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XV. A MULHER: O CONTROLE INFORMAL Por Teresa Miralles 1. A Abordagem Tradicional No século XIX, a administração da justiça foi racio- nalizada e centralizada. Foram adotados métodos matemáti- cos para medir os fenómenos sociais e criminais, explicados pelas estatísticas, que os representam graficamente. Uma evidência foi observada nestas estatísticas: o menor volume da criminalidade feminina quando comparada à masculina, sendo um tipo diferente de desvio. Este fato real foi explicado em termos da singula- ridade e raridade do comportamento criminal dentro das características atribuídas ao sexo feminino. Isso significou que, tradicionalmente, a explicação para a criminalidade fe- minina referia-se aos traços da mulher, por sua essência par- ticular. O problema era individualizado, dentro de um foco patológico, nas especificidades biológicas e psicológicas do sexo feminino e de seus atributos. De modo que, uma ação derivada a partir de um aspecto formal do desempenho do Estado e das instâncias informais era convertida em indi- vidual. Tratava-se de âmbito mais pessoal: o biológico e o psicológico. Foram elaboradas as concepções clássicas da biolo- gia e da psicologia, cuja explicação científica baseava-se nas crenças e mitos do conhecimento vulgar e comum a respeito da essência feminina. Assim, o discurso que permeava es- tas concepções correspondia à ideologia dominante, o que supunha não só sua continuação como também sua consa- gração científica. Isso poderia explicar a rápida adoção da postura acrítica afeita a esses temas e a sua permanência durante tantos anos não só como teorias científicas, mas também como questões de controle formal na medicalização e na prática clínica. Para Smart (1976, p. 27), a relevância que ainda têm as explicações fornecidas pelos estudos tra- dicionais é devida à compatibilidade da sua argumentação ideológica com os interesses dos profissionais patologistas e dos agentes do controle social. As teorias sociológicas que durante anos têm domi- nado o pensamento da disciplina criminológica esqueceram completamente o tema da criminalidade feminina. Para nós esta posição de abstenção cleve-se a dois fatos: primeiro, que os teóricos da criminologia têm ficado satisfeitos com as explicações biológicas e psicológicas (que recobrem per- feitamente a ideologia dominante sobre a mulher); e segun- do, que o mundo académico tem refletido na sua produção científica a mesma atitude social de indiferença para com as mulheres, ausência da vida comunitária e profissional em geral e do protagonismo social das frações que têm entrado no campo cio problema criminal. Com efeito, desde 1920, os Estados Unidos expe- rimentaram o impacto de várias imigrações, com os pro- blemas sociais que isso implica, como: adaptação cultural, mobilidade social, problemas salariais, dificuldades de habi- tação, conflitos de geração etc. Seu reflexo na criminalidade se evidenciou por ser uma fração social não absorvida pelo Estado e, portanto, criminalizada. Configurava-se uma cri- 178 minaliclade masculina, decorrente das ações do adulto e do adolescente. Vale ressaltar que, a posição subordinada do papel exercido pela mulher foi mais forte na cultura dos povos imigrantes. Entretanto, o controle do Estado e os estudos de criminologia concentravam na criminalidade das gangues e na maior esfera de negócios, através da ativiclade de "co- larinho branco". Logo, ambas as atividades correspondiam plenamente ao mundo masculino. A marginalização social da mulher ilustrou o tipo e a especificidade de sua criminalidade. Portanto, sendo tra- dicionalmente excluída das atividades económicas inseridas no conceito de "colarinho branco", a mulher restringiu-se, segundo Smart (1976, p. 24), às áreas ele ações mais arrisca- das (não protegidas legalmente, como ocorreu com o "cola- rinho branco"), e de pequenas ofensas. A menor importância da criminalidade da mulher, entendida na sua qualidade de ilícito-penal e cie ofensa contra a sociedade, foi vista como uma cias causas da fal- ta de interesse que a criminologia teve sobre o assunto. Todavia, se a gravidade ou a importância de uma ação criminosa é medida pela gravidade das sanções, é pos- sível constatar que a mulher é autora de crimes punidos rigorosamente. Pois, quando realiza uma mesma ativida- de criminosa que um homem submete-se à condenação à pena de reclusão, mais frequentemente do que os homens. Já, quando ambos são condenados, a mulher recebe uma pena de prisão maior. Podemos, portanto, dizer que a criminalidade das mulheres, no tocante ao seu volume, pode ser pouco im- portante, embora seja significativo considerar a gravidade cio castigo que recebe. Por conseguinte, deve-se desfazer a tese de que a criminalidade feminina não supõe um ataque significativo à ordem social. Porém, precisa-se especificar o que se entende por ordem social, clistinguindo-a de seus 179 componentes políticos, económicos e sociais e morais. A dissidência feminina supõe, acima de tudo, tradicionalmen- te, um ataque à ordem moral da sociedade. Daí que, sua criminalidade seja baixa, uma vez que o campo da mora- lidade é desenvolvido em grande parte na esfera privada, através de relações individuais regidas pelas coordenadas da educação familiar, de alta carga emocional-psicológica. Logo, a criminalidade localizarse apenas nas áreas públicas e mais notórias do terreno moral. Então, a mulher só ficou com uma pequena área e muito reduzida, para criminalizar suas ações de rebeldia. Por sua vez, o aspecto moral está diretamente ligado com o psicológico (veja as relações entre a psicologia e o jul- gamento moral na obra de Foucault, de 1961, História de Ia locura en Ia época clásica), de onde resulta a patologização desta criminalidade, que encontra apoio social para a sua adaptação nas crenças e mitos da sociedade sobre a essência feminina. 2. As Concepções Clássicas (Patológicas) da Delinquência Feminina Na biologia criminal a explicação da criminalidade da mulher tem influenciado as características próprias que têm sido atribuídas em sua essência; para, a partir daí, fazer notar a "raridade feminina" no delito. Outra direção, dentro da biologia tem sido a de concentrar várias ativiclades crimi- nosas da mulher nos processos biológicos do seu sexo. Em ambos os tipos cie abordagem, a criminalidade feminina tem sido sexualizacla, ou seja, não escapa à atitude unidimensio- nal que a moralidade, a sociedade - em seu conhecimento vulgar - e a religião têm exercido em relação à explicação de qualquer assunto relacionado à mulher; simplificados nos atributos da essência sexual feminina. 180 Um primeiro estudo da biologia criminal foi o efe- tuado por Lombroso e Ferrero, em 1895. A hipótese básica refere-se ao conceito de atavismo, que se manifesta nos estigmas de degeneração que estes autores detectam, atra- vés da medição dos crânios, dos sinais e tatuagens das mulheres prisioneiras. Foi encontrado um pequeno número de mulheres que pertenciam ao tipo "criminoso nato". Este fato, alegado pelos autores, dava-se porque a mulher, por ser menos evoluída do que o homem, era biologicamente menos ativa e, levava, naturalmente, um tipo de vida mais sedentário .' Assim, a partir do momento em que constataram que a mulher era menos evoluída do que o homem, o seu baixo nível evolutivo registrou-se em sua degeneração. Contudo, a mulher criminosa apresentava para os autores as qualida- des da criminalidade masculina e as piores características da feminina, como: astúcia, rancor e falsidade. Logo, a mulher criminosa era uma combinação "antinatural" de ambos os sexos (Smart, 1976, p. 33). Com este estudo, inferiu-se um componente de mas- culinidade na mulher criminosa. Tratava-se de uma anoma- lia biológica, como fator básico de sua criminalidade. Isso quer dizer que, a mulher criminosa era uma anormal, pois apresentavacaracterísticas biológicas que por si mesmas são antiéticas em relação ao crime. Este estudo, segundo Smart (1976, p. 33 - 34), parte de duas falácias. Em primeiro lugar, ao entender que exis- tiam bases biológicas imutáveis para determinar as dife- renças entre género masculino e feminino, isto é, nas suas A respeito, dizem Lombroso e Ferrero (1895, página 109): "Notou-se a tendência conservadora das mulheres em todas as questões de ordem social; um conservadorismo cuja primei- ra causa provém de estar forçada à inamovibilidade do óvulo comparado com o espermatozóide". 181 características. Em segundo lugar, havia uma confusão entre sexo e género, quando na realidade o sexo era um compo- nente biológico; o género era de índole social, cultural e psicológica; como tinham argumentado vários antropólogos, como: Mead (1967) e Oakley (1972). Embora, cada sociedade use o sexo biológico como critério para atribuir o género (Oakley, 1972, p. 158). O conceito da "verdadeira natureza" da mulher foi absolutamente fundamental ria obra de Lombroso e Ferrero. Desse modo, qualquer característica social da mulher era vista como reflexo de sua natureza. Assim, estabeleceu-se uma base biológica natural de anormalidade na mulher cri- minosa, defendida até hoje (Cowie, Cowie e Slater, 1968). A constituição da base biológica se dá a partir da visão de que o género feminino adota tipos de comportamento que são claramente "masculinos", passa a se autorrotular como mas- culina, com conotações características da masculinidade. A partir do estudo de Lombroso e Ferrero, a mulher criminosa é considerada biologicamente anormal, porque não só é rara, como também não é completa. Segue-se um duplo opróbrio: a condenação legal pelo crime e a condena- ção social pela anormalidade biológica ou sexual. Lombroso e Ferrero (1895, p.152) vão aduzir: "Por ser uma dupla exce- ção a mulher criminosa é um monstro". O enfoque endocrinológico quer encontrar nas dife- renças hormonais do homem e da mulher a explicação da diversidade da criminalidade entre ambos os sexos. Estas diferenças referem-se ao comportamento emocional, que é estudado por Gray (1970) em relação a dois aspectos: a agressividade e o medo ou fobia. Nesse sentido, entende-se que o homem é mais agressivo do que a mulher, diferença produzida em decorrência da maior presença de hormônios andróginos (Gray, 1970, p. 39). Disto resulta uma também maior agressividade na criminalidade masculina (Gray, 1970, p. 30; e Sears, 1965). 182 Algumas pesquisas salientaram em particular o fato de que a mulher tem mais medo do que o homem (Geer, 1965; e Marks, 1969). Apresenta mais fobias, especialmente, a agorafobia (Marks, 1969). Concentra-se na mulher elevada presença de depressões reativas (Eysenck, 1960; e Cattell e Scheier, 1961) e também neuróticas (Kendell, 1968). São encontrados sintomas neuróticos e psicossomáticos em uma maior extensão na mulher do que no homem (Srole et. ai. 1962; e Leighton et. ai, 1963). A diferença entre os sexos que se refere aos sinto- mas psiquiátricos, dentro de uma base endocrinológica, foi achada por Langer (1965), em três comunidades mexicanas. Nelas as mulheres foram tomadas pela depressão, preocu- pação neurótica e queixas psicossomáticas. Eysenck (1960) constatou que a correspondência entre um elevado caráter neurótico e uma alta introversão levava à previsão forçada de transtornos neuróticos, tais como: fobias, estado de ansie- dade e depressão reativa. O estudo da relação entre as mencionadas diferenças emocionais entre os sexos e a base endócrina foi realizado em experimentos com vários animais, principalmente com ratos e camundongos. Foram injetados hormônios masculi- nos à fêmea, que foi masculinizada com testosterona e estro- gênios; e os machos foram castrados. Com isso, conclui-se (Gray, 1970, p. 38) que as diferenças emocionais entre os géneros, relativas ao medo e às fobias dependiam do de- senvolvimento normal do sistema nervoso, que, geralmente, difere em cada sexo. Dois aspectos hormonais endócrinos chamaram particularmente a atenção para a singularidade cia crimi- nalidade da mulher: o desenvolvimento sexual e o perí- odo menstrual ou crise catamenial. Ambos os fenómenos biológicos são relevantes para a tabela psiquiátrica que os comporta. Desse modo, ao fator biológico justapõe-se a desordem psíquica. Assim, toda a criminalidade feminina é 183 especialmente produto do transtorno psíquico patológico, sob causas biológicas. Esta presença de uma anormalidade mental tem estado sempre presente nas concepções clássi- cas da criminologia. No que diz respeito ao desenvolvimento sexual, são consideradas especialmente a fase da puberdade e a da me- nopausa, intimamente relacionadas com o roubo ou o furto, realizado por uma necessidade irracional, um impulso irre- sistível e a ausência total de premeditação (Heuyer, 1968; e Gibbens e Price, 1902). Há muitos estudos sobre a criminalidade catamenial sob o impulso "obsessivo" da menstruação. Vale conferir uma pesquisa realizada na Espanha, o resultado da crimino- logia, em 1968, por Aznar. Para este autor, a criminalidade catamenial, mesmo sendo configurada em diversas modali- dades criminais, geralmente apresenta dois tipos distintos: um grave, sob a forma de assassinato ou homicídio, e um de menor importância, implantado na forma de furto ou roubo. A criminalidade de tipo grave ocorre, de acordo com este autor, em mulheres com transtorno psicopata. A sua morfo- logia foi descrita por Aznar (1968, p. 178): "Trata-se de um avanço no impulso consciente, por vezes irresistível e imperioso, única solução da ideia obsessi- va, angustiante, que geralmente vem precedida por lutas intensas entre a personalidade aparentemente normal e a tendência à execução do crime, entre o desejo e a ob- sessão. É a luta que se dá, após esgotar até os meios mais refletidos para desviar a conduta delituosa, ao ser considerada vencida e ainda assim, decidida a realizá-la, a prepara minuciosamente..." Em pequenos crimes também está presente, segun- do este autor, o mesmo processo psíquico, mas com tons mais suaves, por ausência do fundo psicopata. 184 A menstruação é apresentada como uma doença,2 que por sua vez faz da condição feminina uma desgraça3 e que pela sua patologia produz na mulher sintomas neuroló- gicos e psíquicos: as obsessões que representam um caráter delituoso (Aznar, 1968, p. 159). Com efeito, o fundamental é a obsessão que produz transtornos em relação a associações afetivas. "São as ideias fixas, obsessivas, que ao entrarem em conflito com a vontade provocam uma luta angustiante das obsessões e impulsos" (Aznar, 1968, p. 171). E prossegue argumentando este autor (p. 169): "É claro que a ação do período menstrual funciona como fator desencadeante ou revelador de distúrbios ou doenças mentais e como exacer- bador de síndromes psicóticas". Em consonância aos transtornos neuropsíquicos des- taca-se a diminuição da capacidade mental, a exaltação da libido e a depressão. A relação entre os transtornos mentais e a menstruação foi estudada por Kraft-Ebing (1902), em es- tudos que, segundo Aznar (1968), ainda que temas cie várias 2 Diz Aznar (1968, pp. 141-142): "... Alterações anatómicas do en- dométrio e, sobretudo, com tão profundas variações bioquí- micas e tóxicas do meio externo, repercutem mais ou menos intensamente no organismo feminino, mais ainda quando do período menstrual, antropologicamente considerado, constitui como veremos, um processo anómalo que, com grande fre- quência, insere-se no âmbito do patológico... A alteração cor- poral e anímica provocada pela menstruação é um fator a mais na ininterrupta cadeia de crises biológicas vinculadas à sexua- lidade, que paciente e resignadamente sofre a mulher desde a puberdade até o climatério, o que, diga-se de passagem, con- trasta com a privilegiada posiçãodo homem na transcendental missão da perpetuação da espécie". Se analisamos tais crises -puberdade, menstruação, materni- dade, climatério - não é estranho que se diga que a mulher é um ser "naturalmente débil e enfermo, uma espécie de doente natural que sempre padece de algo". 185 discussões, nunca foram desvirtuados. Nesse sentido, agrega Aznar (1968, p.167): "Com que argumentos se nega a óbvia e particular relação causal menstruação-transtorno mental, talvez a mais antiga conexão somática-psíquica, considera- da pelos médicos e criminólogos como fator etiopatogênico, de uma específica criminalidade feminina?" Justamente, de acordo com o autor (p. 164), o fenómeno biológico passa "a ter transcendência jurídica. Quanto ao hiper-erotismo catamenial, informa Az- nar (1968, p. 153): "Em minha opinião não é surpreendente que consiga canalizar obsessões-impulsões, tão comuns nos distúrbios psíquicos do período, para o campo da prostitui- ção." Finalmente, salienta-se como alteração metabólica a cio equilíbrio ácido básico, segundo Hoff, a estados depressivos (Aznar, 1968, p. 153-154). Além disso, a influência da menstruação tem sido estudada em face de um crime específico, que é o furto em grandes armazéns. Exner (1949) observou essa influência em 63 % dos casos; outro autor, Dalton (1961), em seu estudo em 386 detentas, descobriu que 41% delas cometeram o crime no período menstrual ou pré-menstrual. Gibbens (1960) e Gibbens e Price (1962), em sua tipologia dos autores deste crime, entenderam que a mulher, durante ou após a mens- truação, é cleptomaníaca, que rouba compulsiva e repetida- mente, ficando excitada sexualmente ao manusear os itens roubados. Em uma criminalidade mais grave, Parker (1960) conclui que, 62% dos crimes de violência de mulheres deten- tas, foram cometidos na semana pré-menstrual. Essas características sexuais biológicas da mulher, isto é, os estágios do desenvolvimento sexual, incluindo a gravidez e a menstruação, são para Pollak (1961), em sua análise da criminalidade feminina, processos fisiológicos anormais que influenciam os aspectos psicológicos e os so- ciais da mulher criminosa. Assim, explica que a mulher, du- rante a menstruação, comete atos por vingança, ao se sentir 186 em um status inferior ao homem, uma vez que o período menstrual patenteia seu fracasso de não poder ser um ho- mem. Nesse rumo, a vingança toma a forma de falsas acusa- ções, perjúrio, incêndios e até mesmo assalto e assassinato. Também a menopausa está associada, segundo o autor, à perda da feminilidade, levando à depressão, à irritabilidade e, finalmente, ao crime. Junto à influência biológica sublinha-se a análise freudiana. O autor incorpora vários mitos que o conheci- mento comum ou vulgar considera sobre a mulher, como o mito da mulher vingativa, de raízes religiosas, na figura de Juclith. Como aduz Smart: (1976, p. 53) Pollak "incorporou os mitos masculinos4 para sua análise e lhes deu um status pseudocientífico".s A teoria psicanalítica tem explicado a especificidade cia criminalidade feminina em relação às diferentes formas e motivações individuais. A teoria psicanalítica de Freud parte da suposição cie que a agressividade é um componente mas- culino. Daí, o homem ser mais propenso do que a mulher a cometer atos criminosos. O ego é a chave: o ego saudável 4 Sobre estes mitos, diz Pollak (1961, página 149): "em nossa cul- tura dominada pelo homem, a mulher sempre foi considerada como algo estranho, secreto e às vezes perigoso. 5 Existem outros estudos biológicos sobre a mulher criminosa. Por exemplo, o de Hancls, Herbert e Tennent (1974), os quais encontraram entre as mulheres detidas num hospital especia- lizado alguma associação entre as fases do ciclo menstrual e o comportamento agressivo. D'Orban (1971) descreve as garotas criminosas como super desenvolvidas e excessivamente altas para a idade delas. Epps e Parnell (1952), comparando mulhe- res delinquentes com mulheres não delinquentes do ensino primário, encontra nas primeiras o predomínio do tipo me- soforme. Gibbens (1969), indica que as mulheres criminosas apresentam numa proporção elevada anormalidades em seus cromossomos. 187 desenvolve vários mecanismos cie defesa ou habilidades dis- tintas. Para treinar seu ego, uma mulher precisa da figura materna estável. Advertem Ferracutti e Newman (1977, p. 109), que está implícito na teoria de Freud que "as mulheres não conseguem desenvolver plenamente o seu ego, por isso são passivas, tímidas e não agem contra o mundo". Portan- to, sua criminalidade é de pequenas proporções. A mulher criminosa não possui os atributos característicos da feminili- dade. A psicanálise, segundo Ferracutti e Newman (1977, p. 110), "pode explicar as várias formas de crime pela sua capa- cidade de transformar as imagens simbólicas e inconscientes da vida mental no equivalente da vida real". A psiquiatria também estudou a anormalidade da mulher criminosa ancorada nos dados objetivos sobre a bai- xa proporção de mulheres que entram no sistema de justiça criminal. Há uma tendência a considerar a mulher criminosa como anormal, devido à excentricidade estatística do seu comportamento (Walker, 1968). Esta atitude científica e so- cial é ilustrativa do maior número de mulheres que são co- locadas em hospitais especiais, ao invés de serem enviadas para a prisão. O número de mulheres internadas chega a ser dez vezes superior ao de homens (Prins, 1980, p. 313). Pa- rece, portanto, que há uma estreita conexão entre a atitude teórica e a ação de política criminal. Cinco estudos recentes são mostras suficientes para ilustrar a posição psiquiátrica. 1. Guze (1976), na sua pes- quisa das 66 detentas sentenciadas encontra: sociopatia em 65 %; alcoolismo em 47%; dependência de drogas em 26 %; homossexualidade em 6%; ansiedade neurótica em 11%; de- pressão em l %; esquizofrenia em 1,5 %; e subnormalidade em 6%. 2. O estudo de Barack e Widem (1978), utilizando o questionário de personalidade de Eysenck em mulheres aguardando resolução processual, encontra uma alta por- centagem de neurose e psicose. 3- Prins (1980) enfatiza o 188 elevado grau de histeria nas mulheres, o tipo de conduta que relaciona, a título de hipótese, à psicopatia. Este autor conclui (p. 319) que a mulher possui ele- mentos psicopatológicos mais exuberantes e traumáticos do que os homens. Liga este fato da reação melodramática fa- miliar à criminalidade da mulher e à má relação com o pai. Dois são os estudos que sustentam a sua hipótese. O de Riege (1972) que relaciona a criminalidade da mulher à visão de um pai que não ama e nem elogia os filhos; e o estudo de Gilbert (1972) que lida com o liame entre a autoimagem da moça criminosa e a falta de afeto paterno, que traumatizam a sua relação com o sexo oposto. 4. A este respeito Glover (1957) analisa a psicopatologia da prostituição. Assim, en- contra nas mulheres pesquisadas uma atitude de raiva frente ao pai e de hostilidade diante da mãe. Tais elementos são importantes na formação do fator homossexual inconscien- te, que está presente na prostituição. 5. Em sua pesquisa, Gibbens (1971) observa que as mulheres criminosas estão mais deprimidas do que os homens, apresentando sintomas específicos, tais como a fobia. No campo da patologia social, destaca-se uma tese teórica que estabelece uma estreita ligação entre a crimina- lidade da mulher, a sua infra-socialização e a adaptação aos valores cia comunidade, a causa de sua doença, estimando- -se a necessidade de tratamento individual para a cura. Isso rompe a conexão entre a explicação teórica e o controle do Estado, através de seus corpos hospitalares e do trabalho social. O estudo de Thomas (1967) é um excelente exemplo dessa tendência liberal-funcionalista, carregada também de vestígios biológicos. Para Thomas (1967), os desejos básicos do atuar social são derivadosde instintos biológicos, espe- cialmente do sistema nervoso. Nesse rumo, são canalizados para fins sociais pelo processo de socialização desenvolvido dentro da família. Instintos biológicos distintos no homem e na mulher e a falta de coesão familiar são os aspectos 189 chave na teoria deste autor. A mulher, para Thomas (1967), apresenta no seu sistema nervoso uma maior variedade de amor referido ao instinto maternal, que também a conduz aos homens doentes e desamparados. Sob este prisma, a mulher de acordo com o papel e a valorização social será: mãe, enfermeira ou irmã cie caridade. Com efeito, o autor retratou o primeiro aspecto da criminalidade na mulher, especialmente na prostituição. Este comportamento ocorre pela necessidade intensa que têm as mulheres de dar e sentir amor e que, por um defeito na sua socialização canaliza-o para o comportamento de prostituição. Depois, apontou o segundo conceito chave da criminalidade feminina, por problemas na unidade familiar tradicional, ou seja, uma situação microssociológica onde as reações nervosas individuais se desenrolam. Com a quebra da atitude tradicional caseira e familiar da mulher há distor- ção nos seus instintos nervosos, que a conduzem ao crime. Para Thomas, a criminalidade na mulher é quase exclusiva- mente de tipo sexual, por desvio do papel social tradicional implícito no seu sistema nervoso. Este tipo de análise corresponde ao que, em 1943, Wright Mills chamava cie "moralidade rural", que equipara a comunidade rural e o grupo primário ao bem-estar e à ordem. Então, para Thomas, quando a boa ordem familiar tradicional desaparece, também desaparecem as sanções fa- miliares e a mulher, que até então havia sido reprimida por aquelas. Pois, a mulher é socialmente desajustada, na medi- da em que, desvia o seu instinto de dar e receber amor na ativiclade criminosa. A teoria de Thomas tem importantes implicações de política criminal, pois o autor apresenta a necessidade de trabalhar na área pré-criminosa. Almeja reconhecer nas moças suas tendências criminais e compensar a influência negativa que a perda da coesão familiar origina nas cidades. 190 Ele busca, em termos cie controle, substituir a família pelas diferentes agências estatais. Esta conclusão de Thomas (1967) é fortemente critica- da por Smart (1976), que vê oculto no liberalismo deste autor um marcado autoritarismo, que se manifesta: na necessidade de socialização na ordem existente, nas sentenças mais seve- ras dirigidas aos menores por atos criminosos e não crimi- nosos, na supremacia do controle estatal pela imposição de valores da moral da classe média. Isso implica dificuldade para atender às condições de vida da classe trabalhadora e ignorância frente à influência do duplo Standard na morali- dade, no sentido de que, o valor social da mulher depende da percepção dos outros; de modo que ela deve ser símbolo de pureza e objeto de adoração. Nesse diapasão, Thomas (1967) aproxima a criminalidade da mulher à sexualidade anormal. Na obra de Thomas encontra-se a presença de pre- conceitos e crenças tradicionais sobre a mulher. A atitude científica também é encontrada na obra de Pollack (1961), que desenvolve sua explicação da crimina- lidade da mulher com uma visão totalmente estereotipada. O autor concentrou seu estudo com base na limitada influ- ência objetiva da criminalidade da feminina. Para explicar esta questão, começa por considerar as características en- contradas na mulher criminosa, como: 1) a capacidade de instigação, pois as mulheres são quase sempre os cérebros organizadores do crime masculino, ou seja, realizam infra- ções por meio do homem e nunca são presas ou culpadas; 2) a habilidade de falsear e mentir que derivam de um ele- mento biológico, da passividade sexual, daí a atitude de es- tranhamento em relação "à verdade"; e 3) o sentimento de vingança que a mulher desenvolve frente ao homem como consequência da repressão sofrida. Pollack (1961) afirma que o homem toma uma atitu- de bem definida a respeito do crime cometido pela mulher, no sentido de não chegar a entendê-lo. Isso ocorre porque 191 sempre tem considerado o género feminino como dócil, que necessita de proteção, posto que, realmente, o homem teme sua insurreição. Logo, o cavalheirismo masculino para com a mulher, que segundo Pollack (1961), reafirma a "idealização da mulher em termos de doçura e pureza, vendo-a como um ser inofensivo; mas essa atitude muda quando a mulher comete um crime. Então, o homem tem que amaldiçoá-la" como criminosa, para poder condená-la" (p. 49). Parece haver uma contradição no argumento de Pollack, uma vez que parte da atitude de cavalheirismo do homem para com a mulher. Na área criminal o que alega este autor pode ser traduzido por uma abstenção para de- nunciar o crime, mas também que a primeira reação do homem frente ao crime feminino é a incredulidade, para depois amaldiçoá-la. Isso quer dizer que, uma vez ciente da efetiva realidade criminal, a atitude inicial do homem, deixa de ser cortês e se torna mais ofensiva. Então, como pode argumentar que o homem não denuncia o delito da mulher? Portanto, como Pollack quer dizer que o crime não é denun- ciado por cavalheirismo, mas que, internamente, o homem vai amaldiçoá-la? Parece uma atitude estranha, é ainda mais estranha quando consideramos a explicação de Pollack so- bre a atuação das instâncias de controle formal, quando ele relata o tratamento de suavidade da polícia e do juiz relativo às mulheres criminosas. Como entender a maldição por um lado (o policial e o juiz também são homens) e a suavidade pelo outro? Em sua análise, o autor (1961) destaca a exis- tência real da alta cifra negra da criminalidade da mulher, no sentido de que há de fato uma criminalidade real, mas é cometida por instigação ou falsamente (e, portanto, difi- cilmente descoberta); ou não é denunciada pelo homem, que muitas vezes é a vítima-, ou é tratada com cuidado pela polícia e pelo juiz, conduzindo a um elevado número de processos que culminam com a absolvição. A atitude teórica a respeito da criminalidade da mu- lher tem tentado desvendar o mistério, o porquê da escassa criminalidade feminina. Nessa linha, abundam as explica- ções sobre o comportamento das mulheres, a partir da anor- malidade puramente biológica, de matiz sexual, à patologia psicológica e à sociopatologia, até chegar a uma análise so- cial, imbuída de nuances e conceitos abordados na crença mitológica. Compreendendo a mulher em função da dimen- são da anormalidade tem-se uma percepção científica em relação à criminalidade do género feminino, que segue a dicotomia: bondade/maldade, pureza/pecado, passividade/ agressividade, submissão/insurreição, com a qual a socieda- de tem focado a interpretação da mulher; pautada nas cren- ças sociais; em cuja formação destas crenças esteve ausente. As características dicotômicas são reduzidas a uma funda- mental: que as abriga, a essência feminina versus a anorma- lidade e/ou masculinidade feminina. Esta essência feminina tem como conotação a bondade, a pureza, a passividade e a submissão. Já a anormalidade ou a masculinidade tem como aspectos a maldade (falsidade, mentira, instigação, vingança etc), o pecado (focado no desvio ou na anormalidade sexu- al), a agressão e a insurreição. Daí que, o comportamento criminoso na mulher, como será visto a seguir, pode ser facilmente integrado em um amplo conceito: transtornos de conduta e de personalidade, e com isso vir a se converter em uma questão clínica. 3. A Nova Abordagem: o Controle Social A abordagem patológica das concepções clássicas tem uma importância fundamental pelo seu impacto sobre a forma de controle social incidente na mulher. Cria-se uma concordância no aspecto social e na atuação estatal, no sen- tido de que a atitude valorativa para com a mulher nutra 193 um tipo de controle informal, pelaavaliação méclica e psi- quiátrica, com dimensão teórico-científica, que influencia o controle formal. Forma-se, pois, um continuum de controles que atuam na mesma direção; alguns são excludentes em face de outros e outros são confluentes. Há, portanto, uma expectativa específica do Estado e da sociedade direcionada à mulher, daí ser entendida como uma realidade singular, em cada instituição de controle. O estudo da criminalidade feminina vai mais longe, pois aban- dona a utilização da ciência para servir aos preconceitos so- bre a opressão sofrida pelo género feminino. A criminologia crítica, como indicado por Stang-Dahl e Snare (1979, p. 11), "tentou encontrar uma nova linguagem dentro da perspec- tiva social e fez uma análise que relaciona o campo pessoal com o político, e a subjetividade com a história. Assim, foi adquirida uma nova qualidade mental, a imaginação socio- lógica". No sentido delineado por Wright Mills (1959, p. 6): "A imaginação sociológica nos permite colocar a história e a biografia entrelaçadas na sociedade." O novo enfoque de estudo desenvolvido no âmbito da postura crítica da criminologia centra-se na questão do Estado e do seu controle. AAssim, a criminologia crítica insere o desvio feminino dentro de cada tipo de controle - infor- mal e formal -, com uma função específica de acordo com o modelo de Estado e de sociedade, em razão da orientação político-econômica e dos interesses que dela derivam. A es- cassez numérica da criminalidade feminina é vista como resultado de uma projeçào diferente dos controles sociais so- bre a mulher. Então, comprova-se que os controles informais funcionam com enorme eficiência em uma área extensa, por isso resta pouco espaço para o controle formal atuar, quer dizer, pela prisão. Nessa seara, a mulher não recebe uma Para o estudo do controle formal e informal, remetemos o lei- tor aos capítulos XI e XII desta terceira parte da obra. 194 atitude externa suave e nem gentil. Encontra um conjunto de controles constantes em todas as esferas de seu agir. Nas seções seguintes deste capítulo, veremos como no âmbito familiar o papel da mulher e os valores nele implí- citos ordenam um controle próprio. Dessa maneira, quando a mulher se desvia do papel imposto, a instituição familiar a forçará à adaptação. Este é o primeiro tipo de controle que é colocado diante da mulher. Se for aceito, ela será reinte- grada à ordem familiar em seu papel, dificilmente atingirá a criminalidade (o que supõe o acionamento do controle formal). Contudo, caso não seja aceito, entrarão em cena a psiquiatria e a clínica, absorvendo dentro cio seu contexto esta primeira rebelião. Logo, quando falhar o controle informal, entrará em ação o controle formal, com a elaboração do status de crimi- noso. Utilizar-se-á da influência patológica, daí, a incidência do tratamento clínico, que retorna com a noção de proteção da mulher. Entretanto, quando o desvio não for absorvido pelos outros tipos de controle social, caberá a prisão, como limite final, para o resíduo da mulher. Este controle não fun- ciona em termos de proteção, mas de disciplina e punição, de contenção e de exclusão. A este controle submeter-se-ão as mulheres mais vulneráveis: pobres, negras, ciganas e jo- vens. 4. O Controle Social Informal O controle social informal é um fenómeno complexo, com diferentes dimensões, que abrangem diversos modos cie opressão à mulher. Os interesses do Estado no sistema capitalista de produção, vinculados ao papel da mulher, in- cluem a família, a escola, o trabalho e a medicina. Todas estas instituições aplicam o mesmo programa, funcionam com os mesmos objetivos: criar e manter o papel atribuído à mulher. Como vimos no capítulo XII, 2, a instituição fami- 195 liar estrutura-se em torno de dois papéis: primordialmente, na produção de bens que correspondem ao homem, e em seguida na reprodução que corresponde ao papel atribuído à mulher. Logo, a disciplina social transporta-se na família pela autoridade da figura paterna sobre os filhos e pela au- toridade do marido sobre a esposa. Quanto ao papel de re- produção, são atribuídas características femininas especiais. Assim, a mulher é principalmente mãe e sua vida social e sexual está destinada a este -fim. A disciplina em relação ao marido é cultivada na obediência social e sexual. A mulher é responsável por assegurar a monogamia e a moral na fa- mília. Os aspectos próprios da feminilidade, já vistos, são coincidentes com o papel secundário que a mulher exerce na família e na sociedade. Por conseguinte, a mulher só é realmente considera- da mulher quando apresenta um comportamento feminino. Isso significa que deve ser: meiga, doce, dependente, obe- diente, servil, agradável e dedicar a sua vida à felicidade dos que formam seu ambiente familiar. Nessa esteira, em consonância à educação que recebe da família, ensina às suas filhas táticas de socialização peculiar ao seu género: ser mais controlada, passiva e caseira. Logo, a mulher deve bus- car proteção contra a agressividade e contra a força física.7 Quando uma mulher engloba essas características passa a ser aceita pelo ambiente familiar e pela sociedade. A família consiste no primeiro controle que a mulher recebe; no sentido de que deve manter-se nesses limites, para ser apreciada e valorizada como pessoa. A necessidade cons- tante de se colocar em uma posição subordinada, de atuar A passividade e a fragilidade como características do papel so- cial que desempenham se refletem nas características da crimi- nalidade violenta, por usar geralmente armas especificas (faca, veneno) ou atuar sobre vítimas especiais, do entorno familiar (Hoffman-Bustamante, 1973). em concordância às características atribuídas, lhe é incutida desde a educação infantil, através dos jogos psicológicos do amor, do afeto e do sentimento de culpa. Afinal, a mulher é mãe, que dá amor e carinho, nas relações que estabelece com as crianças e com o marido, que se lastreiam na ter- nura. Realiza o trabalho doméstico, o qual não tem valor económico de troca. Nessa esteira, sua única apreciação gira em torno de sua capacidade de dar e manter fortes relações de afetividade. A capacidade afetiva é mantida na família pelo jogo da culpa, porque o campo destas interações familia- res inscreve-se na esfera social da moralidade. Daí que, co- mumente, a culpa seja percebida como o primeiro controle feminino. Pois, a família ou a própria mulher a coloca em funcionamento quando há recusa do papel moral afetivo fe- minino. Logo, a culpa cabe facilmente no âmbito da psicolo- gia, pelo jogo cia punição ou autopunição; ao negar o apoio amoroso eficaz nas relações estabelecidas pela mulher. Socialmente, o papel da mulher é hipertrofiado, pois há dependência sexual. Nesta tarefa colaboram as formas de linguagem, a mídia (pensemos nos anúncios e comerciais clirecionados à mulher) e a proteção penal de certas institui- ções. Existe uma sexualização da atuação da mulher e assim do comportamento delinquente. Como veremos no próximo capítulo, o desvio da mulher de seu papel sexual implica, imediatamente, uma criminalização de sua conduta. Ainda que, a mesma ação do homem não seja punida. Vale ressaltar que, as tarefas da mulher estão ligadas ao jogo de afeto, à culpa e à dependência sexual. Cumpre um papel social desvalorizado. Pois só é relevante no seio da família e nas escassas derivações deste ambiente: grupo de amigos em comum do casal ou amigos de negócios do marido, onde acaba perpetuando o papel secundário. O estudo de Finstad (1976) compara, através de en- trevistas estruturadas e fechadas, a vida da mulher em casa 197 e na prisão. Este trabalho, intitulado "Somos todas prisionei- ras", estabelece similitudes entre as sociedades limitadas e as institucionalizadas, da família e da prisão. A mulher que vive no núcleo familiar fechado, no espaço doméstico,situa- -se como uma prisioneira no cárcere, é socialmente esqueci- da. Na família, a mulher sofre a privação cie identidade e não pode tomar o próprio lugar - ocupa o campo que lhe impõe -, fica fora cio movimento soc-ial, com limitações físicas - na célula nuclear - e recebe coerções físicas, económicas e ideológicas. Essa situação de invisibilidade pública da mulher conduz à individualização e privatização dos seus direitos, dos seus deveres e de suas crises. Sobre esse aspecto a análise de Stang-Dahl e Snare (1979) concentra-se nas con- dições materiais e nas situações de vida da mulher, tendo como conceito fundamental a noção de privacidade e das suas consequências sócio-políticas. Nesse ínterim, a mu- lher é relegada ao setor privado, tem pouca visibilidade e mobilidade. Daí, em sua esfera doméstica, as normas, os conflitos e os mecanismos de controle são personalizados e não públicos (vide o baixo número de mulheres na prisão como instituição pública). Portanto, qualquer necessidade ou interesse cia mulher é neutralizado por leis abstraias de conteúdo conceituai irrelevante ou neutro, que escondem a natureza da opressão experimentada pelo género feminino (Snare e Stang-Dahl, 1979, p. 12). Nota-se, um primeiro con- trole no sentido da coerção, ao manter a mulher no espaço privado, e esta coerção desempenha um papel fundamental na perpetuação da ordem social existente, que descreve as características de seu desvio, da sua criminalidade e de seu comportamento anormal. A situação de dependência da mulher e a subordina- ção do seu papel social acentuaram-se ainda mais na ideo- logia espanhola deste século. Pois, desenvolve-se em nosso país, uma sociedade voltada para dentro, baseada nos slo- gans de patriotismo, religião e família, como os três pilares de sustentação. Dentro da família é exacerbada a ênfase no aspecto moral e no reprodutor, os quais devem ser assegu- rados pela mulher. Esta é vista como arquiteta da unidade familiar e destinada à primeira finalidade do matrimónio cristão: gerar e educar os filhos para Deus e para a pátria. Então, a rígida autoridade do esquema ditatorial transcende do aparato do Estado às instâncias informais. Nessa órbita, este programa de opressão é implantado na mulher, modela- -se uma mediação da força ideológica colocada na família, resulta vima série de elementos como os apresentados por De Miguel (1979). Assim, o autor retrata o que chama de "mito da Imaculada Conceição", que trata do conjunto de afirmações pronunciadas pelos ginecologistas, homens que entram no reduzido círculo íntimo da mulher. Afinal,,se- gundo De Miguel (1979) o ginecologista foi considerado "o melhor amigo da mulher", quem entende a função sexual, o programa de maternidade. Na obra são desenvolvidos os pontos chaves desta ideologia médica que concebe a mulher como "um ser bio- logicamente inferior ao homem. Com a finalidade apenas de ser mãe, tem um papel secundário, não precisa de mais do que uma educação geral. Se a mulher é normal não deve trabalhar. Pois, a mulher moderna está se virilizando e pode colocar em perigo a espécie" (p. 9). Para isto são adicio- nadas as seguintes considerações referentes à sexualidade da mulher: "anormalidade da menstruação, frigidez sexual e antissexualismo geral dos ginecologistas". Sobre a frigidez sexual da mulher apontam os gine- cologistas Conill e Conill (1967): "Sabe-se que 75% das mu- lheres são frígidas, sem outro propósito na sua vida íntima, além de agradar e dominar. (...) Portanto, 90% das mulheres glorificariam o fato de ter filhos sem a áspera servidão que isso requer. Finalmente, observou-se que 10% dos que têm 198 199 plenitude de orgasmo são intersexuais com rastro de virilis- mo córtico-supra-renal (...)" (De Miguel, 1979, p. 17). Temos implícito aqui o mito da maldade da mulher e da virilidade, leia-se anormalidade cia mulher com desejo sexual. A mulher é vista como um ser diferente e tida como inferior ao homem. Maranón (1935) a define em termos de "amorfa, instável, ambivalente e de alma contraditória" (De« Miguel, 1979, p. 27). Ramon e Cajal, em 1938, concebem o papel subordinado da mulher: "deve-se moldar o caráter feminino, dobrando-o às exigências de uma vida séria, de trabalho heróico e de recato austero. Em suma, fazer dela um órgão mental complementar, absorvido nas questões pe- quenas, (...) para que o marido livre de inquietudes, possa se ocupar de coisas relevantes (...)" (De Miguel, 1979, p. 27). No que diz respeito ao seu papel secundário e de co- operação com o marido, afirma outro ginecologista, Dexeus, em 1970: "(...) destacam-se entre os atributos que contribuem para que a mulher se adapte ao papel cie conselheira e co- laboradora do marido: intuição, espírito de sacrifício, bom gosto, humanidade etc." (De Miguel, 1979, p. 29). A atitude de proteção relativa à mulher e cie seu en- quadramento no círculo familiar é evidente em José Botella, no texto publicado em 1975; "A mulher, em pagamento pelo seu esforço reprodutivo, deveria ser livre do áspero contato com o mundo exterior. Deveria viver defendida pelo ho- mem no microcosmo que é a família" (De Miguel, 1979, p. 30). Este mesmo autor defende a desigualdade dos papéis sociais/sexuais e a inferioridade feminina: "Não sendo igual biologicamente a missão da mulher e a do homem, também não se pode igualar, ou seja, converter a mulher no homem" (De Miguel, p. 34). No que tange à educação feminina, dois textos de Conill e Conill, escritos em 1967, argumentam: "o homem, quanto mais dinâmico e inteligente for, mais aprecia a paz do lar; para isso contribui em geral, a mulher, com uma 200 educação requintada e uma instrução extensa e pouco pro- funda". Para estes autores, apenas o épico e o romance clás- sico podem ser interessantes para a mulher, porque como se costuma dizer: "todo o resto é inútil para educá-la, só serve para convertê-la em uma pedante, fantasiosa e perturbado- ra" (De Miguel, 1979, p. 39). De acordo com estes autores, uma mulher inteligente é intersexual, e a elas "se convém o ensino superior (...)" (De Miguel, 1979, p. 41). Assim, nota-se o exemplo claro da "amplitude" inte- lectual outorgada à mulher, apenas para desempenhar o seu papel, e isso parece enraizado na sua própria natureza sexu- al, de modo que se é inteligente será intersexual. Muito bem definido por Botella o fato de que a educação da mulher é sempre para sua dedicação à família, não é social. Segundo Botella: "A formação da mulher deve encaminhá-la não a se tornar uma boa cidadã, mas sim uma boa esposa e unia boa mãe de família. Ou, do contrário, permanece solteira para ser útil aos seus semelhantes" (De Miguel, 1979, p. 40). Vale conferir uma consequência da pouca ou ne- nhuma importância da mulher em nosso país, que está na consideração do trabalho da mulher fora cio âmbito familiar. Cientificamente têm sido desenvolvidas teorias que associam a criminalidade dos jovens ao trabalho da mãe fora do lar. No campo do controle social na esfera espanhola é curioso notar como o trabalho da mulher fora de casa é uma variá- vel que o Tribunal Tutelar de Menores de Barcelona coleta na sua estatística anual como item classificatório do menor. O mais significativo em relação ao prejuízo social causado é que a variável é colocada em um mesmo quadro junto às circunstâncias cie sífilis, alcoolismo e doenças mentais. Res- salta-se que estas representam obviamente eventos patológi- cos que corroem a harmonia e o equilíbrio, não só familiar, como o desenvolvimento psicológico e patológico dos filhos (Essas tabelas são analisadas por Giménez-Salinas, 1978, p. 376.) 201 A obra citada de De Miguel (1979) demonstra a ati- tude do médico em relação à mulher que trabalha fora. De um lado, considera-se que "contribui para a corrupção dos costumes e a destruição da família" (p. 45), o que é incom- patível com o papel da esposa.Nesse diapasão, o médico se pergunta se "a mulher sábia vai perder sua feminilidade ou se vai assustar o homem" (p. 47). O único tipo de trabalho aceito para a mulher é o realizado pela sua dedicação aos filhos, mesmo que eles já tenham se emancipado. Entende- -se que o trabalho aceitável é aquele que cumpre uma fun- ção terapêutica (p. 48). Os médicos relatam até a formação de um terceiro sexo, com o instinto sexual exacerbado e a perda do instinto maternal (p. 50). Este mais relacionado ao trabalho fora do lar, que por ser visto como nefasto é, imediatamente, sexualizado. Sob esse prisma, a mulher tra- balhadora é compreendida como uma imoral que "vive o jogo sexual" (p. 50). Paralelamente, foi informado que o declínio da ma- ternidade tem produzido uma falta de interesse da mulher no que tange ao trabalho doméstico, deixando-a migrar para os interesses público-sociais. No entanto, segundo Oakley (1974), isso expandiu mais o tempo,s a energia e o dinhei- ro4 que a mãe passou a dedicar aos seus filhos. Na mesma linha, Firestone (1970) observa que essa alteração na família, elevou a atenção da mãe, com um ou dois filhos, rumo ao que foi chamado de "ideologia da infância", porque foi "sen- timental izado" e "romantizado" este período de idade. * Morgan (1970), refere que o Chase Manhattan Bank estima que uma mulher dedique atualmente em torno cie 99,6 horas por semana ao trabalho doméstico. O consumismo atual proporcionou, diz Davies (1977), que os filhos gastem maior tempo em jogos e que se utilizem pedia- tras, psicólogos, professores de música, dança, dentistas etc. 202 É evidente que o trabalho da mulher na sociedade e o papel cada vez mais importante que tem exercido no âmbito social produziram uma mudança na perspectiva de sua vida. Mas devemos realçar: primeiramente esta transfor- mação objetiva - com a alteração de valores que comporta -, é vista por muitos autores10 como causa do aumento da criminalidade feminina. Tal análise foi feita de uma maneira muito superficial, ao conectar exclusivamente o crime com a entrada da mulher na área pública de produção. Assim, Adler (1975) foi criticada por ter dado importância demais ao aumento da criminalidade da mulher, especialmente, em crimes violentos. Pois, não levou em conta apropriadamen- te o reduzido número de mulheres que são presas. A este respeito aduz Davies (1977, p. 251) que, em 1973, as prisões femininas correspondiam a 15,3%, dos crimes violentos, 3% do total (cometidos por homens e mulheres) e 10% dos ca- sos por mulheres. Em segundo plano, temos conectada a emancipação da mulher e o movimento feminista com o aumento da cri- minalidade (Kestenbaum, 1977; Loewestein, 1978). Trata-se cie uma posição que revela uma atitude ambígua em rela- ção a esses fatos sociais e que é, ao mesmo tempo, muito simplista, por estabelecer uma continuidade unilateral entre trabalho fora de casa e emancipação. Essas análises consi- Um exemplo está em Smith (1974), que trata especificamente do aumento da participação da mulher em assaltos, sequestros de avião e outras formas de terrorismo, e relaciona a nível de hipótese a influência da nova posição social, laborai e tecnoló- gica da mulher com o cometimento de fraudes fiscais, estelio- natos e outras falsidades. 203 deram que qualquer tipo de crime deve-se à abertura da mulher11 ao espaço público. O setor criminológico tem dado muitos exemplos de atitude reacionária ao movimento feminista. Em 1969, o es- tudo de Mulvihill e de outros sobre crimes violentos funcio- na como um claro exemplo disso. Consoante estes autores (p. 425): "a emancipação das mulheres em nossa sociedade," nas últimas décadas, reduziu a diferença entre a criminalida- de dos meninos e das meninas, dos homens e das mulheres, pois caíram as diferenças culturais entre ambos". Certamente, entre os anos 1960 e 1970, houve um aumento considerável da criminalidade feminina.12 Embora, como assinala Smart (1970), o fenómeno deve ser analisa- do dentro de um período mais amplo. Assim, entre 1935 e 1946 ocorreu também um aumento total de 365% desta criminalidade; de modo que, não se pode relacionar este último aumento com o atual movimento feminista. Porém, "este exame mostra que a criminalidade feminina é uma resposta dada pelas mulheres para um determinado número de situações que sofreram mudanças nos últimos 40 ou 45 anos". Todavia, acreditamos que dois fatores devem ser con- 1 A influência cia "emancipação" da mulher é extremamente complexa; assinala Smart (1973, página 73) que entre outras coisas também afeta o avanço da justiça social, pela extensão dos direitos humanos, reivindicar oportunidades sócio-econô- micas etc. Contudo, (página 74), as mudanças no comporta- mento da mulher não podem se relacionar diretamente com o movimento feminista, porque enquanto movimento social mostra-se como manifestação de diversas mudanças na ordem política, económica e social. 2 225% de delitos contra a pessoa e 149% contra a propriedade. 204 siderados: o aumento do consumo em todas as classes so- ciais, especialmente a do trabalhador, e a crise económica.13 Contudo, como o maior interesse da polícia fixa-se em perseguir ações criminosas das mulheres, como postura reacionária ante um fenómeno social novo de mudança, que o movimento feminista envolve, "aconteceu uma mudança da definição da conduta, em vez de uma mudança desta" (Smith, 1975, p. 11). Em terceiro lugar, o trabalho da mulher fora de casa tem sido visto como o elo mais importante da sua liberta- ção. Entretanto, é interessante notar que ele também é fonte de frustrações, porque nele experimenta outro fracasso, ao encontrar bloqueado o seu acesso a certas posições mais elevadas e a mobilidade para outros lugares ou empregos; pela existência do duplo Standard,1'1 que traz desigualdade laborai, através de salários mais baixos (Davies, 1977, p. 253). A mulher é uma marginalizada no mundo da produção. O seu trabalho não é visto como uma fonte de autorrealização e de desenvolvimento como ser humano, mas como subor- dinação à família, como um meio para compensar a crise económica familiar (Glazer, Majka, Acker e Bosé, 1976). Esta exclusão abrange outro aspecto: a variação da participação da mulher no mercado de trabalho, condicio- nada às necessidades cie produção do modelo capitalista. Assim, durante os períodos de crise económica, a mulher é obrigada a voltar para o lar; é a primeira força de trabalho que fica desempregada. Ressurge, enquanto isso, com muita 13 Prova disso são as estatísticas de criminalidade feminina nos países economicamente mais avançados, algumas delas apre- sentadas no próximo capítulo. H A igualdade laborai entre sexos não passa de uma formalidade legal/constitutional, que não se encontra refletida nos sindica- tos, na comunidade e nem nas organizações políticas (Glenn e Feldberg, 1976; Glazer e Waehrer, 1972). 205 força, a ideologia da mulher feminina, no espaço domés- tico, pelo impacto da moda, do cinema, das músicas, dos auxílios estatais para a segunda ou terceira maternidade etc. A mulher opera como o exército cie reserva mais amplo cio mundo capitalista. Portanto, é uma força cie trabalho de segunda ordem, na medida em que o seu trabalho é visto como temporário e considerado como uma atividade não essencial, em relação à atividade doméstica. Há uma divisão laborai em termos económicos e especialmente sexuais: o primeiro modo de vida do homem é o contrato laborai, e o da mulher é o casamento como contrato matrimonial (Stang- -Dahl e Snare, 1979, p. 14). Em suma, a coerção da mulher na esfera doméstica continua a ser o primeiro controle, contribuindo para isso o sistema de produção, as leis, a família e a sociedade em ge- ral. Embora tenha sofrido algumas mudanças, ainda estamos longe da concretização dos objetivos do movimento feminis- ta, que expressa Davies (1977,p. 256), que tendem princi- palmente para uma expressão integral da mulher como ser humano sem exclusão ou inferioridade.15 a) Os Autocon/roles: Estratégia de Controle Pessoal O controle interno na esfera privada, que descreve- mos, funciona bem mais para as mulheres. Porém, apresen- tou desvios, manifestação cie uma disfunção. Então, entram em funcionamento outros controles. O primeiro é o au- tocontrole, operado pela própria mulher quando enfrenta seus problemas, como dificuldades pessoais que podem ser Importante recordar que as condições implícitas da marginali- zação laborai ora considerada são mais obscuras e negativas na classe trabalhadora e no lúmpen proletariado; nestes .setores a exploração da mulher é muito considerável, de modo que para ela o trabalho nunca foi enfocado como meio de liberação e de autossatisfação. 206 resolvidas privadamente (Stang-Dahl e Snare, 1979, p 20). Trata-se de uma estratégia de controle totalmente privatiza- da e pessoal. 1) Quando a interação familiar é insatisfatória, a mulher - separada cia sociedade, sem objetivo extra-familiar, mo- nopolizada pela publicidade comercial que romantiza o trabalho doméstico e preocupada com uma rotina ago- nizante e desinteressante - substitui a sua frustração pela atividade doméstica compulsiva. Logo, ritualiza-se, no sentido que Merton (1978) imprime ao termo - pela limpe- za e pelo cuidado do lar (Davies, 1977, p. 250). Configura- -se um desvio hipef-conformista, observado por Cavan (1955) e utilizado pela mulher que se desvia da norma por hipertrofiar os caracteres implícitos no comportamento (Miranda Rosa, Miralles e Cerceira, 1979, p. 8-9). Pode ou não causar reações negativas ao ambiente. 2) O segundo autocontrole ou reação privada ao stress cau- sado pelas pressões da família é a forte dependência de sedativos e tranquilizantes. Como destaca Christie (1976, p. 74), na conclusão de seu estudo sobre mulhe- res da classe burguesa e da trabalhadora: "As mulheres resolvem os seus problemas de uma maneira legalmente aceita, que é o uso de fármacos. A medicalização talvez se torne um tipo de lubrificação, um método para per- manecer em funcionamento, exatamente no nível que precisa operar." Muitas vezes, os fármacos são prescritos por médicos e, principalmente, pelo médico "da família". Constata-se o destaque desempenhado pela profissão médica que reforça a privatização cio papel da mulher (Stang-Dahl e Snare, 1979, p. 20). 3) Um tipo de autocontrole bem contido, embora mais difícil de se tomar conhecimento, realizado de forma privada e escondida, é a dependência feminina do álcool. Normal- mente, é conhecida apenas quando atinge um estado de 207 alta gravidade e a família a coloca em uma clínica ou a polícia a detém, na rua ou no bar se embriagando. 4) Outro mecanismo de autocontrole invisível consiste na auto-hospitalização durante o dia, quando a mulher se esconde cios demais membros da família. Christie (1976) em seu estudo sobre as mulheres expõe esta situação e revela vários casos por entrevistas. Vale conferir um trecho de uma delas (p. 76): "Eu só posso elogiar o tra- tamento clínico diurno do hospital. Minha família não sabe, meu marido e meus filhos saem pela manhã, as- sim como eu. Retorno para casa antes deles. Quando chegam, eu já tenho o jantar pronto". É impressionan- te como a mulher internaliza o seu papel de dona de casa exemplar, conforma-se a ele, que terá que esconder eventuais falhas, quaisquer problemas. O mecanismo da culpa desempenha um papel importante aqui. 5) Um autocontrole que ocorre paralelamente ao anterior é o da demanda por consulta psiquiátrica pela mulher, sem a interferência da família. A psicanálise tornou-se o sistema de controle mais utilizado, cujo objetivo envolve a perpetuação do sistema sócio-econômico, através da manutenção dos papéis familiares, como primeira célula de padronização. 6) Um último mecanismo de autocontrole que a mulher em- prega é a depressão e os sintomas psico-patológicos. As- sim, a mulher é impulsionada pela força que nela exerce o jogo psicológico (pela educação recebida) de afeto - cuidar dos outros - e a culpa (anteriormente exposta). A mulher ensinada a internalizar seus problemas e emo- ções16 está enfrentando um impasse quando, inconscien- temente, recusa-se a continuar o seu papel doméstico / secundário / inferiorizado / privado.17 A recusa é inconsciente, pois encontra resistência, precisamente, pela culpa implícita. A agressão será a rea- ção exteriorizada e a depressão será a resposta internalizada (aqui o mecanismo psicológico tem ainda uma força maior). Friedman 0970) considera que o essencial na depressão é a falta de capacidade para expressar hostilidade, juntamente com uma autoimagem negativa. Portanto, entendemos que os sintomas depressivos ou patológicos do comportamento que a mulher apresenta não vêm da sua natureza patológica, nem se consubstanciam em um desvio, mas, como adverte Davies (1977, p. 264), são gerados pelo papel convencional imposto e servem como resposta normal a uma inferiorida- de e estrutura totalmente carente. b) Os Controles da Esfera Familiar Em geral, diante dos estados depressivos ou sinto- mas psico-patológicos da mulher - dona de casa -, a família pode aceitar isso como normal ou buscar seus mecanismos de defesa. Na sua reação de controle, a família usa ainda, com maior força, o sistema de proteção e ajuda à mulher, considerando-a como um ser sem força e poder de decisão. Em muitos casos, a verdadeira ajuda à mulher implicaria sua saída para o mundo, a sua libertação. Porém, a família tenta evitar esta medida, porque acima de tudo, almeja se defen- der da reação da mulher e proteger seu sistema de funcio- namento tradicional. Há, como denotou Chesler (1972), uma marginalização dentro do ambiente familiar para a mulher ' A mulher possui certamente menos canais socialmente aceitos para se autoexpressar em seus problemas. A agressividade, a autoindulgência excessiva, o alcoolismo, que nos homens são vistos como desvios, estes sim são típicos do papel da mulher. 1 As donas de casa não têm poder de decisão na família pelo cará- ter secundário e subordinado de seu papel (Blood e Wolfe, 1960), que se combina com o desenvolvimento pessoal limitado que conduz a uma autoimagem de inferioridade (Bernard, 1975). 208 209 que se desvia do seu papel. Na reação da família existem duas saídas: conter a mulher / esposa / mãe para que per- maneça no seu papel e/ou responsabilizá-la pela sua revo- lução particular. Na contenção é encarregada a clínica, com a distribuição em massa de medicamentos e sedativos. Na culpa é encarregado o psiquiatra. Em ambos os casos a atu- ação ocorre como uma extensão dos interesses familiares» A hospitalização pela família, narrou Stang-Dahl e Snare (1979, p. 20), opera quando a situação de stress da esposa piora. Isso acontece quando as exigências de consi- deração, sacrifício e autoanulação alcançam os limites do su- portado pela família. As estatísticas mostram que as clínicas privadas são usadas com preferência pela mulher. 1K Porque ao acontecer o desvio feminino, no seio da família (o masculino geralmente só afeta fora da família) atinge profundamente a sua estrutura. Sendo assim, são bem mais comuns em mulheres as medidas hospitalares do que nos homens. Além disso, como assinala González Duro (1979), a perspectiva psiquiátrica é endógena, isto é, deixa de lado as relações sociais e o mundo da produção. Portanto, há um continuum entre as abordagens que tomam o controle social e o familiar. Portanto, a família é completamente desresponsabilizada pela contradição que surge na mulher, o problema social do ambiente familiar passa a ser visto como um problema endógeno, completa- mente desligado das circunstâncias que o produziram. Há no hospital uma última delegação de responsa- bilidade, limitadaao controle familiar. A clínica atua como uma mãe, fingindo o ambiente psicológico, que se expe- Contudo, há que se destacar a discriminação que sofrem as mulheres quando sua origem social é baixa, porque em muitos casos ao não poder ir a clínicas luxuosas, acabam caindo no sistema de controle formal e daí facilmente seguirão para o manicômio público. 210 rimenta na infância e na falta de vontade de viver (Pitch, 1975). Por estar doente, a mulher deixa de ter a responsa- bilidade sobre si e se entrega aos cuidados clínicos, onde é tratada como uma mulher-menina, ser assexuado, sem ini- ciativa ou capacidade para ter relações sexuais, sem que seja reconhecida a sua dignidade de pessoa. A relação médico / enfermeiro / paciente reproduz as relações paternas e ma- ternas (Pitch, 1975). Muitas vezes, a mulher vai para a clínica ou para o hospital contra sua vontade; pois para ser internada foi enganada ou forçada. Para Goffman (1972), a clínica, que aparentemente tem uma função assistencial e curativa, é mais uma prisão branca com tortura branca, ante a rebelião. Lá, as horas de terapia são muito escassas, uma vez que os conflitos são resolvidos principalmente com meclicalização, lobotomia, eletrochoques ou coma por insulina, entre otitros meios. Quando a mulher se adapta às prescrições médicas e colabora em tudo, é considerada uma boa paciente. Assim, alcança-se uma desintegração pessoal, a doença é esquecida e só interessa a adaptação da mulher ao meio clínico (Goff- man, 1972). Porque nele deixam de ter relevância (se é que já tiveram) as razões da reação-rebelião da mulher. Enfatiza- -se o que importa para a família: preparar novamente a mu- lher para a submissão que o seu papel implica. Em Fevereiro de 1982, concluímos um estudo sobre o controle informal da mulher na área de Barcelona Foi in- teressante notar a importância cia atitude da família em rela- ção ao tipo de psiquiatria que se aplica e ao que é entendido por cura da mulher. Também constatamos de forma signifi- cativa a força da dependência e da privacidade na vida da mulher, a qual cria para si uma incapacidade social e uma facilidade de escolha, como via de solução, da psiquiatria. Percebemos nas ilações (Miralles, 1982, p 44) que "a família, com a sua atitude endógena, é foco e centro de problemas mentais nas jovens, mas particularmente em duas fases da 211 vida adulta da mulher. São elas: a vida de casada e a perda das etapas domésticas (incluindo o papel específico cie mãe zelosa). A dependência da mulher de afeto e da vida endó- gena é a característica mais marcante em seus problemas. Assim, a moça jovem se esfacelará, a qualquer momento, para obter a sua independência, mesmo sem consegui-la; a mulher recém-casada viverá a sua sexualidade como um fracasso pessoal e como algo que lhe foi roubado; a mulher adulta, em seus quarenta anos, culpar-se-á, patologicamente por suas fantasias amorosas, símbolo de uma rejeição de vida; a mulher madura viverá a saída de suas crianças como um abandono, uma mutilação em seu próprio corpo, na sim- bologia família-corpo. Nessa seara, a família poderá aclotar duas atitudes diferentes em relação ao problema apresentado pela mulher, fundamentais para o tipo de assistência que será escolhido. "Se a família é fechada ao diálogo e resiste a uma reestru- turação, será alvo de uma psiquiatria que individualiza o problema na 'doente', que usa a farmacologia e a segrega da comunidade, colocando-a no hospital público ou na clínica particular; quando a família está aberta ao diálogo (...) acei- tará uma psiquiatria aberta, comunitária, integradora, que através do diálogo encontra na reestruturação da família a possibilidade de uma saída social da mulher (...)". 212 BIBLIOGRAFIA ADLER, F. (1975), Sisters in Crime, tbe vise oftbe newfemale crimi- nal, New York, McGraw-Hill. AZNAR, B. (1968), Notas para un estúdio sobre Biologia Criminal de Ia Mujer, Madrid, Escuela de Medicina Legal. BARACK, L. L; e WIDEN, C. S. (1978), Eysenck's tbeory qf cri- minality Applied to women awaiting trial, "British Journal of Psyquiatry". BERNARD, J. (1975), Tbe future of molberbood, New York, Pen- guin. BLOOD, R.; e WOLFE, D. (1960), Husbands and Wives, Glencoe, 111., Free Press. BOTELLA, J. 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As estatísticas mostram, em todos os países, que a proporção de mulheres detidas nas prisões com relação ao número de homens é no geral inferior a 5%.' Parece que esta desproporção fica atenuada em al- guns países pelo amplo uso da clínica como controle for- mal na mulher, de modo que grande parte cia delinquência feminina é tratada nas clínicas e, assim, ao considerar as estatísticas das medidas terapêuticas, as cifras entre homens e mulheres se aproximam. Há, pois, duas instituições de controle formal para a execução das penas privativas de liberdade; a extensão na aplicação de uma ou outra medida, a prisão ou a clínica, varia segundo os países; e há uma relação direta entre o uso da medida clínica, o desenvolvimento económico do país e o tipo da prática liberal na política criminal, que se sus- tenta na estrutura específica do Estado de bem-estar social com capacidade económica para integrar as classes sociais 1 Dados de vários países sobre diferentes anos ilustram perfeita- mente esta afirmação, sem necessidade tle serem exauridos: no ano de 1977 na Noruega a.s prisões dos distritos norte e oeste continham um total de 4.125 detidos, dentre estes 4.116 ho- mens e 99 mulheres, resultando um percentual de 97,5% de ho- mens e 2,50% de mulheres.; na Suécia, no ano de 1979, de um total de 5.655 indivíduos sob condenação criminal (probation), 800 são mulheres, o que significa que 14,1% e de 10.822 con- denados à prisão, 299 são mulheres, alcançando, pois, 2,76%; na Espanha, no ano de 1980, a prisão de Falência continha 75 homens e 2 mulheres, o que dá 2,5%; a prisão de Guadalajara continha 158 homens e nenhuma mulher; em julho de 1981 a prisão de homens de Barcelona encarcerou 2.339 homens e a de mulheres 108 reclusas, o que significa uma porcentagem de mulheres de 4,45%; em 1979 a população penitenciária foi de 10.463 reclusos, dos quais 10.101 homens e 362 mulheres, cifras que traduzidas à porcentagem chegam a 96,5% de homens e 3,5% de mulheres. 220 que seu próprio sistema marginaliza, mediante programas de controle social de todos os níveis; o nível formal não se isenta dessa implantação de novos elementos tecnológicos e científicos para a normalização de todos os cidadãos. Assim, pois, quanto mais avançado é económica, tecnológica e cientificamente um país e mais anos de expe- riência democrática viveu, maiores inovações de corte libe- ral terá introduzido em seu sistema de controle formal, cujas formas recobrem os objetivos científico e político-crimínais de reabilitação, sendo a internação clínica social-terapêutica sua forma mais completa. Os países escandinavos, Holanda e Inglaterra representam, na Europa, este enfoque político- -criminal. Pelo contrário, a Espanha, país antiliberal e antide- mocrático na década dos anos cinquenta a sessenta - quan- do surge esta ideologia de reabilitação - representa um panorama distinto: a prisão é praticamente o único sistema de execução penal, com um regime disciplinar extremamen- te rígido e existe como instituição paralela, embora pouco aplicada, o internamento psiquiátrico forense, segregante e cronificante, nos hospitais gerais, onde não se dispensa ne- nhum tipo de terapia nem de controle do enfermo, de modo que este é literalmente depositado, alienado para sempre da sociedade e da superação de seu próprio conflito (Miralles, 1982). O predomínio do uso da prisão com sua estrutura regimental se mantém inalterado até nossos dias, inclusive depois da introdução, pela Lei Geral Penitenciária de 1978, de terapias de todo tipo, inclusive comunitária, como méto- do efetivo e elemento principal do objetivo ressocializador da privação da liberdade. Os aspectos
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