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Os clássicos da Sociologia No século XIX, três pensadores desenvolveram teorias buscando explicar a sociedade capitalista: Karl Marx, Émile Durkheim, e Max Weber. Eles são conhecidos como “clássicos da Sociologia.” A ciência jurídica usa categorias emprestadas da Sociologia, por exemplo, o conceito de “fato social”, “coerção”, “normalidade”, “crime”, “solidariedade”, “anomia” etc. Os conceitos de Durkheim foram apropriados pelo Direito, porém não significa que são utilizados da forma como foram concebidos originalmente. Fato social é um conceito que exemplifica bem esse fenômeno. Seu uso inadequado, por vezes, é tão diferente do seu significado original que chega até mesmo a se inverter quase que completamente o verdadeiro sentido do conceito criado por Durkheim. Fato Social Segundo Durkheim, fato social é uma categoria sociológica capaz de dar objetividade ao comportamento humano em grupo, só seria válido para a Sociologia estudar esses comportamentos se os mesmos fossem fatos sociais. Para Durkheim, o comportamento humano não é, na maioria das vezes, um fato individual, isolado e compreensível apenas a partir do indivíduo, mas a opção desse comportamento pessoal está diretamente determinado pelo convívio social, pelas normas e regras do grupo, Embora todos tenham sua “consciência individual”, seu modo próprio de se comportar e levar a vida, é notável, no interior de cada grupo ou sociedade, formas padronizadas de comportamentos e pensamentos. Esse pensamento está na base do que Durkheim chamou de “consciência coletiva”, que se espalha por toda sociedade. Em seu estudo clássico, O Suicídio, Durkheim demonstra esteticamente que as causas das pessoas se suicidarem estão relacionadas com as regras e normas impostas pela sociedade. Por exemplo, a depressão tem raízes no convívio social, esse ato demostra o fracasso da sociabilização do indivíduo. Durkheim, seguindo o positivismo de Comte, assumiu a tarefa de dar o status de ciência autônoma à Sociologia, criando categorias que demonstrassem empiricamente que existe um objeto de estudo diferente das outras ciências. O comportamento humano não é, na maioria das vezes, uma questão de ordem individual, mas está diretamente determinado pelo convívio social, pelas normas e regras do grupo onde o indivíduo é educado. Nem todo fenômeno é um fato social. O exemplo do suicídio demonstra a natureza social, grupal, do comportamento humano, e isso ajuda a estabelecer os limites de conformação de um objeto próprio da Sociologia: o comportamento humano originário do grupo. Para Durkheim, fato social é todo fenômeno social, coercitivo, exterior ao sujeito e que apresenta certa generalidade no grupo social. Características do Fato Social Coercitividade Todo ser humano é obrigado a seguir um conjunto de regras e normas que o grupo social ao qual pertence lhe impõe. Exterioridade: Os valores, regras e normas impostas pelo grupo são anteriores aos homens isoladamente considerados, ou seja, quando o individuo nasce a sociedade já está organizada, cabe ao indivíduo aprender. Generalidade: O comportamento se apresenta como uma dimensão significativa do grupo, tem uma representação quantitativa, ou seja, não existem para um único indivíduo mas para todo um grupo ou sociedade. Falar que o Direito vem do fato social significa ressaltar sua dimensão empírica e revolucionária, mas isso não corresponde necessariamente à concepção de Durkheim. Para este, o Direito é muito mais uma expressão de moral coletiva que uma forma de transformação da sociedade. Consciência coletiva e controle individual A teoria de Émile Durkheim remete ainda a outro conceito importante: na esteira do peso que a educação (entendida como ação coercitiva) tem no conceito de “fato social”, encontram-se as chamadas Instituições de Controle Social. As principais Instituições de Controle Social são a família, a escola, a igreja, o Estado (e ai o papel do Direito) e a sociedade (no sentido de convívio com indivíduos diversificados). Essas instituições têm o papel de impregnar os indivíduos de consciência coletiva, que mesmo quando sozinhos possam sentir sua importância e sua coercitividade de forma que acabam orientando seus comportamentos na direção de um comportamento médio esperado. A consciência coletiva é a forma moral vigente na sociedade. Ela aparece como conjunto de regras estabelecidas que atribuem valores e delimitam os atos individuais, define o que numa sociedade é considerado “moral”, “reprovável”, ou “criminoso”. INSTITUIÇÃO SOCIEDADE ESTADO TIPO DE EDUCAÇÃO Informal Formal TIPO SANÇÃO Sanção espontânea Sanção legalíssima- Punição INSTITUIÇÃO FAMÍLIA ESCOLA IGREJA TIPO DE EDUCAÇÃO Informal Semiformal Semiformal TIPO SANÇÃO Sanção espontânea Sanção legal Sanção espontânea Três considerações importantes 1. A coercitividade é fundante da sociedade e do comportamento social de sucesso que possibilita a humanização e a sobrevivência dos homens- assim, a coerção não é obrigatoriamente arbitrária ou violenta. 2. Espera-se que os indivíduos dirijam seus comportamentos para uma média esperada correspondente aos valores, regras e normas desejados. Quando os limites estabelecidos pela consciência coletiva são transpostos pela consciência individual, esses comportamentos são chamados de “patológicos”. 3. O fato de um indivíduo executar um comportamento sozinho, isoladamente, não significa que não esteja subordinado à consciência coletiva de seu grupo- a consciência coletiva age sempre que, suficientemente, se torna aceita e parte de ser individual (ex: banho, vestuário). Para Durkheim é normal todo comportamento que esteja dentro dos limites da coercitividade institucionalizada pela consciência coletiva e, patológico quando ultrapassa os limites e afetam a integração. Ex; homicídio e suicídio. Divisão do trabalho social Segundo Durkheim, a sociedade propriamente dita só existe a partir do momento em que o grupo humano divide as tarefas necessárias á sobrevivência de todos, ou seja, estabelece a Divisão do trabalho social. Divisão de trabalho social vem a ser a especialização de funções entre os indivíduos de uma sociedade. Quanto mais for especializada sua atividade, mais o membro de uma sociedade passa a depender de outros membros. Em um determinado momento o grupo humano percebe que a sobrevivência de todos está ameaçada na medida em que a produção individual ou restrita ao núcleo familiar (pai, mãe e filhos) já não é suficiente. A divisão do trabalho social pode ser estendida a todo o grupo: a partir da divisão simples de atividades entre os sexos e se estende à divisão por idade. Em seguida, provavelmente a divisão do trabalho social estendeu- se para uma divisão de atividades úteis mais sofisticadas. Na verdade, a complexidade e diversidade da repartição de atividades úteis à sobrevivência do grupo é bastante vasta e culturalmente apresenta a mais variada morfologia entre diversos grupos humanos. O importante é que a produtividade (quantitativa e qualitativa) seja sempre crescente e, assim, que a divisão do trabalho social distribua as atividades necessárias à sobrevivência do grupo de modo que todos os seus membros sejam úteis. O conceito de Durkheim de divisão do trabalho social é de fundamental importância, pois define a passagem do grupo humano da “barbárie” para a sociedade organizada e estabelece a noção de solidariedade social a partir do trabalho socialmente útil à sobrevivência do grupo humano. Solidariedade A solidariedade na sociologia nasce da importância que se da à divisão do trabalho social, e isto em dois sentidos: 1. Aos dividir as atividades entre os membros do grupo, a necessidade reproduz a confiançanecessária à troca dos produtos dos trabalhos dos seus membros; 2. Em consequência, o trabalho, a atividade de todos deve ter utilidade para a comunidade, pois sem esse valor não se pode trocar o que cada um faz. Desta maneira, a solidariedade se apresenta para a Sociologia diferentemente do senso comum e da chamada “solidariedade cristã”, pois a sua preocupação é com a integração dos membros da comunidade a partir da divisão do trabalho. A justiça necessária seria praticar solidariedade na sua essência integradora dos indivíduos ao corpo social, evitando, assim, que percam a oportunidade de participar da divisão do trabalho social. Praticar solidariedade efetiva, por essa visão, é integrar. Impedir que qualquer membro da comunidade esteja solto da divisão do trabalho social, é torna-lo útil pelo trabalho necessário á sobrevivência coletiva. É dar importância à atividade produtiva do agente social e reconhecer que seu trabalho é necessário e importante para o grupo. Um dos principais conceitos da Sociologia de Émile Durkheim é o conceito de solidariedade. Esta importância está diretamente ligada aos conceitos subsequentes de normalidade, anomia e Direito. Anomia significa o desvio e descumprimento, por parte dos indivíduos, de regras e normas (jurídicas ou extrajurídicas) que objetivam condutas esperadas em um determinado grupo social. A relação entre solidariedade e anomia está sempre no sentido de demonstrar como a sociedade moderna, industrial, constrói um tipo de relação social que determina um tipo de solidariedade que leva os indivíduos a uma crescente autonomia, desconfiança e desobediência das normas de convívio gerais, e que provoca a maximização de algum tipo de anomia. Atualizando Durkheim, três são as causas da anomia: Desagregação e perda da dimensão de totalidade produzindo maior especialização da sociedade industrial. Esta mesma especialização, ao mesmo tempo em que recria relações de convívios socais bastante fragmentados, e diminutivas, o torna extremamente dependente de seus colegas produtivos, enquanto essa dependência aumenta, cresce a consciência de importância do indivíduo e o questionamento das normas de convívio. Ainda pela influência da especialização, o avanço da divisão do trabalho com a crescente substituição da mão-de-obra por tecnologias pressiona os indivíduos a redescobrirem formas de ser úteis à sociedade. Ainda se pode vislumbrar uma quarta característica que provoca anomia social, qual seja o fato de que devido ao aumento da produtividade e qualidade produtiva, as sociedades com algum desenvolvimento social criam padrões de vida muito acima das estruturas concretas que significa parte dos indivíduos pode efetivamente ter. Anomia e Direito Todas essas circunstâncias incentivadoras de condutas e comportamentos desviantes em relação a regras, normas e leis de regulação social acabam de alguma forma interessando ao Direito e se esbarrando no seu rigor jurídico. O Direito em seu papel regulador e controlador da ordem legal, e como exercício ordenador do Estado, é a instituição que vai arbitrar a legalidade e legitimidade de ações anômicas dos indivíduos, deparando se com a função de julgar essas anomias, não só do ponto de vista legal e em que medida esses comportamentos de rebeldia podem ser nocivos às instituições sociais, mas, principalmente, quando a anomia social pode ser punida do ponto de vista moral e ético. Normalidade, anomia e comportamento patológico A coercitividade é sempre no sentido de dirigir os indivíduos para a linha média do comportamento. Assim, todo o comportamento sofrerá sanções à medida que se afasta dessa média comportamental esperada. Á medida que o comportamento se afsta mais dessa linha média, a anomia se agrava mais e mais e a sanção se fará presente. Podemos distinguir dois tipos de sanção: a sanção espontânea: aquela exercida pela própria sociedade, e a sanção legal: que tem o peso da lei, e também pode ser chamada de punição. Portanto, as sanção e a punição já estão presentes mesmo dentro da normalidade, isto é, dentro dos limites da coercitividade possível, e servem na verdade, para regular as condutas anômicas de forma que o comportamentos não se desviem muito do ponto médio. Segundo Durkheim, um comportamento patológico já corresponde ao fracasso da coercitividade social e de seus agentes e Instituições de Controle Social, porquanto o papel destes e de seus mecanismos só se justifica, no mínimo, se for para garantir que os indivíduos se sociabilizem de forma a obterem sucesso em sua sobrevivência. Ora, se o comportamento, por anomia, se desraigou demais do comportamento médio esperado, até chegar a ir além do máximo que a sociedade já estabeleceu como limite às estratégias de sobrevivência, então algo fracassou em todo o processo de sociabilização e na agenda que o grupo social impõe de comportamento aos seus membros. Neste sentido, diz-se que a solidariedade fracassou. Assim, o Direito é chamado a refletir sobre seu papel coo estatuto maior do Estado; o Estado e o Direito como Instituição de Controle Social. Solidariedade, Direito e Justiça Tipos de solidariedade Tipos de Direito Tipos de Justiça Mecânica Repressivo Retributiva Orgânica Restitutivo Restaurativa Solidariedade mecânica e Direito repressivo Solidariedade mecânica: pré-capitalista: rural ou tribal, não diversificada-simples, semelhança de funções: união, a consciência coletiva é mais forte. Augusto Comte havia dito que o conhecimento humano havia evoluído em três estágios: metafísico, religioso e da ciência positiva. Émile Durkheim, também concede três estágios para o desenvolvimento social, a partir se seu conceito de solidariedade: barbárie, solidariedade mecânica e solidariedade orgânica. No estágio de barbárie os homens não chegam a constituir um corpo social como tal: entre eles não existe divisão do trabalho social e, portanto, inexiste qualquer tipo de solidariedade. Pela necessidade de sobrevivência os homens criam a divisão do trabalho. A este primeiro estágio de divisão do trabalho social, corresponde, segundo Durkheim, a solidariedade mecânica. Podemos neste estágio pensar, na sociedade pré- capitalista, cujos valores, regras e normas são fundamentalmente passadas pela família (patriarcalismo) e pela igreja. O núcleo de vida social é a família e as atividades produtivas são geralmente efetuadas por indivíduos relativamente autônomos. Estas atividades econômicas são “propriedades de um artesão” que detém o conhecimento integral e é dono dos meios de produção (ferramentas), o conhecimento e ferramentas de trabalho são repassados de pai para filho. Na solidariedade mecânica a sociedade é, portanto, de forma geral, patriarcal, extremamente religiosa. O núcleo familiar sobrevive de forma autônoma, cultivando valores tradicionais de subservivência- hierarquia familiar e social- com pouca mobilidade social e, principalmente, com restrita divisão do trabalho social ou pouca especialização. O comportamento social é menos complexo pela restrita liberdade individual imposta por uma forte educação tradicional e religiosa; as pessoas estão mais fortemente vigiadas, os limites de sua liberdade estão restritos, e as sanções são imediatas e bastante acintosas. Inexiste espaço para questionamentos e comportamentos diferenciados e pouca consciência do funcionamento social- daí a ideia de um corpo social que age e reage de forma mecânica, com repetição constante e pouca variabilidade dos comportamentos e relações socioprodutivas. Émile Durkheim vai relacionar este estágio da divisão do trabalho, chamado de solidariedade mecânica, a um tipo de Direito específico: o Direito Repressivo. Nesseperíodo impera mais o Direito Público do que o Privado. O “sentido” geral da prática jurídica deste estágio de desenvolvimento social é exercer uma Justiça Retributiva. A Justiça Retributiva caracteriza-se por se restringir a uma visão de indenização à vítima; a vítima é indenizada materialmente, e como parte desta indenização, no âmbito social mais abrangente, a sociedade se sente indenizada se o infrator for severamente punido e pagar seu delito com a exclusão social. A Justiça Retributiva ao colocar o foco na indenização pura e simples da vítima e do corpo social como um todo, acaba usando o delito e o delituoso como “funcionalidade do crime”, isto é, o crime e o criminoso são usados como “exemplo” para que todos os indivíduos saibam o que os espera se semelhante desvio for cometido. Solidariedade Orgânica e Direito Restitutivo Solidariedade Orgânica: Capitalista: industrial, diversificada-complexa, diferença de funções: dependência, a consciência coletiva é mais fraca. A sociedade industrial e burguesa corresponde a outro tipo de divisão do trabalho social: a solidariedade orgânica. O trabalho produtivo já não tem a particularidade de abrigar num único produtor todo o conhecimento de fabricação, nem tampouco as ferramentas de trabalho são sua propriedade, mas sim do dono do capital, o dono da fábrica. O núcleo educacional se desloca fortemente da família e da igreja para a escola e para o Estado. Valores tradicionais e religiosos dão lugar a valores seculares e cada vez mais laicos. A especialização se acentua no seio da moderna divisão do trabalho social e consequentemente cresce a consciência produtiva e econômica. Agora, existe a necessidade de mobilidade e flexibilidade em todos os níveis da vida em sociedade, tanto no âmbito da produção e do comércio, como, consequentemente na liberdade e igualdade de tratamento entre os indivíduos. A importância que o indivíduo adquire em relação ao grupo social deriva diretamente do tipo de solidariedade que advém da nova divisão do trabalho social, privada, atomizada, especializada, extremamente fragmentada mais interdependente do que nunca e mais individualizada, mais secular e menos determinada religiosamente. A solidariedade orgânica, portanto, deverá corresponder outro tipo de Direito e de justiça. O Direito Restitutivo e a Justiça Restaurativa. O Direito Restitutivo, compreende que as formas produtivas modernas levam inevitavelmente a reivindicações de âmbito mais pessoal, na procura legitima dos indivíduos, e agentes sociais de forma geral, por garantias à liberdade e igualdade. O Direito Privado e o Código Civil estão mais condizentes com esse tipo de solidariedade correspondente a divisão do trabalho social da era moderna. O sentido do sistema jurídico está mais amadurecido e o Direito, pelo menos em sociedades mais reflexivas e democráticas, tem procurado dar um sentido mais humanístico a suas atividades julgando com base na Justiça Restaurativa. Neste tipo de justiça não apenas se pune o delituoso, não apenas por preocupar-se em indenizar a vítima, mas, a partir de um sentimento de responsabilidade social mais abrangente, foca-se o delito e o delituoso procurando equacionar as causas do fato social e trabalhando através da própria sentença, isto é, dentro das atribuições e responsabilidades do próprio judiciário e sistema penal, esgotar as possibilidades de inserção ou reintegração do infrator e vítima à sociedade. Esta visão de Justiça Restaurativa tem sido, inúmeras vezes, mal compreendida, principalmente numa sociedade ainda carente de instituições fortes e amplamente democráticas. Não se trata de proteger o criminoso ou esquecer a vítima (ou meramente indenizá-la), mas de buscar agir preventivamente, atingindo as causas, para que os crimes não se repitam. A violência e o crime estão aumentando nas sociedades modernas, sobretudo nos centros urbanos, na perspectiva sociológica jurídica de Émile Durkheim, porque se tem falhado na integração do indivíduo na sociedade mediante um trabalho útil e digno. Assim, a resolução desses problemas, exigiria uma visão mais ampla, social e humana, políticas governamentais mais fundamentadas, estratégias mais criativas e democráticas das instituições e dos estatutos mais importantes da sociedade. Sem isso, a violência e o crime tenderiam a crescer e a obrigar todos a viverem cativos do medo e da barbárie.
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