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Um discurso sobre as ciências na transição para

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UM DISCURSO SOBRE AS CIÊNCIAS NA TRANSIÇÃO PARA UMA CIÊNCIA PÓS-MODERNA
Boaventura de Sousa Santos
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- A intensidade dos progressos científicos no século XX: sensação de que o que houve nos outros séculos foi “quase nada”
No presente: ambigüidade, complexidade e instabilidade visual
Vivemos um tempo de transição: necessidade de voltar para as coisas simples, para as perguntas simples
Conhecimento “vulgar” e conhecimento científico: substituição?
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Séc. XVIII: fase de transição na ciência. Somos fruto desse desfecho de transição.
O medo da nossa vida individual e coletiva
A ordem científica hegemônica
O modelo de racionalidade da ciência moderna (nas ciências naturais): início com a revolução científica do sec. XVI
Duas formas de conhecimento não-científico (ou “irracional”): o senso comum e o das humanidades.
Racionalidade científica: modelo totalitário: nega o caráter racional de todas as outras formas de conhecimento que não tiverem os mesmos princípios epistemológicos e metodológicos.
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Há uma só forma de conhecimento verdadeiro?
O paradigma do saber científico:
- ruptura com o dogmatismo e autoritarismo
- desconfiança das evidências (vistas como ilusórias) da experiência imediata dos homens
- separação entre natureza (vista como passiva e extensão e movimento, eterna e reversível) e ser humano: conhecer a natureza para controlar e dominar.
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- observação descomprometida e livre, sistemática e rigorosa dos fenômenos naturais.
Descartes: das idéias para as coisas e não das coisas para as idéias
As idéia presidem à observação e à experimentação: idéias claras e simples: conhecimento profundo e rigoroso da natureza. Idéias matemáticas!
A lógica da investigação da ciência moderna vem da matemática.
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Dessa lógica vem:
A idéia de que conhecer significa quantificar (rigor científico: rigor das medições)
“O que não é quantificável é cientificamente irrelevante”
O método científico tem a função de reduzir a complexidade, pois a mente humana não pode conhecer a realidade.
Essa racionalidade leva à noção de que conhecer é dividir, classificar para depois determinar relações sistemáticas entre o que se separou. (p. 50)
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Leis da natureza: reino da simplicidade e da regularidade: portanto é possível observar e medir com rigor
Conhecimento baseado em formulação de leis: idéia de ordem e de estabilidade do mundo, a de que o passado se repete no futuro.- determinismo mecanicista: conhecimento utilitário e funcional; a compreensão não é relevante; o relevante é dominar e transformar. Isso se vê na ciência social com o positivismo (Comte, Spencer, Durkheim)
Leis da natureza e leis da sociedade
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Leis que governam de forma determinística a evolução das sociedades e possibilitam a previsão das ações coletivas (Vico)
Século das Luzes: cria as condições para a emergência das ciências sociais (séc. XIX)
Racionalismo cartesiano e o empirismo baconiano: positivismo: só há duas formas de conhecimento científico:
1. as disciplinas formais da lógica e da matemática
2. as ciências empíricas segundo modelo mecanicista das c. naturais
Assim, as ciências sociais nasceram para ser empíricas
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“Física Social” (Comte): os estudo iniciais da ciência da sociedade.
A idéia de que o modelo de ciências naturais é universalmente aplicável e unicamente válido.
Durkheim e o estudo do suicídio: dimensões externas, observáveis e mensuráveis.
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4 obstáculos que, segundo Nagel, as ciências sociais têm que ultrapassar para se tornarem ciência:
1. as cs não tem teorias explicativas, advindas de metodologias de controle; não têm provas adequadas;
2. as cs não podem estabelecer leis universais para os fenômenos sociais, pois são historica e culturalmente determinados;
3. as cs não podem fazer previsões confiáveis pois os seres humanos não são previsíveis;
4. os fenômenos sociais são subjetivos e, por isso, não é possível captar por meio da objetividade o comportamento; as cs não são objetivas porque o cientista social não pode livrar-se da observação, dos valores que informam sua prática.
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Por isso, há um “atraso” das cs em relação às naturais;
Tomas Khun: teoria das revoluções científicas: paradigmas. Para ele, as cs são pré-paradigmáticas, pois não há consenso paradigmático como nas c. naturais.
Outro argumento: a ação humana é radicalmente subjetiva. Por isso, as cs serão sempre subjetivas e por isso é preciso utilizar métodos diferentes dos das c. naturais: qualitativos e não quantitativos, a fim de se chegar a um conhecimento intersubjetivo, descritivo e compreensivo.
Também é, essa concepção, submissa ao modelo de racionalidade das c. naturais, pois dicotomiza natureza e ser humano.
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Crise do paradigma da c. moderna
Crise do modelo de racionalidade científica da c. moderna
Estamos num processo de transição para outro paradigma
A crise teve início com Einstein (teoria da relatividade) e com a mecânica quântica
Condições teóricas e sociais levaram à crise desse paradigma dominante da ciência
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Há limites e deficiências e insuficiências estruturais do paradigma científico moderno
Relativismo: o vim do absoluto. Revolução da concepção de espaço e tempo. Não há simultaneidade universal e nem tempo e espaços absolutos (Newton)
Caráter local das medições
Não é possível observar ou medir um objeto sem interferir nele e alterá-lo (segundo a mec. Quântica)
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Limitado o rigor do conhecimento científico: resultados aproximados (as leis da física são probabilísticas)
O real: sua totalidade não é a soma das partes divididas para observar e medir
Sujeito e objeto: essa distinção perde sua linha divisória e passa a ser vista como um “continuum”
Formas de rigor alternativo
A própria matemática não pode ser vista como um rigor absoluto
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Há um critério de seletividade em relação ao que se irá privilegiar, mesmo na matemática
Ilya Prigogine: a história como parte fundamental dos sistemas abertos (sistemas que funcionam nas margens da estabilidade)
Há uma substituição:
- determinismo – eternidade da história
- mecanicismo – interpretação
- espontaneidade – auto-organização
- irreversibilidade e evolução – reversibilidade
- ordem – desordem
- necessidade – criatividade e acidente
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Prigogine: recupera os conceitos aristotélicos de potencialidade e virtualidade
Movimento de vocação transdisciplinar
A simplicidade das leis = simplificação arbitrária da realidade
A noção de lei tem sido substituída pela de sistema, estrutura, modelo, processo.
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1. questionamento do conceito de lei e de causalidade
“as leis têm assim um caráter probabilístico, aproximativo e provisório, bem expresso no princípio da falsificabilidade de Popper” (p. 57)
Relativização do conceito de causa. Causa é um conceito pragmático.
A idéia de causalidade tem sido substituída pela de relação.
O conteúdo científico e sua forma: valorização do primeiro. 
A relação sujeito/objeto: na ciência moderna, são estanques, incomunicáveis
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O quantitativo e o qualitativo: precisão quantitativa é limitada. 
Objetos com fronteiras cada vez menos definidas
Condições sociais da crise paradigmática:
A noção de autonomia da ciência, e da neutralidade do conhecimento científico, entram em colapso com o fenômeno global da industrialização da ciência (décadas de 30 e 40, especialmente)
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Estratificação da comunidade científica
Relações de poder entre cientistas: desigualdades
Proletarização no interior dos latoratórios
Financiamento de determinadas pesquisas: aumento da desigualdade do desenvolvimento científico entre países centrais e periféricos
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Paradigma emergente
A necessidade de uma racionalidade mais plural
O “conhecimento prudente para uma vida decente”: paradigma científico e SOCIAL
Todo conhecimento científico-natural é científico-social: fim das dicotomias
Matéria e natureza não podem se contrapora ser humano, cultura e sociedade
Valorização dos conceitos de historicidade e de processo, de liberdade, de auto-determinação e de consciência (para além do sujeito)
A mente “global” 
Superação da distinção entre c. naturais e c. sociais
Subversão das idéias de Durkheim: ao invés de serem os fenômenos sociais estudados como se fosserm naturais, são os naturais como se fossem sociais 
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Não há natureza humana porque toda natureza é humana (p. 62)
O fim das dicotomias: categorias de inteligibilidade universais
O mundo como comunicação (texto – jogo, palco, biografia)
A lógica da ciência pós-moderna é promover a situação comunicativa
Todo conhecimento é local e total
Fim da disciplinaridade: a necessidade da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade
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Os males da parcelização do conhecimento
Paradigma emergente: o conhecimento é total, mas é local tb: a fragmentação pós-moderna não é disciplinas, é temática.
Os conceitos e conhecimentos desenvolvidos localmente migram para outros lugares cognitivos e, assim, podem ser utilizados para além do seu contexto de origem.
O conhecimento pós-moderno não é determinístico (sendo total) e nem, sendo local, descritivista. É um conhecimento sobre as condições de possibilidade (p. 66)
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A transgressão metodológica: a possibilidade de utilizar, na pluralidade de métodos, aqueles menos convencionais.
Não há um estilo da ciência pós-moderna que seja unidimensional. Seu estilo é uma configuração de estilos.
Todo conhecimento é autoconhecimento: o questionamento da distância social entre o sujeito e o objeto
Dimensão estética da ciência
Todo conhecimento científico visa constituir-se num novo senso comum

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