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Cognitivismo Caroline Tozzi Reppold A Psicologia Cognitiva é definida por Neisser, um de seus fundadores, como o estudo dos processos mentais envolvidos na forma como as pessoas apreendem, estruturam, armazenam e utilizam o conhecimento adquirido (Stemberg, 2000). Nessa definição, já observa-se a principal distinção do Cognitivismo às outras escolas psicológicas que a antecederam: a eleição dos processos mentais como o principal foco de interesse dos trabalhos desenvolvidos por pesquisadores dessa área. Como descrito nos capítulos anteriores, até o fim da década de 50, a Psicologia, na tentativa de progredir como uma ciência autônoma e desvinculada da Filosofia, adotara como seus objetos de estudo as sensações (Estruturalismo), a consciência (Funcionalismo) e o comportamento (Behaviorismo), o que, no entender de alguns psicólogos da época, limitava a compreensão das peculiaridades do funcionamento psicológico humano, uma vez que as antigas teorias desconsideravam em suas investigações os processos cognitivos que determinam o modo como as pessoas pensam. Nesse sentido, o Cognitivismo nasceu como uma proposta de des- crever o papel das atividades mentais superiores (pensamento, memó- ria, atenção, etc) sobre o comportamento do homem. Para tanto, centrou-se nos estudos de processos como a percepção (integração e interpretação dos dados sensoriais), o armazenamento e a evocação de recordações, o raciocínio (resolução de problemas, planejamento estratégico, etc) e a tomada de decisão, considerados por outras abordagens teóricas como inacessíveis à análise cient ífica (Schultz & Schultz, 1999; Sternberg, 2000). Influências históricas e princípios básicos Dentre as principais influências históricas do Cognitivismo, destacam-se: — O repúdio aos modelos associacionistas (estímulo-resposta) e psicodinâmicos, pelo fato de esses considerarem que o comportamento humano é determinado por forças que estão fora do controle consciente ou intencional do sujeito (no caso do associacionismo, pela aprendizagem involuntária do condicionamento reflexo e, no caso da Psicanálise, pelo insconciente). De acordo com o Cognitivismo, os comportamentos e sen- timentos de um indivíduo estão diretamente relacionados a seus pensa- mentos (modo como o indivíduo estrutura mentalmente seu universo). — A discordância à idéia do Behaviorismo Metodológico de que o comportamento humano deve ser analisado e tratado pela ciência em termos científicos apenas em seus aspectos observáveis publicamente, evitando-se assim o uso de explicações mentalistas. Segundo a Psicologia Cognitiva, não apenas o comportamento, mas também as atividades mentais podem ser observadas, registradas, avaliadas e modificadas. As- sim, no entender dessa abordagem (Pozo, 1998), comportamento e pen- samento distinguem-se por sua natureza, visto o pressuposto de que a mente humana é um dispositivo de processamento de informação, no qual as mensagens captadas pela percepção (input) são processadas (codificadas) pelo pensamento e armazenadas na memória de acordo com nossas capacidades evolutivas, de modo a organizar futuros com- portamentos e tomadas de decisão (output). Assim, explicar-se-ia, por exemplo, a dificuldade dos adultos de recordar os fatos dos primeiros anos de infância em razão dos mesmos terem sido organizados na memória não em termos simbólicos, visto que um recém nascido não ainda dispõe de uma linguagem simbólica, mas por outras formas de organização do pensamento (cheiros, impressões táteis, etc). — O caráter pragmático (interessado nos aspectos práticos do co- nhecimento) da Escola Funcionalista e os estudos de Willian James sobre atenção e memória — A influência de outros pesquisadores como Tolman e Hull, que, embora se intitulassem inicialmente behavioristas, acreditavam que o comportamento não poderia ser explicado sem considerar-se variáveis individuais internas. Tolman, por exemplo, afirmava, a partir de seus ex- perimentos em labirintos, que o processo de aprendizagem não se resume a uma reação motora como propunha Watson, mas inclui o desenvol- vimento de cognições organizadas sobre um conjunto de estímulos, como se formasse uma rota mental que orientaria o indivíduo futuramente. Também Hull postulava a existência de processos internos na ativação da conduta humana. Segundo ele, a emissão de certos comportamentos é justificada pela ação de impulsos motivacionais chamados drive, os quais impelem comportamentos relacionados à satisfação da fome, da sede, das necessidades sexuais, etc (Hall & Lindzey, 1969/2000). Evidências multidisciplinares na organização da teoria Ao assumir o funcionamento cognitivo (pensamento, memória, atenção, linguagem,etc) como seu foco de investigação e ao pressupor que as informações do meio ambiente são processadas por diferentes regiões do cérebro, através de processos mentais que os codificam e os comparam com outros símbolos armazenados na memória, a Psicologia Cognitiva interrelaciona-se com diversas outras áreas do conhecimento, tais como a Neuropsicologia, a Lingüística (ciência da linguagem), a Ci- ência Computacional e a Engenharia de Telecomunicações. A seguir, veremos as principais contribuições destas áreas para o desenvolvimento do Cognitivismo: — Neuropsicologia: Evidências, encontradas a partir do estudo de caso de pacientes com lesão cerebral, de que o cérebro funcional através do princípio da divisão de tarefas, ou seja, de que existem porções do cérebro responsáveis por processos específicos, como o pensamento, a linguagem, a percepção visual ou auditiva, etc. — O caráter pragmático (interessado nos aspectos práticos do co- nhecimento) da Escola Funcionalista e os estudos de Willian James sobre atenção e memória — A influência de outros pesquisadores como Tolman e Hull, que, embora se intitulassem inicialmente behavioristas, acreditavam que o comportamento não poderia ser explicado sem considerar-se variáveis individuais internas. Tolman, por exemplo, afirmava, a partir de seus ex- perimentos em labirintos, que o processo de aprendizagem não se resume a uma reação motora como propunha Watson, mas inclui o desenvol- vimento de cognições organizadas sobre um conjunto de estímulos, como se formasse uma rota mental que orientaria o indivíduo futuramente. Também Hull postulava a existência de processos internos na ativação da conduta humana. Segundo ele, a emissão de certos comportamentos é justificada pela ação de impulsos motivacionais chamados drive, os quais impelem comportamentos relacionados à satisfação da fome, da sede, das necessidades sexuais, etc (Hall & Lindzey, 1969/2000). Evidências multidisciplinares na organização da teoria Ao assumir o funcionamento cognitivo (pensamento, memória, atenção, linguagem,etc) como seu foco de investigação e ao pressupor que as informações do meio ambiente são processadas por diferentes regiões do cérebro, através de processos mentais que os codificam e os comparam com outros símbolos armazenados na memória, a Psicologia Cognitiva interrelaciona-se com diversas outras áreas do conhecimento, tais como a Neuropsicologia, a Lingüística (ciência da linguagem), a Ci- ência Computacional e a Engenharia de Telecomunicações. A seguir, veremos as principais contribuições destas áreas para o desenvolvimento do Cognitivismo: — Neuropsicologia: Evidências, encontradas a partir do estudo de caso de pacientes com lesão cerebral, de que o cérebro funcional através do princípio da divisão de tarefas, ou seja, de que existem porçõesdo cérebro responsáveis por processos específicos, como o pensamento, a linguagem, a percepção visual ou auditiva, etc. — Lingüística: Indícios sobre os processos simbólicos da aquisição da linguagem; Evidências de que a aprendizagem da leitura, por exemplo, é possível graças à capacidade humana de detectar características especificas de cada letra, compará-las com outros símbolos armazenados na memória e reorganiza-las, se necessário, a fim de atribuir-lhe significado. Outra influência da Lingüística sobre o Cognitivismo refere- se aos estudos de Chomsky, que afirmava que a compreensão da linguagem é determinada por um dispositivo inato aos seres humanos. — Teorias computacionais: Analogia entre os sistemas computacionais e a mente humana. Ocorre que, à medida que os avanços tecnológicos permitiram que os cientistas conhecessem os procedimentos necessários para programar máquinas capazes de processar as informações inseridas, os psicólogos cognitivistas adaptaram as teorias referentes aos sistemas de informação para tentar compreender e avaliar o funcionamento mental humano (interpretação de significados, resolução de problemas, raciocínio dedutivo, armazenamento de informações, etc). A partir desses achados, Broadbent, em 1958, lançou uma teoria conhecida como Teoria do Processamento da Informação, a qual sugere que os fenômenos da percepção, atenção e memória constituem um sistema interdependente, por meio do qual flui a informação captada (Schultz & Schultz, 1999). Outra importante contribuição do campo tecnológico foi a descrição, em 1956, dos modelos de inteligência artificial, referentes a sistemas que processam a informação de modo eficiente, simulando a cognição humana ou mesmo utilizando processos que diferem da lógica humana em atividades que exijam planejamento e tomada de decisão, como uma partida de xadrez, por exemplo. Tais proposições impulsionaram diversos estudos relacionados nas décadas de 60 e 70 e até hoje subsidiam a ciência psicológica, embora a analogia mente/computador tenha sido duramente criticada no início da década de 80 (Stemberg, 2000). Formas de investigação dos processos mentais Conforme afirmam Atkinson, Atkinson, Smith, Bem e Nolen- Hoeksema (2002), todas estas contribuições impulsionaram a Psicologia Cognitiva tanto em termos da descrição de modelos teóricos, quanto na organização de métodos que dessem conta desses processos. Assim, coe- rentes com suas perspectivas teóricas, os métodos utilizados atualmente pelo Cognitivismo visam a analisar os fenômenos de seu interesse (como a tomada de decisão, por exemplo) de forma objetiva (a partir de comporta- mentos específicos — ex: identificação de um estímulo específico frente a um conjunto de estímulos similares), embora os interprete como processos mentais subjacentes. Especificamente, os métodos utilizados pelos cognitivistas diversificam-se entre métodos objetivos, como a realização de experimentos controlados, investigações psicobiológicas (exame cerebral de pacientes falecidos, técnicas de imagem cerebral ou avaliação de de- sempenho diante de tarefas cognitivas) e métodos introspectivos, como auto-relatos. São comuns também estudos de caso, observações naturalísticas, simulações computadorizadas e avaliação da inteligência arti- ficial (Stemberg, 2000). Conforme observa-se no relato dos psicólogos clí- nicos, tais métodos são empregados não somente no campo científico, como em práticas de intervenção terapêuticas (Range, 1999; Shinohara, 1999). Aplicações dos princípios cognitivistas na prática profissional Os diferentes modelos de intervenção terapêutica de abordagem cognitivista, surgidos desde 1962, em sua maioria, partem do princípio de que mudanças comportamentais podem ser alcançadas pela alteração dos padrões de pensamento adotados pelo indivíduo, visto que não são os eventos de fato que produzem um significado da experiência, mas a per- cepção que temos destes eventos e a expectativa que lhe atribuímos previamente. Nesse sentido, ao compreender os comportamentos desadaptativos (por exemplo, os medos excessivos) como conseqüência de um pensamento irracional, os psicólogos cognitivistas trabalham na tentativa de confrontar o paciente com a realidade, não de forma persuasiva, mas questionando as evidências que sustentam as crenças irracionais que levam o paciente à manifestação do comportamento indesejado. Assim, buscam reestruturar o pensamento do paciente (eliminar sua tendência a pensar de forma disfuncional) e reorganizar afetivamente as experiências desse (Beck, 1997; Range, 1999). Pelo seu caráter educativo e sua ênfase nas dificuldades presentes (centradas no aqui-agora), os tratamentos referenciados nesta abordagem são direcionados, principalmente, aos pacientes que procuram atendi- mento psicoterapêutico em função de dificuldades pontuais, especialmente fobias, depressão, transtorno de ansiedade, de alimentação ou de somatização (Range, 1999). No caso dos transtornos citados, um dos sintomas que, por definição, os caracteriza, é a ocorrência de alterações em determinados processos psicológicos básicos, como o pensamento, a memória ou a aten- ção, no caso da depressão (manifestas através de um padrão pessimista do pensamento e de uma tendência ao esquecimento e à fácil distração) ou a percepção, no caso dos transtornos alimentares ou somatoformes (o que implica, por vezes, uma distorção da imagem corporal). Referências Bibliográficas ATKINSON, R., ATKINSON, R., SMITH, D., BEM, E. & NOLEN- HOEKSEMA, S. Introdução à Psicologia. Porto Alegre: ArtMed, 2002. BECK, J. Psicologia cognitiva: Teoria e prática. Porto Alegre: ArtMed, 1997. HALL, C. LINDZEY, G Teorias da personalidade. Porto Alegre: ArtMed, 2000. Original publicado em 1969. POZO, J. Teorias cognitivas de aprendizagem. Porto Alegre: ArtMed, 1998. RANGÉ, B. Por que sou terapeuta cognitivo-comportamental? In: Banaco, R. (Org.). Sobre comportamento e cognição: aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista (pp. 17-26). Santo André: ARBytes, 1999. SCHULTZ, D.; SCHULTZ, S. História da Psicologia Moderna. São Paulo: Cultrix, 1999. SHINOHARA, H. Conceituação da terapia cognitivacomportamental. In: BANACO, R (Org.). Sobre comportamento e cognição: aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista (1-5). Santo André: ARBytes, 1999. STERNBERG, R. Psicologia Cognitiva. Porto Alegre: ArtMed, 2000.
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