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ALMEIDA A América Latina na geopolítica mundial, perspectivas históricas e situação contemporânea do Cone Sul

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A AMÉRICA LATINA NA GEOPOLÍTICA MUNDIAL: PERSPECTIVAS 
HISTÓRICAS E SITUAÇÃO CONTEMPORÂNEA DO CONE SUL 
 
 
Paulo Roberto de Almeida 
 
 
RESUMO: Ensaio de caráter histórico e também analítico-prospectivo sobre os 
processos de desenvolvimento econômico e de inserção econômica internacional dos 
países latino-americanos do Cone Sul, com destaque para os ensaios de integração 
comercial, em escala sub-regional, ou plurilateral. Evidencia-se o relativo isolamento da 
região dos mercados e dos intercâmbios mais dinâmicos da economia mundial 
contemporânea, ao terem os países da América Latina privilegiado processos nacionais 
de desenvolvimento econômico e social, com pouca abertura aos fluxos e cadeias 
produtivas e comerciais englobando outras regiões, ainda que alguns países – a Aliança 
do Pacífico, por exemplo, formada por México, Colômbia, Peru e Chile – tenham 
buscado inserir-se nos novos exercícios de abertura econômica, de liberalização 
comercial e de integração produtiva, que se deslocam paulatinamente do Atlântico norte 
para a bacia do Pacífico. 
 
PALAVRAS-CHAVE: Economia mundial; integração econômica; comércio 
internacional; Cone Sul da América Latina. 
 
 
ABSTRACT: Historical and analytical essay on the economic development and the 
world economic integration of the Southern Cone Latin-American countries, with 
emphasis on the attempts at commercial integration, at sub-regional level, or in the 
plurilateral context. There is a clear pattern of a relative insulation of those countries 
from the most dynamic flows and markets of the world economy, as Latin American 
Southern Cone relayed mostly on national developmental processes, with very few 
opening towards those flows and value chains that encompasses other regions, albeit 
some countries – those of the Pacific Alliance, that is Mexico, Colombia, Peru and Chile 
– have endorsed those new exercises of economic opening and trade liberalization, 
moving preferentially from the north Atlantic toward the Pacific basin. 
 
KEYWORDS: World economy; economic integration; international trade; Latin 
American Southern Cone. 
Paulo Roberto de Almeida 
 
Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.342-367. 343 
 
 
1. A SUCESSÃO DE PREEMINÊNCIAS NA ECONOMIA MUNDIAL E A 
AMÉRICA LATINA 
Existem duas maneiras de analisar a questão da sucessão de hegemonias políticas 
e econômicas no sistema internacional e a posição da América Latina nesse contexto: 
uma pelo lado histórico ou sistêmico, ou seja, pelas tendências estruturais de longo prazo, 
a outra pelos dados da conjuntura, que são naturalmente caracterizadas por flutuações na 
economia mundial e por dinamismos diferenciados entre as principais economias 
planetárias. A América Latina, a despeito de estar situada numa posição relativamente 
excêntrica em relação às grandes disputas hegemônicas mundiais, sempre sofreu a 
influência ou o impacto dos grandes conflitos internacionais, ainda que sua condição de 
região periférica estivesse sempre vinculada aos poderes do Atlântico norte e Europa 
ocidental, desde cinco séculos, e aos Estados Unidos da América, desde o final do século 
XIX e, com maior ênfase, a partir da Segunda Guerra Mundial. 
Na primeira vertente, a do contexto histórico, podemos falar de uma lenta 
sucessão de hegemonias econômicas e militares – e o lado estratégico sempre depende da 
dinâmica econômica dos países ou impérios – e de uma acomodação sucessiva entre 
centros mais dinâmicos e outros em declínio relativo. Por vezes, existem choques globais, 
como os ocorridos com as grandes guerras nacionais do período napoleônico, ou com os 
dois grandes conflitos globais do século XX que, de certa forma, já sinalizaram para o 
fim da grande dominação europeia sobre o mundo, depois de cinco séculos, 
aproximadamente, de predominância absoluta sobre vários continentes. Esses grandes 
conflitos são relativamente raros e, de toda forma, a emergência da arma atômica ao final 
do último grande conflito global já sinaliza para sua inviabilidade prática. Resta, 
portanto, analisar os dados relativos às tendências latentes à substituição de hegemonias 
pelo lento acumular de mudanças econômicas, geralmente tecnológicas, e também 
comerciais e financeiras. 
Foi assim que, desde a era dos grandes descobrimentos, nos séculos XV e XVI, 
tivemos vários protagonistas na vanguarda do comércio e das ocupações territoriais pela 
via militar: primeiro os dois reinos ibéricos, que partiram à conquista do mundo e de certa 
forma o dividiram entre si, no Tratado de Tordesilhas, em 1494; depois tivemos a 
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emergência da Holanda, como império marítimo e comercial-financeiro, nos séculos 
XVII e XVIII, com a introdução de novas tecnologias comerciais e financeiras, como os 
mercados de futuros, por exemplo, extremamente comuns em Amsterdã e Antuérpia, e as 
tecnologias bancárias, que fizeram da Holanda o país mais rico do mundo até o século 
XVIII; a Inglaterra veio em seguida, tendo aprendido com a Holanda várias dessas novas 
técnicas, que ela aperfeiçoou tremendamente, tornando-se senhora dos mares durante os 
dois séculos seguintes, inclusive liderando a revolução industrial que transformou o 
mundo a partir de novas tecnologias de produção em massa, pela introdução de novas 
formas de energia, não apenas a caldeira a vapor, mas, igualmente, a partir da segunda 
revolução industrial, motores elétricos e a diesel. 
Não podemos esquecer que até essa época, a China era a maior economia 
planetária, respondendo sozinha por cerca de um terço do PIB mundial, ainda que 
essencialmente voltada para si própria e isolada das grandes transformações que estavam 
alterando a relação de forças no mundo. Ao se eximir de participar do comércio 
internacional e ao não absorver as novas técnicas que estavam surgindo no Ocidente, a 
China se atrasou relativa e absolutamente, terminando por ser suplantada, dominada e até 
humilhada pelas potências ocidentais, que antes buscavam apenas comerciar com o 
Império do Meio. A China atravessou uma longa decadência de aproximadamente dois 
séculos, e aprofundou ainda seu retrocesso econômico e industrial com a dominação 
esquizofrênica do maoísmo delirante: no auge desse regime catastrófico, com milhões de 
mortos acumulados, o PIB da China não passava de 5% do PIB global. Hoje, depois da 
recuperação da China, na era Deng Xiaoping, ela já ultrapassou as duas segundas maiores 
economias, Japão e Alemanha, e caminha para aproximar-se do PIB dos Estados Unidos 
(mas evidentemente não o per capita). 
Como consequência de uma lenta evolução econômica desde o final da guerra 
civil, os EUA já tinham se consolidado como uma nova potência econômica, industrial e 
financeira ao final do século, o que foi imediatamente confirmado ao final da Primeira 
Guerra Mundial, quando os Estados Unidos financiaram os principais contendores 
aliados naquele conflito, inclusive a própria Alemanha, após sua humilhação e a 
imposição de reparações, no curso dos anos 1920. Ainda que, ao final da Segunda Guerra 
Mundial, a União Soviética tenha emergido como a outra grande potência militar, 
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inclusive com a paridade atômica alcançada poucos anos depois, a hegemonia americana 
permaneceu praticamente indisputada pelo restante do século, condição confirmada pela 
grande ruptura nas relaçõesinternacionais ocorrida em suas duas décadas finais. 
O que ocorreu, no último terço do século XX, foi que o socialismo implodiu por 
força não da competição com o Ocidente, mas de suas próprias contradições internas: o 
mundo passou a viver, de novo, sob a hegemonia ocidental, doravante mais 
marcadamente americana. Há, portanto, uma evolução natural, por vezes acidental, no 
panorama das economias dominantes, e na hegemonia político-militar, sempre vinculada 
a fatores de dinamismo ou de declínio econômico relativo. No cenário mundial atual, de 
ausência de grandes conflitos globais no terreno militar, observa-se o crescimento da 
interdependência econômica e, sobre esta, poderíamos fazer uma paráfrase da famosa 
ironia de George Orwell na sua fábula Animal Farm (A Revolução dos Bichos, na edição 
brasileira): “todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros”. Pois 
bem, na interdependência ocorre algo similar: todos os países são interdependentes, mas 
alguns são mais interdependentes do que outros. 
Aqui podemos deixar o terreno histórico, para entrar na conjuntura e, dentro 
desta, analisar os efeitos da crise econômica americana, primeiro imobiliária, depois 
bancária e financeira, sobre o resto do mundo. A interdependência – e ela é evidente no 
terreno financeiro, ainda mais que no domínio industrial ou tecnológico –propaga mais 
facilmente choques adversos e os chamados efeitos-dominó. A crise financeira americana 
contaminou parceiros na Europa e em outros continentes, porque os mercados financeiros 
trabalham interligados, e muitos bancos ao redor do mundo, e mesmo certos fundos 
soberanos, haviam adquirido uma quantidade exagerada de derivativos financeiros 
americanos – as chamadas hipotecas subprime, transformadas em investimentos em 
carteira classificados como triple A. O mundo passou, então, a vivenciar os aftershocks 
da primeira crise de 2008. Mas, cabe registrar igualmente que várias das crises na Europa 
– Irlanda e Islândia, Grécia, Portugal, Espanha – não tiveram muito a ver com os 
derivativos ou movimentos especulativos de Wall Street, que certamente existiram, mas 
sim com o endividamento excessivo e gastos exagerados de vários governos de países 
cuja dinâmica econômica já não era, digamos assim, a mais dinâmica possível. Tais crises 
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europeias – bastante diferentes entre si – são típicas crises fiscais e de alto endividamento 
externo, muito conhecidas na América Latina em décadas passadas. 
Pois bem, que fenômenos diversos – como a inserção da China nas cadeias 
produtivas globais e a incorporação de enormes massas de trabalhadores nos circuitos da 
divisão internacional do trabalho, com seu deslocamento das zonas rurais ou do sistema 
socialista para a moderna economia de mercado – estejam alterando, novamente, a 
relação de forças no mundo, nisso não há nenhuma novidade. Que os EUA declinem, 
relativamente, em face de países com taxas elevadas de crescimento como a China e 
alguns outros, isso é absolutamente normal e esperado. 
Mas, cabe retornar novamente à história e registrar que, diferentemente dos 
velhos impérios do passado, que baseavam o seu poderio na dominação puramente 
militar, no controle de territórios e na extração de recursos, o império ocidental, ou 
americano, atual não está baseado nesses processos de força bruta e sim no império do 
livre comércio, dos investimentos, da inovação tecnológica e, sobretudo, da inteligência. 
Se impérios militares podem ser vencidos por uma coalizão de oponentes, ou por algum 
adversário mais poderoso, um império baseado na inteligência e na interdependência é 
relativamente indestrutível, podendo-se, então, prever um declínio muito relativo para os 
EUA, e para a própria Europa, na atual configuração da economia mundial. Eles são o 
império da sociedade do conhecimento, e por mais avanços industriais que possam 
ocorrer em outras regiões, eles sempre estarão na vanguarda das descobertas científicas e 
das inovações tecnológicas. 
Quanto à China, o que ela fez, nos últimos vinte ou trinta anos, é absolutamente 
extraordinário e insuscetível de ser reproduzido por qualquer outro país nos próximos 
séculos. Nunca houve, e se supõe que nunca haverá, nenhum país no mundo, que tenha 
crescido, continuamente, à razão de 8, 9, 10% ao ano, ou mais, durante mais de vinte 
anos. Isso nunca ocorreu na história da humanidade, e provavelmente não ocorrerá nunca 
mais. A razão desse crescimento extraordinário está em que, por um lado, a China tinha 
decaído muito, enormemente, sob o socialismo e sob as loucuras do maoísmo delirante e, 
portanto, tinha uma carga represada de não-crescimento que só podia manifestar-se em 
taxas aceleradas de crescimento uma vez que a sociedade fosse liberada de todo o peso de 
uma burocracia paralisante, com políticas totalmente esquizofrênicas. A outra razão é que 
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a China partiu de muito baixo, de uma renda per capita inferior a 1.00 dólar e, portanto, 
tinha muito espaço para crescer rapidamente durante algum tempo. 
Mas o que a China fez foi extraordinário: ela praticamente dobrou a renda per 
capita em menos de 20 anos e isso pelo menos duas vezes, ou seja, saiu de meros 800 
dólares nos anos 1970, para cerca de 8 ou 9 mil dólares atualmente. Se ela continuasse 
crescendo no ritmo anterior, ela ultrapassaria o Brasil em 5 a 10 anos e chegaria à renda 
atual da OCDE em mais ou menos 20 a 25 anos. Ora, um ritmo desses é fisicamente 
(pelos recursos naturais e energia) e economicamente insustentável; então, é normal que 
sua taxa se reduza atualmente, mas registre-se que isso se dá no quadro da crise atual e 
dos modelos atuais de localização industrial e com as políticas econômicas e sociais da 
China, situação que pode não se confirmar indefinidamente. Então, é normal esperar que 
a China venha a arrefecer seu ritmo de crescimento, o que tem consequências para a 
América Latina e para o Brasil, obviamente, em termos de demanda e de preços de 
matérias primas, o que já se manifestou de maneira concreta nos anos recentes. Vários 
dos países da região já exibem a China como seu primeiro parceiro comercial – o Brasil 
desde 2009 –, ainda que não tecnológico ou financeiro, depois de mais de um século de 
preeminência econômica dos Estados Unidos. 
 
2. O MEGABLOCO EM NEGOCIAÇÃO PELOS EUA E PELA EUROPA E SEUS 
POSSÍVEIS EFEITOS 
Em face da conclusão de um grande acordo comercial no âmbito do Pacífico, 
Estados Unidos e União Europeia ensaiam igualmente algo do gênero, o que não deixa de 
ter consequências para a América Latina igualmente, região na qual alguns países – em 
especial os da Aliança do Pacífico – já se preparam para essa nova conformação das 
relações econômicas planetárias. O Cone Sul, relativamente inerme nos últimos anos, 
pode voltar-se agora a uma aspiração antiga, a da conclusão de um acordo comercial 
entre o Mercosul e a União Europeia. Trata-se, contudo, de um acordo de certa forma 
irrelevante, em face da retomada, e eventual finalização, de negociações para a assinatura 
de um acordo de livre comércio entre as duas maiores economias do planeta, a União 
Europeia, de um lado, e os Estados Unidos, de outro. Cada um tem, aproximadamente, 
cerca de 17 trilhões de dólares de PIB global, o que daria a esse novo bloco, tomado 
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conjuntamente, a metade da riqueza mundial e praticamente igual proporção dos fluxos 
comerciais, das trocas de tecnologia e possivelmente de fluxos financeiros. Seria uma 
super-zona de livre comércio, com o potencial, inclusive, de “arrastar” o Canadá e o 
México, já sócios dos EUA no Nafta, e, do outro lado, possivelmente, outros países 
associados, por diferentes tipos de acordos, à UE ou aos próprios Estados Unidos. 
Se realmente levada a termo, essa antiga ideia de promotores da liberalização 
comercial dos dois lados do Atlântico tem o potencial de produzir uma pequena 
revolução na economia mundial. Sua importância, na verdade, é bem maior do que a 
própria dimensão dos fluxos comerciais que seriam criados a partir desse acordo, de 
escopo reconhecidamente limitado, uma vez que as duas grandes economias já desfrutam 
de amplo grau de abertura e de imbricação recíprocas, independentemente da conclusão 
bem sucedida – isto é, sem muitas exceções setoriais – de um acordo desse tipo. 
Afinal de contas, ambas economias regionais já estão vinculadas entre si por laços 
históricos de comércio, investimentos, licenciamentos tecnológicos, joint-ventures 
industriais, seja no âmbito bilateral, seja no contexto da OCDE, além da intensa troca de 
capital humano que se estabelece continuamente nas mais diferentes esferas da 
cooperação científica e educacional. Não é preciso falar, obviamente, das barreiras 
notoriamente limitadas que existem para os mais diversos intercâmbios que existem, 
desde mais de três séculos, entre as duas regiões, tanto sob a forma de poucos obstáculos 
substantivos às trocas privadas e oficiais, como na modalidade tarifária, com alíquotas 
bastante reduzidas praticadas na maior parte dos casos. Esses dois grandes “animais 
hegemônicos” pertencem ao mesmo arco civilizatório e se completam amplamente em 
termos de economias de mercado e de valores democráticos e de direitos humanos. 
Em outros termos, existem poucos entraves ao intenso fluxo de bens, de serviços, 
de capitais, de tecnologia, e de pessoas entre essas duas grandes regiões econômicas do 
mundo, a da UE e a da América do Norte, inclusive porque a segunda foi construída, 
historicamente, pela primeira, até que o dinamismo da segunda, expressa em suas 
maiores taxas de crescimento da produtividade, veio a colocar em segundo plano o peso 
da primeira, a fonte original da ordem econômica global, tal como a conhecemos nos 
últimos cinco séculos. Mas, se o impacto econômico efetivo desse tipo de acordo é 
pequeno, por que destacar com tanta ênfase o que não parece deixar de ser, até aqui, uma 
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mera possibilidade teórica, tantas vezes anunciada e tantas vezes frustrada em sua 
implementação prática? Existem muitas razões, e elas têm a ver com diferentes aspectos 
que são discutidos pelos especialistas e que podemos agora analisar seletivamente para 
tentar visualizar o possível mundo do futuro de médio ou de longo prazo. 
A importância de um acordo entre dois gigantes do comércio internacional – os 
quais, justamente, estão no centro do fenômeno da regionalização, um pelo lado do livre 
comércio, o outro pela integração profunda – situa-se precisamente no fato concreto de 
que ambos mobilizarão proporção relevante, atualmente determinante, do PIB global e do 
comércio internacional, mesmo se o acordo, em si, não agregará muito aos fluxos que já 
vem sendo efetivados “naturalmente” entre os dois lados do Atlântico. Se e quando 
efetivado tal acordo – e as apostas contrárias também são poderosas –, ele terá um 
impacto profundo em termos institucionais (ou seja, sobre o sistema internacional de 
comércio e suas rodadas de negociação) e em relação a terceiros mercados, para dentro e 
para fora dos dois blocos eventualmente unidos pelo livre comércio. Mais ainda, um 
acordo desse tipo parece sintetizar todos os bons efeitos e todos os defeitos, todos os 
méritos e muitos vícios do “minilateralismo” comercial. 
Cabe destacar, em primeiro lugar, que o que se discute entre a União Europeia e 
os Estados Unidos não é nenhuma forma mais elaborada de integração, e sim um acordo 
de livre comércio, pura e simplesmente, embora bem mais abrangente e complexo do que 
aqueles usualmente registrados na OMC, provavelmente concebido, aos olhos e na 
concepção dos americanos, no estilo e no formato do Nafta (cujos principais vetores se 
encontram igualmente no acordo da zona do Pacífico). A retomada dessas negociações, 
depois de muitos anos de torpor burocrático, apresenta evidências de novos elementos, 
de caráter político, que não estavam presentes quando se cogitou, originalmente, de um 
tipo qualquer de desarme tarifário entre os mesmos personagens (a UE contando, então, 
com um número bem mais reduzido de membros). A resposta está, provavelmente, no 
fator China, mas convém, antes de qualquer outra consideração, ressaltar o impacto 
positivo de um real arranjo de liberalização que se faça entre a UE e os Estados Unidos. 
De fato, a primeira consequência mais geral de um novo acordo desse tipo é, 
essencialmente, um efeito demonstração, ou seja, o exemplo positivo dado pelo 
engajamento de dois grandes parceiros, na verdade os maiores, do sistema multilateral de 
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comércio, no sentido de confirmar a vocação liberalizadora que esteve presente no 
momento de criação do Gatt e que se manteve mais ou menos constante nas primeiras 
cinco ou seis rodadas de negociações comerciais multilaterais. Infelizmente, esse impulso 
começou a se perder a partir dos anos 1970, quando, tanto em função do menor peso das 
tarifas nos processos de liberalização – já que elas tinham sido consideravelmente 
reduzidas desde o final dos anos 1940, adquirindo maior importância, então, os temas 
sistêmicos, ou de caráter regulatório – quanto em virtude da perda de competitividade de 
velhas indústrias labor-intensive dos países desenvolvidos em face dos chamados “novos 
países industrializados”, alguns periféricos da Ásia e da América Latina (Coreia do Sul, 
Taiwan, Hong-Kong, Brasil, México, etc.) que passaram a competir agressivamente em 
grandes nichos de mercados nos quais possuíam vantagens comparativas (calçados, 
têxteis, manufaturas leves, etc.). Acresce a isto a crise fiscal e de “estagflação” dos países 
avançados, mais ou menos coincidente com a primeira e a segunda crise das dívidas 
externas dos países em desenvolvimento, que redundou no renascimento de instintos 
protecionistas no seio mesmo do sistema, entre aqueles que tinham garantido, até então, o 
sucesso das rodadas de liberalização de comércio. 
O mundo atravessou, desde essa época, fases de maior ou menor fechamento 
comercial, ao mesmo tempo em que ensaiava a revitalização dos velhos princípios 
multilateralistas que haviam guiado os negociadores em Bretton Woods, e que tinham 
resultado na criação de uma primeira organização mundial de comércio, inscrita na Carta 
de Havana (março de 1948), mas que infelizmente não foi implementada na prática. Em 
todo caso, o processo foi retomado na segunda fase da rodada Uruguai (entre 1991 e 
1992), quando se decidiu relançar a ideia de uma organização de pleno direito – uma vez 
que o Gatt era um simples acordo entre partes contratantes, dotado de um secretariado 
mínimo, esquema que tinha permanecido “provisoriamente” em vigordurante meio 
século – o que foi concretizado em Marrakesh (1993), com a assinatura da Ata Final da 
Rodada Uruguai, da qual emergiu a OMC (1995). 
Mas a institucionalização da OMC também foi contemporânea da maior expansão 
já vista dos acordos regionais preferenciais, um pouco em todos os continentes. O 
minilateralismo parecia querer ganhar preeminência sobre o multilateralismo e, de fato, 
nas estratégias comerciais das grandes, como nas das pequenas e médias potências da 
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economia mundial, ganhava força a ideia de que a solução para os problemas de acesso a 
mercados e de compatibilização de regras não tarifárias não estava mais no âmbito do 
Gatt, ou da OMC (dependendo do tipo de acordo), mas na constituição de blocos 
restritos, ditos de regionalismo aberto, mas potencialmente discriminatórios. 
O anúncio, portanto, de que Estados Unidos e UE voltam a discutir a criação de 
uma vasta zona de livre comércio recíproco – a maior do mundo, talvez só superável 
quando os países membros da Asean e todos os demais parceiros da bacia da Ásia 
Pacífico, incluindo a China, fizerem a sua, em algum momento da próxima década – é 
auspiciosa, no sentido em que essa iniciativa pode representar um novo impulso a uma 
nova fase de negociações comerciais multilaterais. Supõe-se que, uma vez concretizada a 
nova superaliança comercial, seus dispositivos liberalizadores representem inclusive um 
avanço sobre o estado atual das negociações comerciais, em termos de desmantelamento 
de barreiras e do estabelecimento de regras uniformes para o mútuo reconhecimento de 
padrões industriais e de diversas outras normas que podem atuar (deliberadamente, 
segundo os casos) como medidas protecionistas disfarçadas. 
As respectivas barreiras tarifárias, em si, são pouco relevantes, representando uma 
média de 3% para os produtos manufaturados, mas como o comércio inter, intraindustrial 
e também intrafirmas, entre os dois lados, é especialmente intenso, mesmo uma pequena 
diminuição dos custos pode significar, no plano microeconômico, um incremento 
significativo para as empresas engajadas no intercâmbio, estimulando inclusive novos 
investimentos diretos estrangeiros, das duas regiões e de terceiras partes. Subsistem zonas 
de protecionismo setorial, sobretudo na agricultura – e aqui é provável que ambos lados 
conservem não apenas entraves protecionistas, como subsídios por vezes abusivos –, bem 
como políticas de sustentação de setores ditos estratégicos (como aviação civil, por 
exemplo) que poderiam ser objeto de mais alguma unificação de critérios nas medidas de 
apoio doméstico ou comunitário. 
Haveria, do lado americano, bem menos resistências políticas e sociais, no 
Congresso ou dos sindicatos, a um acordo com os europeus, uma vez que não estariam 
presentes as mesmas preocupações com um suposto “dumping social” mexicano que 
quase comprometeram a aprovação do Nafta, exigindo a negociação de acordos paralelos 
para lograr a superação de paranoias setoriais e a aprovação congressual. Em resumo, 
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tanto no plano teórico – como a efetivação de economias de escala e os estímulos ao 
crescimento econômico, do emprego e da renda – quanto no plano prático – tendo em 
vista a uniformidade relativa de padrões produtivos e financeiros, já obtida no âmbito da 
OCDE –, diferentes elementos concorrem para reforçar os traços positivos que esse tipo 
de integração comercial entre as duas maiores economias planetárias pode representar 
não apenas para as partes no acordo, mas para outros parceiros externos e, sobretudo, 
para o sistema multilateral de comércio. 
Agora, quais seriam os efeitos disso para o Brasil e para a América Latina, de 
modo geral? Acordos regionais de comércio, como já ressaltado tantas vezes por 
economistas liberais, são potencialmente discriminatórios contra terceiras partes, e 
podem reforçar as tendências ao desvio de comércio e de investimentos, mais do que ao 
crescimento global desses fluxos. No caso da UE e dos Estados Unidos, porém, essas 
ameaças são relativamente insignificantes, tendo em vista as barreiras tarifárias bastante 
reduzidas efetivamente existentes – exceto o setor agrícola, como é amplamente 
conhecido – e o amplo grau de uniformização de práticas comerciais e contábeis já 
alcançado dentro da OCDE. Mas não resta dúvida de que a retomada de negociações para 
um eventual acordo entre os dois gigantes se dá numa conjuntura de crise e de recessão 
dos dois lados do Atlântico, com reações setoriais de cunho protecionista sendo agitadas 
nos meios sindicais e políticos, em especial como resultado dos temores despertados pela 
destruição de empregos industriais representada pela competição manufatureira da China. 
A China, de fato, parece constituir o personagem não revelado dos cálculos 
respectivos de europeus e americanos quanto à manutenção de certa margem de 
preferências comerciais recíprocas, em face da concorrência julgada predatória dos 
produtos de baixo custo de origem asiática. Registre-se, porém, que grande parte da 
oferta manufatureira chinesa se faz ao abrigo de marcas registradas americanas e 
europeias, já que representam o resultado da alocação “ótima” de investimentos diretos 
que fizeram suas multinacionais, visando aproveitar as vantagens comparativas de mão-
de-obra e menores exigências ambientais ou outras que representa uma produção a partir 
das plataformas de exportação da China. É bem provável, contudo, que os dirigentes 
econômicos e políticos dos dois lados tenham sido estimulados por essa reação defensiva 
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contra novas “invasões chinesas” ao considerarem a decisão de retomar negociações para 
um acordo de livre comércio. 
Tendo em vista, por outro lado, o amplo rol de acordos bilaterais, plurilaterais ou 
simplesmente minilateralistas que cada uma das duas grandes economias mantém com 
parceiros selecionados de suas respectivas preferências políticas, é possível que o viés 
discriminatório contra terceiros seja reforçado, caso esse super-acordo venha a ser 
concluído num futuro próximo. A UE é, de longe, o bloco que mais acordos de 
associação mantém com suas áreas de influência: países do Mediterrâneo, antigas 
colônias europeias, antigos países socialistas em transição para a economia de mercado, 
com destaque para os já candidatos à adesão ao bloco comunitário (entre eles, mas não 
exclusivamente, a Turquia). Não há dúvida, assim, que países dispondo de acordos de 
livre comércio com os Estados Unidos ou de associação com a UE são potenciais 
beneficiários da formação da mais vasta zona de livre comércio que poderia passar a 
existir dos dois lados do Atlântico norte. 
Não é improvável, num cenário como esse, que os países da orla do Pacífico, e até 
do Índico e da Oceania, acelerem, em consequência, suas próprias negociações – 
algumas, no seguimento do TPP, já em curso, como aquelas envolvendo a Asean e as 
grandes nações industriais da Ásia Pacífico: China, Japão, Coreia do Sul e Taiwan – com 
o objetivo de também estabelecer uma vasta área de preferências tarifárias, podendo 
evoluir, em médio prazo, para um acordo de livre comércio, talvez menos ambicioso do 
que o de europeus e americanos (pela amplitude setorial), mas provavelmente tão 
importante quanto, em termos de fluxos totaisde comércio, investimentos e integração 
tecnológica e produtiva. Não foi por outra razão que alguns países latino-americanos – 
Chile, Peru, Colômbia e México – decidiram consolidar antigos laços de liberalização 
comercial parcial (no âmbito da Aladi) nesse novo esquema que leva o significativo 
nome de “Aliança do Pacífico”, provavelmente menos visando reforçar o comércio 
recíproco (que é limitado), mas sobretudo com o objetivo de constituir uma frente comum 
para aproveitar as melhores oportunidades que possam surgir do lado dos vários 
esquemas existentes na bacia do Pacífico (TPP, Apec, Asean e diversos outros de 
geometria e de escopo bastante variáveis). 
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Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.342-367. 354 
Existiriam aí motivos de preocupação para países visivelmente excluídos desses 
processos de liberalização comercial, que podem levar a acordos de integração regional, 
entre eles, em especial, os do Mercosul, bloco que parece experimentar uma fase de 
retrocessos econômicos e de certa recaída na retórica integracionista de cunho político 
com efeitos totalmente inócuos para a integração real de suas economias. Não se pode, 
entretanto, culpar aqueles protagonistas principais da bacia do Pacífico e da franja do 
Atlântico norte de discriminação deliberada contra os latino-americanos que ficaram à 
margem das principais iniciativas liberalizadoras e integracionistas: a culpa recai sobre 
eles mesmos. Com efeito, foram os líderes da Argentina, do Brasil e da Venezuela que 
decidiram sabotar deliberadamente as negociações do projeto americano da Alca, 
terminando por implodi-la em 2005, a Venezuela por motivações claramente políticas 
contra o neoliberalismo e contra o princípio de livres mercados. Os dois grandes do 
Mercosul apenas mantinham a ilusão de que a UE desejava efetivamente um acordo de 
associação bi-regional, à margem e independentemente da “ameaça” da Alca para seus 
interesses econômicos junto ao bloco do Mercosul: uma vez afastada essa possibilidade, 
as negociações passaram a se arrastar penosamente, sem perspectivas de reais 
compromissos de liberalização setorial (na área agrícola, para os europeus, em setores 
industriais, no caso dos países do Mercosul). 
Não se pode, assim, afirmar que europeus, americanos ou asiáticos estejam 
discriminando deliberadamente contra africanos ou latino-americanos (neste caso, bem 
mais “contra” os membros do Mercosul e os “bolivarianos”), uma vez que suas atuais 
iniciativas de esquemas de liberalização comercial e, possivelmente, de integração, não 
excluem outros acordos de livre comércio que esses “blocos”, ou certos países 
individualmente, possam contrair com quaisquer outros parceiros em outras regiões. 
Neste caso, são as próprias políticas comerciais introvertidas e suas políticas industriais 
protecionistas que contribuem para auto-excluir alguns dos latino-americanos do vasto 
movimento liberalizador em curso em outras regiões: afinal de contas, não é por causa do 
aparente fracasso da Rodada Doha que Brasil e Argentina decidiram retroceder no 
caminho da integração com o mundo, e sim por decisão de suas próprias lideranças 
políticas – muitas vezes por pressão de industriais acostumados à proteção estatal – que 
Paulo Roberto de Almeida 
 
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esses países adotam medidas comerciais que os remetem aos cenários de 
intervencionismo e de protecionismo típicos dos anos de substituição de importações. 
 
3. A SITUAÇÃO DO MERCOSUL E O FUTURO ECONÔMICO E POLÍTICO 
DO CONE SUL 
A base de todo e qualquer empreendimento integracionista é a existência de uma 
vontade comum aos participantes, o mais convergente possível, no sentido de adotar as 
medidas necessárias, no plano interno, de maneira a viabilizar os requerimentos do 
processo de desmantelamento de barreiras à formação de um espaço econômico comum. 
Esse foi, por exemplo, o quadro político que presidiu à primeira fase da integração 
europeia, a partir da proposta de uma comunidade setorial afetando a produção e 
comércio do carvão e do aço (1950-1951), assim como propósitos semelhantes, embora 
simplesmente livre-cambistas, estiveram em atuação na América do Norte, desde os 
primeiros ensaios de liberalização comercial entre os Estados Unidos e Canadá (1965 e 
1988) até a aprovação do Nafta, no início dos anos 1990. 
Se, em algum momento, essa comunhão de propósitos existiu entre os membros 
do Mercosul – e ela foi bem mais evidente na dramática conjuntura de saída dos regimes 
autoritários militares, em meados dos anos 1980 – e se manifestou nos impulsos 
sucessivos que levaram do PICE (1986), ao Tratado de Integração Bilateral Brasil-
Argentina (1988), logo depois à Ata de Buenos Aires (1990, que decidiu acelerar o 
processo) e finalmente ao tratado quadrilateral de Assunção (TA-1991), que criou o 
Mercosul em sua forma atual, essa vontade há muito parece ter deixado de existir. Não é 
difícil de se chegar a esta conclusão ao se constatar, no decurso da segunda década do 
bloco, a adoção progressivamente crescente, por parte dos dois membros mais 
importantes, de medidas unilaterais de caráter exclusivamente nacional que passaram a 
afetar o quadro regional no que ele tinha de mais relevante: sua conformação jurídica 
enquanto personalidade de direito internacional sob a forma de uma união aduaneira. Não 
é difícil de imaginar que o ingresso da Venezuela no bloco, em condições particularmente 
bizarras, venha a contribuir para esse quadro errático no processo decisório e de 
ambiguidades na implementação das medidas institucionais e de funcionamento do 
Mercosul. Na prática, finalmente, a Venezuela nunca ingressou no Mercosul: incapaz de 
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cumprir com suas simples regras de liberalização, o país petrolífero encontra-se 
afundando em sua própria crise econômica, integralmente fabricada internamente. 
Em qualquer hipótese, não é dispensável lembrar que desde o seu início bilateral, 
o Mercosul pretendeu seguir um modelo mais sofisticado do que os então existentes na 
região – limitados a simples acordos preferenciais ou esquemas de livre comércio – para 
aproximar-se de um padrão europeu de integração, adotando, desde o início, o objetivo 
final de um mercado comum. Este era o objetivo declarado, aliás estabelecido 
formalmente no TA, devendo ser alcançado, otimistamente, em 1/01/1995. Não é inútil 
recordar, tampouco, que a partir dessa data, o Mercosul foi declarado “personalidade de 
direito internacional”, querendo isso presumivelmente significar que o bloco estava 
pronto a negociar, em seu próprio nome, acordos comerciais com terceiras partes e outros 
compromissos no plano multilateral. 
De fato, o Mercosul engajou-se em negociações coletivas – tanto no plano 
regional, com os demais membros da Aladi, como no plano hemisférico, em especial no 
contexto do projeto americano da Alca; mas também no inter-regional, entre o Mercosul 
e a UE; e, mais importante, no contexto da rodada de negociações comerciais 
multilaterais da OMC. Em todas essas ocasiões, com muito poucas exceções, a 
coordenação interna ao Mercosul parece ter sido mais complicada do que as negociações 
com os demais parceiros, stricto sensu. Isso se deveu – e se deve, ainda agora, e talvez 
continue a se dar, no futuro – a que os interesses nacionais,e as posições negociadoras 
dos membros do Mercosul, são muito diferenciadas entre si, em função de 
posicionamentos distintos quanto às opções de políticas econômicas de cada um deles, o 
que apenas reflete tipos de inserção e de orientação em políticas macroeconômicas e 
setoriais (especialmente comerciais e industriais) também muito diversos entre si. Dentre 
as explicações levantadas para tratar desta questão, as “assimetrias estruturais” têm sido 
aventadas como a causa principal dessa diferenciação de objetivos, o que não parece 
constituir hipótese razoável para a origem das dificuldades do bloco, como se explicitará 
mais adiante. 
A disparidade de políticas econômicas nacionais parece ser o elemento central 
que explica o precário estabelecimento dos pilares essenciais do empreendimento 
integracionista em sua segunda década de existência. É ela que fundamenta a dúvida de 
Paulo Roberto de Almeida 
 
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saber se, no futuro de médio prazo, o Mercosul conseguirá, ou não, cumprir os requisitos 
básicos de seu projeto constitutivo: o acabamento de sua união aduaneira, com vistas a 
avançar para o prometido mercado comum. A incapacidade dos países em completar o 
próprio programa estabelecido na origem, para o Mercosul, constitui, atualmente, o 
elemento central de seu desenvolvimento no futuro de curto e médio prazo, ou seja, a 
partir da terceira década de sua existência. 
Como seria possível interpretar, assim, as vias prováveis de evolução futura do 
Mercosul, em face dos problemas remanescentes e das tendências sistêmicas que se 
observam atualmente no bloco, em especial, no que respeita o comportamento dos seus 
protagonistas mais importantes? Duas linhas de explicações são aqui seguidas: quanto 
aos procedimentos, e quanto à substância do processo de integração. 
No que respeita, em primeiro lugar, aos procedimentos, e admitindo-se a premissa 
estabelecida ao início – que condiciona a evolução do bloco às orientações políticas dos 
seus maiores sócios, processo aliás vinculado ao alto grau de personalização do processo 
decisório, típico do presidencialismo altamente instável que vige na região – pode-se 
vincular o futuro do Mercosul ao que determinarem os presidentes e os mais altos 
responsáveis econômicos do Brasil, da Argentina e, doravante, da Venezuela. No que 
tange, em segundo lugar, à substância do processo, cabe enfatizar que, a despeito de toda 
a retórica política em torno do Mercosul e das iniciativas adotadas pelos governos dos 
Estados partes no terreno político (e em suas derivações sociais, culturais, educacionais e 
outras), a essência do processo só pode ser econômica e comercial: enquanto não se 
avançar nesse terreno, é propriamente um engodo falar-se do reforço ou da ampliação da 
integração. 
Se estas linhas explicativas guardam consistência com a realidade registrada em 
sua segunda década de existência, cabe reconhecer que o Mercosul desviou-se 
significativamente de seus objetivos originais, a ponto de raramente a agenda de reuniões 
na fase recente ocupar-se do cumprimento das metas estabelecidas no artigo 1
o
. do TA. O 
que deveria ser o ponto de partida da integração – o livre comércio pleno e o correto 
funcionamento da união aduaneira – parecer ter se convertido num objetivo distante, 
quase ausente dos discursos políticos da atualidade. 
A América Latina na Geopolítica Mundial: Perspectivas Históricas e Situação Contemporânea do Cone Sul 
Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.342-367. 358 
Resta saber, portanto, se o futuro imediato (e o mediato também) confirmará a 
tendência ao esvaziamento do processo econômico real – e sua conversão em um simples 
foro de questões gerais lidando com a integração superficial de países contíguos –, ou se 
o Mercosul conseguirá retornar, a partir de sua terceira década, a seu projeto original. 
Para isso cabe considerar o que ele foi, até aqui, e quais são os problemas e desafios que 
deveriam fazer parte de uma agenda real de integração: um exercício retrospectivo, 
focando as políticas desenvolvidas nos últimos anos, pode ajudar a antecipar o que pode 
– e o que deveria – vir pela frente. 
Não é difícil identificar as grandes fases de desenvolvimento do Mercosul: todos 
reconhecem que, a despeito dos avanços realizados nos primeiros dez anos, os impulsos 
do Mercosul em direção de uma maior liberalização comercial e para a constituição de 
um espaço econômico unificado no Cone Sul foram paralisados a partir de 1999, e até 
retrocederam nos anos seguintes. A união aduaneira sequer consolidou-se sob uma 
autoridade comum, dotada de aplicação uniforme de suas regras, havendo a coexistência 
de enorme volume de exclusões à Tarifa Externa Comum. As causas principais foram a 
instabilidade econômica e as políticas econômicas divergentes, mas também um reduzido 
compromisso político com a realização das reformas necessárias ao alinhamento da 
agenda de trabalho do Mercosul com os objetivos do TA. O quadro analítico seguinte 
tenta racionalizar esse processo complexo, objeto dos argumentos nos parágrafos 
seguintes. 
 
Mercosul: desenvolvimentos registrados nas diferentes fases 
1986-1989 1990-1994 1995-1999 1999-2002 2003-2015 
Início do processo 
Brasil-Argentina: 
gradual, flexível, 
com protocolos 
setoriais, sob 
expressa e direta 
administração de 
ambos governos; 
mercado comum 
no longo prazo; 
Aceleração do 
processo por meio 
do livre comércio 
e ampla abertura, 
como bases do 
mercado comum; 
criação de 
comércio; maior 
inserção mundial; 
Crises econômicas 
externas acentuam 
dificuldades 
internas; reversão 
parcial na 
liberalização 
comercial e na 
abertura 
econômica; 
Crise argentina: 
reversão da 
abertura ao mundo 
e da liberalização 
recíproca; 
abandono prático 
da consolidação 
aduaneira; 
paralisia 
institucional; 
Pouco ou nenhum 
avanço comercial; 
fim da antiga 
ênfase econômica; 
novo ativismo 
político e social; 
maior extensão do 
esquema a novos 
membros, de tipo 
superficial. 
Concepção e elaboração: Paulo Roberto de Almeida (2016) 
 
A consequência mais evidente derivada da ascensão de novas lideranças políticas 
no Brasil e na Argentina – no caso, os já mencionados Lula e Kirchner – foi representada 
Paulo Roberto de Almeida 
 
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pelo nítido afastamento desses países (e, no mesmo movimento, do Mercosul) dos 
objetivos econômicos basilares do TA, em especial a liberalização comercial recíproca e 
a continuidade da abertura econômica no plano global. Em seu lugar, reingressaram na 
agenda velhas receitas substitutivas e industrializantes, sob forte dirigismo estatal e 
protecionismo aos empresários nacionais; em suma, não apenas um desvio em relação 
aos princípios “constitucionais” do Mercosul, mas igualmente um retorno de quase meio 
século na história econômica desses países. 
Esse movimento regressista foi bem mais forte, numa primeira fase, na Argentina, 
do que no Brasil, que não atravessou uma crise tão grave quanto aquela enfrentada pelo 
país platino no início do novo milênio. No caso do Brasil, consoante a vontade das novas 
lideranças do Partido dos Trabalhadores de exercer uma não-assumida liderança política 
no continente – ou seja, ultrapassando inclusive o quadro formal do Mercosul – o que se 
observou foi uma espécie de fuga para a frente, em direção de objetivos sociais e 
políticos não concebidos originalmentecomo partes essenciais do processo de integração: 
tratou-se nitidamente de um efeito substituição. 
Os governos dos países membros favoreceram, em diversos setores da área 
econômica, o retorno a velhas posturas nacionalistas e estatizantes, atitudes que estavam 
em nítida contradição com os requisitos tradicionais da integração, que são a abertura 
econômica e liberalização comercial. A incorporação da Venezuela às instâncias 
deliberativas – ainda que não todos os procedimentos de adesão tenham sido 
efetivamente ratificados e seguidos pelo novo membro – contribui para reforçar os 
elementos constitutivos objetivamente anti-integracionistas no Mercosul. 
Readaptando velhas receitas de extração keynesiana, numa versão trabalhada 
outrora pela Cepal, os países membros começaram a adotar, em diferentes medidas, 
prescrições macroeconômicas fortemente embasadas nos modelos de industrialização à la 
List; a ênfase tornou-se essencialmente nacional, ou até introvertida, continuando a 
adesão retórica a esquemas integracionistas mas num formato o mais superficial possível. 
A despeito de críticas acadêmicas quanto às insuficiências institucionais ou a um alegado 
déficit democrático no Mercosul – ou talvez, por isso mesmo –, não ocorreu nenhum 
esforço para caminhar-se na direção de um tipo “comunitário” de integração, modelado 
segundo a experiência europeia; o sistema intergovenamental, portanto, continuou como 
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antes, mesmo se novas “instituições”, de caráter puramente acessório, foram sendo 
criadas para dar a impressão de “progressos” na integração. 
No plano dos movimentos hemisféricos e regionais, algumas tendências se 
revelaram ou se desenvolveram no novo período: o Chile interrompeu seu movimento de 
aproximação econômica ao Mercosul e deu início às negociações para o estabelecimento 
de um acordo de livre comércio com EUA, no que foi seguido por outros países andinos, 
à exceção dos “bolivarianos”; a Venezuela explicitou sua demanda de adesão ao 
Mercosul, com o apoio de todas as lideranças executivas, mas sob intenso escrutínio dos 
movimentos de oposição no Brasil e no Paraguai, que questionavam as credenciais 
democráticas do candidato, quando o relevante, na verdade, seria a incorporação plena de 
todas as normas de política comercial; o Brasil tomou diferentes iniciativas para afastar 
os EUA da região, propondo instituições exclusivamente sul-americanas (como a 
Comunidade Sul-Americana de Nações, oportunamente transformada em União, Unasul, 
segundo proposta e ativismo do coronel Hugo Chávez). 
No contexto específico do Mercosul, o governo brasileiro apoiou ativamente a 
constituição de novos órgãos – Instituto Social, Parlamento, esforços adicionais de 
“inserção social”, etc. – mesmo quando os objetivos primários do TA, que são o livre 
comércio e a união aduaneira, continuaram submetidos a contínua erosão, tanto pelas 
crescentes restrições adotadas no plano interno, quanto pelo protecionismo ampliado no 
plano externo. A Argentina foi bem mais enfática, e explícita, nos mecanismos 
defensivos do seu mercado interno, sob o olhar complacente do governo brasileiro, 
mesmo contra os interesses de seus exportadores em geral, e dos industriais em 
particular. A despeito de todas as políticas defensivas da Argentina, e do fato que elas 
foram e continuam sendo ilegais e abusivas, os fluxos do intercâmbio bilateral – que 
constituem ainda o grosso do comércio intra-Mercosul – continuaram a beneficiar os 
exportadores do Brasil, cujos superávits com o vizinho permanecem significativos. 
A acumulação de saldos comerciais e a volta ao crescimento dos fluxos intra e 
extra-regionais não impediram que a parte do comércio regional recíproco dos países do 
Mercosul diminuísse em relação ao volume global dos intercâmbios do bloco, em 
especial no caso do Brasil. A Argentina se mantém ainda na condição que já foi várias 
vezes caracterizada como de “Brasil dependência”, que ela se esforça em diminuir, mas 
Paulo Roberto de Almeida 
 
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recorrendo a métodos claramente anti-integracionistas, no limite antibrasileiros. Desde 
meados dos anos 1990 que ela recorre – no início moderadamente, nos anos 2000 de 
forma intensa e aberta – a diferentes mecanismos protecionistas (como antidumping, 
salvaguardas, licenças de importação, quotas informais, etc.), muitas vezes de forma 
ilegal e abusiva, não apenas contra o espírito e a letra dos instrumentos constitutivos do 
Mercosul, mas também em oposição a dispositivos do sistema multilateral de comércio 
(como o Código de Salvaguardas, por exemplo). 
Mas é também um fato que a parte do Mercosul no comércio global brasileiro, 
depois de ter aumentado em dez pontos percentuais, a partir de sua pequena base de 4% 
ao início da criação do bloco, tornou a diminuir na segunda década; ainda que os valores 
absolutos tenham voltado a crescer a partir de meados dessa década, relativamente eles 
passaram a representar parte decrescente do comércio exterior brasileiro. Isto significa 
que o Mercosul continua a ser significativo no plano microeconômico – ou seja, 
representa um importante mercado para empresas individuais – mas já pode não ser 
macroeconomicamente relevante para o Brasil. 
Para assegurar, ainda assim, sua pretensão à liderança dentro do bloco, e na 
região como um todo, bem como para apoiar projetos específicos ou diminuir 
reclamações de parceiros e resistências a suas iniciativas políticas, o Brasil começou a 
desenvolver o que foi chamado de “diplomacia da generosidade”. Esta foi feita de 
diferentes elementos não recíprocos no relacionamento regional, a começar por um 
duvidoso programa de “substituição de importações”, que consistiria na importação 
voluntária, por parte dos empresários brasileiros, de produtos dos países vizinhos, mesmo 
que eles “fossem mais caros”, mas seria para “ajudar países mais ‘pobres’ do que o 
Brasil”, segundo os argumentos do presidente Lula. Como os empresários privados não 
se entusiasmaram muito pela ideia – de fato, inconsistente, no plano da lógica, e 
economicamente prejudicial a seus interesses de capitalistas – o ministério das Relações 
Exteriores implementou ele mesmo um programa destinado a ajudar os vizinhos a 
exportar para o Brasil, numa notável demonstração de “promoção comercial” ao revés. 
Todavia, a iniciativa mais consistente com a pretensão à liderança regional por 
parte do governo Lula – e supostamente para sanar diferenças estruturais entre os países 
membros, que estariam, ao que parece, dificultando a integração – consistiu no desenho e 
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implementação de um programa de correção das “assimetrias estruturais” existentes no 
Mercosul, criado e financiado à razão de 70% de seus montantes pelo próprio Brasil. 
Justamente por ser grande, extremamente bem dotado de recursos e industrialmente mais 
avançado, o Brasil passou a ser visto, pelos seus parceiros do bloco, como o “fazedor de 
normas”, o principal beneficiado e, segundo alguns, o “aproveitador”, de todo o processo 
do Mercosul. 
Independentemente do perfil econômico de médio e de longo prazo do 
Mercosul, e das características políticas e institucionais que ele poderia assumir, em 
decorrência das ações futuras dos governos dos Estadospartes, um aspecto parece seguro, 
qualquer que seja seu itinerário no horizonte previsível: o Mercosul não corre o risco de 
desaparecer pela vontade deliberada de seus membros. Nenhum dos líderes políticos, 
atuais ou futuros, parece pronto a descartá-lo como projeto, ou estaria disposto a assumir 
o ônus de decretar seu fracasso e inadequação, apenas por ineficiência relativa de seus 
mecanismos ou devido ao aumento das irracionalidades econômicas acumuladas nos 
últimos anos. Uma nova liderança política na Argentina pode, eventualmente, mudar 
significativamente o curso (atualmente estagnado) do processo de construção de uma 
verdadeira zona de livre comércio e de união aduaneira mais ou menos completa no Cone 
Sul, mas tal perspectiva precisa ainda ser confirmada na prática. 
O fato é que, considerando-se os experimentos de integração respectivos da Ásia 
e da América Latina em perspectiva comparada, a conclusão a que se poderia chegar, 
com base unicamente nos volumes envolvidos e na intensidade de comércio registrado, 
bem como em sua composição, é que os esquemas latino-americanos carecem de 
densidade e de profundidade, quando confrontados aos asiáticos. Não se trata exatamente 
de esquemas diferentes em sua estrutura e características – uma vez que em ambas as 
regiões predominam os acordos puramente preferenciais, com uma ou outra manifestação 
de livre comércio – mas de disposição efetiva para um real processo de liberalização 
comercial e de integração com o mundo, ou seja, o fenômeno que já foi chamado de 
regionalismo aberto. 
Na América Latina, em geral, e na América do Sul em especial, as únicas 
manifestações de regionalismo aberto são representadas por aqueles acordos que unem os 
países, individualmente, de um lado, e os Estados Unidos, de outro, e cujas disposições, 
Paulo Roberto de Almeida 
 
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até por exigência dos EUA, cobrem uma vasta gama de áreas (incluindo serviços, 
investimentos e propriedade intelectual) e tendem a admitir menor número de exceções. 
Nos casos exclusivamente latino-americanos, as preferências são mínimas, muitas vezes 
fixas, as exceções são muitas, e a abrangência desses acordos costuma limitar-se ao 
comércio de bens. 
Em consequência, o comércio global dos países asiáticos tende a se expandir 
exponencialmente – inclusive roubando parcelas dos intercâmbios globais aos latino-
americanos – com ampla cobertura de setores e intensa integração de cadeias produtivas, 
pela via dos próprios investidores diretos e de suas decisões microeconômicas. A 
América Latina, em contrapartida, parece se contentar com modestos acordos 
preferenciais e abertura muito limitada aos investimentos e aos fluxos de livre comércio, 
que dependem sempre do dirigismo macroeconômico de seus governos. Na região, o 
único país a libertar-se dessas características introvertidas é o Chile, que possui mais de 
90% de seu comércio ao abrigo de acordos de livre comércio, tendo assegurado – por 
meio da assinatura de dezenas desses acordos com os mais importantes países do mundo 
– o acesso consolidado aos mercados de países que devem representar cerca de 80% do 
PIB mundial; o Peru, o México e a Colômbia pretendem seguir os seus passos, mediante 
negociações trans-Pacíficas. Em contrapartida, Brasil e Argentina são os países da região 
que menos comércio exibem ao abrigo de acordos preferenciais, com a possível exceção 
dos EUA (mas neste caso em virtude de seu imenso mercado interno, o que diminui seu 
coeficiente de abertura externa). 
Estas evidências – absolutamente claras quanto a suas manifestações concretas, 
sob a forma de crescimento do PIB e da renda per capita, numa e na outra região – 
poderiam estimular Brasil e Argentina – ou uma Venezuela “pós-socialista” – a 
empreenderem novas rodadas de liberalização comercial, tanto recíprocas, quanto no 
“bloco” da América do Sul e externamente, como ocorreu ao início dos anos 1990, 
quando da criação do Mercosul. É, no entanto, pouco provável que isto ocorra, tendo em 
vista as políticas econômicas em curso nos dois países desde o início do milênio e suas 
reações ao que vem sendo apontado como “concorrência predatória de produtos 
estrangeiros”, em face do que as respostas tem sido mais protecionismo e tendências à 
introversão. No final de 2011, se saudou a constituição da Comunidade dos Estados da 
A América Latina na Geopolítica Mundial: Perspectivas Históricas e Situação Contemporânea do Cone Sul 
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América Latina e do Caribe – Celac – cujos objetivos primordiais parecem ser mais os de 
realizar reuniões retóricas nas quais se enaltece a capacidade da região de buscar sua 
união sem “tutelas externas” e de praticar um pouco mais de introversão econômica, do 
que de abrir-se às “multinacionais do Império” e intensificar os laços econômicos de 
todos os tipos, em especial os de comércio e investimentos, como se faz na Ásia. 
Ainda que os países do Mercosul pretendessem fechar-se aos desafios da 
competição chinesa – que vem conquistando posições cada vez mais preocupantes em 
toda a região – seria normal esperar que, valorizando como o fazem os “benefícios” do 
Mercosul, eles decidissem reforçar os laços de abertura recíproca e de liberalização 
comercial, ou seja: decidissem simplesmente atender aos requisitos mínimos do artigo 1
o
. 
do TA, ainda carente de implementação em seus pontos essenciais. Independentemente 
de algum novo cronograma que Brasil e Argentina decidissem fixar – a primeira fase de 
transição era, obviamente, muito curta, de apenas quatro anos –, seria preciso um 
engajamento credível com os objetivos por eles mesmos fixados no instrumento original. 
Não parece provável, contudo, que isto ocorra no horizonte visível, tendo em vista as 
tendências crescentemente “separatistas” em vigor entre os dois mais importantes sócios 
do bloco. 
Em última instância, o que está em jogo, em cada um dos países, são os instintos 
soberanistas de cada um dos parceiros, sentimentos bastante exacerbados nos dois 
grandes sócios do empreendimento integracionista. O retraimento na defesa dos 
mercados nacionais e a proteção dos produtores locais ainda são iniciativas mais fortes, e 
de forte apelo político, do que as dolorosas decisões pela abertura e pelo 
desmantelamento de barreiras, ainda que apenas e tão somente no bloco, exclusivamente. 
Compreende-se que a ausência de reformas dificulte a abertura, o que por sua vez reforça 
a tendência à inércia: reformar a estrutura fiscal, renunciar a tributos, eliminar controles 
que servem aos instintos burocráticos das corporações estatais, modificar os direitos 
sindicais que produzem reservas de mercado (e, de fato, desempregos setoriais), alterar a 
paridade do câmbio ou deixá-lo flutuar sem controles, todas essas medidas são 
extremamente difíceis de serem tomadas. A probabilidade de que Brasil e Argentina 
consigam se entender sobre uma plataforma comum de reformas internas e sobre uma 
agenda partilhada de retomada do processo de integração passou a depender, na presente 
Paulo Roberto de Almeida 
 
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conjuntura, muito mais da Argentina do que do Brasil, enredado numa vasta crise 
econômica e política cujo desenlace é totalmente imprevisível. 
Na verdade, os dois países – e outros países na região – não deixam de fazer 
ajustes, cada vez que circunstâncias inesperadas alteram as condições do jogo econômico 
num ou noutro país. Mas essas medidas são adotadas de formaad hoc, sem obedecer a 
uma visão compartilhada de quais medidas são favoráveis, ou não, ao processo de 
integração, o que afasta ainda mais a perspectiva de uma coordenação de políticas entre 
os dois grandes parceiros do Mercosul. Uma simples listagem de todas as medidas de 
política fiscal, tributária, cambial, comercial ou industrial adotadas em cada um dos 
países permitiria que se chegasse à constatação que sua orientação se deu, não num 
sentido integracionista, mas objetivamente com propósitos restritivos ou protecionistas: 
de fato, o grau de proteção efetiva aumentou, não diminui, desde 1995, e não apenas para 
terceiros países, mas internamente ao Mercosul igualmente. 
Uma análise realista do “estado da arte” no Mercosul poderia, por exemplo, 
chegar à conclusão de que o projetado mercado comum, ou sequer a união aduaneira 
proclamada são factíveis, de fato, cabendo, então, dar lugar a uma discussão sobre os 
meios e os procedimentos aplicáveis a um processo ordenado de construção de uma 
simples zona de livre comércio, formato que é, de longe, um dos mais comuns – junto 
com os simples esquemas de preferências tarifárias – dos experimentos de integração 
conhecidos no sistema multilateral de comércio. Seria um reconhecimento de que a 
arquitetura concebida no momento da redemocratização dos países do Cone Sul foi 
ambiciosa demais para as capacidades organizacionais dos parceiros nesse tipo de 
empreendimento, cabendo, assim, reconhecer as virtudes mais modestas dos esforços de 
cooperação focados em metas realistas de liberalização comercial de escopo mais 
limitado ou de alcance não tão profundo. 
Se o Mercosul quiser ser bem sucedido ele tem de voltar ao básico, e cumprir o 
acordado no artigo 1
o
. do TA, ou então começar por assumir a responsabilidade de 
efetuar uma reforma profunda de seus instrumentos constitutivos. A reprodução mimética 
de um esquema do tipo europeu sempre foi uma quimera do ponto de vista prático, e não 
existem soluções institucionais indolores que consigam fazer do Mercosul um edifício 
integracionista para o qual lhe carecem fundações apropriadas. 
A América Latina na Geopolítica Mundial: Perspectivas Históricas e Situação Contemporânea do Cone Sul 
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Um bom começo de um processo de reformas seria um diagnóstico realista dos 
impedimentos sistêmicos ou contingentes ao acabamento da união aduaneira, a partir do 
qual se poderia prescrever uma arquitetura institucional com a qual as autoridades 
políticas dos atuais parceiros poderiam concordar em dar o seu apoio. Nenhuma solução 
“cooperativa” em torno de um processo de integração elude, porém, a necessidade de 
reformas internas em cada um dos países participantes. E um compromisso 
inquebrantável com o respeito à legalidade democrática e aos bons princípios do Estado 
de Direito seria uma condição essencial para o sucesso de todo e qualquer esquema 
integracionista que se empreenda na região. 
 
 
4. CONCLUSÕES: O CONE SUL EM DESCOMPASSO COM TENDÊNCIAS 
CONTEMPORÂNEAS? 
Nas décadas anteriores à crise das dívidas externas dos países latino-americanos, a 
região conseguiu acompanhar o ritmo do crescimento mundial e consolidar, com algum 
sucesso, processos nacionais de industrialização baseados em prescrições cepaliana de 
substituição de importações (ou seja, com muito intervencionismo estatal, proteção 
comercial explícita e impulsos frustrados de integração regional). A partir de 1982, tem 
início uma diversificação crescente dos itinerários nacionais de desenvolvimento: alguns 
países (México, Chile) implementam reformas macroeconômicas e setoriais marcadas por 
uma clara opção aberturista e globalizante, ao passo que os países do Cone Sul iniciam 
um processo mais profundo de integração, no Mercosul, mas não conseguem cumprir, de 
fato, com os requisitos relativamente ambiciosos do novo bloco comercial. Antes da 
metade de sua vida de um quarto de século, a integração perde suas características 
econômicas iniciais e se torna, sob administrações neopopulistas na Argentina e no 
Brasil, um mero foro de retórica política, sem qualquer efeito prático em termos de 
crescimento do comércio intrarregional ou inserção conjunta na economia mundial. 
Simultaneamente a essa politização distorcida do Mercosul, quatro países mais 
abertos à globalização com base em políticas liberais – o México, o Chile, o Peru e a 
Colômbia – formam a Aliança do Pacífico, não tanto para intensificar a integração e o 
comércio entre si, e bem mais para participar da construção de um grande espaço de 
trocas e de integração produtiva na bacia do Pacífico. Paralelamente, os Estados Unidos 
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davam impulso a uma grande área de livre comércio na região, o acordo comercial 
conhecido como Parceria Transpacífico, e empreendiam, com a União Europeia, as 
negociações para um acordo similar no Atlântico Norte. Tais projetos, se plenamente 
confirmados e ratificados por todas as partes negociadoras, podem conformar um mundo 
formado por blocos comerciais superpostos, à margem das regras da Organização 
Mundial de Comércio, ao qual podem ficar singularmente ausentes os países do 
Mercosul. Tais perspectivas podem deixar o Cone Sul fora das regiões mais dinâmicas da 
economia mundial, o que representaria estagnação continuada no horizonte previsível.

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