível de desenvolvimento potencial, aquilo que o sujeito está pronto para atingir mais adiante, mas que no momento necessita de colaboração para realizar. Mediando esses dois níveis está um espaço abstrato de desenvolvimento, a ZDP, onde ocorrem as interações que darão suporte para que o sujeito atinja outro nível e reestruture sua autonomia, seu percurso pela ZDP é onde se instala o foco da avaliação com um propósito dialógico. Visando à zona de desenvolvimento proximal que foi situado o ambiente de aprendizagem on-line com suas interfaces e dispositivos e também os processos avaliativos que se apresentam como foco desta pesquisa. Com base no pensamento de Vygotsky (1998, 2003), pretendeu-se caracterizar o processo de avaliação como inerente, concomitante e subsidiário dos processos de ensinar e aprender. Buscou-se caracterizar a dinâmica do processo avaliativo com base na dialógica de Bakhtin (2004), considerando-se que tudo é diálogo, que cada fala está impregnada de outras falas. Quando a avaliação destina-se a acompanhar os processos de ensino e de aprendizagem, esta não pode desconsiderar o diálogo, posto que este seja elemento básico do processo. Para que a dialógica constitua seu papel no processo avaliativo, buscou-se em Silva (2002) a determinação do conceito de interatividade enquanto condição essencial para que se alcance a dialogia nos processos de ensino, aprendizagem e avaliação. Não se pode visualizar um processo dialógico na construção do conhecimento sem que se permita a possibilidade de interações que se caracterizem ao nível da interatividade, pois além das trocas, não podem ser desconsideradas em um processo construtivo, as intervenções e reconstruções, sob o aspecto individual e coletivo, principalmente quando a avaliação é parte integrante desta construção. 38 Ao vislumbrar-se a avaliação no ambiente de aprendizagem on-line como mecanismo de mediação dos processos de ensino e de aprendizagem, destaca-se algumas vozes, entre elas Luckesi (2005) e Hoffman (2001, p.63) que acredita na “ação avaliativa como uma das mediações pela qual se encorajaria a reorganização do saber”. Sua perspectiva é a de que a avaliação não se presta a medir, mas a mediar a construção do conhecimento, colocando tanto professor quanto aluno como mediadores, construtores e avaliadores dos processos de ensino e de aprendizagem. Partindo-se da mediação bidirecional, co-participativa, e polifônica, entra-se em um processo desestruturante na busca da reorganização das estruturas, como propõe o conceito de Vigotsky de zona de desenvolvimento proximal. As intervenções mediadoras colaboram com o processo de construção do conhecimento a partir dos desafios que propõe ao pensamento, provocando uma reestruturação deste, ao mesmo tempo em que redimensiona a ação docente nesse processo construtivo. Ainda nessa perspectiva de mediação, pode-se mencionar que mesmo distante de um processo de ensino e de aprendizagem que se utiliza do ambiente on-line, educadores, como Luckesi (2005, p. 166), sempre elucidaram tais movimentos ou funções da avaliação: a avaliação da aprendizagem necessita, para cumprir o seu verdadeiro significado, assumir a função de subsidiar a construção da aprendizagem bem-sucedida. A condição necessária para que isso aconteça é de que a avaliação deixe de ser usada como um recurso de autoridade, que decide sobre os destinos do educando, assuma-se o papel de auxiliar o crescimento. Procurou-se, então, com base nos autores citados, o embasamento teórico necessário para se estruturar um conceito de avaliação dialógica em ambiente de aprendizagem on-line, que se desvincule da idéia de mero procedimento de transposição da avaliação pontual e medidora que ainda se aplica hoje no ensino presencial (LIMA JUNIOR e ALVES, 2006). O que se pretende é encontrar a dialógica necessária nesse processo para que os sujeitos 39 envolvidos, educadores e aprendizes, atuem coletivamente nas decisões e procedimentos, aspectos estes que são claramente potencializados pelo ambiente on-line pela própria característica interativa que o permeia. 2.1 Concepção dialógica Ao se buscar aprofundamento na concepção da dialógica presente nos processos avaliativos, faz-se necessário esclarecer como se entende dialógica neste contexto e, desta forma, amparar-se na visão social de Bakhtin (2004) para embasar tais concepções. Sob este propósito dialógico, deu-se início a este estudo pelo tratamento dado por Freire (2005), em sua argumentação, à necessidade de uma educação dialógica. Em quais condições e com quais interesses Freire insere a dialógica nos processos de ensino e de aprendizagem? Para melhor entendero contexto em que Freire insere a dialógica, buscou-se um estudo especificamente pautado em parte do capítulo três de seu livro "Pedagogia do Oprimido" (2005, p.89-110), onde ele argumenta a dialogicidade, essência da educação como prática da liberdade, concepção esta que se apresenta em consonância com os princípios que motivam esta pesquisa. Uma análise retórica mais profunda abarcaria uma série de indícios apenas no capítulo citado, dentre tantas possibilidades de análise, dedicou-se apenas a questão da dialógica nos processos de ensino e de aprendizagem formal. Faz-se necessário enfatizar que a intenção é desvelar as falas e os objetivos do discurso de Freire, com o único propósito de discutir e compreender os valores e conceitos que suas argumentações agregam com relação à dialógica, propiciando, assim, o confrontamento de concepções necessário a este entendimento. Segundo Mazzotti e Oliveira (2000, p.9) “O processo de argumentação requer o estabelecimento do contraditório, da 40 exposição dos enunciados favoráveis e desfavoráveis ao caso, mostrando que determinados enunciados são ou mais adequados ou completamente adequados ao objeto”. Tendo como objeto a dialógica, tentar-se-á encontrar o estabelecimento do contraditório (favorável – desfavorável) a sua aplicação nos processos de ensino e de aprendizagem, assim como o próprio conceito que Freire designa ao objeto, através de seus enunciados. De acordo com Koogan&Houaiss (2000, p.519) diálogo é “conversação entre duas ou mais pessoas, entre duas ou mais personagens de uma obra de ficção”. Lukianchuki (2001, p.2) ainda esclarece sobre o diálogo: “além do seu sentido estrito – o ato de fala entre duas ou mais pessoas -, pode-se torná-la também de um sentido amplo, a saber, qualquer tipo de comunicação verbal, oral, ou escrita, exterior ou interior, manifesta ou não”. Acredita-se, dessa forma, na presença do diálogo mesmo na fala de um só orador, pois conforme justifica Lukianchuki (2001, p.1) “As palavras de um falante estão sempre e inevitavelmente atravessadas pelas palavras do outro [...] em linguagem bakhtiniana, a noção do eu nunca é individual, mas social”. Sob tais aspectos, constata-se que no diálogo encontra-se a troca, a conversação, a influência da ideologia de um no outro, daí a concepção das relações sociais serem dialógicas, estruturadas pelo diálogo. Segundo Reboul (2004, p.231) “só se chega à verdade coletivamente, num debate em que cada um representa sua parte o melhor possível [...] O diálogo é então realmente heurístico: encontra alguma coisa”. Daí concluirmos que numa análise retórica o diálogo deve ser vislumbrado como um debate entre as partes em busca da verdade. Jacques, mencionado por Reboul (2004, p.230) “opõe à retórica a verdadeira ‘dialógica’”, pois sua intenção seria mostrar que a retórica propõe uma situação de domínio do orador sobre o auditório, mesmo que o discurso simule situações de abertura ao diálogo, os argumentos já estão previstos para trazer o auditório a favor do orador. Já a dialógica seria pautada em sujeitos iguais no conhecimento sobre o assunto, ambos debatendo exclusivamente em busca da verdade 41 conforme coloca Reboul (2004, p.230) “a dialógica é uma busca comum da verdade, que repousa na idêntica liberdade de cada um e utiliza autêntica argumentação”. Para Bakhtim (1978, apud Lukianchuki, 2001, p.1) “Tudo se reduz ao diálogo, à contraposição dialógica enquanto centro. Tudo é meio, o diálogo é o fim. Uma só voz nada termina, nada resolve. Duas vozes são o mínimo de vida”. Bakhtin não faz restrições ao diálogo, não impõe condições às partes nem ao resultado. Sua crença está no fato de que tudo que o indivíduo produz está impregnado de outras vozes, que toda produção oral ou escrita é resultado de um diálogo, ou seja, a consciência individual forma-se coletivamente. O autônomo, o individual, seria na verdade o social, o coletivo, como ele mesmo diz (2004, p.123) “o discurso escrito é de certa maneira parte integrante de uma discussão ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais, procura apoio, etc”. Depara-se, então, com o pressuposto de que se a humanidade existe, se os sujeitos relacionam-se socialmente, conseqüentemente a dialógica também existe, inerente a essas relações sem que, para isso, necessite de pré-disposição para o diálogo. Qualquer manifestação comunicacional estabeleceria um diálogo do sujeito com seu próprio eu e produziria sua ideologia, como uma teia hipertextual entrelaçada pela ideologia de outros. Já Reboul (2004, p.231) pautado nos Tópicos de Aristóteles, considera que o diálogo é uma busca pela verdade, sendo assim, não aceitaria qualquer inserção, a não ser que se utilizasse exclusivamente de argumentos verdadeiros, e ainda menciona uma condição primordial para que o debate se caracterize realmente como diálogo: a condição de que os oradores sejam iguais, que tenham todos, estritamente, os mesmos direitos. Caso contrário, se um dos oradores se arrogar um direito exorbitante, se já não se puder contestar seus argumentos, então o diálogo já não será possível, o conhecimento se petrificará em ideologia, e a retórica, em vez de afirmar, se degradará em chavões. 42 Dessa forma, Reboul (2004), baseado nos fundamentos de Aristóteles, entende que se os oradores não têm o mesmo nível de conhecimento do assunto, não há o diálogo verdadeiro. Se a liberdade de crítica, pautada em argumentos plausíveis, for cerceada, não há o diálogo verdadeiro. Se o conhecimento se pauta em uma ideologia fixa, não está mais aberto ao diálogo. Lidar com essa divergência de conceitos, confrontar essas diferenças argumentativas é proporcionar o diálogo, é buscar a verdade. Aberto o debate, acredita-se que agora seja possível buscar em Freire (2005) a sua argumentação sobre o diálogo e a dialógica. Primeiramente buscou-se caracterizar o discurso de Freire como um discurso retórico, posto que Reboul (2004, p.XIV) define retórica como “a arte de persuadir pelo discurso”. Reboul considera discurso “toda produção verbal, escrita ou oral, constituída por uma frase ou por uma seqüência de frases que tenha começo, meio e fim e apresente certa unidade de sentido”. Segundo Reboul (2004) o discurso retórico tem como finalidade o “levar a crer” sem que necessariamente “leve a fazer”. Mesmo os slogans são discursos retóricos e estão bastante presentes no discurso pedagógico. Freire utiliza-se desse recurso retórico com muita perspicácia para atingir seu auditório e procurar convencê-lo de suas idéias. Sobre Freire (2005), especificamente no capítulo em questão, sem que se deseje ressaltar suas demais obras, observa-se com freqüência o que Reboul (1975, apud REBOUL, 1984, tradução para uso escolar MAZZOTTI, 2002, p.6) denominou “retórica do abreviado”. Além desses indícios, Reboul (2004, p.104) ainda reforça que “toda pedagogia é retórica” e consequentemente percebemos que Freire é um orador de discursos pedagógicos que opera com slogans. Ao auditório cabe verificar a extensão de significados que seus slogans apresentam, pois tais recursos carregam em si uma infinidade de significados, tornam-se tão extensos que podem atender a auditórios diversos, alcançando uma grande unanimidade. De acordo com Reboul (1984, p.4) “De início, um slogan não é necessariamente 43 mentiroso [...] é necessariamente sumário”. Sua fórmula tão concisa acaba por gerar ambigüidade e conseqüentemente unanimidade. Para que não se consolide a adesão aos slogans por ingenuidade é preciso colocá-los em questão, interrogá-los, analisar cada palavra
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