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Organizações Sociais e Reforma do Estado no Brasil

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XIV Concurso de Ensayos del CLAD “Administración Pública y Ciudadanía”. Caracas, 2000 
 
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ORGANIZAÇÕES SOCIAIS E REFORMA DO ESTADO NO BRASIL: 
RISCOS E DESAFIOS NESTA FORMA DE INSTITUCIONALIZAR 
A PARCERIA ESTADO-SOCIEDADE ORGANIZADA 
 
Elida Graziane Pinto 
_____________________________ 
Segundo Premio Compartido 
 
 
“A Reforma do Estado que se pretende é tão profunda que equivale 
 à sua reinstituição pela sociedade.” 
Renata Vilhena (1998) 
 
1. Introdução 
Quando se questiona hoje o papel do Estado em termos de prestação de serviços como saúde 
e educação, bem como em relação à participação (cada vez mais incisiva, eficiente e preocupada 
com os interesses coletivos) das várias entidades da sociedade civil de caráter público-não estatal, 
depara-se com a problemática de como aproveitar todo o potencial dessa esfera social (conhecida 
como terceiro setor). 
Essa "problemática" de como chamar a sociedade organizada a participar se encontra 
paradoxalmente no risco de a parceria Estado-sociedade organizada ser um mero instrumento de 
legitimação da saída pura e simples do Estado de setores em que sua atuação, no mínimo, 
subsidiária é imprescindível. 
No caso brasileiro, tal risco se reflete na possibilidade de subjugar, em discursos propensos à 
relativização do conceito de cidadania, uma grande camada da população (incapaz de ser "cliente" 
da empresa eficiente na qual o Estado pretende se transformar) à exclusão daqueles direitos 
supramencionados. 
A Lei n.º 9637/98 fala em "publicizar", com o advento das "organizações sociais", saúde, 
educação, cultura, produção científica e tecnológica, e preservação do meio ambiente. 
Consequência disso é que, a título de resolver tal problemática, numa Reforma minimalista do 
Estado, tem-se um instituto jurídico altamente "maleável" às conveniências de uma "privatização 
dissimulada". 
A análise de como as organizações sociais poderiam representar ou não um ganho efetivo 
para sociedade brasileira encontra, para além da novidade do instituto jurídico, respaldo na forma 
como o seu processo de implementação será feito em termos de reforma e não desconstrução da 
estrutura de prestação de tais serviços sociais. 
 
1.1. Reforma do Estado brasileiro: pressupostos, questionamentos e mudanças gerais a partir 
da proposta de criação de "organizações sociais" 
Dentro do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) aprovado em 1995 
pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e à luz do Programa Nacional de Publicização (PNP), 
a partir de então delineado, toma relevo a figura das Organizações Sociais (O.S.) como um 
instrumental efetivo de mudança na atuação do Estado junto à esfera de atividades de caráter 
público, mas não exclusivamente estatais. 
A conformação do instituto das organizações sociais representa uma interface significativa 
do processo brasileiro de Reforma do Estado. Diante de questionamentos variados sobre o papel do 
Estado e sua reformulação, emerge a noção socialmente construída do público não exclusivamente 
estatal. 
Tal noção encontra respaldo, em grande medida, nas várias discussões teórico-políticas 
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estabelecidas, em face do processo de crise1 do Estado de Bem-Estar Social e mesmo da 
mundialização dos mercados2, sobre as perspectivas de consolidação do que a Constituição Federal 
de 1988 propõe como o Estado Democrático de Direito brasileiro. É justamente na esfera do 
público não estatal que se insere a análise necessária do programa de publicização e 
fundamentalmente das organizações sociais. 
Sob o foco de visão do Estado, as organizações sociais conformariam um modelo de parceria 
desse com as instituições privadas de fins públicos. Já segundo a perspectiva da sociedade, as 
organizações sociais seriam uma possibilidade de participação popular na gestão administrativa 
(Modesto, 1997:31). 
Em termos analítico-introdutórios, tem-se que o instituto das Organizações Sociais visa à 
promoção do processo de "publicização" dos serviços sociais, que, por sua vez, representa a 
transferência para o setor público não-estatal (também reconhecido como 3º setor) dos serviços não 
exclusivos do Estado, quais sejam, os arrolados pela Lei 9.637 de 15 de maio de 1998 (que dispõe 
sobre a qualificação de entidades como O.S., sobre a criação do Programa Nacional de 
Publicização, entre outros), a saber, ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, 
proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde. 
Instituto ainda bastante controverso tanto no mundo do Direito, quanto no seio da própria 
sociedade, as organizações sociais ensejam vários e relevantes níveis de análise e questionamento, 
como, por exemplo, em que medida tal instituto representa um novo e melhor elaborado modelo de 
"parceria" entre o Estado e a sociedade? 
Em que medida, continuando a questionar, as O.S. representam, segundo a proposta do 
PDRAE, um mecanismo de incentivo à implementação da Administração Gerencial no âmbito da 
Administração Pública, dada a vigência imperativa atual (conformada constitucionalmente) do 
princípio da eficiência? 
Faz-se necessário esclarecer aqui que a Administração Gerencial trata-se de um "paradigma" 
de gestão que visa a superar (algo bastante questionável) o modelo burocrático segundo os moldes 
da administração do setor privado, através da mudança nos mecanismos de controle (dos processos 
aos resultados) e da focalização estrita nos índices de eficiência e desempenho, entre outros. 
Neste sentido, a Emenda Constitucional n. 19, de 04.06.98 eleva à condição de princípio 
constitucional a eficiência, que passa a fazer parte do caput do art. 37 como um dos princípios que 
regem a Administração Pública brasileira. Isto ocorre fundamentalmente na medida que tal Emenda 
conforma as diretrizes governamentais de implementação do modelo gerencial na Administração 
Pública, assim como perfaz a "Reforma Administrativa" propriamente dita da Constituição de 88. 
Há que se problematizar ainda a noção de ser o aparato estatal burocrático, "por definição", 
ineficiente como o pressupõe (implícita e genericamente) o Plano Diretor. É bastante sintomático, 
neste sentido, praticamente inexistir, no discurso governamental, sequer a cogitação de se buscar 
um aprimoramento do aparato estatal na prestação de serviços sociais da forma como é feita hoje. 
Tal ausência denota a unicidade político-ideológica (no sentido da via de minimização do 
Estado) da proposta de substituição completa ("transferência") da prestação pelo Estado para a 
prestação pela iniciativa de entidades privadas sem fins lucrativos. 
Cabe, portanto, perguntar pelo fundamento da crença de ser a ineficiência característica sine 
 
1 Bastante interessante, neste sentido, a análise de Marcel Bursztyn em seu texto “Introdução à Crítica da Razão 
Desestatizante” (1998), no qual há a consideração de que a crise do Welfare State deve ser tratada em âmbito geral, já que 
no Brasil só se pode afirmar uma precária existência dos seus fundamentos e práticas. Mais adiante tal análise será vista 
de forma mais aprofundada. 
2 A respeito dos questionamentos sobre a reformulação do Estado de Bem-Estar Social em face das novas perspectivas 
mundiais, vide o texto de Gosta Esping-Andersen “O Futuro do Welfare State na Nova Ordem Mundial” (1995), no qual 
está traçada a discussão acerca de como as mais diversas modalidades de W.S. (nas diferentes regiões do mundo) estão 
lidando com a mudança das suas bases de sustentação e com a emergência de um novo contexto de problemas (como, por 
exemplo, a questão do crescimento massivo do desemprego), que estão colocando em xeque a legitimidade de todo o 
modelo. 
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qua non de toda e qualquer organização estatal, comparativamente à esfera privada, quando se fala 
de prestação de serviços sociais e produção para o mercado. E realmente é possível remodelar, 
tendo em vista a eficiência, as organizações estatais prescindindo dos mecanismos burocráticos? 
Ora, eis aqui o que Bursztyn (1998:156) chama de "substituição do 'fetichismo do planejamento' 
pelo 'fetichismo do mercado'"... 
A reforma do Estado, segundo a concepção neoliberal implícita no PDRAE, pode ser 
relativizada de acordo com a abordagem de Przeworski, segundo a qual, "a complacência 
neoclássica no que diz respeito aos mercados é indefensável: os mercados simplesmente não 
alocam eficientemente." Já que "mesmo quando os governos só dispõem da mesma informação de 
que dispõe a economia privada, certas intervenções do governo levariam, sem sombra de dúvida, a 
um aumento do bem-estar. Portanto, o Estado tem um papel positivo a desempenhar". (1998:44, 
grifos nossos) 
Assim, mais do que isso e sem, a priori, prescindir da atuação estatal direta no âmbito das 
atividades não-exclusivas, tem-se que: "A reforma do Estado deve ser concebida em termos de 
mecanismos institucionais pelos quais os governos possam controlar o comportamento dos agentes 
econômicos privados, e os cidadãos possam controlar os governos. A questão quanto a se um 
Estado neoliberal é ou não é superior a um Estado intervencionista não pode ser resolvida em 
termos gerais, uma vez que a qualidade da intervenção estatal depende de um desenho institucional 
específico. Porém, o Estado neoliberal é, pelo menos, um parâmetro pelo qual se pode aferir a 
qualidade da intervenção estatal: como as alocações do mercado não são eficientes, desaparelhar o 
Estado não é um objetivo racional de reforma do Estado". (Przeworski, 1998: 68, grifos nossos) 
Há ainda que se analisar, por outro lado, como a dispensa de licitação na qualificação das 
organizações sociais, a excessiva arbitrariedade conferida ao Governo nesse processo de 
qualificação, a cessão de servidores públicos para tais entidades sob o ônus do Estado, o repasse de 
verbas e aparato material do âmbito estatal para as O.S., a transferência de serviços como saúde e 
educação ("deveres do Estado") e mesmo o vínculo criado pelo contrato de gestão entre entidade 
qualificada e governo3, entre outras questões, poderão ser assimiladas ou não no ordenamento 
jurídico vigente dados os parâmetros da Constituição Federal de 1988. 
Questionando por adaptação ao ordenamento, diante do confronto entre a conformação 
prevista na Lei n.º 9.637/98 das organizações sociais e a Constituição brasileira, Mello (1999: 160) 
considera que: "(...) as qualificações como organizações sociais que hajam sido ou que venham a 
ser feitas nas condições da Lei 9.637, de 15.5.98, são inválidas, pela flagrante inconstitucionalidade 
de que padece tal diploma. Assim, expõem-se abertamente a serem fulminadas em ações populares 
(Lei 4.717, de 29.6.65) e a que os responsáveis por tais atos de benemerência com os recursos 
públicos, tanto quanto os beneficiários deles, respondam patrimonialmente pelo indevido uso de 
bens e receitas públicas (art.11 da citada Lei)". (Grifos nossos) 
Além dos questionamentos mais específicos, dentro de uma abordagem analítica mais ampla, 
há a problemática de serem as organizações sociais (com a perspectiva de mudanças de fundo na 
forma atual de prestação desses serviços públicos não-estatais) um âmbito de relação Estado-
sociedade muito incipiente ainda na realidade brasileira. 
É justamente porque se está chamando a sociedade organizada a comprometer-se ativamente 
com o público não-estatal que se tem a necessidade de tornar o mais claro e fundamentado possível 
tal figura jurídico-institucional para que se evitem distorções e enganos prejudiciais à sua 
implementação, ainda mais se se considerar, por exemplo, que cabe à sociedade (um dos pontos 
cruciais da Lei n.º 9.637/98) parcela significativa na representação do Conselho de Administração 
das organizações sociais, que é o seu órgão máximo de deliberação institucional. 
O risco de um desvirtuamento do instituto das organizações sociais está previsto até mesmo 
no PDRAE (1995:74): ou se respeitam as condições descritas em lei, como, por exemplo, a forma 
 
3 Todos estes temas e problemáticas serão tratados mais detidamente em tópicos posteriores específicos. 
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de composição de seus conselhos de administração ou se fica à mercê da possibilidade de 
"privatização ou feudalização dessas entidades". 
As discussões a respeito da transferência dos serviços sociais do Estado para a sociedade 
civil denotam fundamentalmente, além da preocupação com um desvirtuamento institucional das 
O.S., a insegurança quanto à possibilidade de serem elas (as organizações sociais), desde sua 
concepção, uma espécie de "privatização dissimulada". Na realidade brasileira, tanto a 
preocupação, quanto a insegurança, são amplamente justificáveis em se tratando de "engenharia 
política"4 de manutenção das desigualdades sociais e de manutenção do conformismo perante o 
Estado, haja vista a peculiaridade política brasileira que foi o populismo... 
A possibilidade de que as O.S. sejam somente mais um instrumento de "engenharia política" 
bastante criativo e "maquiavélico" (no sentido vulgar e pejorativo da expressão) de privatizar a 
prestação dos serviços sociais é percebida por Freitas (1998:103), de modo a deixar em aberto que: 
"Por tudo, se se configurar o desvirtuamento, o modelo federal poderá ter produzido um modo 
afrontoso de contornar exigências oriundas dos próprios princípios norteadores dos contratos de 
gestão, bem como terá ofendido regras nucleares de preservação do patrimônio público". (Grifos 
nossos) 
Ora, grande parte da população brasileira, de certo modo, nunca teve uma efetivação 
abrangente dos direitos sociais como educação e saúde (apesar de estarem conformados na 
Constituição de 88 como "deveres do Estado"5) e os rumos que o Plano Diretor denota vão no 
sentido de restringir o próprio conceito de cidadania (haja vista a noção, pautada sob marcos 
neoliberais, de cidadão-cliente), bem como no sentido de minimizar as bases de proteção social 
garantidas direta e universalmente pelo Estado. 
Tal insegurança encontra respaldo, segundo Bursztyn (1998), no fato de nunca ter havido no 
Brasil uma abrangência universal do Estado de Bem-Estar, vez que uma ampla camada da 
população sempre esteve marginalizada em relação a qualquer amparo público. O grau de 
expectativa e de legitimidade em relação ao Estado, para o autor em questão, é muito reduzido na 
sociedade brasileira. 
Consequência disso é que a crise do Estado aqui não se reveste de "caráter de desencanto" (o 
que acontece com os países de Welfare State). A crise no Brasil seria, neste sentido para Bursztyn, 
um: "(...) misto de falta de políticas de bem-estar universalizadas, paralelamente a uma perda de 
efetividade dos poucos instrumentos de políticas sociais, junto às reduzidas parcelas da população 
que a elas tinham acesso. Ao invés de saturação, do envelhecimento do W.S., o Brasil vive uma 
atrofia precoce do seu desenvolvimento." (1998:153, grifos nossos) 
Se o Brasil vive uma "atrofia precoce" do desenvolvimento da teia de proteção social, a qual, 
no modelo do W.S., fora constituída visando a condições mais equânimes (não necessariamente 
mais igualitárias) de vida, ainda mais sintomático que tal atrofia no referente à garantia de direitos 
sociais é a própria involução ideológica da noção de cidadania, que, na realidade brasileira, vai se 
delineando fora do fundamento democrático da universalização dessa condição. 
De crucial significado nocerne da linha de ação conformada pelo Plano Diretor e em 
conflito com uma perspectiva mais democrática de reestruturação estatal, bastante polêmico é o 
conceito de cidadão-cliente. O embate entre esfera de maximização dos interesses econômicos e um 
 
4 Para uma análise política mais aprofundada acerca da crise institucional brasileira e latino-americana, em termos do 
papel desempenhado pelo Estado num contexto de “desarticulação social” (Martins), vide o texto de Wanderley 
Guilherme dos Santos Gênese e Apocalipse: Elementos para uma Teoria da Crise Institucional Latino-Americana e o 
livro de Luciano Martins Estado Capitalista e Burocracia no Brasil pós-64 (consultar referências constantes da 
bibliografia). 
5 Mello chama atenção para “o fato de que no art. 196 a Constituição prescreve que a saúde é “dever do Estado” e nos 
arts. 205, 206 e 208 configura a educação e o ensino como deveres do Estado, circunstâncias que o impedem de se 
despedir dos correspondentes encargos de prestação pelo processo de transpassá-los a organizações sociais”. (1999:159, 
grifo nosso) 
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nível mínimo de respeito à cidadania estabelecida nos moldes do regime democrático da Carta de 
88, em Bursztyn, está dimensionado de modo a visualizar que: "A busca de maiores resultados 
econômicos, no curto prazo, acabou levando a uma formidável negligência com o caráter público 
da prestação de certos serviços públicos. (...) Paralelamente ao surgimento do conceito "cliente" 
como o objeto da busca de satisfação, ocorre também uma perversa redução no universo desses 
beneficiários: a exclusão de uma parte dos usuários - aqueles que não constituíam um mercado, no 
sentido econômico do termo - da categoria de clientes". (1998:156/157, grifos nossos) 
Por fim, de todas essas questões ao longo de uma introdução mais crítica que esclarecedora, 
resta sobrepujar a essência mesma de tais questionamentos diante de uma análise mais abrangente 
nos próximos tópicos, que não pretende esgotar respostas, mas remeter à pergunta inicial: Onde e 
como as organizações sociais são lançadas no processo brasileiro de reforma do Estado? 
O maior desafio e único compromisso aqui proposto é o de pôr em voga perplexidades 
acerca dos riscos e benefícios do instituto das O.S., o que nos remete a uma intensa e devida 
problematização para o melhor entendimento das organizações sociais em face do desafio à 
democracia brasileira de reformar o Estado. 
 
1.2. Plano diretor da reforma do aparelho do Estado e organizações sociais 
Introduzindo uma nova forma de trabalhar os questionamentos a respeito do papel e do 
tamanho do Estado, sob o diagnóstico de sua crise, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do 
Estado (PDRAE) lança as bases do projeto governamental brasileiro de reestruturação do aparato 
estatal, não só enquanto "resposta à crise generalizada do Estado", mas também enquanto "forma 
de defendê-lo como 'res publica'", o que determina, segundo o próprio PDRAE, o caráter 
"imperativo" da reforma nos anos 90. (PDRAE, 1995:19) 
A mudança na forma de tratamento da crise, da forma como é justificada no Plano Diretor, 
pressupõe a insuficiência ou inadaptação das posturas político-ideológicas anteriores, que, em 
grande medida, abriram espaço, segundo o plano, para agravá-la ainda mais. 
Fato é que o PDRAE foi lançado em 1995 tentando representar uma lógica diversa da 
"indiferença" pós-transição democrática quanto à existência e à dimensão da crise, bem como se 
propôs a refutar a via neoliberal (ideologia do Estado Mínimo) colocada em voga no cerne das 
discussões políticas brasileiras a partir do início da década de 90. 
Ora, o discurso governamental, à época do lançamento do plano, era pensar a crise sob o 
foco do desafio de sua superação, donde a noção de que havia que se "reformar", "reconstruir" o 
Estado, "de forma a resgatar sua autonomia financeira e sua capacidade de implementar políticas 
públicas". (1995:15) 
Relevante considerar o posicionamento governamental quanto a tal reforma: o Plano Diretor 
representa uma via de ação para o aparelho do Estado; distinguindo, nos níveis de dimensão e 
responsáveis, entre reforma do Estado e reforma do aparelho do Estado. 
O desafio da crise diante da necessidade de reformar o Estado é tarefa, segundo o PDRAE, 
para o conjunto de toda a sociedade, tratando-se de um "projeto amplo", "enquanto que a reforma 
do aparelho do Estado tem um escopo mais restrito: está orientada para tornar a administração 
pública mais eficiente e mais voltada para a cidadania". (1995:17) 
Focando sobre a perspectiva mais ampla da reforma do Estado, o PDRAE determina que tal 
reforma deve ser entendida e conformada a partir do contexto da "redefinição" do seu papel. 
Redefinir o papel do Estado seria, segundo a lógica governamental, fazer com que ele abandonasse 
a responsabilidade direta pelo "desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e 
serviços para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento". Em termos 
mais claros, para o PDRAE, "reformar o Estado significa transferir para o setor privado as 
atividades que podem ser controladas pelo mercado". (1995:17) 
Neste sentido, cabe questionar o limite e as bases que regulamentam tais transferências, 
sabendo que todo o processo de reforma delineado no plano está pautado e intimamente marcado 
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pela busca por eficiência, busca que vai ao encontro das duas dimensões da reforma: a política e a 
administrativa. 
Em termos de reforma política, a transferência da atuação estatal para o setor privado vai 
corresponder à necessidade de gerar maior capacidade de governo ("governança"), a partir da 
limitação dos custos e do dimensionamento a áreas "exclusivamente" estatais, bem como pretende 
corresponder a um aumento da legitimidade para governar ("governabilidade") à medida que há a 
valorização da participação social em várias instâncias do processo de reforma e há também o 
objetivo de melhorar a qualidade dos serviços "tendo o cidadão como beneficiário". (1995:21) 
Já em se tratando de reforma administrativa (estrito senso), o principal marco de renovação 
seria a proposta de implementar um novo "paradigma"6 de organização administrativa, a saber, a 
Administração Pública gerencial, que vem introduzir a perspectiva do desenvolvimento de uma 
cultura gerencial nas organizações estatais. 
Ora, analisando os impactos e mesmo o grau de novidade/ ruptura com o modelo de gestão 
burocrático até então e ainda hoje adotado pela Administração Pública, o "modelo" gerencial 
visualizado pelo PDRAE como alternativa reformadora possui, em grande medida, apenas dois 
pilares "revolucionários": "em suma, afirma-se que a administração pública deve ser permeável à 
maior participação dos agentes privados e/ou das organizações da sociedade civil e deslocar a 
ênfase dos procedimentos (meios) para os resultados (fins)". (1995:22, grifos nossos) 
Diante da análise, por outro lado, sobre a necessidade do plano de romper com a 
Administração Pública burocrática, descobre-se que tal tentativa de superação não é recente. O 
embate com o modelo de gestão burocrático, no nível de "reforma" do Estado brasileiro, tem sua 
origem, segundo o próprio PDRAE, no Decreto-Lei 200, de 25.2.1967 que já determinava 
princípios de racionalidade administrativa, os quais seriam, em outras palavras, a eficiência mesma, 
que hoje toma ares de jargão técnico-gerencial inusitado. Igualmente criado para tentar promover a 
eficiência no setor público, há que se falar de outro precedente que foi o Programa Nacional de 
Desburocratização, lançado no início dos anos 80 também com vistas àreformulação da estrutura 
estatal burocrática. 
O PDRAE fez questão de colocar em evidência tal embasamento histórico justamente para 
conformar a noção de processo de reforma, que, em grande medida, fora interrompido, segundo ele, 
pela Constituição Federal de 88. 
Diante do "retrocesso burocrático de 1988", que resultou em "encarecimento significativo do 
custeio da máquina administrativa, tanto no que se refere a gastos com pessoal, como bens e 
serviços e um enorme aumento da ineficiência dos serviços públicos" (1995:29), o PDRAE tenta 
significar uma retomada da lógica de mudança anterior, a partir da definição dos principais 
problemas, da forma de tratamento de cada qual e da divisão (segmentação) do Estado em setores 
que possam trabalhar em específico com os questionamentos e soluções que lhes forem cabíveis em 
se tratando de reforma estatal. 
Para enfrentar as dimensões (de problemas) institucional-legal ("obstáculos de ordem legal"), 
cultural (coexistência de valores patrimonialistas e burocráticos com os novos valores gerenciais) e 
gerencial (nível de práticas administrativas), o Plano Diretor estabelece a setorização do Estado de 
modo a redimensionar o próprio Estado, sua crise e as formas de resolução dessa crise. 
O Estado passa, então, a ser entendido, segundo o plano, como uma espécie de amálgama das 
seguintes esferas de atuação: o primeiro setor que seria o núcleo estratégico; o segundo que 
representaria o setor de atividades exclusivas do Estado; o terceiro (justamente o núcleo deste 
 
6 O emprego de tal expressão deve ser relativizado: há uma certa distância entre paradigma e modelo de gestão que não foi 
considerada pelo PDRAE. A administração gerencial não ultrapassa os três tipos ideais de dominação proposto por Max 
Weber, se assim fosse haveria, além da dominação carismática, tradicional e racional-legal, uma quarta forma de conceber 
as relações de poder legitimamente aceitas pelos dominados. A Administração Pública gerencial é apenas uma amálgama 
de “receitas gerenciais” que flexibilizam e reinterpretam a racionalidade meios-fins presente nos moldes burocráticos, 
aplicada às organizações estatais. 
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trabalho), por sua vez, seria o setor de atuação simultânea do Estado e da sociedade civil, setor este 
que engloba as entidades de utilidade pública, as associações civis sem fins lucrativos, as 
organizações não-governamentais e as entidades da Administração Indireta que estão envolvidas 
com as esferas em que o Estado não atua privativamente, mas que têm um caráter essencialmente 
público e, finalmente, o quarto e último setor seria o menos característico em termos de intervenção 
"exclusiva e/ou necessária" do Estado, já que trata da produção de bens para o mercado. A reforma 
direcionada no PDRAE perpassa o entendimento que se tem sobre justamente o quão necessária e 
mesmo eficiente é a atuação estatal em cada um desses setores. 
Enquanto, por um lado, o núcleo estratégico, que representa o governo em si (âmbito de 
tomada de decisões), pode prescindir relativamente da eficiência em face da efetividade. Já que, 
segundo o PDRAE, as decisões políticas, mais que eficientes, devem ser eficazes, ou seja, devem 
ser certas em sua legitimidade junto à população; devendo tal setor conciliar o modelo burocrático 
de gestão (que é um conformador de eficácia por excelência) com o gerencial. 
Por outro lado, "já no campo das atividades exclusivas do Estado, dos serviços não 
exclusivos e da produção de bens e serviços o critério eficiência torna-se fundamental. O que 
importa é atender milhões de cidadãos com boa qualidade a um custo baixo". (1995:53, grifos 
nossos) Cabe, desta forma, aos três setores em questão, seguir os rumos da Administração Pública 
gerencial, o que se justifica, segundo o PDRAE, a partir do fato de não ser característica basilar 
deles a prevalência estrita da dimensão política (enquanto âmbito de demandas e decisões 
políticas), mas de implementação prática do politicamente já delineado. 
Dimensionada sob tal espectro para esses três setores, segundo o Plano Diretor, a eficiência é 
não só pertinente, mas imprescindível, isto porque o setor de atividades exclusivas representa o 
nível de execução das decisões tomadas pelo núcleo estratégico no tocante a serviços ou agências 
em que se exerce o poder extroverso do Estado, bem como porque os serviços não-exclusivos são o 
âmbito de atuação simultânea do Estado e de instituições públicas não-estatais e privadas na 
prestação de serviços sociais, e mesmo porque a própria natureza do quarto setor é de produção 
para o mercado. 
Atendendo à premência de se gerar cada vez mais eficiência na abordagem introduzida pelo 
PDRAE sobre a organização estatal brasileira, foram constituídos, nestes dois últimos setores 
(atividades não exclusivas e produção para o mercado), movimentos específicos de transferência da 
responsabilidade direta do Estado pela prestação de serviços e pela produção de bens para a 
iniciativa privada, seja através de entes da sociedade organizada sem fins lucrativos no terceiro 
setor (a saber, o próprio processo de publicização) ou seja através da privatização de empresas 
estatais que passam para o domínio de entes do mercado. 
Aprofundando a análise sob uma perspectiva global, quando foi considerado, no PDRAE, 
que a reforma do Estado é tarefa para o conjunto da sociedade, tendo em vista que o papel do 
Estado, a partir da reforma, seria tão somente o de promover e regular o desenvolvimento 
econômico e social, a lógica governamental abria a discussão, junto à sociedade, de que os atores 
no processo de reforma não se restringem aos setores exclusivos do Estado, ou seja, a 
responsabilidade deve passar a ser compartilhada (e note-se que compartilhar é diferente de 
compartimentalizar) com a sociedade e com o mercado. 
Na mesma medida em que o Estado restringe sua atuação direta ao seu aparelho (núcleo 
estratégico + atividades exclusivas), cada vez mais a sociedade civil é chamada a fazer "parcerias" 
com o Estado, tomando para si os outros dois setores e tendo como apoio estatal o nível de 
promoção, regulação e fiscalização desses. 
Eis que neste ponto reside o maior risco à luz da realidade brasileira: o risco de a reforma do 
Estado não significar uma reestruturação positiva de todos os setores, mas acabar se transformando 
em uma precarização das relações Estado-socidade7, o que pode ocasionar a aproximação da 
 
7 Neste sentido são bastante questionáveis, por exemplo, conceitos como “cidadão-cliente” e contrato de gestão, no qual 
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proposta trazida pelo PDRAE com os marcos de um Estado mínimo excludente diante de um 
mercado avassalador, afrontando diretamente boa parte dos mais importantes princípios 
constitucionais da Carta de 88. 
É, pois, no envolvimento da sociedade civil que se encontra justamente uma das propostas 
mais audaciosas quanto à reestruturação do Estado, a partir da qual, neste trabalho, alguns dos mais 
importantes riscos e implicações do processo de reforma apontado pelo PDRAE serão trabalhados. 
A publicização e a criação de organizações sociais, cernes de toda a discussão doravante, 
representam o direcionamento prático da saída da intervenção direta estatal do setor de serviços 
não exclusivos, também chamado de terceiro setor, de maneira a transferir para a sociedade 
organizada (a saber, organizações públicas não-estatais e privadas sem fins lucrativos) a prestação 
de serviços como saúde e educação por exemplo. 
Criação do PDRAE e intrinsecamente ligadas aos princípios da reforma ali estabelecidos, as 
OrganizaçõesSociais são, ao mesmo tempo, conseqüência e desafio da proposta de reformar o 
Estado brasileiro: foco específico do qual o todo depende e a partir do que poder-se-á questionar a 
reforma em sua dimensão ampla – tarefa que aqui não será esgotada, mas aprofundada. 
 
1.3. Programa Nacional de Publicização (PNP): "publicização" - um novo paradigma? 
Amparada nos marcos do Estado Democrático de Direito, a noção de que o público 
representa uma esfera mais ampla que o estatal perpassa toda a discussão a respeito do terceiro 
setor, bem como determina, em grande medida, alguns pontos cruciais no processo de "reforma" do 
Estado, como a conformação de uma necessária participação social mais ativa no nível de defesa 
dos interesses públicos e, a partir disso, uma menor "dependência" (?) da sociedade civil em 
relação à estrita atuação estatal na prestação dos serviços sociais. 
Pretendendo estar representada em sentido diverso ao programa de privatização 
implementado nos últimos anos e como que adotando um foco de análise mais amplo, a proposta de 
transferir o papel de prestador de serviços sociais para organizações sem fins lucrativos da 
sociedade civil, através da noção de publicização, reflete fundamentalmente a perspectiva 
paradigmática de consolidação do espaço público não-estatal e a concomitante solução alternativa 
encontrada pelo PDRAE de restringir o nível de atuação do Estado ao papel de promotor e 
regulador no que foi chamado terceiro setor através do instituto das organizações sociais. 
O que está previsto no PDRAE, em termos práticos, é a institucionalização dessa 
transferência, donde a necessidade de um Programa Nacional de Publicização (PNP). Se as 
organizações sociais (já reguladas pela Lei n.º 9.637/98) são o instituto que vinculará tal "parceria" 
entre Estado e sociedade organizada, o PNP (ainda a ser criado mediante decreto do Poder 
Executivo – vide o art. 20 da referida Lei) será o programa que viabilizará a "saída" do Estado (no 
referente à atuação direta) do setor de atividades não-exclusivas, à medida que se pretende 
ampliado o espaço da sociedade organizada. 
A abordagem realizada no PDRAE é bastante sintomática em se tratando do objetivo da 
criação de organizações sociais e mesmo da publicização. Esse objetivo seria: "(...) permitir a 
descentralização de atividades no setor de prestação de serviços não-exclusivos, nos quais não 
existe o exercício do poder de Estado, a partir do pressuposto que esses serviços serão mais 
eficientemente realizados se, mantendo o financiamento do Estado, forem realizados pelo setor 
público não-estatal." (1995:74, grifos nossos) 
Por outro lado, o texto legal determina que o PNP será criado "com o objetivo de estabelecer 
diretrizes e critérios para a qualificação8 de organizações sociais, a fim de assegurar a absorção 
de atividades desenvolvidas por entidades ou órgãos públicos da União, que atuem nas atividades 
 
Mello (1999) encontra flagrante inconstitucionalidade. 
8 A respeito da qualificação das organizações sociais verificar tópico específico trabalhado no próximo capítulo. 
XIV Concurso de Ensayos del CLAD “Administración Pública y Ciudadanía”. Caracas, 2000 
 
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referidas no artigo 1º 9, por organizações sociais, qualificadas na forma desta Lei..." (art. 20, 
caput, Lei n.º 9.637/98, grifo nosso). 
Ora, neste sentido, a "descentralização" dimensionada no PDRAE, abrangendo o conceito de 
publicização, seria a "absorção" de atividades e serviços até então realizados por autarquias e 
fundações ("entidades ou órgãos públicos da União") pelas entidades de utilidade pública 
qualificadas como O.S., o que corresponderia, portanto, a não só reduzir a atuação da 
Administração Pública Indireta, mas também a promover, simultânea e predominantemente, a 
atuação da sociedade civil organizada (o que está claro nos objetivos do Plano Diretor, inclusive 
pelo termo "absorção" da Lei em análise). 
Sob o foco jurídico estrito senso, a publicização implica que autarquias e fundações (entes da 
Administração Pública Indireta e pessoas jurídicas de direito público) a serem qualificadas como 
organizações sociais deverão ser transformadas em pessoas jurídicas de Direito privado, para serem 
assumidas ("absorvidas") por associações civis que a elas estejam vinculadas ou mesmo 
organizações não-governamentais (entidades de interesse social e utilidade pública) da mesma área 
de atuação. 
A previsão de como seria colocado em prática esse processo, segundo o PDRAE 
(1995:74/75), é que: "A transformação dos serviços não-exclusivos estatais em organizações 
sociais se dará de forma voluntária, a partir da iniciativa dos respectivos ministros, através de um 
Programa Nacional de Publicização. Terão prioridade os hospitais, as universidades e escolas 
técnicas, os centros de pesquisa, as bibliotecas e os museus. A operacionalização do Programa será 
feita por um Conselho Nacional de Publicização, de caráter interministerial." (Grifos nossos) 
Neste sentido, em face do questionamento a respeito de "se deverá sempre ocorrer a extinção 
de uma entidade pública para que surja em seu lugar uma organização social, a qual assuma o 
serviço por ela prestado", claro é que teoricamente nada impede que as O.S. atuem paralelamente a 
órgãos e entidades estatais na prestação de serviços sociais e em atividades de interesse coletivo. 
Ou seja, "apesar de as organizações sociais terem sido concebidas com o objetivo de substituírem 
entidades da Administração Indireta (...), elas não são, pois, necessariamente, sucessoras de 
entidades públicas extintas." (Santos; Pedrosa, 1998:14, grifo nosso) 
Já, em termos de implementação prática, segundo as autoras supracitadas, "(...) dificilmente, 
uma entidade será qualificada como organização social sem que haja extinção de órgão ou entidade 
pública da mesma área de atuação, devido à escassez de recursos de que dispõe a administração 
pública. Seria utópico imaginar que as organizações sociais venham a representar um mero 
acréscimo na oferta de serviços naquelas áreas de atuação específica de que nos fala a lei." 
(1998:14, grifos nossos) 
Se é utópica a perspectiva de que as organizações sociais estão sendo criadas para atuarem 
de forma complementar à atuação estatal e se só a substituição desta por aquela é o que o governo 
pretende com o PNP, tem-se que há um impasse diante da Constituição Federal de 88, o qual, nos 
termos de Mello, coloca a seguinte questão: "(...) os serviços trespassáveis a organizações sociais 
são serviços públicos insuscetíveis de serem dados em concessão ou permissão10. Logo, como sua 
prestação se constitui em "dever do Estado", conforme os artigos citados (arts. 205, 206 e 208), este 
tem que prestá-los diretamente. Não pode eximir-se de desempenhá-los, motivo pelo qual lhe é 
vedado esquivar-se deles e, pois, dos deveres constitucionais aludidos pela via transversa de 
 
9 “O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins 
lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e 
preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos os requisitos previstos nesta Lei.” (art.10 da Lei n.º 9.637/98, 
grifos nossos) 
10 “Como os serviços em questão não são privativos do Estado, não entra em pauta o tema da concessão de serviços 
públicos, que só tem lugar nas hipóteses em que a atividade não é livre aos particulares, mas exclusiva do Estado. Aliás, 
se entrasse, seria obrigatória a aplicação do art.175 da Constituição Federal, que estabelece que tanto a concessão como a 
permissão serão “sempre” precedidasde licitação.” (Mello, 1999:159) 
XIV Concurso de Ensayos del CLAD “Administración Pública y Ciudadanía”. Caracas, 2000 
 
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"adjudicá-los" a organizações sociais. Segue que estas só poderiam existir complementarmente, ou 
seja, sem que o Estado se demita de encargos que a Constituição lhe irrogou." (1999:159, grifo 
sublinhado nosso) 
O motivo de tal transferência inconstitucional (a publicização) para a sociedade organizada 
das atividades públicas não exclusivamente estatais, que são desempenhadas pelo Estado, no 
modelo de reforma brasileiro, é a perspectiva de que o Estado não consegue atender eficientemente 
às demandas da sociedade, prestando serviços sociais (espaço por excelência do público não-
estatal) desprovido de mecanismos dinâmicos de gestão e de uma ampla participação social. 
Interessante, neste âmbito, perceber o quão veemente é a crença e reiterado é o discurso do 
governo de que, por definição, a prestação de serviços e a produção de bens pelo Estado é menos 
eficiente que a realizada pela iniciativa privada. 
Segundo Chauí (1999), "A Reforma tem um pressuposto ideológico básico: o mercado é 
portador de racionalidade sócio-política e agente principal do bem-estar da República. Esse 
pressuposto leva a colocar direitos sociais (como a saúde, a educação e a cultura) no setor de 
serviços definidos pelo mercado. Dessa maneira, a Reforma encolhe o espaço público democrático 
dos direitos e amplia o espaço privado não só ali onde isso é previsível – nas atividades ligadas à 
produção econômica –, mas também onde não é admissível – no campo dos direitos sociais 
conquistados." (Grifos sublinhados nossos) 
O problema que se pode depreender desse tipo de "ideologia" política é justamente o 
dimensionamento de até que ponto a eficiência (em termos exclusivamente econômicos) 
prepondera sobre os interesses sociais (públicos por excelência), até que ponto esses interesses 
públicos são relativizados pelo embate, por exemplo, da sua contraposição com o conceito de 
publicização, o qual está conformado para uma cidadania que pressupõe vínculo de clientela 
neoliberal com o Estado. Haja vista, neste sentido, o elenco das diretrizes a serem observadas pelo 
PNP, previstas no art. 20: 
I. ênfase no atendimento do cidadão-cliente; 
II. ênfase nos resultados, qualitativos e quantitativos nos prazos pactuados; 
III. controle social das ações de forma transparente. 
Dessas três diretrizes, pode-se perceber que a primeira é uma perspectiva apenas voltada para 
uma cidadania que se pretende protetora dos que se enquadram na categoria de consumidores, 
"clientes" dos serviços sociais "publicizados" (relação praticamente de mercado) e a segunda vai ao 
encontro dos parâmetros da eficiência gerencial almejada pelo governo para as organizações 
estatais (há mais interesses econômicos em jogo que incremento da base democrática de cidadania). 
Somente a terceira importa efetivamente numa ampliação do espaço de atuação social, através da 
previsão do compromisso da sociedade com as O.S., ao controlá-las em suas ações. 
Ora, faz-se necessário questionar aqui o papel do Estado no processo de publicização diante 
do necessário caráter universal da prestação de serviços públicos, do princípio da continuidade na 
prestação deles e do princípio da subsidiariedade, a partir dos quais há que se assegurar a atuação 
estatal complementar em caso de insuficiência na prestação pelas O.S. dos serviços sociais11. 
Ainda que pese o princípio da eficiência (ênfase nos resultados) e a relação estrita de 
cidadão-cliente, a retomada da subsidiariedade é exigência primordial para a "saída" do Estado do 
nível de responsabilidade direta por essa prestação, primordial em face justamente do objetivo do 
próprio PDRAE de efetivamente reformar o Estado para fortalecê-lo e não para minimizá-lo. 
Não obstante a e muito além da necessária subsidiariedade, maior deve ser a preocupação 
social (mais que o mero controle social estrito senso) com relação às O.S. no tocante ao fato de o 
governo transferir a prestação de serviços sociais para a esfera privada (sem fins lucrativos), sem 
assegurar que seja ela universal (novamente a discussão acerca do conceito de cidadão-cliente), 
 
11 Neste sentido, vide o § 30 do art.10 da Lei n.º 9.637/98 em que há a previsão da continuidade das atividades sociais 
assegurada pelo Poder Público, em caso de desqualificação de uma O.S. por malversação de recursos de origem pública. 
XIV Concurso de Ensayos del CLAD “Administración Pública y Ciudadanía”. Caracas, 2000 
 
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donde a contraposição mesma entre a rentabilidade dos serviços públicos privatizados e princípio 
da universalização do atendimento denotada por Bursztyn (1998:157). 
Boa parte dos estudiosos de Direito Administrativo tem se preocupado seriamente com tal 
transferência, a mensurar por suas críticas ao modelo federal. Dimensionando sinteticamente os 
principais questionamentos neste sentido, Di Pietro considera que: "Embora a medida provisória [a 
atual Lei n.º 9.637/98] não diga expressamente, é evidente e resulta nela implícito que as 
organizações sociais vão absorver atividades hoje desempenhadas por órgãos ou entidades estatais, 
com as seguintes consequências: o órgão ou entidade estatal será extinto; suas instalações, 
abrangendo bens móveis e imóveis, serão cedidos à organização social; o serviço que era público 
passará a ser prestado como atividade privada. Dependendo da extensão que a medida venha a 
alcançar na prática, o Estado, paulatinamente, deixará de prestar determinados serviços públicos na 
área social, limitando-se a incentivar a iniciativa privada, por meio dessa nova forma de parceria. 
Em muitos casos, poderá esbarrar em óbices constitucionais." (1999:312, grifos nossos) 
Ora, aprofundando tais questionamentos, diante da transformação ensejada pela Lei n.º 
9.637/98 de "serviços públicos" em "atividade privada" e diante da limitação da atuação estatal ao 
nível de incentivo da iniciativa privada (processos denotados por Di Pietro que serão consolidados 
"paulatinamente"), quem são os clientes do Estado para os quais as O.S. devem prestar 
eficientemente serviços sociais e em que medida os "não-clientes" estão excluídos dessa prestação? 
Seria cidadão-cliente, segundo a lógica do PDRAE, todo aquele que usa os serviços da "empresa" 
na qual o Estado está se transformando? 
Dimensionada a partir de um pressuposto excludente de conformação da cidadania como 
clientela (dado que submetida a parâmetros neoliberais), a reforma brasileira do Estado coloca em 
xeque a própria base de legitimação social deste Estado, porque "onde (...) acima da estrutura 
textual e legitimatória do Estado ainda se faz valer uma superestrutura consistente de inclusão/ 
exclusão, o 'estado constitucional', que só se pode fundamentar e justificar como Estado universal, 
ainda não está realizado. A constituição exclui a si mesma do nexo de legitimidade democrática." 
(Müller, 1998:99/100, grifos nossos) 
Em termos de legitimidade das mudanças que têm sido feitas na Constituição de 88 para 
viabilizar tais mecanismos de redução do aparato estatal, sem assegurar a universalidade na 
prestação dos serviços sociais que estão envolvidos com o instituto das organizações sociais, é 
possível questionar também o que Müller considera como a "degeneração em 'povo'-ícone", já que 
"a exclusão deslegitima. Na exclusão o povo ativo, o povo como instância de atribuição e o povo-
destinatário degeneram em 'povo'-ícone." (1998:105, grifo nosso) 
A degeneração em "povo apenas para fazer constar do preâmbulo da Constituição", 
especialmente na realidade brasileira, corresponderia a um quadro institucional em que "por um 
lado a maior parte da população é 'integrada' na condição de obrigada, acusada, demandada, por 
outro ela não é integrada na condição dedemandante, de titular de direitos" (Müller, 1998:95, 
grifos nossos). Donde a "identificação da reivindicação de direitos de cidadania por parte de 
subcidadãos excluídos e subintegrados12, na maior parte das vezes, com subversão". (1998:96, 
grifos nossos) 
A análise da publicização, a partir desta problemática, vai ao encontro do respaldo que tal 
"processo" recebe de toda a lógica de um governo em específico. Qual reforma do Estado em face 
da premência da mera rolagem de juros da dívida pública no atual caso brasileiro? - Eis uma base 
de questionamento já a ser tratada desde as diretrizes do PDRAE e mesmo sobre o próprio conceito 
de publicização. 
O corte de verbas recorrente na saúde e na educação públicas, por exemplo, depõe contra a 
maior parte dos argumentos de serem as O.S. instrumentos mais democráticos e capazes de atender 
 
12 Haja vista a polêmica dos saques a armazéns de comida e dos sem-terra, sem-teto, sem-proteção estatal alguma no 
Brasil dos últimos anos. 
XIV Concurso de Ensayos del CLAD “Administración Pública y Ciudadanía”. Caracas, 2000 
 
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melhor a um número maior de pessoas: se a perspectiva governamental é reduzir13 o repasse de 
recursos financeiros para esse setor, como ampliar a prestação de tais serviços sociais, sem implicar 
a mera privatização diante da cobrança de taxas, mensalidades ou quaisquer outras formas de 
faticamente restringir a universalidade desses serviços? 
Assim, o PNP, para Mello (1999:157), representaria um "título paradoxal", já que, a priori, o 
termo publicizar não abre espaço para se interpretar uma transferência para a esfera privada, ainda 
que essa esfera privada seja sem fins lucrativos. 
Segundo Di Pietro, "Embora o Plano Diretor fale em publicização e a própria Lei 9.637, logo 
na ementa, fale em Programa Nacional de Publicização para definir a forma como se substituirá 
uma entidade pública por uma entidade particular qualificada como organização social, não há 
qualquer dúvida quanto a tratar-se de um dos muitos instrumentos de privatização de que o 
Governo vem se utilizando para diminuir o tamanho do aparelhamento da Administração Pública. 
A atividade prestada muda a sua natureza; o regime jurídico, que era público, passa a ser de direito 
privado, parcialmente derrogado por normas publicísticas; a entidade pública é substituída por uma 
entidade privada." (1999:313) 
Neste ponto, cabe questionar ainda em que medida transferir para o regime de direito privado 
implica tornar mais pública a Administração Indireta? O público não-estatal, como fundamento 
estruturante das O.S., implica, muito além de transferência de serviços sociais, conformação de 
níveis mais amplos de participação e controle social, o que, por sua vez, pressupõe uma noção de 
cidadania mais ativa e comprometida com um nível de coletivo que não depende passivamente do 
estatal – eis uma visão quase que cíclica que o Programa Nacional de Publicização deveria estar 
estruturando e sendo por ela estruturado. 
Publicização: um novo paradigma? Eis que agora faz-se necessário reavaliar a pergunta 
inicial deste tópico. O que seria publicizar? Tornar público o que já é estatal parece, à primeira 
vista, um contra-senso ou ainda um pleonasmo, mas há que se considerar, como anterior e 
repetidamente já dimensionado, a existência de uma esfera de público que transcende os limites do 
estatal. 
Em grande medida, o problema passa a ser até que ponto transferir do público-estatal 
algumas atividades (as ditas não exclusivas do Estado) para o público não-estatal representaria uma 
via de prestação de tais atividades e serviços mais pública. Correndo o risco de ser um pouco 
tautológica, seria perguntar se há um público mais público que o outro, donde ser o Programa 
Nacional de Publicização um título "paradoxal"... 
No Estado Democrático de Direito, a distinção entre público e privado só é percebida em 
limites bem tênues e, em Habermas (1995), chega a ser uma perspectiva procedimental, delimitada 
na lógica do modelo discursivo de democracia. A publicização não significaria, neste sentido, uma 
transição de algo que fosse menos para mais público estrito senso, porque tal questão só pode ser 
solucionada na via de processo, no quantum de participação social agregado (se é que é possível 
mensurá-lo). 
A tomada do espaço público pela sociedade civil e mesmo a indistinção fluida entre público 
e privado a partir da ampliação e evolução na aquisição de direitos pelos indivíduos, numa releitura 
da proposta governamental de publicização, só são efetivamente indícios de concretização da 
diretriz constitucional de "instituir um Estado Democrático" (vide preâmbulo da Constituição 
Federal de 1988) na medida estrita da ampliação do exercício da cidadania. 
Publicizar deve implicar, mais que qualquer outra coisa, nível de incremento da participação 
social em um efetivo exercício da condição de cidadão, sob pena de não corresponder o nome à 
 
13 O PDRAE (1995:74) delineou um protótipo de organização social em que houvesse autonomia financeira e 
administrativa, bem como maior responsabilização dos dirigentes e maior participação da sociedade, a partir do controle 
social direto através de seus conselhos de administração, tudo isto conformando a perspectiva de que há de haver uma 
maior parceria com a sociedade no custeamento dos serviços prestados (a sociedade deveria, neste modelo, captando 
recursos junto ao mercado inclusive, “ajudar” o Estado significativamente a financiar as O.S.). 
XIV Concurso de Ensayos del CLAD “Administración Pública y Ciudadanía”. Caracas, 2000 
 
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realidade, pena essa que se coloca sob a égide do desafio de implementar um Estado reformado que 
seja essencialmente democrático. 
 
2. Configuração das organizações sociais 
Fruto por excelência do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995), onde 
foram delineadas como um projeto específico e bastante significativo, as organizações sociais 
representam uma via de instrumentalizar a restrição14 da responsabilidade direta do Estado pela 
prestação de atividades e serviços sociais, o que foi, no plano em questão, alçado à condição de 
medida necessária ao processo de reestruturação estatal brasileira, em termos do que ali foi 
considerado como projeto de uma reforma mais verticalizada15. 
A respeito do marco inicial das O.S., em termos de análise de sua configuração político-
institucional em todo o país, segundo Di Pietro, "Esse tipo de entidade foi mencionado no Plano 
Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, elaborado pelo MARE – Ministério da Administração 
Federal e da Reforma do Estado e aprovado pela Câmara da Reforma do Estado em reunião de 21-
9-95. Alguns Estados, antecipando-se ao Governo Federal, acabaram legislando sobre a matéria por 
meio de leis estaduais, segundo o modelo proposto no Plano Diretor." (1999:311) 
As organizações sociais foram inseridas no ordenamento jurídico brasileiro a partir de sua 
regulamentação por medidas provisórias (primariamente pela MP 1.591, de 9.10.97, que foi 
reeditada mais cinco vezes até a sua substituição pela MP 1.648-6, de 24.3.98, também, por seu 
turno, reiterada), sendo que a matéria acerca das O.S. praticamente foi mantida a mesma até a sua 
regulamentação legal, que veio a ocorrer com a Lei 9.637, de 15.5.98. (Mello, 1999:154). 
Em termos de precedentes históricos, há que se considerar que a expressão organização 
social, pautada nos marcos do processo de reforma defendido no PDRAE, foi utilizada pela 
primeira vez, sob o possível espectro de diretriz política do que viria a ser regulado posteriormente 
por M.P. (em outubro do mesmo ano), aparentemente pelo Decreto 2.172, de 5.3.97 (o qual 
estabelece a aprovação do Regulamento dos Benefícios da Previdência Social).Tal decreto, em seu art. 206, prevê que o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS poderá 
firmar convênio, contrato ou acordo com "organizações sociais", o qual, todavia, não introduziu 
concomitantemente nenhuma elucidação a respeito do que seriam tais organizações. (Mello, 
1999:154) Donde não se poder afirmar de modo algum juridicamente e, com algumas ressalvas, 
politicamente, que tal citação no Regulamento dos Benefícios da Previdência Social (aprovado por 
decreto presidencial) já criasse alguma expectativa ou vínculo quanto ao instituto das O.S., antes 
mesmo da sua previsão legal. 
A Lei n.º 9.637/98, em seus 25 artigos, dispõe sobre a qualificação de entidades como 
organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e 
entidades que menciona e a absorção de suas atividades por outras organizações sociais, bem como, 
segundo sua própria ementa, dá outras providências. 
Em níveis amplos, a configuração do instituto das organizações sociais, delimitada por tal 
lei, foi feita de forma bastante imprecisa (Freitas, 1998), o que leva, segundo o autor em questão, à 
necessidade de se questionar e mesmo de pressionar o governo no sentido de um "indispensável 
aperfeiçoamento do modelo federal", mesmo porque, segundo Mello (1999), esse diploma legal 
está marcado por inconstitucionalidades "flagrantes" (como já citado em tópico anterior). 
Analisando o instituto em si e sua repercussão no sistema jurídico, faz-se agora necessário 
 
14 É necessário questionar a dimensão de tal restrição, dentro da lógica de reforma proposta pelo governo: da minimização 
à transferência completa? 
15 O PDRAE (1995:71), ao justificar a proposição de seus projetos mais importantes (“básicos”) definiu-os em duas 
categorias: os que implicariam uma reforma mais horizontal, a saber, em específico foi citado o “projeto de avaliação 
estrutural, que examinará de forma global a estrutura do Estado” e os que denotariam uma reforma mais verticalizada 
(mudança na relação entre os setores do Estado), que seriam, fundamentalmente, o projeto das Agências Executivas e o 
das Organizações Sociais. 
XIV Concurso de Ensayos del CLAD “Administración Pública y Ciudadanía”. Caracas, 2000 
 
60
questionar uma conceituação mais específica, sua natureza jurídica, o próprio processo de 
qualificação, bem como o seu regime jurídico, para posteriormente se poder densificar alguns dos 
pontos mais polêmicos que são os mecanismos de controle e o contrato de gestão. 
Por partes, o que se pretende delinear, daqui para frente, com o estudo mais detido da Lei n.º 
9.637/98 em contraposição às várias correntes que problematizam a Reforma do Estado sob os 
moldes brasileiros, na doutrina de Direito Constitucional e Administrativo, é justamente a 
conformação dos desafios colocados pelas O.S. tanto ao Estado, quanto à sociedade, perpassando 
por críticas e análises de vias alternativas, até chegar a uma conclusão em aberto: os riscos vários 
se colocam paralelamente à possibilidade de implementar uma nova lógica de relação Estado-
sociedade mais participativa e democrática, donde a maior insegurança estar justamente no 
processo de sua concretização... 
 
2.1. Definição 
De acordo com os termos da Lei n.º 9.637/98 (art.1º), as "pessoas jurídicas de direito 
privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao 
desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, 
atendidos aos requisitos16 previstos nesta Lei" poderão17 ser qualificadas como organizações 
sociais pelo Poder Executivo. 
A previsão legal acima exposta não traça própria e especificamente uma definição de 
organizações sociais. A Lei em análise já inicialmente parte da qualificação de tais entidades, 
sendo o entendimento a respeito do que sejam as O.S. uma interpretação do texto legal como um 
todo, ou seja, trata-se de buscar a sua concepção subentendida e não uma estrita definição legal, 
que não foi feita. 
O PDRAE, ao contrário, estabelece uma precária e sintética conceituação. São organizações 
sociais, para o Plano Diretor, "as entidades de direito privado que, por iniciativa do Poder 
Executivo, obtêm autorização legislativa para celebrar contrato de gestão com esse poder, e assim 
ter direito a dotação orçamentária." (1995:74) 
Comparativamente, foram mantidos, em relação ao conceito do PDRAE, no texto da lei que 
trata sobre as O.S., três dos mais importantes núcleos que conformam a sua noção: a natureza 
jurídica de Direito privado, a iniciativa (discricionariedade) do Poder Executivo no ato da 
qualificação e o contrato de gestão, tendo sido, apenas e fundamentalmente, alterada a forma de 
"obtenção" do título legal: de autorização legislativa para qualificação feita diretamente pelo 
Executivo, o que aumenta ainda mais a margem de poder discricionário deste. 
Em termos amplos, pode-se dizer que não há como fugir de uma concepção de organização 
social oferecida pelo impreciso substrato legal que não seja tautológica, visto que assim são 
denominadas as entidades privadas, fundações ou associações sem fins lucrativos que "usufruem do 
título de organização social" (Modesto, 1997:31). Neste sentido, segundo o autor em questão, "a 
denominação organização social é um enunciado elíptico" (1997:31). 
Para Freitas (1998:100), não obstante, quanto ao conceito de organização social, "(...) sob 
pena de tautologia, não é adaptado pensá-las apenas como pessoas jurídicas de direito privado 
designadas como tais, uma vez que preencham determinados requisitos. Além de lacunosa, esta 
definição se arrima, bem de ver, na incompreensão de fundo do próprio regime e na excessiva 
discricionariedade no tocante à habilitação, somente menos grave do que aquela destinada à 
desqualificação..." (grifos nossos) 
Na doutrina, uma conceituação bastante problemática, apesar de clara e coesa, é a realizada 
por Di Pietro, para quem as organizações sociais "são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins 
 
16 Tais requisitos tratados pelo art.2º da Lei n.º 9.637/98 serão analisados mais detidamente no tópico a respeito da 
qualificação como organização social. 
17 Quanto à discricionariedade conferida ao Poder Executivo, verificar discussão traçada no ponto que trata sobre a 
qualificação mais adiante. 
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lucrativos, instituídas por iniciativa de particulares, para desempenhar serviços sociais não 
exclusivos do Estado, com incentivo e fiscalização pelo Poder Público, mediante vínculo jurídico 
instituído por meio de contrato de gestão." (1999:311, grifo nosso). 
A Lei n.º 9.637/98 não deixa dúvidas, em seu art. 1º, de que caberá ao Poder Executivo, 
discricionariamente, a iniciativa de qualificar ou não entidades de utilidade pública como 
organizações sociais, donde a afirmação da referida autora de serem as O.S. "instituídas por 
iniciativa de particulares" não estar absolutamente correta, na medida que tal afirmação só se 
justifica, em uma abordagem mais abrangente, a partir da concepção de que as pessoas jurídicas de 
direito privado, sem fins lucrativos, são constituídas pela iniciativa privada (haja vista os exemplos 
de associações civis, organizações não-governamentais, fundações privadas etc). Contudo há que se 
fazer a ressalva de que tanto o título de utilidade pública, quanto o qualificativo de O.S. são de 
estrita e necessária iniciativa do Poder Público. 
Cabe considerar também, como uma outra falha da definição elaborada por Di Pietro, a 
singularidade deixada de fora do conceito ("exceção") das entidades a serem "publicizadas", já que 
nem as autarquias e fundações públicas serão constituídas comoO.S. através de iniciativa direta de 
particulares, seja porque foram criadas por lei específica e também por lei específica serão extintas, 
seja porque o processo de sua absorção pela sociedade organizada não corresponde a uma 
"constituição" por parte de particulares. 
Sintetizando todas essas perspectivas, portanto, tem-se que a concepção de organizações 
sociais, em sentido abrangente, encampa todas as pessoas jurídicas de direito privado, constituídas 
sob a forma de fundação ou sociedade civil sem fins lucrativos, que sejam habilitadas a receber tal 
qualificação, dados os requisitos específicos previstos na lei supracitada (art. 2º), habilitação esta 
que implica, sob a égide de um contrato de gestão, a administração de recursos humanos, 
instalações e equipamentos (se necessário for) pertencentes ao Poder Público e o recebimento de 
recursos orçamentários para seu funcionamento, bem como maiores vínculos de controle e 
responsabilização perante o Estado e a sociedade, apesar da maior autonomia administrativa. 
Do questionamento sobre a figura jurídica das organizações sociais, a primeira resposta a que 
se chega é a de que não se trata absoluta e necessariamente de um instituto jurídico novo, são 
pessoas jurídicas privadas de interesse social e utilidade pública (art. 11 da Lei supracitada) que, 
uma vez qualificadas como O.S., submetem-se a maiores restrições e vigilância do Estado, bem 
como, em contrapartida, detêm prerrogativas maiores (benefícios e vantagens) que as cabíveis às 
entidades privadas de utilidade pública comuns. 
Segundo Modesto, "ser organização social, por isso, não significa apresentar uma estrutura 
jurídica inovadora, mas possuir um título jurídico especial, conferido pelo Poder Público em vista 
do atendimento de requisitos gerais de constituição e funcionamento previstos expressamente em 
lei." (1997:31) 
Obviamente, pode-se, explorando a delimitação legal, considerar que o que a Lei n.º 
9.637/98 prescreve é um tratamento formal novo para um instituto jurídico antigo: as entidades 
privadas de utilidade pública, submetidas à qualificação (nos moldes previstos por tal lei), passam a 
ser categorizadas como organizações sociais. Todavia, é necessário ressaltar que mesmo esse 
"novo" tratamento formal se assemelha bastante, em termos de resultados pretendidos quanto à 
flexibilização do regime jurídico, com a figura bastante controversa da fundação governamental de 
direito privado pré-CF/88. 
Quanto ao questionamento sobre se há algo realmente inovador no delineamento do conceito, 
Modesto (1997:32) estabelece relações entre as organizações sociais e as entidades de utilidade 
pública de traços comuns e de traços diferenciais, para chegar à conclusão de que há uma 
identidade "inconfundível" das O.S. em face dessas, apesar de fazerem ambas parte da "mesma 
espécie". (1997:33) 
Criadas com o intuito de representar uma figura singular na espécie de entidades privadas de 
utilidade pública, mesmo sem ser, estrito senso, uma inovação no sistema jurídico, as organizações 
XIV Concurso de Ensayos del CLAD “Administración Pública y Ciudadanía”. Caracas, 2000 
 
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sociais não se confundem com as organizações não-governamentais (O.N.G.s), nem com os entes 
da Administração Indireta. Não se confundem, em grande medida, pelos mesmos motivos 
(essencialmente pelo atributo da qualificação) que as distinguem das entidades privadas de 
utilidade pública. O terceiro setor é um espaço amplo o bastante para comportar todas essas figuras 
e as suas devidas especificidades. O que não obsta o fato de a proposta governamental tentar 
justamente incorporar nas O.S. o fundamento e a direção introduzidos pelas O.N.G.s: uma 
perspectiva que vai da extrapolação da caridade para o exercício da cidadania. Mas, como já 
problematizado anteriormente, o desafio é concretizar o discurso. 
 
2.2. Natureza jurídica 
Segundo o art. 11 da Lei n.º 9.637/98, "as entidades qualificadas como organizações sociais 
são declaradas como entidades de interesse social e utilidade pública, para todos os efeitos 
legais." Ou seja, apenas delimitando em outras palavras, tem-se que a natureza jurídica das 
organizações sociais é de pessoa jurídica de direito privado, estando conformadas mais 
especificamente como entidades de utilidade pública. 
Aprofundando o significado do preceito legal, tem-se que a natureza de entidade de utilidade 
pública (pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que detém o título de utilidade 
pública) das organizações sociais, expressa no artigo em questão como declarada e não constituída, 
denota o que já se comentava no tópico anterior, principalmente a partir da análise do art.10 da lei 
em estudo. Neste sentido, a qualificação como O.S. não constitui um novo instituto jurídico, mas 
apenas, como o próprio nome deixa claro, uma "qualidade jurídica conferida pelo Poder Público" 
às "tradicionais pessoas jurídicas qualificadas pelo título de utilidade pública". (Modesto, 1997:32) 
Ainda sob esse ponto de análise, para Modesto, "em qualquer dos dois títulos referidos (...), 
dá-se um plus à personalidade jurídica das entidades privadas, que passam a gozar de benefícios 
especiais não-extensíveis às demais pessoas jurídicas privadas (benefícios tributários e vantagens 
administrativas diversas)". (1997:32) 
Cabe, aqui, ressaltar a distinção entre as entidades que precisarão ser "publicizadas" e as que 
nunca pertenceram à Administração Pública Indireta, com vistas ao objetivo final de conformarem 
todas elas o espectro de requisitos formais para ser O.S. As primeiras, em termos de natureza 
jurídica, são originariamente autarquias e fundações públicas, pessoas jurídicas de direito público, 
que para se tornarem O.S. devem ter sua personalidade jurídica transformada, de modo que passem 
a se enquadrar nos moldes do art. 10 da Lei n.º 9.637/98, que especifica que só poderão ser 
qualificadas como O.S. as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos. 
Neste sentido, a "publicização", como já delineado anteriormente, seria, estrito senso, a 
transformação da personalidade de direito público para personalidade de direito privado, acrescida 
do qualificativo de entidade de utilidade pública, das autarquias e fundações dos setores 
determinados pelo art. 10 da Lei supracitada (ensino, cultura, saúde etc.), feita com o objetivo 
específico e fundamental de implicar a qualificação destas entidades como organização social. 
Ora, por outro lado, quanto às entidades que nunca pertenceram à Administração Pública 
Indireta, tem-se que as organizações sociais delas oriundas, no limite, possuem a personalidade de 
direito privado como elemento constitutivo e os demais títulos como meras qualidades jurídicas 
agregadas/ adquiridas, sendo tais entidades passíveis de desqualificação pelo mesmo órgão que 
conferiu a elas esses títulos. 
Nas palavras de Modesto, "A todo rigor, portanto, nenhuma entidade é constituída como 
organização social. Ser organização social não se pode traduzir em uma qualidade inata, mas em 
uma qualidade adquirida, resultado de um ato formal de reconhecimento do Poder Público, 
facultativo e eventual, semelhante em muitos aspectos à qualificação deferida às instituições 
privadas sem fins lucrativos quando recebem o título de utilidade pública." (1997:32) 
 
2.3. Qualificação 
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Durante toda a Seção I (do Capítulo I, que trata sobre as organizações sociais) da Lei n.º 
9.637/98, tem-se a previsão de como deverá se dar a qualificação das entidades de utilidade pública 
como O.S., sendo que, no art. 1º, há uma mera descrição de quem poderá ser qualificado e a 
enumeração exaustiva das áreas em que haverá a qualificação pelo Poder Executivo, enquanto, no 
art. 2º, são enumerados "os requisitos específicos para que asentidades privadas referidas no 
artigo anterior habilitem-se à qualificação como organização social". 
Tendo em vista que o conteúdo do art. 1º, em grande medida, já foi trabalhado nos dois 
pontos anteriores deste trabalho, faz-se necessário fundamentalmente estudar o processo de 
qualificação à luz do art. 2º, da Lei das O.S., qual seja, analisar os requisitos e significado da 
qualificação em face deles. 
Basicamente, os requisitos estabelecidos na lei são o registro do ato constitutivo com uma 
série de elementos (nove alíneas ao todo18) ali constantes e a "aprovação, quanto à conveniência e 
oportunidade de sua qualificação como organização social, do Ministro ou titular de órgão 
supervisor da área de atividade correspondente ao seu objeto social e do Ministro da 
Administração Federal e Reforma do Estado" (inc. II do art. 2º). 
A maior problemática da qualificação como foi proposta na lei é justamente o nível de 
discricionariedade excessiva conferida ao Poder Executivo, ao qual compete a "aprovação, quanto 
à avaliação da conveniência e da oportunidade" na qualificação da entidade como O.S. Sob este 
foco, há que se ressaltar o grande risco, o "perigoso excesso de submissão a parâmetros políticos" 
(Freitas, 1998:100), a dependência de "decisão (inteiramente livre)" (Mello, 1999:155) de alguns 
Ministros de Estado, dentre várias outras críticas da doutrina, já esboçadas anteriormente no art.10, 
em relação ao preceito de que "o Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais..." 
Aberto esse espaço politicamente inseguro, unilateral, pouco controlável e bastante 
subjetivo, as organizações sociais passam a ser, portanto, instrumento e alvo da completa 
discricionariedade do governo, quanto à escolha e definição de quais instituições assim serão 
classificadas. 
Ainda neste sentido, tem-se que a Lei n.º 9.637/98 não exige idoneidade financeira, técnica 
ou qualificação a priori (não há um processo criterioso de análise prévia), porque basta ser pessoa 
jurídica de direito privado sem fins lucrativos, "contanto que a pessoa atenda a determinados 
requisitos formais óbvios e alguns poucos requisitos substanciais" (MELLO, 1999:155) e que seja 
"agraciada" pela aprovação discricionária do Executivo. Mais problemático ainda é que a Lei das 
O.S. não requer nem mesmo a comprovação de patrimônio, havendo o risco/ possibilidade de uma 
entidade-"fantasma" vir a pleitear e mesmo conseguir a qualificação como organização social. 
O despropósito e a amplitude dessa gama de problemas na Lei n.º 9.637/98 são, na análise de 
Mello sobre as várias (in)constitucionalidades presentes nela, tratados com a devida indignação: 
"Enquanto para travar com o Poder Público relações contratuais singelas (como um contrato de 
prestação de serviços ou de execução de obras) o pretendente é obrigado a minuciosas 
demonstrações de aptidão, inversamente, não se faz exigência de capital mínimo nem demonstração 
de qualquer suficiência técnica para que um interessado receba bens públicos, móveis ou imóveis, 
verbas públicas e servidores públicos custeados pelo Estado..." (1999:157/158) 
 
18 Sinteticamente, o ato constitutivo registrado, para ter validade como requisito à aquisição da qualificação como O.S., 
deve dispor sobre: a) natureza social de seus objetivos em conformidade com a área de atuação; b) finalidade não-
lucrativa (obrigatoriedade de investir seus excedentes financeiros em prol da própria atividade); c) conselho de 
administração e diretoria definidos nos termos do estatuto, sendo que a composição e atribuições normativas e de controle 
básicas daquele se encontram asseguradas na própria Lei n.º 9.637/98; d) participação no conselho de administração de 
representantes do Poder Público e de membros da comunidade; e) composição e atribuições da diretoria; f) 
obrigatoriedade de publicação anual no D.O.U. dos relatórios financeiros e do relatório de execução do contrato de 
gestão; g) no caso de associação civil, a aceitação de novos associados, na forma do estatuto; h) proibição de distribuição 
de bens ou de parcela do patrimônio líquido e i) incorporação integral de tudo que lhe tiver sido destinado, bem como dos 
seus excedentes financeiros, em caso de extinção ou desqualificação, ao patrimônio de outra organização social da mesma 
área de atuação, ou ao patrimônio dos entes da Federação na proporção dos recursos e bens por eles alocados. 
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Mais que isso, segundo o referido autor, o fato de ser considerada bastante para a 
qualificação "a simples aquiescência de dois Ministros de Estado ou, conforme o caso, de um 
Ministro e de um supervisor da área correspondente à atividade exercida pela pessoa postulante ao 
qualificativo de 'organização social'", trata-se de "outorga de uma discricionariedade literalmente 
inconcebível, até mesmo escandalosa, por sua desmedida amplitude, e que permitirá 
favorecimentos de toda espécie". (1999:158, grifos nossos) 
A partir deste ponto, portanto, faz-se necessário questionar a necessidade ou não (?) de 
processo licitatório, em face do risco de se estar ferindo o princípio constitucional de tratamento 
isonômico (art. 50, CF/88). Enquanto para Santos & Pedrosa, "o que poderá determinar a dispensa 
de licitação será a especificidade do objeto e da finalidade" do contrato de gestão (1998:15), para 
Mello, "a ausência de licitação é uma exceção que só pode ter lugar nos casos em que razões de 
indiscutível tomo a justifiquem, até porque, como é óbvio, a ser de outra sorte, agravar-se-ia o 
referido princípio constitucional da isonomia19". 
Ora, a abordagem de Mello vai ainda mais longe, quando considera que: "(...) é 
inconstitucional a disposição do art. 24, XXIV, da lei de licitações (Lei 8.666, de 21.6.93) ao 
liberar de licitação os contratos entre o Estado e as organizações sociais20, pois tal contrato é o que 
ensancha a livre atribuição deste qualificativo a entidades privadas, com as correlatas vantagens; 
inclusive a de receber bens públicos em permissão de uso sem prévia licitação. (...) A ausência de 
critérios mínimos que a racionalidade impõe no caso e a outorga de tal nível de discrição não são 
constitucionalmente toleráveis, seja pela ofensa ao cânone básico da igualdade, seja por desacato 
ao princípio da razoabilidade..." (1999:158, grifo nosso) 
Há que se questionar, por outro lado, a validade do argumento de Freitas (1998) sobre o fato 
de a discricionariedade, ao longo da Lei n.º 9.637/98, não se restringir ao processo de qualificação 
como O.S., na medida que, para o referido autor, ela perpassa também todo o preceito acerca da 
desqualificação; discricionariedade que, nos termos do art. 16, se encontra expressa no fato de que 
"o Poder Executivo poderá proceder à desqualificação da entidade como organização social, 
quando constatado o descumprimento das disposições contidas no contrato de gestão." 
Constatado o descumprimento do contrato de gestão, para Freitas, "(...) mostra-se 
incontornável dever – nunca uma mera faculdade –, efetuar a desqualificação, revelando-se 
manifesto o lapso na opção efetuada pelo legislador, que preferiu, no ponto, uma politização 
exacerbada do regime de tais organizações, quiçá visando a acelerar o processo de privatização, 
paradoxalmente publicizando uma parcela do terceiro setor..." (1998:100, grifos nossos) 
Em termos de hermenêutica jurídica, considerando que, a declarar a inconstitucionalidade de 
uma norma, é preferível avaliar profundamente o significado interpretativo que ela traz à luz dos 
princípios constitucionais, faz-se necessário ressaltar que o cuidado de Freitas (1998) com o 
"poderá" do art. 16 da Lei n.º 9.637/98 é excessivo. 
Constitui-se tal argumento excessivo, tendo em vista que não há que se entender o 
dispositivo

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