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1 A IDEOLOGIA, A CRENÇA E A LÓGICA Marx descobriu que temos a ilusão de estarmos pensando e agindo com nossa própria cabeça e por nossa própria vontade, racional e livremente, de acordo com nosso entendimento e nossa liberdade, porque desconhecemos um poder invisível que nos força a pensar como pensamos e agir como agimos. A esse poder - que é social - ele deu o nome de ideologia. Freud, por sua vez, mostrou que os seres humanos têm a ilusão de que tudo quanto pensam, fazem, sentem e desejam, tudo quanto dizem ou calam estaria sob o controle de nossa consciência porque desconhecemos a existência de uma força invisível, de um poder - que é psíquico e social - que atua sobre nossa consciência sem que ela o saiba. A esse poder que domina e controla invisível e profundamente nossa vida consciente, ele deu o nome de inconsciente. • • • É lógico! “É lógico que eu vou!”, “É lógico que ela disse isso!”. Quando dizemos frases como essas, a expressão “é lógico que” indica, para nós e para a pessoa com quem estamos falando, que se trata de alguma coisa evidente. A expressão aparece como se fosse a conclusão de um raciocínio implícito, compartilhado pelas pessoas que participam do discurso. Ao dizer “É lógico que eu vou!”, estou supondo que quem me ouve sabe, sem que isso seja dito explicitamente, que também estou afirmando: “Você me conhece, sabe o que penso, gosto ou quero, sabe o que vai acontecer no lugar x e na hora y e, portanto, não há dúvida de que irei até lá”. Ao dizer “É lógico que ela disse isso!”, a situação é semelhante. A expressão seria a conclusão de algo que eu e a outra pessoa sabemos, como se eu estivesse dizendo: “Sabendo quem ela é, o que pensa, gosta, quer, o que costuma dizer e fazer, e vendo o que está acontecendo agora, concluo que é evidente que ela disse isso, pois era de se esperar que ela o dissesse”. Nesses casos, estamos tirando uma conclusão que nos parece óbvia, e dizer “é lógico que” seria o mesmo que dizer: “é claro que” ou “não há dúvida de que ”. Marilena Chauí (Convite à filosofia) 2 O mesmo tipo de ‘conclusão lógica’ acontece quando afirmamos e acreditamos que “É lógico que todos são iguais perante as leis da sociedade” e, portanto, temos todos os mesmos direitos sociais, econômicos, políticos e culturais. Será que isso é uma verdade? Se eu disser que amanhã o sol não irá nascer, você acreditará? Claro que não, já que em todos os dias que você viveu até hoje o sol sempre surgiu no horizonte. É assim que se faz ciência, observando as repetições que ocorrem na natureza e propondo novas formas de testas essas ‘propriedades’ da natureza. Elas nos permitem dizer que “sob determinadas condições algo que já foi verificado muitas vezes na natureza sempre irá repetir um resultado previsível, pois sempre ocorreu assim em condições semelhantes e continuará ocorrendo”. A repetição de resultados previsíveis é uma necessidade da ciência. A lógica da ciência sempre irá tentar tomar como verdadeiras as generalizações que se puderem fazer sobre essas repetições, pois sempre observamos os mesmos resultados em condições semelhantes. Entretanto, se eu disser: • Vemos cisnes em muitos lugares em todo o mundo; • Sempre que vemos algum cisne ele é branco; • Portanto, todo cisne é branco. Basta que você me mostre um único cisne que não seja branco para que isso seja provado como uma conclusão mentirosa. As generalizações que a ideologia faz sobre a sociedade não são tão simples de ser verificadas, já que os valores éticos não podem ser testados tão facilmente; afinal, essas generalizações dependem do que nós acreditamos como verdades. O que a ideologia faz é repetir constantemente as ideias que favoreçam socialmente a classe dominante, de tal modo que nos pareça lógico que essas repetições se traduzem em verdades sociais. Quando, por fim, acreditamos nessas generalizações e as tomamos como referências de comportamento, acabamos por aceitar uma razão, uma lógica, uma dedução que não depende de verdades naturais, mas de crenças sociais criadas para controlar toda a sociedade. Entretanto, ainda resta uma dúvida: Por que assimilamos tais “verdades” ideológicas? Nesse ponto é necessário recorrer ao conceito de inconsciente proposto por Freud. 3 Primeiramente, irei lembrar um experimento realizado por B. F. Skinner: um cão era alimentado somente depois de haver ouvido o som de uma campainha. Essa experiência se repetiu por um longo tempo, até que o cão associou instintivamente a chegada do alimento ao som da campainha. Logo, quando ouvia o som da campainha ele salivava (babava) esperando pela chegada do alimento. Nosso inconsciente funciona de modo muito parecido, pois, quando repetidamente somos submetidos às “verdades” sociais propagadas pela ideologia da classe dominante, encontramos nelas uma falsa lógica que muito se parece com a lógica da repetição de eventos na natureza, embora não passem apenas de construções artificiais de cunho estritamente social. Assim, nosso inconsciente fixa em nossa memória essas crenças sociais por entendê-las como lógicas e naturais, condicionando nosso comportamento a elas. É desse modo que ideologia, inconsciente, lógica e crença são usados para controlar o comportamento de cada indivíduo dentro de uma sociedade, ditando suas leis sociais e suas regras morais. Entretanto, existe um segundo modo de controlar o comportamento social que utiliza o mesmo processo ideológico descrito acima, mas que não diz respeito às leis sociais e regras morais, somente envolve o estímulo ao consumo, explicado por dois conceitos complementares que providenciam a manutenção da sociedade capitalista: a indústria cultural e a cultura de massa. • A Indústria Cultural O processo de industrialização em escala mundial, verificada no final do século XIX, contribuiu para o surgimento da chamada "indústria cultural". Mas o que vem a ser Indústria Cultural? Por indústria cultural entendemos a indústria de produtos culturais, aquela que, utilizando os meios de comunicação de massa, visa exclusivamente incentivar o consumo de seus produtos, com o objetivo de obter cada vez maiores lucros. O termo indústria cultural é criação dos filósofos Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973), ambos representantes da chamada Escola de Frankfurt. Para tais pensadores os meios de comunicação de massa transformam tudo em artigo de consumo. 4 • A massificação da cultura A "cultura de massa" é resultado do progresso tecnológico, que torna os produtos cada vez mais sofisticados, e através dos meios de comunicação de massa (televisão, rádio, cd, cinema, jornal, internet etc.), eles conseguem atingir milhões de pessoas, despertando nelas o desejo de consumo. Daí, concluímos que a indústria cultural procura vender seus produtos a um público generalizado, que de certo modo acaba consumidor dos mais variados produtos que são oferecidos por essa indústria, passando a constituir um importante mercado de consumidores em potencial, ao qual se pode chamar de "sociedade de consumo". Com o objetivo de estudar a efetiva capacidade de influência dos meios de comunicação de massa sobre a sociedade, é que alguns pensadores alemães da chamada Escola de Frankfurt, dentre eles Marcuse, Adorno, Horkheimer, Walter Benjamin, entre outros, passaram a questionar o poder dominante da chamada indústria cultural. Para Adorno e Horkheimer, a “cultura de massa” não é cultura, nem é produzida pelas massas: Sua lei é a novidade, mas de modo a não perturbar hábitos e expectativas, a ser imediatamente legível e compreensível pelo maior número de espectadores ou leitores. Evita a complexidade, oferecendo produtos à interpretação literal, ou melhor, mínimas. Assim, a mídiarealiza uma caça à “polissemia” pela demagogia da facilidade - fundamento da legitimidade desse sistema de comunicação. Adorno critica a “indústria cultural” não por ser democrático, mas por não o ser. A mídia transmite uma cultura agramatical e disortográfica, de tal forma que a educação retorna à condição do segredo, conhecimento de uma elite: “A luta contra a cultura de massa só pode ser levada adiante se mostrada a conexão entre a cultura massificada e a persistência da "injustiça social"”. (Olgária C. F. Matos. A escola de Frankfurt: luzes e sombras do iluminismo, p.70.) Assim, conforme evidencia Adorno, o objetivo primordial da "indústria cultural" é vender mercadorias, fazendo propaganda de um mundo ideal, tornando os consumidores dependentes e alienados. Por fim, os meios de comunicação de massa passam a ser instrumentos de controle e dominação das massas pelas elites dirigentes do Estado, com o único objetivo: o de manter a manutenção da sociedade capitalista. 5 Novamente, como podemos perceber, é por meio da incessante repetição sistemática que ideologia, inconsciente, lógica e crença são usados para estimular o consumo em cada indivíduo, perpetuando a manutenção do sistema capitalista. • Manifestações Públicas, Vandalismo e Criminalidade Como analisamos em aulas anteriores, a mídia brasileira tem dado grande ênfase ao vandalismo presente nas manifestações públicas, chegando desacreditar a legitimidade de tais manifestações. No vídeo “Vandalismo Vandalismo Vandalismo” (link: http://www.youtube.com/watch?v=04XYSEl2ln4) a repetição sistemática de repúdio e desaprovação demonstra o caráter massificante com que os meios de comunicação dão uma ênfase somente parcial à revolta com a situação social. Por outro lado, em entrevista (vídeo “Vandalismo é o cacete”; link: http://www.youtube.com/watch?v=C2GEln6N-dY), o jornalista Ricardo Boechat destaca os motivos que levam à revolta popular e ao vandalismo presente nas atuais manifestações públicas, colocando-se contrário às críticas dos movimentos populares. É possível compreender essa sistemática repetição de cenas e críticas ao vandalismo como um exemplo de ideologia que pretende desestimular as manifestações públicas, à medida que esvazia sua credibilidade e legitimidade por meio da influência que a mídia exerce sobre o grande público, embora essa interpretação não seja, necessariamente, um consenso. • Sustentabilidade O controle social promovido pela ideologia nem sempre é prejudicial, afinal, sempre que houver a existência do Estado, será necessária uma ideologia que permita manter a estabilidade social em torno da crença em regras morais e leis sociais. Desse modo, quando a ideologia da sustentabilidade atingir a influência que se faz necessária em todas as camadas da sociedade, certamente estarão incorporadas novas regras morais e leis sociais entendidas como primordiais ao bom comportamento dos cidadãos. 6 Entretanto, talvez tenhamos de esperar que algumas gerações se passem até que a ideologia crie uma consciência ecológica da sustentabilidade e se instale confortavelmente no inconsciente de cada indivíduo, ao ponto de ser entendida como a lógica necessária à crença na possibilidade de interagirmos harmoniosamente com o meio ambiente sem destruí-lo. Prof. Onofre SP 01/11/2013
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