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O Pluralismo Jurídico

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O PLURALISMO JURÍDICO
- É muito comum, no início do curso, que o estudante carregue consigo ainda noções leigas do direito (Reale, 1999, p.1): “aos olhos do homem comum o Direito é lei e ordem, isto é, um conjunto de regras obrigatórias que garante a convivência social graças ao estabelecimento de limites à ação de cada um dos seus membros”. Com tal conceito em mente, é difícil se entender como pode haver questões solucionadas por pessoas que não fazem parte da estrutura estatal, pois, se assim for, como seria aplicada a lei a ordem?
- No seu Dicionário de Política (Bobbio; Matteucci; Pasquino, 1997, p.928), Norberto Bobbio conceitua pluralismo como “a concepção que propõe como modelo a sociedade composta de vários grupos ou centros de poder, mesmo que em conflito entre si, aos quais é atribuída a função de limitar, controlar e contrastar, até o ponto de o eliminar, o centro de poder dominante, historicamente identificado como o Estado”. 
- Para que se possa configurar o pluralismo jurídico, é necessária a existência de duas ou mais normas aplicáveis à mesma situação, provenientes de centros produtores diversos, cada uma delas tida como válida dentro do seu sistema.
- Nas três últimas décadas, a investigação sobre o pluralismo jurídico chamou a nossa atenção para a existência de direitos locais nas zonas rurais, nos bairros urbanos marginais, nas igrejas, nas empresas, no desporto, nas organizações profissionais. Trata-se de formas de direito infra-estatal, informal, não oficial e mais ou menos costumeiro.
- Relevante é também que a Ciência do Direito, embora reconhecendo como seu objetivo primeiro o direito positivo – aquele posto pelo Estado, segundo a forma preordenada na Constituição, abrangendo as normas oriundas do legislativo e do executivo, nos limites da respectiva competência, assim como resultantes das decisões dos tribunais – não pode a ele circunscrever-se rigidamente.
- A ausência do Estado em várias comunidades, que se mostram abandonadas, desprovidas dos equipamentos sociais básicos, como educação, segurança e saúde, contribui para o nascimento de um regramento local mais próximo dos seus membros e até mesmo, algumas vezes, mais apropriado para resolver contendas. 
- Recentemente, o problema que se enfrenta no país é o da existência de ordenamentos paralelos ligados ao crime organizado. Os conflitos constantes que se estabelecem entre os moradores da favela e a polícia distanciam-nos cabalmente da possibilidade de acessarem esse organismo estatal para a garantia de sua segurança.
- Quanto ao distanciamento do sistema judiciário, foram recorrentes depoimentos em que os moradores da favela expressaram sua desconfiança em relação aos advogados e aos magistrados, considerando-os sujeitos de uma elite muito distante de sua realidade e portanto sem capacidade de entendê-la o suficiente para julgar qualquer lide que ocorresse entre eles.
- A Sociologia Jurídica implica, portanto, a concepção de que as pessoas formulam o seu próprio direito, independentemente da existência ou não de um determinado ordenamento jurídico institucionalizado, criado por um Estado que se considera representante da vontade geral. A esse ramo da ciência incumbe, pois, estudar tal fenômeno jurídico, constituído pelas variadas formas de criar e reelaborar o direito, a par do direito positivo originário do Estado.
- É certo que o Estado deve buscar a efetividade de suas normas. Todavia, a aplicação do direito estatal através da violência trará um maior distanciamento entre ele e a sociedade. Decisões, por sua vez, que reconhecem o pluralismo jurídico poderão trazer uma maior integração dos que estão na condição de marginalizados na sociedade. Dessa forma, os apelos sociais serão ouvidos e a aplicação do direito distanciar-se-á do puro dogmatismo, solapando a falta de legitimidade das decisões e a procura de soluções alternativas.
- Essa é uma das soluções possíveis para o problema da crise de credibilidade e eficácia do nosso Poder Judiciário, tão alardeada pelos precursores do direito alternativo. De fato, a existência do pluralismo jurídico parece ser inevitável, valendo lembrar que o direito efetivamente nasce na sociedade, ela deve ser ouvida também no momento da interpretação e da aplicação das normas, para que se possa falar em maior legitimidade das decisões jurídicas.
→ Bibliografia:
- Sociologia Geral e do Direito / (organizadores) Arnaldo Lemos Filho... [et al.]. - - Campinas, SP: Editora Alínea, 2005. 2ª edição.

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