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O que é Educação Liberal? - Leo Strauss

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O que é educação liberal?
Discurso proferiDo na 10ª cerimônia anual De GraDuação Do proGrama 
Básico De eDucação liBeral para aDultos, em 6 De junho De 1959
Por Leo Strauss
Vocês obtiveram uma educação liberal. eu os parabenizo por essa conquista. se fosse minha única obrigação, faria apenas elo-
gios pela conquista. mas não estaria cumprindo 
com o dever que assumi se não complementasse 
minhas felicitações com um alerta. a educação 
liberal que obtiveram vai evitar o perigo de que 
tal advertência seja compreendida como um 
conselho desesperado.
educação liberal é educação em cultura ou 
para a cultura. o produto acabado da educação 
liberal é um ser humano de cultura. “cultura” sig-
nifica primariamente agricultura: o cultivo do solo 
e seus produtos, o cuidado do solo, a melhoria 
da terra de acordo com sua natureza. Derivada-
mente, “cultura” significa hoje principalmente o 
cultivo da mente, o cuidado e a melhoria das fac-
uldades natas da mente de acordo com a natureza 
da mente. assim como o solo precisa de cultiva-
dores, a mente precisa de professores. mas não é 
tão fácil encontrar professores quanto é encontrar 
agricultores. os próprios professores são pupilos 
e devem ser pupilos. porém, não pode haver um 
regressão infinita: em última instância, deve haver 
professores que não são, por sua vez, pupilos. es-
ses professores que não são, por sua vez, alunos 
são as grandes mentes ou, para evitar qualquer 
ambiguidade num tema de tamanha importância, 
as maiores mentes. tais homens são extrema-
mente raros. provavelmente não encontraremos 
nenhum deles na sala de aula. provavelmente 
não os encontraremos em lugar nenhum. É uma 
questão de sorte se houve um deles vivo durante 
sua época. para todos os fins práticos, os pupilos, 
em qualquer nível de proficiência, só têm acesso 
aos professores que não são, por sua vez, pupilos, 
ou às grandes mentes, por intermédio das grandes 
obras. a educação liberal então consiste em es-
tudar com o devido cuidado as grandes obras 
deixadas pelas maiores mentes – um estudo no 
qual os alunos mais experientes ajudam os menos 
experientes, incluindo os iniciantes.
não é uma tarefa fácil, como poderia parecer 
se considerássemos a fórmula que acabo de men-
cionar. essa fórmula requer um longo comentário. 
muitas vidas foram gastas e ainda podem ser 
gastas na elaboração desses comentários. por ex-
emplo, o que significa dizer que as grandes obras 
devem ser estudadas “com o devido cuidado”? no 
momento, menciono apenas uma dificuldade que 
[1] No site do Leo Strauss Center, da Universidade de Chicago, há farto material sobre seu pensamento e produção intelectual http://leostrausscenter.
uchicago.edu/ 
[2] Para a bibliografia completa de Strauss, acesse http://leostrausscenter.uchicago.edu/files/pdf/Strauss_Bibliographie_3-5-09.pdf
73Revista Ensino Superior Unicamp
HistóriaTextos Fundamentais
Ensino Superior Unicamp publica nesta edição dois textos clássicos de Leo Strauss sobre educação liberal. Strauss nas-
ceu na Alemanha em 1899 e obteve seu doutorado em 1921 da Universidade de Hamburgo, com a tese “Sobre o problema 
do conhecimento na doutrina filosófica de F.H. Jacobi”, sob orientação de Ernst Cassirer. De 1938 a 1948, já nos Estados 
Unidos, lecionou na New School for Social Research. Tornou-se em 1949 professor do Departamento de Ciência Política na 
Universidade de Chicago. De 1969 a 1973, ano de sua morte, lecionou no St. John’s College, Annapolis[1]. Entre sua obras 
estão The Political Philosophy of Hobbes, Natural Right and History e Thoughts on Machiavelli[2]. 
A educação liberal, 
que consiste na 
permanente troca 
com as maiores 
mentes, é um 
treinamento na 
forma mais alta 
de modéstia. É, 
ao mesmo tempo, 
um treinamento 
de ousadia: exige 
de nós uma 
ruptura total com 
o silêncio, a pressa, 
o descuido, da feira 
de vaidades dos 
intelectuais e seus 
inimigos
é óbvia para todos vocês: nem todas as maiores 
mentes nos dizem as mesmas coisas em relação 
aos temas mais importantes; a comunidade des-
sas maiores mentes é rasgada pela discórdia, até 
por vários tipos de discórdia. independentemente 
das consequências que isso possa gerar, uma des-
sas consequências certamente é que a educação 
liberal não pode ser simplesmente uma doutri-
nação. e aqui eu menciono mais uma dificuldade. 
“a educação liberal é educação em cultura.” Que 
cultura? nossa resposta é: cultura no sentido da 
tradição ocidental. mas a cultura ocidental é ap-
enas uma entre muitas. ao nos limitarmos à oci-
dental, não condenamos a educação liberal a um 
tipo de paroquialismo? e o paroquialismo não é 
incompatível com o liberalismo, a generosidade, 
a mente aberta da educação liberal? nossa ideia 
de educação liberal não parece se encaixar numa 
época consciente do fato de que não existe a 
cultura da mente humana, mas uma variedade de 
culturas. obviamente, “cultura”, se suscetível a 
ser usada no plural, não é o mesmo que “culture”, 
que é singulare tantum, só podendo ser usada no 
singular. a “cultura” já não é mais absoluta, ela se 
tornou relativa. não é fácil dizer o que significa a 
cultura suscetível a ser usada no plural. como con-
sequência dessa obscuridade, as pessoas suger-
em, explícita ou implicitamente, que a “cultura” é 
qualquer padrão de conduta comum a qualquer 
grupo humano. assim, não hesitamos em falar de 
cultura de subúrbios, cultura das gangues juvenis, 
delinquentes ou não. em outras palavras, todo ser 
humano fora do hospício é um ser humano culto, 
pois ele participa de uma cultura. nas fronteiras 
da pesquisa surge a questão sobre se há ou não 
culturas entre os membros de um hospício. se 
contrastarmos o uso atual de “cultura” com seu 
significado original, é como se alguém dissesse 
que o cultivo de um jardim pode consistir no jardim 
sendo sujado por latas vazias, garrafas de uísque 
e papeis amassados jogados pelo jardim de forma 
aleatória. tendo chegado a esse ponto, percebe-
mos que perdemos nosso caminho de alguma 
forma. Vamos então começar de novo, levantando 
a seguinte questão: o que a educação pode signifi-
car aqui e agora?
A educação liberal é a alfabetização de certo tipo: algum tipo de educação em letras e 
através das letras. não há necessidade de justi-
ficar a alfabetização – todos os eleitores sabem 
que a democracia moderna mantém-se ou cai 
pela alfabetização. para entender isso, precisa-
mos refletir sobre a democracia moderna. o que 
é a democracia moderna? antes dizia-se que a 
democracia é o regime que se mantém ou entra 
em colapso em função da virtude: uma democra-
cia é um regime no qual todos, ou a maioria dos 
74 Revista Ensino Superior Unicamp
História Textos Fundamentais
adultos, são homens de virtude. como a virtude 
parece exigir conhecimento, é um regime no qual 
todos, ou a maioria dos adultos, são virtuosos e 
sábios, ou a sociedade na qual todos, ou a maioria 
dos adultos, desenvolveram sua razão a um nível 
alto – ou a sociedade racional. a democracia de-
veria ser uma aristocracia que se ampliou para 
uma aristocracia universal. antes do surgimento 
da democracia moderna, havia dúvidas sobre se 
a democracia entendida dessa forma era possível. 
como colocou uma das mentes mais brilhantes 
entre os teóricos da democracia: “se houvesse um 
povo composto por deuses, ele seria governado de 
forma democrática. um governo de tal perfeição 
não é para seres humanos.” essa opinião discreta 
hoje se tornou um alto-falante de alta potência. 
existe toda uma ciência – a ciência que eu, entre 
milhares, professo ensinar, a ciência política – cujo 
tema é o contraste entre a concepção original de 
democracia, ou o que se pode chamar de ideal 
de democracia, e a democracia como ela é. seg-
undo um pensamento extremo, predominante na 
profissão, o ideal de democracia foi uma completa 
ilusão, e aúnica coisa que importa é o comporta-
mento das democracias e o comportamento dos 
homens em democracias. a democracia mod-
erna, muito longe de ser uma aristocracia uni-
versal, seria o domínio das massas, se não fosse 
pelo fato de que a massa não pode dominar, mas 
é dominada pelas elites (por exemplo, grupos de 
homens que, por qualquer razão, estão no topo ou 
contam com uma boa chance de chegar ao topo). 
uma das virtudes mais importantes exigidas para 
o funcionamento sem trancos da democracia, no 
que se refere às massas, é a apatia eleitoral, ou 
a falta de espírito público. certamente não o “sal 
da terra”, mas o sal da democracia moderna são 
os cidadãos que não leem nada, exceto a página 
de esportes e os quadrinhos. a democracia é por-
tanto, realmente, não o domínio das massas, mas 
a cultura de massas. uma cultura de massa é uma 
cultura que pode ser apropriada pela capacidade 
média sem qualquer esforço intelectual ou moral, 
a um preço monetário muito baixo. mas até mes-
mo uma cultura de massa, e precisamente uma 
cultura de massa, exige uma oferta constante do 
que se chama de novas ideias, que são os produ-
tos do que se chama de mentes criativas: até 
mesmo músicas de comerciais perdem seu apelo 
se não variarem de tempos em tempos. mas a de-
mocracia, mesmo se só for considerada a concha 
que protege a cultura de massa, exige, no longo 
prazo, qualidades de um tipo totalmente difer-
ente: qualidades de dedicação, concentração, 
amplitude e profundidade. assim, entendemos 
mais facilmente o que significa a educação liberal 
aqui e agora. a educação liberal é o antídoto para 
a cultura de massa, para os efeitos corrosivos da 
cultura de massa, para sua tendência inerente de 
produzir nada, a não ser “especialistas sem espíri-
to ou visão e apreciadores do prazer sem coração”. 
a educação liberal é a escada pela qual tentamos 
subir da democracia das massas à democracia em 
seu sentido original. a educação liberal é o esforço 
necessário para fundar uma aristocracia dentro da 
sociedade de democracia de massa. a educação 
liberal lembra aos membros de uma democracia 
de massa que tenham ouvidos para ouvir sobre a 
grandiosidade humana.
Algumas pessoas podem afirmar que essa id-eia de educação liberal é meramente política, 
que assume dogmaticamente que a democracia 
moderna é boa. não podemos virar as costas para 
a sociedade moderna? não podemos voltar à na-
tureza, à vida em tribos não alfabetizadas? não 
estamos esmagados, nauseados, degradados 
pelo material impresso massivo, cemitério de tan-
tas florestas belas e majestosas? não é suficiente 
dizer que isso é mero romantismo, que hoje não 
podemos voltar à natureza: as próximas gerações, 
depois de um cataclismo forjado pelo homem, não 
podem se sentir atraídas por viver em tribos não 
alfabetizadas? nossos pensamentos sobre guer-
ras termonucleares não serão afetados por essas 
possibilidades? certamente os horrores da cultura 
75Revista Ensino Superior Unicamp
de massa (que inclui passeios guiados pela na-
tureza intacta) tornam inteligível o anseio pela 
volta à natureza. uma sociedade analfabeta, no 
melhor dos casos, é uma sociedade governada 
por antigos costumes ancestrais que derivam dos 
fundadores originais, deuses, filhos de deuses ou 
pupilos de deuses. como não há letras numa so-
ciedade assim, os herdeiros não podem estar em 
contato direto com os fundadores originais; eles 
não sabem se os pais ou avós desviaram-se do que 
os fundadores queriam dizer originalmente, se 
transformaram a mensagem divina com adições 
ou subtrações humanas. assim, uma sociedade 
não alfabetizada não consegue agir de forma con-
sistente sobre seu princípio de que o melhor é o 
mais antigo. apenas letras que vieram dos fun-
dadores podem permitir que os fundadores falem 
diretamente aos últimos herdeiros. É contraditório 
querer retornar à não alfabetização. somos obriga-
dos a viver com livros. mas a vida é curta demais 
para viver com quaisquer livros que não sejam os 
melhores. nesse sentido, fazemos bem em tomar 
como nosso modelo aquele entre as maiores 
mentes que, por causa do seu senso comum, é o 
mediador entre nós e as grandes mentes. sócrates 
nunca escreveu um livro, mas os lia. permitam-me 
citar uma frase de sócrates que diz quase tudo 
que há para ser dito sobre o nosso tema, com a 
nobre simplicidade e a tranquila grandiosidade 
dos antigos: “assim como os outros se agradam 
com um bom cavalo, cachorro ou pássaro, eu me 
agrado ainda mais com bons amigos... e os te-
souros dos homens sábios de antigamente, que 
eles deixaram por escrito em livros, eu desvendo e 
percorro com meus amigos. se vemos algo bom, 
selecionamos e consideramos um ótimo ganho se, 
dessa forma, nos tornamos úteis um para o outro.” 
o homem que faz esse discurso acrescenta um 
comentário: “Quando ouvi isso, me pareceu que 
sócrates era abençoado e que ele liderava os ho-
mens que os escutavam em direção a um perfeito 
cavalheirismo.” esse relato é falho, pois não nos 
diz nada sobre o que sócrates fazia em relação 
àquelas passagens nos livros dos homens sábios 
antigos que ele não sabia se eram boas. em outro 
relato, aprendemos que eurípedes deu a sócrates 
os escritos de heráclito, e então pediu a opinião 
dele. sócrates disse: “o que eu entendi é gran-
dioso e nobre; acredito que o mesmo se aplique ao 
que eu não entendi; mas certamente é necessária 
uma ferramenta para entender esses escritos.”
Educação para um cavalheirismo perfeito, para a excelência humana, a educação liberal 
consiste em lembrar a pessoa da grandiosidade 
humana. De que formas a educação liberal nos 
lembra a grandiosidade humana? não podemos 
ter pensamento mais elevado sobre o que a edu-
cação liberal significa. ouvimos falar da sugestão 
de platão de que a educação é o sentido mais alto 
na filosofia. a filosofia é a busca por sabedoria ou 
a busca por conhecimento das coisas mais impor-
tantes, mais altas, mais abrangentes; esse con-
hecimento, como ele sugeriu, é a virtude e a felici-
dade. mas a sabedoria é inacessível ao homem e, 
portanto, a virtude e a felicidade sempre serão im-
perfeitas. apesar disso, o filósofo – que, como tal, 
não é simplesmente sábio – é declarado como o 
único rei verdadeiro. Declara-se que ele tem todas 
as excelências das quais a mente humana é capaz, 
no mais alto nível. a partir disso, concluímos que 
não podemos ser filósofos – não podemos adquirir 
a forma mais alta de educação. não devemos nos 
deixar enganar pelo fato de que encontramos mui-
tas pessoas que se dizem filósofos. elas empre-
gam uma expressão vaga, talvez por conveniência 
administrativa. muitas vezes, querem dizer que 
são membros de departamentos de filosofia. É tão 
absurdo esperar que membros de departamen-
tos de filosofia sejam filósofos quanto é absurdo 
esperar que membros de departamentos de arte 
sejam artistas. podemos não ser filósofos, mas 
podemos amar a filosofia, podemos tentar filoso-
far. essa filosofia consiste primariamente e, de cer-
ta forma, principalmente em escutar a conversa 
entre os grandes filósofos ou, de forma mais geral 
76 Revista Ensino Superior Unicamp
História Textos Fundamentais
e cautelosa, entre as maiores mentes, portanto 
estudar as grandes obras. as maiores mentes a 
quem devemos ouvir não são, de forma alguma, 
exclusivamente as grandes mentes do ocidente. 
É simplesmente uma contingência infeliz que nos 
impede de ouvir as maiores mentes da Índia e da 
china: não entendemos sua linguagem, e não 
podemos aprender todos os idiomas. De novo, a 
educação liberal consiste em escutar a conversa 
entre as maiores mentes. mas aqui somos con-
frontados com a grande dificuldade de que essa 
conversa não ocorre sem nossa ajuda – o fato 
de que devemos fazer essa conversa acontecer. 
as maiores mentes fazem monólogos. Devemos 
transformar seus monólogosnum diálogo, seus 
“lado a lado” num “juntos”. as maiores mentes 
produzem monólogos até quando escrevem diál-
ogos. Quando observamos os diálogos platônicos, 
vemos que nunca existe um diálogo entre mentes 
da ordem mais alta: todos os diálogos de platão são 
diálogos entre um homem superior e um homem 
inferior a ele. platão aparentemente achava que 
não era possível escrever um diálogo entre dois 
homens da ordem mais alta. Devemos, então, 
fazer algo que as maiores mentes não puderam 
fazer. Vamos encarar essa dificuldade – uma di-
ficuldade tão grande que parece condenar a edu-
cação liberal como um absurdo. como as maiores 
mentes se contradizem umas às outras em relação 
aos temas mais importantes, nos obrigam a jul-
gar seus monólogos; não podemos confiar no que 
nenhuma delas diz. por outro lado, não podemos 
deixar de notar que não somos competentes para 
sermos juízes. esse estado das coisas é disfarçado 
por uma série de ilusões superficiais. 
De alguma forma acreditamos que nosso ponto de vista é superior, melhor que o das maiores 
mentes – ou porque o nosso ponto de vista é o do 
nosso tempo, e nosso tempo, sendo mais recente 
que o das maiores mentes, é presumido como 
superior; ou porque acreditamos que cada uma 
das maiores mentes estava certa a partir de seu 
ponto de vista, mas não absolutamente certa. nós 
sabemos que não pode haver uma visão simples-
mente verdadeira, mas apenas uma visão formal 
verdadeira; essa visão formal consiste na ideia de 
que toda visão abrangente é relativa a uma per-
spectiva específica, ou que todas as visões abran-
gentes são mutuamente exclusivas e nada pode 
ser simplesmente verdadeiro. as ilusões que nos 
enganam quanto à nossa situação verdadeira cor-
respondem a isso: que nós somos, ou podemos 
ser, mais sábios do que os mais sábios homens 
do passado.
assim, somos induzidos a interpretar o papel 
não de ouvintes atentos e dóceis, mas de agentes 
e domadores de leões. mesmo assim, devemos 
encarar nossa impressionante situação, criada 
pela necessidade de tentarmos ser ouvintes mais 
atentos e dóceis, quer dizer, juízes, ainda que 
não competentes para sê-lo. para mim, a causa 
A educação liberal é 
o esforço necessário 
para fundar uma 
aristocracia dentro 
da sociedade de 
democracia de 
massa. A educação 
liberal lembra 
aos membros de 
uma democracia 
de massa que 
tenham ouvidos 
para ouvir sobre 
a grandiosidade 
humana
77Revista Ensino Superior Unicamp
dessa situação é que perdemos todas as tradições 
simplesmente autorizadas nas quais poderíamos 
confiar, o nomos que nos deu orientação, porque 
nossos professores imediatos e professores dos 
professores acreditavam na possibilidade de uma 
sociedade simplesmente racional. cada um de 
nós aqui se vê inclinado a encontrar sua própria 
orientação por esforço próprio, apesar das falhas.
Não temos conforto a não ser por aquele iner-ente a essa atividade. a filosofia, como apren-
demos, deve estar alerta contra o desejo de ser 
edificante – a filosofia só pode ser intrinsecamente 
edificante. não podemos exercer nosso conheci-
mento sem, de tempos em tempos, entender algo 
de importância; e esse ato de entendimento pode 
ser acompanhado pela conscientização do nosso 
entendimento, pelo entendimento do entendi-
mento, por noesis noeseos. É uma experiência tão 
alta, tão pura, tão nobre que aristóteles a atribuía 
ao seu Deus. essa experiência é inteiramente in-
dependente de se o que entendemos primaria-
mente é agradável ou desagradável, bonito ou feio. 
isso nos leva a perceber que todos os males são, 
de certa forma, necessários para o entendimento. 
isso nos permite aceitar todos os males que nos 
ocorrem e que podem nos ferir no espírito de bons 
cidadãos da cidade de Deus. ao tomar consciên-
cia da dignidade da mente, percebemos a verda-
deira base da dignidade do homem e, com isso, a 
bondade do mundo, que é o lar do homem porque 
é lar da mente humana.
a educação liberal, que consiste na perma-
nente troca com as maiores mentes, é um treina-
mento na forma mais alta de modéstia, para não 
dizer de humildade. É, ao mesmo tempo, um trei-
namento de ousadia: ela exige de nós uma ruptura 
total com o silêncio, a pressa, o descuido, o barato 
da feira de vaidades dos intelectuais e dos seus in-
imigos. exige de nós a ousadia implícita na deter-
minação de considerar as visões aceitas apenas 
como opiniões, ou considerar as opiniões médias 
como extremas, pois têm no mínimo a mesma 
probabilidade de estarem erradas que as opiniões 
mais estranhas ou menos populares. a educação 
liberal é a libertação da vulgaridade. os gregos 
tinham uma bela palavra para “vulgaridade”; eles 
diziam apeirokalia, falta de experiência em coisas 
bonitas. a educação liberal nos oferece experiên-
cia em coisas bonitas.
A educação liberal 
é o antídoto para 
a cultura de 
massa, para os 
efeitos corrosivos 
da cultura de 
massa, para sua 
tendência inerente 
de produzir 
nada, a não ser 
‘especialistas sem 
espírito ou visão 
e apreciadores 
do prazer sem 
coração’
78 Revista Ensino Superior Unicamp
História Textos Fundamentais

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