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Manual do Blefador

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HUMO I ut.t lJIl TUDOQUE.-VOCEPRECISASABERSOBRE
PARANUNCAPASSARO HA
Os Manuais do Blefador
Administração
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Arqueologia
Arte Moderna
Balé
Blefe
(manual geral do blefador)
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Whisky
MANUAL DO BLEFADOR
TUDO QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE
ARQUEOLOGIA
PARA NUNCA PASSAR VERGONHA
PAUL BAHN
Tradução e adaptação de
SYLVIO GONÇALVES
Este livro é uma adaptação do original inglês
BluffYour Way inArchaeology
por Paul Babn
@ da tradução e da adaptação, Ediouro S.A., 1993
SUMÁRIO
HAC 2354
Introdução, 6
O que é arqueologia?, 6
Ser um arqueólogo, 8
Tipos de arqueólogos, 14
Arqueologia de campo, 17
Encontrando sítios, 17
Escavação, 18
Leis fundamentais, 23
Levantamentos topográficos, 24
Resgate, 25
Os especialistas, 26
Datação,28
Interpretação, 30
Maldições, 31
Fraudes, 33
Arqueologia impressa, 37
Estratagemas, 39
Alguns nomes para conhecer, 42
Campos de especialização, 48
Arqueólogos famosos, 57
Glossário, 62
ISBN 85-00-92354-7
EmoURO S.A.
($u:)r.-.daBdllor.T.c:nopriItS.A.)
SEDI: DI!P. DE VIlNDAS E ExpEDIÇÁo
RUA NOVAJERUSAIbI, 345 - RlO DEJAI/EIRO - RJ
CORRESPONDeNCIA: CAIXA POSTAL 1880
CEP20001-970 - Rio DE JAI/EIRO - RJ
1'l!L.: (02I)2/iO.ó122
INTRODUÇÃO
o QUE É ARQUEOLOGIA?
Se História é cascata, arqueologia é sucata. Essa
profissão bizarra consiste em procurar, restaurar e estu-
dar os refugos deixados pelos seres humanos do passa-
do. Os arqueólogos são, portanto, o oposto preciso dos
lixeiros, embora costumem vestir-se de forma semelhante.
. As pessoas an~igas* não tinham como suspeitar que
o lixo do qual se livraram tão prontamente seria um dia
resgatado por esses mercadores científicos de trastes e
ossos. Se tivessem suspeitado, teriam tomado melhor
cuidado com suas coisas e prendido etiquetas para clas-
sificar o objeto e o que faziam com ele. Como não fize-
ram isso, os arqueólogos precisam descobrir tudo sozi-
nhos.
A arqueologia é como um enorme e perverso que-
bra-cabeças inventado como instrumento de tortura pelo
demônio, pois:
a) nunca pode ser terminado
b) você nunca sabe quantas peças estão perdidas
c) a maior parte delas está perdida para sempre
d) você não pode trapacear olhando a tampa da caixa.
Pessoas pré-históricas nem sempre tiveram a visão
de ~sar materiais como pedra ou cerâmica, que sobrevi-
venam através das eras, de forma que quantidades ini-
magináveis de objetos apodreceram e sumiram. Isso é
má notícia para o arqueólogo, mas uma notícia maravi-
lhosa para o blefador.
Há várias razões para que a arqueologia seja uma
área ideal em que se pode tornar-se um blefador completo:
~ Y,m blefador experiente pode obter uma vantagem importante no
InICIO d~ qualquer conversa ao se opor ao uso de termos como O Ho-
me~ FeIto ~elo Homem, Homem Primitivo, Homem de Neandertal, e
assim por diante, por serem tolos e ofensivamente sexistas. Isso abalará
por algum tempo o equilíbrio de seu oponente.
1. Na maioria das vezes a evidência está tão dani-
ficada que a opinião de alguém é tão válida quan-
to a opinião de qualquer outro. Não há como pro-
var nada. Quando o assunto é o passado distante,
ninguém sabe com clareza. O máximo que pode
ser oferecido é um palpite informado. Você de-
ve disfarçá-Io sob o título grandioso de "dedu-
ção" ou "teoria", ou (ainda mais imponente) "hipó-
tese".
2. É particularmente fácil blefar numa conversa so-
bre arqueologia com um não-arqueólogo. Isso se
deve ao fato de que, embora a maior parte das
pessoas manifestem interesse no passado, seus olhos
tendem a embaciar depois de ouvir o assunto por
alguns minutos.
3. É especialmente fácil nesse ramo fazer-se passar
por um expert, repleto de conhecimentos impres-
sionantes e esotéricos, porque está cheio de ter-
mos obscuros e nomes e lugares exóticos. Mesmo
se o grande público tiver ouvido sobre eles, é quase
certo de que saberão pouco ou nada a seu respei-
to. Será muito útil, portanto, um mínimo de traba-
lho de casa.
É brincadeira de criança dar a falsa impressão de
estar informado, afinal, poucos ousarão desafiar seus
fatos e hipóteses.
Ante qualquer suspeita de que sua platéia faz parte
daquele grande número de pessoas que - graças aos
filmes e desenhos animados - acreditam que os primei-
ros humanos viveram ao mesmo tempo que os dinossau-
ros, utilize essa suspeita como uma oportunidade para
um sorriso de escárnio ou um suspiro de pena antes de
clarecê-los sobre o intervalo de milhões de anos entre
duas formas de vida.
Nunca deixe o fato de que nada realmente se sabe
obre os acontecimentos passados interpor-se em seu
minho: use-o como vantagem. Alguns arqueólogos imi-
ntes construíram carreiras sobre blefes convincentes.
SER UM ARQUEÓLOGO
São necessárias qualidades muito especiais para
devotar-se a problemas sem solução e a remexer no lixo
de gente morta: palavras como "masoquista", "abelhu-
do" e "louco de pedra" logo vêm à mente. É por isso que
a excentricidade é o rótulo da profissão. Assim como a
dependência ao álcool (na verdade, arqueologia podia
ser sinônimo de alcoolismo). Pode-se atribuir esse fato
tanto à necessidade de afogar as mágoas frente à incapa-
cidade de chegar a soluções como simplesmente a es-
quecer o constrangimento em praticar uma profissão ri-
dícula por natureza e quase sempre fútil.
A imagem popular dos arqueólogos é de uma turma
de doidos ou párias cobertos de poeira e teias de aranha.
O blefador, entretanto, afirmará, com um sorriso inteli-
gente, que isso nem sempre é verdade: alguns deles são
apenas distraídos e há até aqueles que se mantêm limpos.
Pode-se reconhecer o arquétipo do arqueólogo pela
barba, pelo cachimbo curvo, o casaco ou camisa estam-
pada deselegante, e pelas sandálias ou botas de cami-
nhada - e estamos falando apenas das mulheres. O ca-
chimbo costuma ser afetação, um artifício clássico de
blefe, usado para transmitir a idéia falsa de que o ar-
queólogo é um verdadeiro Sherlock Holmes. A barba
empresta um ar de sabedoria e maturidade, mas não pas-
sa de um meio para obter cinco minutos a mais na cama.
Os casacos servem para ocultar as barrigas protuberan-
tes (conseqüentes ao excesso de cerveja), enquanto as
camisetas apenas as acentuam.
As roupas e calçados dependem da temperatura, das
condições e das finanças, e muitas vezes não são troca-
dos por dias ou semanas a fio. Deve-se fingir acreditar
que isso se deve à distância de uma fonte de água ou
toalete, e não a um baixo padrão de higiene pessoal, ou
a pura falta de interesse.
A maior parte dos arqueólogos, quando inquirida
sobre o motivo de devotar as vidas à área, fará conside-
rações poéticas sobre:
• sua paixão pelo passado
• seu desejo de prestar uma modesta contribuição à
restauração da história do desenvolvimento hu-
mano.
Alguns irão até mesmo afirmar que, como Schliemann,
a arqueologia foi seu único objetivo de vida desde a
infância.
Não acredite numa palavra: como bom blefador, deve
estar apto a reconhecer egocentrismo a vinte passos. Se
um grupo de arqueólogos fosse transportado ao passado
numa máquina do tempo, as chances são de que ficariam
completamente estupidificados dentro de poucas horas e
começariam a gritar por um ar-condicionado, cerveja
boa, e sua própria versão de como as coisas seriam no
passado.
Na verdade, a maior parte das pessoas é atraída pela
arqueologia por uma variedade de razões mais práticas.
Aqui estão as cinco principais.
1. Às vezes pode ser bastante divertido - já foi
definida como a coisa mais divertida que se pode
fazer vestido.
2. A perspectiva de atividade/aventura, viagens e
encontro com pessoas do sexo oposto.
Se você
não tem paciência de perder tempo sentado numa
praia lendo um livro policial e quer distância dos
pacotes de turismo, então a arqueologia de campo
pode ser uma boa solução. A maioria dos direto-
res de campo insiste que você se aliste pelo me-
nos por uma quinzena. Assim não pode fugir hor-
rorizado ao descobrir que você é apenas um tra-
balhador mal pago, preso a um grupo de pessoas
igualmente cansativas, e a maior parte delas le-
vando seu trabalho a sério.
3. Fazer um curso universitário que costuma ser con-
siderado mais fácil que a maioria. Ao fim dele,
alguns estudantes decidem continuar para tirar um
Ph.D., tanto porque não pensam em nada melhor
9
para fazer, como por falta de coragem de encarar
o mundo real e procurar um trabalho de verdade.
Muitos abandonam o curso. Daqueles que conse-
guem seu Ph.D., a maioria descobre que o merca-
do de trabalho em arqueologia é nulo, que desper-
diçaram vários anos, e que tudo o que resta a fa-
zer é estudar para ser contador ou fiscal de impos-
tos. Neste ponto, sua paixão pelo passado esvanece
rapidamente, tendo seu lugar ocupado pela cor-
rupção e pela meia-idade.
4. Conseguir um meio de vida (não-recomendado a- ,
nao ser que suas necessidades materiais sejam mí-
nimas? Com disse ChampoIlion, a arqueologia é
uma linda amante, mas seu dote é pobre.
5. Fazer uma carreira. Isso não é fácil, pois a carrei-
ra de um arqueólogo já começa em ruínas.
Uma carreira arqueológica é considerada um suces-
so se o arqueólogo se torna:
• uma celebridade nacional (raro)
• uma celebridade internacional (muito raro)
• ou rico (extremamente raro - "riqueza" e "car-
reira arqueológica" são quase termos contraditó-
rios).
Normalmente consegue-se isso através de uma des-
coberta c?m. apelo popular. Virtualmente, todo arqueó-
logo protíssíonaí da atualidade afirma não ser caçador
de .tesouros, mas um cientista buscando informação, não
objetos. Portanto, em qualquer conversa a respeito de
tes?uros individuais, o blefador pode marcar pontos en-
fatizando, com grande condescendência, que os arqueó-
logos da atualidade não cavam para encontrar coisas,
mas para descobrir coisas.
Embora isso seja verdadeiro na maioria dos casos é
amb~m justo afirmar que qualquer arqueólogo fica:ia
ufónco e.m encontrar alguma coisa que não apenas se
vela se Importante para a área, como também estimu-
a imaginação do público. E como pouquíssimas
descobertas (apresentadas seriamente) provocariam mais
do que um bocejo contido no espectador de tevê ou no
leitor de jornais sensacionalistas, tais descobertas preci-
sam ser maquiadas com superlativos de blefador: o pri-
meiro, o mais antigo, o maior, o mais bem preservado, o
mais rico, o mais espetacular de sua espécie.
Outro recurso eficaz constitui associar a descoberta
a um tópico sempre popular, como:
11
• sexo
• violência
• canibalismo.
Não se esqueça: como o público se importa pouco
com ancestrais anônimos, é crucial ligar a descoberta a
uma figura lendária ou bem conhecida, preferivelmente
de sangue azul (Rei Arthur é o grande favorito). A des-
coberta do enésimo esqueleto romano ou pote peruano
não despertará nenhum interesse, mas se você apresentá-
Ia como a provável avó de Júlio César ou como a escar-
radeira de Atahualpa, conseguirá chegar aos noticiários,
e talvez aos programas de entrevista. Seus colegas de-
monstrarão desprezo, mas ficarão verdes de inveja com
a projeção e o aumento de receita que esse tipo de coisa
lhe proporcionará.
Como blefador, você deve desprezar esse tipo de
busca de atenção como "farfalhice de carreiristas ambi-
ciosos e sem escrúpulos". Se você mesmo for acusado
disso, explique que, infelizmente, esse tipo de coisa é
necessária para manter o prestígio da arqueologia frente
ao público, sendo com grande relutância que permite
que a mídia distorça seu trabalho. Obviamente, não tem
nenhuma intenção de impulsionar sua carreira.
Não será surpresa descobrir que qualquer um que
scolha a arqueologia como profissão é, ou precisa tor-
nar-se, um blefador consumado.
Os estudantes são blefadores novatos, tentando apren-
d r os rudimentos da área para blefar para passar nos
xarnes e conseguir uma carreira ou, ao menos, um di-
ploma. Isso requer certa quantidade de estudo e redação
mas também um pouco de trabalho em sítios arqueológi-
cos para ganhar experiência e a estima dos professores.
Os conferencistas possuem uma grande carga horá-
ria de ensino, não se pode esperar que pensem e sejam
originais ao mesmo tempo. São blefadores com muita
prática em convencer que sabem muita coisa nesse cam-
po de interesse em particular, e que não decoraram tudo
às pressas na noite anterior. Ao contrário de conferen-
cistas em outras áreas, seu trabalho de verdade começa
nas férias de verão, quando realizarão um pouco de pes-
quisa, dirigirão algum trabalho de campo, ou tentarão
adiantar um pouco o livro que escrevem há anos. Têm
como objetivo principal conseguir um salário melhor e
reduzir sua carga de trabalho, tornando-se:
Acadêmicos sênior, isto é, blefadores avançados. Uma
vez que tais alturas estonteantes tenham sido atingidas,
é possível sentar-se e descansar sobre os louros. Por
exemplo, um arqueólogo chefe de departamento no nor-
te da Inglaterra não fez absolutamente nada desde sua
tese, há vinte anos, o que lhe valeu o apelido de "trom-
bose", o coágulo que bloqueia o sistema. Outros disfar-
çam, produzindo regularmente variações do mesmo tra-
balho. Um ou dois mantêm-se animados e inventivos,
produzindo trabalhos interessantes, mas essas exceções
não têm lugar num livro de blefe.
Repare que nenhum arqueólogo, nessas posições ou
ainda em outras mais avançadas, dará um grama de gló-
ria às profissionais mais importantes na arqueologia aca-
dêmica, as secretárias, já que são as pessoas mais sãs da
área, fazem todo o trabalho pesado, e sem elas a maior
parte dos acadêmicos e departamentos simplesmente rui-
riam.
Arqueólogos profissionais precisam fazer voto de
pobreza, embora não (felizmente) de castidade. A maio-
ria prefere substituir rendimentos por influência e ócio.
Sendo magros de bens (embora gordos de corpo), cons-
tantemente precisam suplicar e esmolar para poderem:
12
a) fazer o trabalho de campo
b) comparecer a conferências
c) ter seus trabalhos publicados.
Você deve saber que essas práticas nunca revelam a
verdade sobre o baixo grau de importância ou originali-
dade do projeto, mas acentuam a natureza potencial e
fascinante do trabalho.
É triste, mas verdadeiro, dizer que:
• A única forma de se conseguir fazer bom dinheiro
com arqueologia é blefar de forma a tornar-se
professor universitário.
• A única forma de se fazer dinheiro alto é vestir
jeans apertados, deixar a barba por fazer e a cami-
sa entreaberta, ir à televisão e blefar de forma a
fazer com que o público pense em você como um
especialista na área.
• A única forma de se fazer grandes quantidades de
dinheiro é escrevendo A Tribo da Caverna do Urso.
13
TIPOS DE ARQUEÓLOGOS
Há basicamente duas categorias: o arqueólogo de
campo e o arqueólogo de poltrona.
Os arqueôlogos de campo são normalmente chama-
dos "arqueólogos sujos", termo que não se aplica neces-
sariamente às suas mentes ou aparências (bem, às ve-
zes). São aqueles que realmente saem para cavar e de-
marcar para obter alguma evidência que possa ser
investigada. Também tentam fortalecer sua nova ima-
gem de "homens de ação" manejadores de chicotes,
normalmente com grande fracasso.
A maioria dos arqueólogos de campo sabe blefar de
forma a fazer com que pensem que seu trabalho é exci-
tante, cheio de emoções. Mas é bom que você saiba que,
exatamente como o mundo do cinema ou da fotografia
de moda, pode parecer glamouroso e desafiador quando
visto de fora, mas se você experimentar, logo irá desco-
brir os longos períodos nos quais nada acontece.
Há compensações, claro: poucas são as profissões
que permitem que você viaje regularmente a regiões exóti-
cas com uma turma de jovens lascivas, ansiosas em se
divertir e obter notas altas. Esse é o mesmo motivo pelo
qual as esposas - sofredoras não-arqueólogas - sen-
tem-se compelidas a irem também.
Arqueólogos de campo estão sujeitos a queimaduras
de sol, picadas de insetos, bolhas nos pés e nos joelhos,
e ressacas.
Os arqueólogos de poltrona escolhem seu papel por
uma variedade de razões: ócio, incompetência, falta de
vontade de sujar as mãos, ou aversão à luz do sol.
Sustentam a imagem tradicional dos arqueólogos como
velhos tontos ou, em muitos casos, como jovens tontos.
Como não podem, ou não obterão evidência para si mes-
mos, precisam voltar-se para outras pessoas. Não obs-
tante, conseguem atingir eminência real na área através
da prática de um tipo especial de blefe conhecido como
"teoria arqueológica", o que é feito de várias formas:
1. Você compensa sua falta de informação questio-
nando o conhecimento de todos que o cercam:
• Como estava o mamilo do sítio?
• Quão representativo era o espécime?
2. Desvia a atenção de sua própria carência de idéias
e soluções atacando aqueles que tentam fazer al-
gum trabalho e tentando demolir toda sua aborda-
gem do assunto.
Toda essa fanfarronice e admoestação tem pago di-
videndos fantásticos a muitas carreiras, particularmente
dentro da "Nova Arqueologia". Se você é suficiente-
mente loquaz, rude e agressivo, gerações de estudantes
o tratarão com respeito e deferência extraordinários. A
isso se chama "a síndrome do babuíno alfa", pois os
macacos conquistam o comando com o mesmo tipo de
blefe.
Mas comportamento por si só é insuficiente: será
realmente preciso dizer ou publicar alguma coisa, e esta
uma área de blefe intenso. Arqueólogos teóricos (ou
"Os Mortos-Vivos", conforme são conhecidos) produ-
z m quantidades enormes de papéis e livros, repletos
om:
a) jargão impressionante
b) palavras longas
c) equações matemáticas
d) diagramas complicados que envolvem montes de
linhas, arcos e colunas.
Poucas pessoas chegarão a ler esse material além de
urros teóricos tentando manter-se atualizados com no-
vu. jargões (e procurando algo novo para atacar) e aque-
I tudantes suficientemente infelizes para terem os
utorcs entre seus professores.
onseqüentemente, pouquíssimas pessoas chegam
p r cber que a maior parte do texto é inexpressiva, as
15
equações desenxabidas, e os diagramas supérfluos, de
forma que a indústria continua a funcionar. Este é um
exemplo genuíno de um trabalho teórico:
"A noção das contradições estruturais resulta numa mu-
dança social relativa à operação de variáveis causativas num ní-
vel epistemológico diferente daqueles assumidos em análises de
variáveis interconectadas e entidades, resultando em processos
morfogênicos de retroalímentação."
A despeito de sua sofisticação aparente, este tipo de
blefe é notavelmente fácil: basta aprender algumas pala-
vras-chave como cognitivo, interpretativo e operacionável;
em seguida, ligue-as com jargões apropriados, como es-
truturalista, processual ou mesmo pós-processual (não
se preocupe sobre o que isso significa - ninguém mais
sabe ou sequer se preocupa com isso), e poderá prosse-
guir alegremente até que sua platéia/leitores cochilem
ou fujam aterrorizados.
Caso venha a confrontar-se com um número assus-
tador de arqueólogos teóricos (dois), tente primeiro falar
positivamente sobre os méritos do trabalho de campo.
Se persistirem, tente citar a máxima de Kant de que
"conceitos sem percepções são vazios" (isto é, você não
pode dominar o todo sem dedicar-se a algumas minúcias
- em outras palavras, saia e vá fazer algum trabalho de
verdade). Uma crítica vinda de um filósofo alemão deve
atingi-I os no coração, ou pelo menos estonteá-los por
tempo suficiente para que você dê alguma desculpa e
fuja.
Os arqueólogos de poltrona tendem a contrair úlce-
ras, egomania e ressacas permanentes.
A diferença pode ser explicada de forma muito sim-
ples: arqueólogos de campo desencavam lixo, arqueólo-
gos teóricos escrevem o seu próprio.
16
ARQUEOLOGIA DE CAMPO
Em algum momento de suas carreiras, a maior parte
dos arqueólogos, com a exceção dos teóricos, realmente
sai e tenta obter alguma informação nova.
ENCONTRANDO SíTIOS
A forma mais simples de encontrar sítios é pergun-
tando a alguém que saiba onde eles estão. O blefador
esperto deve estar ciente de que os sítios mais importan-
tes não são encontrados por arqueólogos - na verdade,
são achados acidentalmente por fazendeiros, trabalha-
dores de construção ou fotógrafos aéreos; sítios subma-
rinos são descobertos por pescadores e mergulhadores;
cavernas são achadas por crianças (no caso de Lascaux),
e até mesmo por cães (no caso de Altamira). Os ladrões
profissionais de túmulos (diga huaqueros no México,
tombaroli na Itália) são mais aptos a descobrirem túmu-
los antigos que qualquer arqueólogo. Entretanto, é o úl-
timo que investiga os sítios e quem obtém toda a publi-
cidade e glória.
A área em particular na qual escolhem para traba-
lhar é supostamente selecionada de forma a responder
perguntas de relevância específica de seu interesse de
pesquisa. Na prática, as razões reais dependem de um ou
de todos os fatores abaixo:
• clima
• presença de um amante
• piscinas
• bares da região.
Por essas razões, a França é particularmente popu-
r. Também oferece comida soberba e uma sensível
ndência francesa a colocar tetos sobre as escavações.
Outro fator importante é a situação política - guer-
não é um cenário saudável para trabalho arqueológico
campo. Esse é o motivo pelo qual a maioria dos ar-
17
queólogos americanos deixou o Irã quando o Aiatolá
subiu ao poder. Infelizmente, muitos resolveram mudar-
se para o (temporariamente) seguro Afeganistão.
Seja qual for a área, há duas formas principais de
obter informações novas: escavação e levantamento to-
pográfico.
ESCAVAÇÃO
O público pensa que os arqueólogos passam a maior
parte de seu tempo cavando. Na verdade, não são todos
os que cavam, e apenas uns poucos cavam todo o tempo.
O blefador deve saber explicar condescendentemente que
processar e analisar descobertas costuma levar mais tempo
que a escavação em si, sendo, portanto, apenas o estágio
preliminar: os meios para um fim, não o próprio.
Qualquer escavação que esteja ao alcance do públi-
co costuma ser visitada com freqüência irritante por ci-
dadãos honestos que pensam que elas existem para sua
diversão. Devem ser tratados com a maior cortesia e
respeito no caso de:
a) tencionar contribuir financeiramente para o pro-
jeto, ou
b) estar ligados a alguém importante, com poderes
para encerrar o trabalho.
Dependendo de sua opinião a respeito dos visitan-
tes, os diretores devem atribuir aos cavadores mais char-
mosos (ou mais chatos) a tarefa de conceder visitas guia-
das. Os próprios diretores assumirão essa tarefa apena
para VIPs.
Como os visitantes normalmente possuem alcance li-
mitado de questões e comentários, os blefadores devem
estar familiarizados com as mais comuns, de forma a prepa-
rar respostas dignas de G. B. Shaw ou Oscar Wilde:
• E aí, acharam algum ouro?
• Continuem que vão acabar chegando à Austrália,
rá-rá.
18
• Qual é a idade disso? Como você sabe?
• Por que as pessoas viviam em buracos no chão?
• Perdeu suas lentes de contato, hein?
• Aquilo ali é um osso de dinossauro?
• Quando vocês acabarem, que tal cavar meu jar-
dim?
• Ei Indiana, onde estão o chapéu e o chicote?
• O que fazem quando chove?
• Acho o Michael Wood ótimo, e você?
Já foi dito que não existe uma forma usual ou corre-
ta de se cavar um sítio, mas um monte de formas erra-
das. Essa é uma informação valiosa para o blefador no
comando de um projeto desse tipo. Você pode desprezar
quaisquer críticas
a respeito de métodos por serem
inaplicáveis às circunstâncias particulares e únicas, pre-
sentes no sítio.
Na verdade, existem duas formas básicas de proce-
der à escavação:
Verticalmente (para ver as diferentes camadas), e
Horizontalmente (para expor áreas mais extensas
de uma camada em particular).
A maioria dos diretores mantém estratégias flexí-
veis de forma a tirar vantagem de qualquer circunstância
pecial que se apresente, ou para camuflar quaisquer
rros que possam ser cometidos. É bom saber, portanto,
uc em vez de serem cuidadosamente planejadas desde
início, a maioria das escavações prossegue de forma
tabanada, na base do cavar, errar e tentar de novo.
Entretanto, é aconselhável obter o máximo possível
informação a respeito do que existe embaixo da su-
rfície antes de começar a cavar. Isso ajuda a evitar o
ibaraço de:
a) descobrir que está cavando no lugar errado
b) não encontrar nada
19
c) descobrir mais do que estava preparado para des-
cobrir.
Portanto, toda uma variedade de equipamentos e téc-
nicas sofisticadas deverá ser utilizada, o que permite aos
estudantes mais tecnicamente orientados produzir ma-
pas vagos a respeito do que existe embaixo do solo.
Esses glorificados detectores de metais incluem magne-
tômetros, medidores de resistência específica do solo e
diversos outros modos de passar energia através do chão.
Caso os recursos não permitam isso, pode-se introduzir
sondas no solo a intervalos freqüentes. Há alguns anos,
um arqueólogo inglês acabou cavando pelo subsolo londrino
por não ter encontrado um sítio adequado.
Em toda escavação encontramos uma série de per-
sonagens comuns.
O diretor de escavação é um tipo de general. Ele (na
maior parte das vezes é um ele) planeja a estratégia ge-
ral, mas deixa todo o trabalho pesado para a infantaria,
tratando apenas com a papelada: suprimentos, contas,
permissões, cartas de solicitação e daí em diante.
Os supervisores de sítio ou oficiais - normalmente
estudantes graduados - atuam como ligação entre o
general e a infantaria e geralmente exercem bastante
influência. Ocasionalmente têm alguma noção do que
está sendo feito no sítio e por quê.
Os cavadores ou infantaria - não-graduados, con-
denados locais ou cidadãos voluntários - são bucha de
canhão, normalmente cumprindo todo o trabalho cansa-
tivo e mantendo-se num estado de ignorância feliz sobre
o que está sendo feito e por quê. Surpreendentemente,
alguns até mesmo pagam dinheiro para serem tratado
dessa forma. Sua tarefa básica é remover areia de um
lugar para outro, ocasionalmente peneirando-a antes d
amontoá-Ia.
Os blefadores precisam saber que durante a mai I
parte do tempo ocorre pouquíssima escavação: a areia
revolvida com colheres de trolha e varrida para o canto,
o que é muito lento mesmo. Na maior parte do mundo ()
20
transporte da areia é feito com pás, baldes e carrinhos de
mão. No Japão, entretanto, onde a mecanização é pródi-
ga, mesmo os sítios arqueológicos menores têm sua areia
removida com o auxilio de uma série de esteiras rolantes
que conduzem a areia para o local em que será empilhada.
Outras tarefas excitantes incluem lavar as descober-
tas (em sua maior parte, pedaços de pedra, osso ou va-
'os), escrever pequenos números nelas e desenhá-Ias,
mpacotá-las, e catalogá-Ias. Antigamente toda essa in-
formação era coletada em cadernos de escavação, junta-
mente com mensurações exatas da localização precisa
da posição dos objetos no sítio. Não importava tanto se
aqueles cadernos eram precisos - notícias confortadoras
para o cavador adepto do blefe - já que há poucas
oisas que embotem mais a mente do que entender as
notações de alguma outra pessoa, de forma que os li-
vros normalmente jamais eram examinados de novo. Hoje
m dia, nas escavações mais avançadas, essas informa-
ões são gravadas diretamente em computadores, o que
não apenas significa que as máquinas processam todos
o planos de sítio com muito mais facilidade e rapidez que
o estudantes, mas também que as informações mais irrele-
vantes e inúteis podem ser ignoradas ainda mais rápido.
O uso de computadores, claro, também confere à
. cavação a ilusão de usar tecnologia de ponta - não
mporta que sejam apenas tão úteis e precisos quanto a
nforrnação que lhes foi depositada em primeiro lugar,
ue por sua vez depende da qualidade e da vigilância
o escavadores, assim como dos operadores de compu-
dor. Matriciais de computador, mapas e diagramas fa-
m seu relatório parecer terrivelmente impressionante
profissional, e possuem a vantagem extra de dificultar
leitor o exame atento de sua evidência.
Alguns diretores - provavelmente aqueles que ti-
ram uma infância merecidamente solitária - proíbem
u os cavadores falem no trabalho. Isso torna comple-
ente intolerável um trabalho que já é chato por natu-
. Por viverem dias de trabalho incessantemente te-
os, não é de admirar que a maioria dos cavadores
21
deseje secretamente fazer uma descoberta excitante, tal-
vez um cadáver, ou mesmo algum tesouro valioso. En-
tretanto, isso não é desejável, pois pode atrair multidões
ao sítio ou provocar reclamações e ameaças por parte
dos moradores da localidade que não queiram que seus
ancestrais sejam perturbados. E é claro que sempre há a
possibilidade de maldições.
Cavadores precisam de joelhos fortes para suportar
longas horas de trabalho ajoelhado sobre tábuas ou terra
bruta: neste caso, pode ser útil ser católico ou japonês.
Pode-se dividir os sítios em dois tipos:
1. Terreno molhado (cheio de mato úmido)
2. Terreno seco (sem nenhum mato úmido).
O complexo de superioridade dos arqueólogos de
terreno úmido deve-se ao privilégio de encontrar mate-
riais perecíveis que teriam se desintegrado em sítios de
terreno seco. Em contrapartida, correm o risco de con-
trair bicho-do-pé.
Os arqueólogos de terreno seco costumam se enxo-
valhar muito menos, mas correm risco de contrair
pneumoconiose (se o sítio for realmente seco).
Trabalhar em qualquer tipo de sítio ajuda a pegar
um bronzeado (menos na Inglaterra), desenvolver mús-
culos e perder peso (menos na França).
Muita gente acha que uma escavação deve parecer
uma temporada de 18 a 30 dias numa colônia de férias.
Algumas até são, mas na maioria costuma haver um
sistema de patentes em operação, com as cavadoras mais
atraentes oferecendo assistência primeiro ao diretor, depois
aos supervisores, e em último lugar aos camaradas cava-
dores. Alguns diretores franceses são famosos por atraí-
rem "turmas" de americanas às suas escavações.
Nunca admita a alguém de patente mais alta que
esta é sua primeira escavação, ou que você não sabe o
que está fazendo. Além de ser tão potencialmente emba-
raçoso quanto admitir virgindade, uma confissão dessa
natureza fará com que lhe dirijam as tarefas humilhantes
que as mãos mais experientes procuram evitar, como:
22
• cavar latrinas
• fazer café
ou ambos.
Aconselha-se que seu equipamento e roupas aparen-
tem bom uso e você deverá assumir um ar de falsa
autoconfiança e negligência sobre todo o empreendi-
mento.
LEIS FUNDAMENTAIS
Existem algumas leis fundamentais na escavação
arqueológica com as quais você deveria familiarizar-se:
1. A parte mais interessante do sítio estará sob sua
pilha de despojos, ou pelo menos fora da área que
escolheu cavar.
2. Você fará sua descoberta mais importante no último
dia, quando estará pressionado pelo tempo e pelos
fundos (isso é conhecido como a Lei de Howard
Carter, que encontrou Tutancâmon imediatamente
antes de ter as verbas cortadas por Lorde Carna-
von).
3. Encontrar qualquer coisa valiosa dependerá de
aumentar sua escavação, e em qualquer caso não
será o que você esperava.
4. Na dúvida, abra uma fenda.
5. Só falsifique registros quando for absolutamente
necessário: isso é para os blefadores mais cínicos,
que confiam no conhecimento de que cada sítio é
único, que
a escavação o destrói, e que ninguém
jamais poderá refazer seu trabalho e provar que
você estava errado.
isas úteis para levar a uma escavação:
• Equipamento de camping
• Roupas velhas, incluindo camisas estampadas com
a frase "Arqueólogos fazem aquilo em buracos".
• Uma colher de pedreiro pontuda (na França, pre-
ferem chave de fenda, o que pode lhe dizer algu-
23
ma coisa a respeito dos franceses). Faça a colher
parecer suficientemente velha e usada para fazê-
10 passar por veterano.
• Repelente de insetos
• Seguro (caso uma trincheira desabe sobre você)
• Camisinhas
• Abridor de garrafas e saca-rolhas.
LEVANTAMENTO TOPOGRÁFICO
A alternativa de escavação atualmente em voga é o
levantamento topográfico. Requer caminhadas sistemá-
ticas por um sítio ou terreno, examiná-Io meticulosa-
mente à procura de traços arqueológicos de todos os
tipos - muros, estruturas, pedaços de pedra ou cerâmi-
ca, etc., cuja localização é cuidadosamente mapeada, e
seus padrões, estudados. Fãs de levantamento orgulham-
se muito de seu trabalho, estando conscientes de que os
escavadores consideram levantamento uma relação po-
bre, e que a escavação é o único meio de ter certeza de
que há vida abaixo da superfície. Na verdade, cada ati-
vidade possui forças diferentes: a escavação revela mui-
to sobre uma área pequena; o levantamento revela pouco
sobre uma área grande.
O levantamento é ótimo para se blefar, porque na
maioria das vezes os objetos nem mesmo são coletados,
tendo apenas sua presença e localização anotadas. Por-
tanto, cada levantamento é único e nunca poderá ser
repetido com exatidão. Em conseqüência, ninguém pode
checar seus dados, e a única forma de desafiar-lhe as
afirmações é escavando toda a área na qual realizou o
levantamento.
Costuma-se considerar o levantamento topográfico
como um segundo em qualidade, praticado quando não
se possui permissão, verbas ou mão-de-obra para uma
escavação. Mas já se concluiu que o levantamento topo-
gráfico é mais rápido e muito menos custoso que a esca-
vação; é menos destrutivo, e praticamente não requer
24
nenhum equipamento além de mapas, estudantes e cal-
çados resistentes.
Coisas úteis para levar num levantamento
topográfico:
• Equipamento de camping
• Roupas velhas, incluindo camiseta estampada com
a frase "Arqueólogos fazem aquilo sistematica-
mente em toda a paisagem".
• Chapéu de couro e, dependendo do clima, guar-
da-chuva
• Uma bússola
• Pomada para picadas de insetos
• Dicionário de frases locais (verifique os verbetes
"Cuidado com o touro", "Cerca eletrificada", "Cam-
po minado", etc.
RESGATE
Algumas pessoas são escavadores profissionais, vin-
culados a grupos dirigidos por autoridades regionais. A
maior parte de seu trabalho consiste em escavar rapida-
mente sítios que se encontram, por diversos motivos,
ob ameaça de destruição. Essa atividade requer peque-
nas estratégias globais: o material é desenterrado pelo
bem dele, para preservá-lo para a posteridade. Seus co-
legas acadêmicos que afirmam executar escavações de
pesquisa sob planejamento costumam zombar desse tipo
de procedimento. Naturalmente, o blefador deve elevar
arqueologia de resgate às alturas quando encontrar um
pesquisador, e vice-versa.
25
Os ESPECIALISTAS
Alguma coisa deve ser feita com toda a informação
reunida no campo, e é nesse momento que uma grande
quantidade de pessoas, muitas delas fora do próprio ramo
arqueológico, são chamadas para fazer seus trabalhos.
ESPECIALISTAS EM FERRAMENTAS DE
PEDRA
Estes indivíduos são responsáveis por dividir peda-
ços de pedra trabalhada em categorias diferentes de acordo
com sua forma e estilo e tentar adivinhar para que eram
usados. Nos últimos tempos esta tarefa tem-se tornado
mais fácil devido à observação de resíduos em suas pon-
tas, através de microscópios poderosos - a detecção de
sangue humano em algumas ferramentas de pedra pré-
históricas sugere que alguns trabalhadores eram tão de-
sajeitados quanto os atuais.
Os blefadores devem evitar piadinhas sem graça em
relação a esses profissionais, como dizer que sua ali-
mentação principal é sopa de pedra.
Poucos especialistas são mais tenazes que aqueles
que dedicaram uma vida inteira a pedaços de pedra, mas
a eles seguem de perto os:
ESPECIALISTAS EM CERÂMICA
Como diz o velho ditado inglês, é preciso ser um
jarro rachado para amar um jarro rachado, mas, na ar-
queologia, pedaços de cerâmica (ou "cacos") são quase
tão numerosos e indestrutíveis quanto as ferramentas de
pedra, sendo, portanto, uma tremenda sorte que algumas
pessoas escolham dedicar-se a essa linha de trabalho.
Tentar reconstruir jarros despedaçados é uma tarefa frus-
trante e delicada, como um quebra-cabeças tridimensio-
nal, especialmente se uma ou várias peças estão faltando
ou não se encaixam. Um dos requisitos essenciais para
26
essa atividade é possuir índole serena, pois é muito fácil
cometer erros.
ZOÓLOGOS
Freqüentemente os arqueólogos dependem de zoó-
logos para identificar os restos de animais que exumam.
A vida dos especialistas em ossos é mais fácil que a de
seus colegas botânicos (veja abaixo), pois os fragmentos
de ossos são maiores, mais bem preservados e mais ime-
diatamente identificáveis que os restos de plantas. Por
conseguinte, um número cada vez maior de arqueólogos
sente-se capaz de fazer esse trabalho, autodenominando-
se "zooarqueólogos" ou "arquezoólogos". O blefador,
claro, preferirá sempre a versão alternativa à que estiver
sendo usada.
Alguns se especializam ainda mais, em ossos de peixe,
ou de pássaros ou roedores, ou, ainda, em cascas de
moluscos. Caracóis é um assunto particularmente fácil
de ser dominado.
BOTÂNICOS
Os arqueólogos dependem de botânicos para identi-
ficar quaisquer pedaços de vegetação que possam ser
desenterrados (madeira, sementes, caroços, grãos), não
importa quão chamuscados ou saturados de umidade es-
tejam. Os botânicos costumam extrair o material com
uma sonda depois de retirar sedimentos do sítio através
de uma máquina de flotação ou de um filtro. Em segui-
da, precisam examinar cuidadosamente esse material anti-
go através de microscópios e fazer o possível para tentar
entendê-Io.
As coisas ficam um pouquinho mais interessantes se
mistura vier de um estômago. O Homem de Tollund, o
adáver preservado da Idade do Ferro do primeiro sécu-
I A.C., que foi descoberto num pântano dinamarquês
m um laço em torno do pescoço, possuía uma quanti-
de de remanescentes vegetais no estômago, indicando
27
que sua última refeição fora um tipo de mingau compos-
to de sementes e grãos. Ao comer uma reconstituição
dessa papa insípida, Mortimer Wheeler anunciou que, se
era isso que o Homem de Tollund comia em casa, pro-
vavelmente cometera suicídio.
Alguns botânicos se especializam no estudo de pó-
len (o blefador profissional se referirá a eles como
polinologistas). Grãos de pólen sobrevivem surpreen-
dentemente bem, podendo revelar muito sobre a vegeta-
ção e o clima do passado, demonstrando o que estava
florescendo em lugares e períodos diferentes. O estudo
do pólen é, entretanto, uma disciplina que, por requerer
bastante dedicação, costuma irritar o nariz de muita
gente.
ANALISTAS DE COPRÓLITOS
Coprólitos são excrementos fósseis de animais e
humanos que podem ser encontrados em sítios arqueoló-
gicos, especialmente naqueles ou muito secos ou muito
alagados. Infelizmente, por representarem a evidência
mais direta do que era realmente ingerido, precisam ser
extraídos e identificados. Um pequeno número de intré-
pidos especialistas ao redor do mundo sabe como tratar
os coprólitos com elementos químicos, de forma a reobte-
rem sua forma, textura, e até mesmo cheiro, originais.
Dizem que um especialista americano é capaz de
reconhecer algumas substâncias em coprólitos tratados
(como o alcaçuz) apenas pelo cheiro. Esses especialistas
costumam ser injustamente desprezados pela maioria dos
outros acadêmicos apenas pela natureza pouco gloriosa
de seu trabalho.
DATAÇÃO
Os cientistas são responsáveis pelo serviço valiosfssi-
mo de prover a arqueologia com uma cronologia absoluta.
Os arqueólogos lhes dão pedaços de carvão, osso, cerâ-
mica e assim por diante, e os cientistas realizam suas
28
mágicas para dizer a idade desses objetos. Os físicos
devem sentir-se muito populares, pois as pessoas lhes
ficam perguntando sobre datas; a vida da arqueologia
mudou depois que ela se uniu à física.
Tudo o que os blefadores precisam saber são os no-
mes impressionantes e os rudimentos de alguns dos prin-
cipais métodos:
1.Dendrocronologia
As árvores sofrem um aumento anual em seu nú-
mero de anéis, e como a espessura de cada anel varia de
acordo com as condições climáticas do ano (grande cres-
cimento em anos favoráveis, etc.), uma série não rompida
de anéis pode ser calculada e estendida séculos para trás
confrontando-se seqüências idênticas preservadas em
madeiras modernas e antigas. Depois disso, qualquer
árvore encontrada na área pode ter seus anéis compara-
dos à seqüência-mestra, e sua idade estabelecida com
precisão.
2. Termoluminescência
Não há necessidade alguma de saber como isso
funciona. Apenas esteja ciente de que é principalmente
usado para datar cerâmica. Ao que parece, pode-se adi-
vinhar há quanto tempo um objeto foi aquecido através
da medição da quantidade de luz desprendida quando é
reaquecido. Não é considerada eficiente com restos or-
gânicos, mas é possível datar alimentos através de:
3. Datação por radiocarbono
Usado em substâncias orgânicas, este método mede
a minúscula quantidade de isótopos radioativos de car-
bono 14 deixado nelas - depois da morte de um orga-
nismo, a quantidade de C14 que ele contém diminui
gradativamente na mesma proporção que a correspon-
dência de propaganda que recebia.
Datas de radiocarbono são um paraíso para blefado-
res. Consistem em um algarismo seguido por um sinal
positivo ou negativo e outro algarismo: por exemplo
2450 ± 80 BP significa que a idade do objeto em anos
eve variar entre 2530 a 2370 antes do presente - mas
29
há apenas 66% de possibilidade de que se encontre nes-
se período de tempo.
Poucas pessoas conseguem se lembrar de datas de
radiocarbono com alguma precisão, de forma que você
pode chutar qualquer algarismo que soe como estando
na ordem correta de magnitude. Se for desafiado, diga
que seu algarismo é calibrado (ou seja, corrigido em
função da imprecisão dos variados e complexos cálculos
de radiocarbono). Houve muitas tentativas de produzir
"curvas de calibramento" padronizadas (datando objetos
e anéis de árvore de idade conhecida e vendo o quão
errado o C14 está em cada caso), e cada uma resultou
em algo diferente.
Quando confrontado com uma data de radiocarbono,
o blefador pode recorrer a diversos estratagemas:
a) Questionar sua precisão (se não for calibrado), ou
a precisão de seu calibramento.
b) Perguntar a respeito de que material a data foi
obtida - datas a partir de conchas, por exemplo,
são extremamente imprecisas.
c) Comentar que uma simples data de radiocarbono
não é de muita valia - hoje em dia apenas uma
série inteira delas é considerada confiável.
Além disso, qualquer data pode ser colocada em
questão apenas pondo-se em dúvida a forma pela qual o
espécime foi coletado e sugerindo-se que deve ter sido
contaminado de alguma forma. Pouquíssimas datas ar-
queológicas podem sobreviver a esse tipo de inquisição,
e seu oponente sempre terá de se curvar aos seus rigores
científicos ou correr o risco de parecer perigosamente
dogmático ou descuidado.
INTERPRETAÇÃO
O blefador deve estar ciente de duas tendências bá-
sicas na arqueologia:
1. As datas para as diversas invenções (como a cerâ-
mica) ou eventos (por exemplo, a chegada de hu-
manos na Austrália) são constantemente empur-
radas para trás.
2. O local de origem dos diferentes objetos de estu-
do arqueológico, incluindo as próprias pessoas,
mudam ao redor do globo à medida que novas
descobertas são feitas. Como Breuil disse a res-
peito das origens humanas, "O berço da humani-
dade está em pedaços".
Portanto, a arte de interpretar evidências arqueoló-
gicas é dar-se espaço para manobrar à luz das descober-
tas futuras.
As deficiências da interpretação arqueológica de-
vem ser evidentes: na verdade, a arqueologia tem sido
descrita como "a reconstituição de padrões não-observáveis
de comportamento a partir de pistas indiretas em amos-
tras ruins". Para seu benefício, o blefador astuto pode
voltar à questão com uma parábola sobre um arqueólogo
do futuro tentando encontrar lógica num sítio arqueoló-
gico do século vinte - construções com arcos dourados
seriam identificados como locais de adoração onde re-
feições rituais eram preparadas; a divindade principal é
obviamente um rato com calças vermelhas e luvas bran-
cas (sua imagem é encontrada em toda parte, especial-
mente em roupas); e a garrafa de Coca-Cola seria um
símbolo fálico ou uma estatueta feminina, de acordo com
as predileções do intérprete.
MALDIÇÕES
É crença popular - graças aos filmes, quadrinhos e
jornais sensacionalistas - que os arqueólogos que pro-
fanam tumbas ou sítios sagrados caem vítimas de hor-
ndas maldições. O caso mais famoso é o da tumba de
utancâmon, pois o financiador do trabalho, Lorde
arnarvon, morreu alguns meses depois que a tumba foi
scoberta em 1922. Os blefadores devem fazer pouco
50 dessa crença, sugerindo que Tutancâmon poderia
31
ter planejado uma morte mais espetacular para Carnarvon
do que fazê-lo cair vítima de pneumonia (na verdade, é
provável que sua morte tenha sido provocada pela inala-
ção, num corredor que levava à tumba, de um fungo en-
contrado na poeira seca dos excrementos de morcegos).
Também pode ser comentado que Howard Carter,
que realmente descobriu e despojou a tumba, e profanou
o corpo, morreu de causas naturais 17 anos depois.
Muitas mortes seguintes a profanações arqueológi-
cas de tumbas e outros sítios podem na verdade ser atri-
buídas a uma causa mais mundana: a arqueologia é um
negócio sujo, no qual se convive com quinquilharias
velhas e materiais orgânicos decompostos. Seria de ad-
mirar se não houvessem germes e esporos ocasionais à
espreita em algum lugar entre os escombros, e como os
arqueólogos não são conhecidos por sua higiene, podem
muito bem fazer lanches nos sítios com as mãos estando
menos que imaculadas. Aos escavadores, por exemplo,
são recomendados vacinas antitetânica e sabonetes
carbólicos.
Os arqueólogos podem ser afligidos por uma varie-
dade de outras maldições, especialmente em trabalho
de campo.
1)Resfriados, gripes, ou pior (especialmente na
Grã -Bretanha)
2) Bolhas, queimaduras de sol, desabamento d
trincheiras
3) Caminhadas (conhecidas como "A vingança de
Montezuma)
4) Nativos zangados
5) Saqueadores de túmulos
6) Falta de descobertas (a maldição do "sítio est
ril") e, a pior de todas,
7) Escassez de álcool.
Um tipo diferente de maldição moderna é o apar I
mento de um exército de entusiasmados amadores pOI
32
tando det.ectores de metais. Por alguma razão, essas pes-
soas se divertem desenterrando pedaços velhos de metal
ou moedas, sentindo-se ainda mais emocionadas ao acha-
rem algum tesouro escondido. Se for preciso confrontar-
se com pessoas assim, o arqueólogo blefador deve pre-
gar-lhes com. ares benevolentes contra seu sempre to-
cante conhecimento de sítios arqueológicos e estimulá-
los a restringir suas atividades a praias e pilhas de refu-
go (embora a maioria dos arqueólogos gostaria mesmo é
que fossem cavar em campos minados).
. .Entretanto, ao confrontar-se com um arqueólogo pro-
fissional, o blefador deverá falar em defesa do entusiasta
de detec~ão. de metais, enquanto se esforça para conde-
nar a maroria.
Os arqueólogos ficam irritados com essa
questão sobr~ desenterrar metais, e desejariam que as
pessoas os deixassem enferrujar em paz até que fossem
escavados de forma conveniente, dentro do contexto ar-
queológico.
Muitos acham que qualquer um que saqueie uma
ça, do passado para benefício próprio (seja um ladrão
tumu~o~ ou um arqueólogo que sucumbe a publicar
m relat?no) roubou alguma coisa insubstituível de toda
humanidade. Portanto, é aconselhável, mesmo que você
nha um senso de ridículo pronunciado, dar a entender
leva o assunto a sério. Afinal, é o único que nos
ta.
AUDES
As pessoas são extremamente fáceis de ser engana-
• os arqueólogos não são exceção. Durante os anos
ta . delas caírar.n nas garras de blefadores inescrupu-
• tendo acreditado na autenticidade de fraudes.
preciso saber que um dos primeiros falsificadores
cidos foi um ing~ês, Edward Simpson (1815-c.1875),
tornou conhecido como Flint Jack ("J ack Sílex")
bém, menos apropriadamente, como Willie Fós il.
.nou-se prolífico forjador de utensílios de sílex, in.
ntos antigos e cerâmica, freqüentemente p. 111
33
do-os a especialistas e amadores como espécimes genuí-
nos. Mais piadista que vigarista, apenas gostava de levar
as pessoas para um passeio e eventualmente dar am?stra
pública de sua perícia. Flint Jack foi uma. espécie de
"arqueólogo aleijado", pois tinha uma péssima P?stu.ra
de corpo, um fraco pela bebida e morr~u na mlsé~I~.
Ainda há controvérsia na França a respeito de um SitIO
chamado Glozel, aberto na década de 20, que continha
uma série de fraudes tão óbvias quanto surpreendentes,
supostamente demonstrando que desenhos da Idade ?o
Gelo, cerâmicas da Idade do Bronze e pranchas de argila
do oriente próximo coexistiram nesse mesmo local pert?
de Vichy. Alguns arqueólogos ainda relutam em repudi-
ar o sítio, e muitos não-arqueólogos ainda o sustentam
como um exemplo da cegueira da arqueologia frente a
fatos constrangedores e uma civilização desconhecida.
Um americano até mesmo "decifrou" as pranchas de
Glozel, afirmando demonstrarem que o local era um bazar
que vendia ungüentos, amuletos e dispositivos para ga-
rantir a potência sexual.
A fraude mais famosa ocorreu em 1912 na Inglater-
ra, quando o Homem de Piltdown, um "elo perdido", foi
alardeado como o mais antigo inglês.
Um bom exemplo da falta de humor dos arqueólo-
gos: não sentiram nada de podre no ar quando Piltdown
lhes apresentou um utensílio de osso no formato de um
bastão de críquete.
PSEUDO-ARQUEOLOGIA
Hã muito que os arqueólogos se acostumaram a li·
dar com indivíduos inofensivos, obcecados pelo destino
das dez tribos perdidas de Israel, a localização do conu
nente perdido de Mu, ou pela idéia bizarra de que. tudo
na paisagem britânica pode ser ligado através de Iinha
retas até formar o desenho dos signos do zodíaco.
maioria dos museus e outras instituições são infestad
por sua cota de doidos que acreditam que a Atlântid
ficava em Glasgow, ou que o número de blocos da Grau
34
de Pirâmide é misteriosamente igual ao número de pa-
lavras da Bíblia. Um homem, entretanto, elevou esse ti-
po de coisa a novas alturas (ou profundidades, depen-
dendo de seu ponto de vista), e num livro como esse
merece uma seção só sua como a epítome do blefe ar-
queológico.
Obscuro gerente de hotel suíço, duas vezes conde-
nado por fraude e desfalque, Erich vou Dâníken escre-
veu em 1968 um livro chamado Eram os Deuses Astro-
nautas?, que juntamente com seus numerosos sucesso-
res análogos, vendeu mais de 25 milhões de exemplares
em mais de 32 países - provavelmente mais de que
todos os livros de arqueologia combinados.
Suas idéias não eram originais, mas ficaram asso-
ciadas ao seu nome. Colocadas de forma simples, atri-
buem tudo no passado humano que parece difícil ou
bizarro (grandes monumentos, desenhos enigmáticos) a
visitantes do espaço exterior. A despeito de acreditar ou
não nesse conceito de "deuses astronautas", ele o tor-
nou muito mais conhecido e respeitado do que qualquer
teoria arqueológica, a suprema conquista para um blefa-
dor.
Poucos acadêmicos se incomodaram em escrever li-
vros para se opor a essa teoria, em parte porque achavam
que isso estaria abaixo de sua dignidade, e em parte
porque livros assim jamais venderiam. Como é antiético
deixar que farsantes desse tipo passem impunes, você
deveria manter alguns fatos básicos na manga - mas
apenas uns poucos, pois o fã padrão de von Dâniken é o
tipo de pessoa que mexe os lábios enquanto lê. Não será
preciso estudar profundamente seus livros: apenas uma
assada de olhos em um deles, ou mesmo um exame das
iguras, será suficiente para que compreenda sua abor-
agem e truques de prestidigitador.
Mas, por outro lado, se vier a confrontar-se com
Iguém que já é antidãnickeniano, você será forçado a
ncontrar alguma coisa positiva para dizer a respeito
te. Defenda que seus livros são auxílios úteis para
35
ensinar estudantes a como não escrever, e como se re-
conhece:
• lógica falsa
• truques de apresentação
• distorções espalhafatosas da verdade, e
• seleção matreira de fatos.
Depois de ser desafiados, admitirão prontamente que
muitos textos arqueológicos podem servir ao mesmo pro-
pósito.
36
ARQUEOLOGIA IMPRESSA
Embora atualmente os países adiantados possuam
incontáveis livros e jornais devotados à arqueologia, apenas
uma pequena porcentagem é dedicada a disseminar co-
nhecimento entre colegas, tendo sua atenção voltada
exclusivamente ao público, que normalmente paga a conta
pelo trabalho. A vasta maioria das publicações arqueo-
lógicas é produzida com apenas um objetivo em mente:
promoção pessoal.
Ao candidatar-se a empregos ou a fundos de pesqui-
sa, um arqueólogo precisa apresentar uma lista de publi-
cações com o curriculum vitae, e uma lista impressio-
nante pode fazer grande diferença para fins promocionais:
não importa a qualidade, apenas a extensão. Tamanho é
documento no meio acadêmico.
Como poucos arqueólogos conseguem manter uma
produção de idéias inovadoras e de estudos variados, a
maioria aplica uma grande dose de blefe nessa área. Isso
irá requerer a publicação de resmas de abstração sem
significado com nenhuma aplicação possível ou rele-
vância para o mundo real (veja Arqueologia teórica); ou,
mais comumente, reciclagem sem fim de um mesmo
trabalho. A essa última prática, chamamos "a Síndrome
de Enid Blyton", que permite atingir uma grande lista de
publicações com um mínimo de esforço. Como os títu-
los e jornais são diferentes, você estará à vontade - os
juízes não podem ler tudo, e a maioria dos jornais é lida
penas por algumas pessoas.
Portanto, esse blefe é fácil de ser levado durante a
maior parte do tempo. Na verdade, é autoperpetuante,
pois à medida que você publica, fica mais fácil publicar;
qualquer um fora do sistema ou com alguma coisa
nova e original a dizer será sempre citado pelos blytonia-
os, e, logo, prejudicado. Também significa que, til
nferências, todo mundo já sabe o que todo 11\111111 ••
ais irá dizer, e portanto podem dcdi ar 11 11\ 11I11 I' 111
tempo a secar o bar.
:J7
Os jornais normalmente precisam cobrir as confe-
rências para obter privilégios. Também será preciso ble-
far com o fundo de estímulo à pesquisa de forma a conven-
cê-Ios da enorme importância que a conferência repre-
senta para o seu ramo. Na verdade, pouca coisa nova é
dita em eventos desse tipo: suas principais funções são
socializar, fofocar, mulherar, caçar emprego e, em geral,
provar que você ainda está por aí.
Livros são problemas muito mais complexos que
jornais, pois normalmente exigem muita pesquisa e re-
dação. Mais uma vez, porém, há alguns ótimos atalhos
para o blefador especialista.
1. Aprenda a enrolar bastante (vide Arqueologia
teórica)
2. Sintetize o trabalho dos outros (roubar de um só
autor é plágio, mas, de muitos, é pesquisa), ou,
melhor ainda,
3. Sintetize
seu próprio trabalho misturando seus ve-
lhos artigos e dando-lhes forma de livro.
Os poucos sortudos que conseguem blefar para a
fama logo descobrirão que os editores estão ávidos por
lhes pagar dinheiro para colocar seu nome na capa de
um livro para o qual contribuíram apenas com um prefá-
cio insignificante.
Outra forma artística de pôr seu nome na capa de
um livro é editá-Io, o que requer apenas escrever para
uma certa quantidade de pessoas perguntando-lhes se
gostariam de contribuir com um capítulo para um pres-
tigioso volume novo. Muitos ficarão tão lisonjeados com
o convite, ou eufóricos pela perspectiva de adicionar
outro item às suas listas de publicação, que começarão a
trabalhar imediatamente; num passe de mágica um livro
com o trabalho duro de outras pessoas sai sob o seu
nome. Um ou dois arqueólogos em ambos os lados do
Atlântico possuem tanta prática nesse truque que costu-
mam editar pelo menos um livro por ano. Podem ser
insuflados de ar quente, mas qualidade de conteúdo é
irrelevante para a percepção da produtividade.
38
ESTRATAGEMAS
Evasivas
Uma regra básica para blefadores em publicação
arqueológica é evitar dogmatismo e encher seu trabalho
com "talvezes" e "possivelmentes", o que proporciona
maior chance de bater em retirada de forma organizada
e digna em caso de ataque ou em caso de provarem que
você está errado.
Ofuscação
Outra forma de pôr as críticas para escanteio é fazer
sua prosa ficar tão obscura e tortuosa que ninguém, nem
mesmo você, estará completamente certo do que foi dito
ao terminar de lê-Ia. Este efeito de nuvem de fumaça,
particularmente comum no trabalho teórico, é muito útil
quando é provado que você estava errado, ou quando
descobertas novas alteram a situação: você pode sim-
plesmente alegar que foi mal entendido e que não disse
nada dessa natureza.
Enchendo
Outro estratagema em publicações consiste em in-
cluir muitas listas e tabelas, que ninguém se dará ao
trabalho de verificar ou ler, mas que servirão para fazer
seu trabalho parecer acadêmico e completo. De forma
semelhante, alguns autores, muitos deles franceses, co-
locam uma longa bibliografia no fim, contendo fontes
numerosas e impressionantes - sendo a maior parte
delas jamais referida no texto. É apenas decorativa, mas
muito útil, pois dificilmente alguém lerá o trabalho in-
teiro e notará as ausências.
ão-publicação
Alguns arqueólogos passam anos, até décadas, sem
publicar nada digno de nota. Isso será ainda mais sério
dessa forma estiverem negando a seus colegas e ao
mundo em geral informações que desencavaram ou ob-
tiveram de outro modo. São muitos os casos desse tipo
39
ao redor do mundo, alguns envolvendo sítios famosíssi-
mos. Ao invés de condenarem ao ostracismo os indiví-
duos envolvidos, os arqueólogos geralmente tratam-nos
com a maior cortesia e apenas resmungam pelas suas
costas.
Há uma série de razões básicas para não-publica-
ção: .
1. Preguiça, letargia ou complacência (principalmente
entre aqueles com completo domínio sobre seu
trabalho e que, portanto, não precisam se preo-
cupar em ter seu rendimento avaliado).
2. Incompetência. Isso toma muitas formas: alguns
mal podem juntar duas frases, quanto mais produ-
zir um relatório detalhado ou um ensaio. Outros
são desleixados de berço, de forma que perdem
suas anotações e até descobertas, em meio às ca-
madas estratigráficas que formam em seus escri-
tórios e laboratórios. Um ou dois até se tornaram
famosos por serem tão distraídos que costumam
esquecer em trens seus manuscritos, notas e des-
cobertas insubstituíveis.
3. Terror. Alguns têm nervos tão frágeis que o pró-
prio pensamento de se exporem a críticas é tortu-
rante. Claro, o fato de que não publicam também
é atacado, mas isso é considerado o menor dos
dois males num ramo onde, faça o que fizer, você
certamente será estraçalhado por alguém.
4. Estar ocupado demais. Conferencistas novos ten-
de~ a acumular a carga de ensino mais pesada,
aSSImcomo todos os trabalhos que ninguém mais
pode executar, como participar de comitês de bi-
blioteca, corrigir exames e conduzir excursões a
museus. Outros estão simplesmente preocupados
demais em construir suas carreiras para darem
alguma atenção a pequenos assuntos, como siste-
mas de ética.
5. A esteira transportadora. A muitos arqueólogos,
surpreendentemente, é permitido manter escava-
40
ções e pesquisas sem ter de publicar qualquer coisa
sobre o que já realizaram. Isso logo produz uma
grande provisão de informações e descobertas, a
maioria das quais jamais será analisada, quanto
mais publicada. Como fenômeno, dá uma ilusão
de atividade constante. Na verdade, é o melhor
estratagema de todos.
Pouquíssimos são os arqueólogos que admitem seus
erros, escritos ou de qualquer outra forma. Mesmo em
retratações escritas, geralmente afirmam que sua colo-
cação original estava correta, mas que as circunstâncias
mudaram. Assim, a crítica a seu primeiro trabalho pode
ser desviada pelo comentário "Isso é o que eu pensava
naquela época, mas mudei de idéia desde então". Você
nunca pode fazê-Ios explicar com clareza como vêem o
problema no presente. Para alguém acostumado a esse
tipo de manobra, é fácil demais recuar em curvas e sobre
sua própria pista.
Os blefadores sempre devem dar a impressão de le-
rem bastante sobre a área não apenas em seus livros e
artigos, mas também nas conversas.
Quando perguntado se já leu algum livro novo, deve
responder que está aguardando lançarem a brochura (pou-
quíssimos livros sérios de arqueologia chegam a sair em
brochura), e então comece a falar sobre o problema sem-
pre crescente do preço elevado dos livros. Outro estrata-
gema eficaz quando perguntado sobre um livro específi-
co ou artigo é demonstrar entusiasmo e dizer que está
terrivelmente ocupado, mas morrendo de vontade de lê-
10 assim que seu tempo limitado permitir; então vire a
mesa perguntando a opinião de seu interlocutor.
41
ALGUNS NOMES PARA
CONHECER
Se, numa festa, lhe perguntarem o que faz e você
confessar que está trabalhando na tipologia das flautas
de barro desenterradas perto de Stoke Poges, não conse-
guirá entreter a platéia por mais de dois segundos e meio.
Todo aspirante a blefador arqueológico precisa, portan-
to, saber alguma coisa sobre pessoas e lugares mais exó-
ticos que irão interessar aos outros, preferivelmente aque-
les que continuem enigmáticos ou controversos e para
os quais não há ainda nenhuma resposta completa. Aqui
estão alguns para serem escolhidos:
Stonehenge
Um dos poucos sítios arqueológicos ingleses dos
quais o mundo inteiro ouviu falar, esta estrutura única
na Planície de Salisbury consiste de um "henge" (área
circular demarcada por bancos de areia e um fosso) com
grandes pedras ("megalitos") dispostos verticalmente em
seu interior. As pedras maiores chegam a ter lajes hori-
zontais sobre elas (duas verticais e uma verga formam
um "trílito"), usando um sistema de junta de encaixe -
ou seja, saliências nas pedras horizontais se adaptam a
concavidades correspondentes nas vergas. Não se sabe
exatamente como as pedras horizontais puderam ser fi-
xadas ali, embora não pareça provável que tenham sido
recrutados deuses astronautas.
As pedras maiores (sarsens) são locais, mas as pe-
dras azuis (que realmente são azuladas e raiadas de rosa)
possivelmente foram trazidas do País de Gales - talvez
lá houvesse desconto para compras grandes. Os escavadores
dividiram o desenvolvimento do sítio, cobrindo um pe-
ríodo que se estende de 3000 a 1100 A.C., numa série
completa de fases (1, II, Hl a,b,c) que ninguém pode
lembrar. Se você for perguntado sobre isso, pode esca-
par do assunto de forma elegante afirmando que discor-
42
da da seqüência e explicando que está à espera do re-
latório completo da escavação para fazer você mesmo a
ordenação das evidências.
Stonehenge é geralmente considerado
um sítio ri-
tual (qualquer coisa em arqueologia sem função óbvi~ é
classificado como ritual). Possui claramente algum SIg-
nificado astronômico, pois está alinhado de acordo com
o nascer do sol no solstício de verão. Entretanto, ante-
cipa os druidas por muitos séculos, não ~a~endo ?el hu-
ma evidência de ligação, seja com religião, seja com
sacrifício humano. O que não impede que uma turma
de pessoas vestidas com pijamas brancos vá até lá todo
junho para executar algum tipo de cerimônia pseudo-
druida.
Nos últimos anos, Stonehenge também tornou-se o
foco de invasões solstícias de hippies, que presumivel-
mente veneram a construção como o primeiro rock group.
Reúnem-se ali para entregarem-se a conflitos rituais com
a polícia e dar graças ao sol nascente por suas mesa-
das.
Camac
Uma coleção de pedras pré-históricas imóveis na
Bretanha, que não deve ser confundida com Kar?a~ (um
enorme templo egípcio). As pedras correm enflleuad.as
por quilômetros através da paisagem, parecendo as VIS-
tas intermináveis de montes de cupim no norte da Aus-
trália. Os blefadores deveriam, entretanto, apontar com
cuidado tais similitudes, ou os ouvintes impressionáveis
concluirão automaticamente que os megalitos de Carnac
foram erigidos por um grupo de aborígines com sauda-
des de casa.
Sítios como Carnac são sopa no mel para o blefador,
pois ninguém tem a mínima idéia de ~ara que servia~
essas pedras. São, como sempre, consideradas como ri-
tuais, e (inevitavelmente) acredita-se que possuam algu:
ma finalidade astronômica, mas o seu chute pessoal sera
tão bom quanto qualquer outro. Você deveria saber que
ssas pedras imóveis são chamadas de menires. Se isso
43
trouxer à baila as histórias em quadrinhos do Asterix,
comente que, embora engraçadas, as histórias são ar-
queologicamente falsas, pois avançam a era dos megali-
tos pré-históricos milhares de anos à frente, de forma a
coexistir com os tempos romanos. Comentários desse ti-
po podem marcã-lo como um desmancha-prazeres, mas
confirmarão suas credenciais como um perseguidor da
precisão dos fatos.
o exército de barro
Como de praxe, a maior descoberta dos últimos tem-
pos foi feita por não-arqueólogos; no caso, campônios
chineses que perfuravam o solo em busca de água. O
que encontraram perto de Xian foram milhares de figu-
ras de barro de soldados e cavalos em tamanho natural
enfileiradas. Estavam ali apenas para guardar, na morte,
o imperador Qin Shihuangdi (3Q século AiC,}, que se
encontra enterrado sob um grande monte a uma certa
distância. Essa estranha prática foi, ao menos, uma pro-
va de que é possível massacrar pessoas no pós-vida:
senão, para que você iria querer levar todo seu exér-
cito?
As tropas estavam claramente bem equipadas e ar-
madas, demonstrando que o exército chinês não estava
falido à época. Arqueólogos ansiosos estão se pergun-
tando o que irá aparecer em seguida: a marinha de barro
do Imperador?
Nazca
Mistério intrigante, essa planície no Peru está co-
berta por milhares de linhas retas que se estendem por
quilômetros, correndo paralelas ou entrecruzando-se, as-
sim como estrias formando desenhos gigantescos de ani-
mais, pássaros, peixes, aranhas, etc. Os sulcos foram
abertos há muitos séculos por pedras em movimento so-
bre o solo, de forma a revelar a areia mais clara abaixo.
Maria Reiche, matemática alemã, passou várias décadas
tentando provar que as marcas possuíam função astro-
nômica; não é preciso dizer que foram consideradas ri-
44
tuais. Von Dâniken insiste que o sítio é um tip d ti ro-
porto para discos voadores; outros propõem qu os
nazcanianos possuíam conhecimento e tecnologia para
elevarem-se em balões (como muitos arqueólogos, ti-
nham muito conhecimento sobre ar quente). Os blefado-
res devem tentar sugerir que as pessoas de Nazca eram
apenas muitíssimo altas. Não há evidências para isso,
mas também não há para os balões.
Incas e Astecas
Muitas pessoas, incluindo a maioria dos estudantes
calouros, encontram dificuldades em lembrar qual des-
ses dois povos viveu no Peru e qual no México, e qual
foi destruído por Cor tez e qual por Pizarro. Os blefado-
res podem manter esses fatos básicos nas pontas de suas
línguas, apenas lembrando que:
• Inca e Peru têm ambos quatro letras. Tanto Peru
quanto Pizarro começam com P.
• Asteca, México e Cortez têm todos seis letras.
A devastação dessas duas grandes civilizações pe-
la ambição espanhola é um dos episódios mais trágicos
da História. Alguns vêem a devastação das praias espa-
nholas pelos turistas ingleses como uma justiça poé-
tica.
Os Incas edificaram templos e fortes imponentes a
partir de imensos blocos de pedra artisticamente conec-
tados (embora provavelmente não por astronautas de pas-
sagem). Tinham pilhas de ouro, mas nenhuma escrita:
usavam barbantes com nós em seu lugar, e mesmo
Champollion teria queimado as pestanas para decifrá-
los. Seu sítio mais famoso é Machu Picchu, que soa co-
mo alguém espirrando.
Os Astecas estão associados com grandes templos
construídos em camadas e assemelhados às pirâmides e
com o sacrifício de milhares de inimigos para apaziguar
a fome voraz de seus deuses. Se insistirem no assunto,
você pode desviar as perguntas mencionando a existên-
cia de outros grupos na Mesoamerica (não México, por
45
favor), como os Toltecas, Mixtecas, Zapotecas, Chichime-
cas e Maias. Apenas um especialista em Novo Mundo
saberia como todos esses se dispõem espacial e crono-
logicamente, mas como tais cientistas são raros, você
pode chutar à vontade. O mais famoso sítio mesoamericano
é Chichén Itzá; descubra sua própria forma de lembrar
qual é qual - não podemos dar-lhe tudo de bandeja.
Ilha de Páscoa
A maioria das pessoas está familiarizada com as
gigantescas cabeças de pedra que guarnecem essa dimi-
nuta ilha no Pacífico (embora os blefadores devam recu-
sar-se a chamá-Ias "cabeças", pois as cabeças na verda-
de possuem tronco, mas ficaram enterradas até o pesco-
ço com o passar dos anos). Infelizmente, a maioria das
pessoas também está familiarizada com as afirmações
de von Dãniken de que as pedras vulcânicas daqui são
duras demais para serem esculpidas por ferramentas de
pedra, e que de qualquer modo não há árvores para pro-
verem rolamentos e alavancas para mover os monstros.
Conseqüentemente deve ter sido obra (surpresa!) dos
astronautas de novo.
Na verdade, a rocha é excepcionalmente mole e fá-
cil de ser esculpida, e há ainda milhares de martelos de
pedra e centenas de estátuas não-terminadas ainda na
pedreira, assim como uma ampla evidência, por pólen e
outros restos botânicos, de que a ilha inteira era original-
mente coberta por grandes palmeiras, admiravelmente
adequadas para o uso como rolamentos, etc.
Os blefadores devem tentar desviar a conversa so-
bre a Ilha de Páscoa (sempre use os nomes nativos para
ela, Rapa Nui e Umbigo do Mundo) das estátuas para as
incríveis esculturas de vulvas em pedra. Na cultura da
Ilha de Páscoa, o clitóris era deliberadamente aumenta-
do desde a mais tenra idade, e as garotas tinham de abrir
as pernas sobre duas rochas para exibi-los a sacerdotes
em certas cerimônias. Os maiores eram honrados com
sua imortalização em pedra, e suas orgulhosas detento-
ras ganhavam os melhores guerreiros como maridos.
46
Embora as mulheres modernas compartilhem de uma
ambição semelhante, são tímidas demais para se abrirem
tanto a pessoas estranhas.
Austrália
Como um todo, a arqueologia australiana é uma
área valiosa para o blefador por ser estudada há apenas
28 anos, e dificilmente qualquer um fora da Austrália
sabe alguma coisa sobre ela. Deixe pasma sua platéia
mencionando nomes de sítios como Lago Mungo, Kutikina,
Pântano Kow e Caverna da Sorte dos Iniciantes.
Também é uma das áreas mais ricas para arte rupestre,
com milhares de sítios e milhões de motivos. Alguns
sítios ainda são sagrados para os aborígines,
que lhes
conferem nomes evocativos como Darangingnarri ("Cami-
nho para a mulher com pernas abertas").
CAMPOS DE ESPECIALIZAÇÃO
Há uma ampla variedade de subdisciplinas interes-
santes dentro da arqueologia para nelas se concentrar.
Um blefador precisa apenas ser um "especialista" em
qualquer assunto que a outra pessoa não entenda nada.
Egiptologia
Não é o assunto mais vivo da área (afinal, é caracte-
rizado pelo Livro dos Mortos), mas permanece popular
por causa de seus monumentos imponentes e fotogêni-
cos, mistérios, escrita desenhada, deuses estranhos e te-
souros espetaculares. A maioria dos filmes com temas
arqueológicos transcorre no Egito, e normalmente fala a
respeito de múmias e maldições. Portanto, se quiser ble-
far em arqueologia, obviamente precisa saber um pou-
quinho sobre essa civilização.
É fácil blefar em egiptologia porque a maior parte
dos não-arqueólogos ouviu falar apenas de um punhado
de pessoas (Tutancâmon, Cleópatra e talvez Quéops e
Nefertite) e sítios (Vale dos Reis, as Pirâmides, Abu
Simbel). Portanto, pode deixá-los pasmos sem muita di-
47
ficuldade mencionando um par de faraós obscuros co-
mo Sesostris ou Sheshonk. Caso venha a encontrar-se
com qualquer pessoa que tenha feito excursão ao Egito,
não precisa demonstrar nenhuma perícia. Apenas dei-
xe-a falar pelos cotovelos sobre sua experiência e im-
pressões.
Para demonstrar conhecimento íntimo dos aspectos
menos familiares da vida no Antigo Egito, você poderia
mencionar os papiros (absolutamente genuínos) que dão
a receita de uma poção para conquistar o amor de uma
mulher: o homem precisa misturar algumas caspas do
escalpo de uma pessoa assassinada com alguns grãos de
cevada e caroços de maçã, e depois adicionar um pouco
de seu próprio sangue e sêmem, e finalmente o sangue
do carrapato de um cachorro preto. Esta mistura, se adi-
cionada à bebida da dama, traria conseqüências devasta-
doras. Outra fórmula de conquista, planejada para fazer
uma mulher gostar de fazer amor, era esfregar a espuma
da boca de um garanhão no "obelisco" do amante.
Se for desafiado a traduzir alguns hieróglifos, in-
vente alguma coisa tola e religiosa que soe plausível, e
sua platéia estará satisfeita. Por exemplo: "ó Rei dos
Dois Reinos, Amado de Nut, a Mãe Divina, e de Re, teus
inimigos prostam-se ante tua carruagem conquistadora".
Outro blefe particularmente eficaz é falar em termos de
dinastias - "isso provavelmente data do início da 13·
dinastia" - pois todos ficarão impressionados e nin-
guém ousará admitir que não sabe do que está falando.
Mesmo a maioria dos arqueólogos não-egiptólogos não
terá a menor idéia de como atribuir datas (muito menos
faraós) às dinastias. Tutancâmon, incidentalmente, foi
da 181 dinastia. Sesostris da 12°, e Sheshonk da 22°.
o Oriente próximo
Exatamente o mesmo se aplica à arqueologia do orient
próximo, pois apenas especialistas podem lembrar a di-
ferença entre Suméria, Babilônia, Assíria, Acádico, Hitita
e outros menos cotados. A mera referência à 31 dinastia
de Ur deve estabelecer a profundidade de seu conheci
48
mento, enquanto uma menção ao (Rei) Nabonidus com-
provará sua perícia.
Os únicos aspectos da arqueologia do oriente próxi-
mo com os quais você precisa familiarizar-se são as tumbas
reais de Ur com seus tesouros de ouro; os grandes sítios
elevados conhecidos como "montes artificiais" e as enormes
torres em degraus chamadas zigurates (significando pi-
cos de montanhas). A mais famosa delas foi a torre de
Babel (Babilônia): sua construção, de acordo com a Bí-
blia, terminou em desastre, o que prova que zigurates
fazem mal à saúde.
Os blefadores também devem estar cientes de que
os pergaminhos do Mar Morto consistem de milhares de
fragmentos de livros em hebraico antigo, com cerca de
2000 anos de idade, encontrados por pastores quando
arremessavam uma pedra dentro de uma caverna perto
do Mar Morto. Quando se espalhou a notícia sobre a
importância de suas descobertas, os pastores receberam
a importância de trinta e três centavos de libra por pole-
gada quadrada delas.
O blefador profissional terá cuidado em diferenciar
arqueólogos bíblicos sérios, que investigam as terras bí-
blicas, dos fanáticos que tomam a bíblia como um evan-
gelho e ainda tentam achar pedaços da Arca de Noé no
Monte Ararat.
Deciframento
Arte em extinção, pois a maioria dos primeiros es-
critos já foram decifrados, limita-se agora a adivinhar o
que o médico escreveu em sua receita ou é aplicada por
ecretárias quando têm de datilografar a partir de gar-
anchos. Entretanto, esteve a todo vapor nos dois últi-
os séculos, com muitos tipos de quebra-cabeças instigantes
ara ser solucionados ao redor do mundo.
Jean François Champollion (1790-1832) foi um dos
imeiros decodificadores. Como escreveu um livro aos
2 anos, e aos 13 estava lendo árabe, sírio e copto, vo-
pode imaginar que intolerável menino-prodígio
49
Champollion deve ter sido. Em 1808 começou a traba-
lhar na Pedra de Rosetta (que tinha textos idênticos em
egípcio e grego) e por volta de 1822 havia realizado a
decifração dos hieróglifos. A maioria dos outros
decifradores tiveram menos sorte e, ao invés de terem
uma cola acessível como aquela, precisaram começar de
fragmentos.
Um antigo escrito que merece a atenção dos blefa-
dores é aquele da civilização Indu, pois ainda não foi
solucionado. Portanto, poderá dizer qualquer coisa so-
bre ele sem ser corrigido por ninguém. Uma escrita ain-
da mais obscura é de Rongo Rongo da Ilha de Páscoa,
que sobrevive apenas como caracteres esculpidos em 26
peças de madeira. Os ilhéus modernos são ocasional-
mente pedidos para traduzir aqueles textos, mas tendem
a dizer uma coisa diferente a cada vez, o que significa
que eles mesmo são ótimos blefadores.
Arte rupestre
Seu estudo é uma das atividades mais divertidas da
arqueologia, que requer a localização e registro de gra-
vuras antigas e pinturas nas rochas. Aqueles envolvidos
precisam ser durões (a maior parte da arte se encontra
em cavernas profundas, montanhas altas ou áreas muito
quentes) e incluem muitos dos personagens mais excên-
tricos que alguém poderia encontrar.
Na ausência dos artistas originais, é impossível sa-
ber muito sobre esses desenhos, e essa é portanto uma
área ideal para o blefe. Melhor ainda, muitos lugares são
quase inacessíveis: por exemplo, as cavernas tendem a
conter estalactites afiadas, fendas, águas profundas, guano,
mosquitos, e até, em algumas partes do mundo, abelhas
assassinas. Uma caverna em Dordogne, piedosament
fechada ao público, se encontra abaixo do vilarejo d
Domme e sempre serviu como seu esgoto. A entrada
através de uma carvoeira no jardim dos fundos de al
guém, a caverna fede, e é sábio não examinar muito d
perto as substâncias viscosas pelas quais têm de se pa.
saroOcasionalmente, durante a visita, outra carga é des
50
pejada de uma casa acima. O propósito da expcdíç ro
ver um único e medíocre desenho de bisão da Idade do
Gelo. Poucos especialistas retomam para uma segunda
visita.
I ~
Arqueologia subaquática
Escavar em terra já é difícil, mas algumas pessoas
gostam de tornar as coisas ainda mais complicadas, e
trabalhar embaixo d'água é o equivalente arqueológico
a ficar em pé numa rede. Os blefadores podem comentar
com bom humor que o nome de George Bass, o melhor
praticante dessa atividade, combina perfeitamente com
ele ["bass" é o nome de um peixe em inglês].
A maior parte do trabalho é feito no leito marítimo ,
em portos ou em lagos, mas ocasionalmente também
envolve sítios incomuns como o grande "cenote" ou poços
sagrados maias em Chichén Itzá, nos quais, de acordo
com os registros espanhóis, eram atiradas em sacrifício
grandes quantidades de ouro e mulheres virgens. Você
pode comentar com segurança que a última afirmativa
não é correta, pois o trabalho dos mergulhadores e
dragadores nos quatro metros de água

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