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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE VETERINÁRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA VETERINÁRIA – CLÍNICA E REPRODUÇÃO ANIMAL GUILHERME MARQUES SOARES AVALIAÇÃO DE FATORES DE INFLUÊNCIA NA MANIFESTAÇÃO DA AGRESSIVIDADE EM CÃES NITERÓI 2010 II GUILHERME MARQUES SOARES AVALIAÇÃO DE FATORES DE INFLUÊNCIA NA MANIFESTAÇÃO DA AGRESSIVIDADE EM CÃES Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Medicina Veterinária da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor. Área de Concentração: Clínica e Reprodução Animal. Orientadores: Profª. Dra. RITA LEAL PAIXÃO Prof. Dr. JOÃO TELHADO PEREIRA NITERÓI 2010 III S676 Soares, Guilherme Marques Avaliação de fatores de influência na manifestação da agressividade em cães/ Guilherme Marques Soares; orientadora Rita Leal Paixão. — 2010. 96 f. Tese (Doutorado em Clínica e Reprodução Animal)- Universidade Federal Fluminense, 2010. Orientadora: Rita Leal Paixão 1.Comportamento animal. 2. Cão. 3.Comportamento agressivo. 4. Bem-estar do animal. I. Título. CDD 156 III GUILHERME MARQUES SOARES AVALIAÇÃO DE FATORES DE INFLUÊNCIA NA MANIFESTAÇÃO DA AGRESSIVIDADE EM CÃES Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Medicina Veterinária da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor. Área de Concentração: Clínica e Reprodução Animal. Apresentada em 04 de novembro de 2010. BANCA EXAMINADORA PROFª. DRA. NORMA VOLLMER LABARTHE – UFF / FIOCRUZ PROF. DR. JOSÉ MÁRIO D’ALMEIDA - UFF PROF. DR. PROF RICARDO TADEU SANTORI – UERJ PROF. DR. MAURO LANTZMAN – PUC-SP PROFª. DRA. RITA LEAL PAIXÃO – UFF NITERÓI 2010 IV Patrícia, Lia e Ana, dedico a vocês não só esta tese, mas toda a minha vida. Amo vocês. V AGRADECIMENTOS Aos meus orientadores, pessoas íntegras, éticas e de uma inteligência impar, por me ensinarem a cada dia o que é ser pesquisador. À minha família, alicerce da minha vida, por todo apoio e incentivo que sempre me deram, desde o jardim da infância até hoje. À minha esposa, pelo companheirismo, amor e paciência que tem comigo. Às minhas filhas que, sem a menor noção disso, me incentivam a melhorar e me aprimorar como ser humano, como pai e como profissional. Ao professor James Serpell e à Escola de Medicina Veterinária da Universidade da Pensilvânia, por nos ter permitido o uso do C-BARQ em nossa pesquisa. A todos os criadores que permitiram a realização dos testes em seus canis. Aos alunos da Faculdade de Medicina Veterinária da UFF que contribuíram aplicando os questionários. A todos aqueles que muito generosamente responderam os questionários e testes psicológicos. A Profª. Dra. Vilma Aparecida da Silva que tornou possível a realização dos testes psicológicos dos proprietários dos cães. E principalmente a Deus que, com seu imenso amor, colocou toda essa gente bacana no meu caminho. VI "Um misantropo sentimental engendrou este aforismo que muitas vezes se repete maquinalmente: quanto mais conheço os homens, mais gosto do meu cão. Eu afirmo a inversa: quem conhece verdadeiramente os animais, inclusive os animais superiores, os que nos são mais próximos, e possui uma certa compreensão da evolução filogenética, é por isso mesmo capaz de compreender plenamente o caráter único dos homens." (Konrad Lorenz) VII “Vós sois o sal da terra. Se o sal perde o sabor, com que lhe será restituído o sabor? Para nada mais serve senão para ser lançado fora e calcado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre uma montanha nem se acende uma luz para colocá-la debaixo do alqueire, mas sim para colocá-la sobre o candeeiro, a fim de que brilhe a todos os que estão em casa. Assim, brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus”. (Mt 5, 13-16) VIII RESUMO A agressividade canina é um tema importante, pois, além de ser um problema de saúde pública, interfere na qualidade de vida de cães, proprietários e profissionais que lidam com esses cães. No capítulo I desta tese, objetivou-se estimar o impacto do problema nas unidades de atendimento clínico do Brasil. Para tal, foi feito um inquérito com médicos veterinários, através de um questionário enviado a todas as escolas de veterinária que possuíam unidades de atendimento no país. As agressões foram a segunda queixa comportamental mais frequente e a primeira indicação para abandono ou eutanásia. Mas, o que leva um cão a manifestar a agressividade? Para responder essa pergunta, outros quatro estudos foram realizados. No capitulo II, foi feita uma revisão sistemática de literatura para ver o que há publicado sobre a associação entre raça e agressividade. Com os trabalhos publicados de 1997 a março de 2009 não foi possível confirmar tal associação. No capítulo III, filhotes de seis a oito semanas, de cinco raças (Bull Terrier, Cocker Spaniel Inglês, Retriever do Labrador, Pit Bull e Rottweiler), foram submetidos ao Teste de Campbell, a fim de avaliar seus padrões de dominância e compará-los entre as raças. Concluiu-se que os cães das raças Rottweiler e Bull Terrier tiveram escores mais compatíveis com independência. No capítulo IV, os perfis dos compradores dos filhotes testados no capítulo III foram traçados com o auxílio de dois testes psicológicos, o Questionário de Agressividade e o Inventário Multifásico de Personalidade Minessota. Concluiu-se que as pessoas que compraram cães das raças Labrador e Cocker Spaniel Inglês apresentaram maiores pontuações na escala para Hostilidade do Questionário de Agressividade, comparados àqueles que compraram Rottweiler e Bull Terrier. No quinto capítulo foram correlacionados perfis de agressividade de proprietários e itens de manejo com padrões de agressividade dos cães. As comparações foram feitas usando o mesmo Questionário de Agressividade do capítulo IV para os proprietários e um questionário validado para identificação dos problemas de agressividade e medo dos cães. Concluiu-se que a agressividade física do proprietário tem uma correlação inversa com a agressividade canina direcionada a cães familiares e também que o fato de o proprietário permitir que o cão o guie se correlacionou com maior agressividade contra o proprietário. Os resultados encontradosnos cinco capítulos desta tese reforçam a ideia de que a manifestação da agressividade canina tem múltiplas causas que vão desde a raça até a personalidade do proprietário e de como este conduz a criação, a socialização e a educação de seu cão. Palavras-Chave: agressividade, comportamento canino, cães, bem-estar animal. IX ABSTRACT The Dog’s Aggression is an important issue because, besides being a public health problem, interfering with quality of life of dogs, owners, and professionals dealing with these dogs. In Chapter I of this thesis aimed to estimate the impact of the problem in veterinary care units in Brazil. To this end, a survey was done with veterinarians, through a questionnaire sent to all schools of veterinary medicine that had the clinics in the country. The aggressions were the second most common behavioral complaint, and the first indication for abandonment or euthanasia. But, what takes a dog to be aggressive? To answer that question, four other studies were conducted. In Chapter II, there was a systematic literature review to see what is published on the association between breed and aggression. With articles published from 1997 to March 2009 was not possible to confirm this association. In Chapter III, pups from six to eight weeks, five breeds (Bull Terrier, English Cocker Spaniel, Labrador Retriever, Pit Bull and Rottweiler), underwent the Campbell test, to assess their patterns of dominance and compare them between breeds. It was concluded that the Rottweilers and Bull Terriers scored more compatible with independence. In chapter IV, the profiles of buyers of pups tested in chapter III were traced with the help of two psychological tests, the Aggression Questionnaire and the Minnesota Multiphasic Personality Inventory. It was concluded that people who bought Labradors and English Cocker Spaniels had higher scores on a hostility scale, compared to those who bought Rottweiler and Bull Terrier. In the fifth chapter, the aggression profiles of owners and management items were correlated with patterns of aggression in dogs. Comparisons were made using the same Aggression Questionnaire for the owners and a validated questionnaire to identify the problems of aggression and fear of dogs. It was concluded that the owner’s physical aggressiveness has an inverse correlation with canine aggression directed to family dogs and also the fact that the owner let the dog guide was correlated with increased aggressiveness against the owner. The results in the five chapters of this thesis reinforce the idea that the expression of canine aggression has numerous causes ranging from the breed until the owner's personality and how this leads to creation, socialization and education of your dog. Key words: aggressiveness, canine behavior, dog, animal welfare. 0 SUMÁRIO Resumo, p. VIII Abstract, p. IX 1- Introdução, p. 1 2- Fundamentação Teórica, p. 3 2.1- Fatores que influenciam na manifestação da agressividade em cães, p. 5 2.1.1- Sexo, p. 5 2.1.2- Ambiente social e manejo, p. 6 2.1.3- Agressões por dominância, p. 9 2.1.4- Doenças, p. 11 2.2- Medidas preventivas, p. 12 3- Justificativas e objetivos, p. 15 3.1- Justificativas, p. 15 3.2- Objetivo geral, p. 15 3.3- Objetivos específicos, p. 15 3.4- Metas, p. 16 4- Desenvolvimento, p. 17 4.1- Capítulo I – Epidemiologia de problemas comportamentais em cães no Brasil: inquérito com médicos veterinários, p. 17 4.1.1- Introdução, p. 17 4.1.2- Material e métodos, p. 18 4.1.3- Resultados, p. 19 4.1.4- Discussão, p. 22 4.1.5- Conclusão, p. 24 4.2- Capítulo II – Associação entre raça e agressividade em cães: revisão sistemática, p. 25 4.2.1 – Introdução, p. 25 4.2.1.1- Associação entre genética e comportamento, p. 25 4.2.2- Material e métodos, p. 28 4.2.3- Resultados, p. 29 4.2.3.1- Quanto ao desenho metodológico dos artigos, p. 29 4.2.3.2- Quanto às raças mais agressivas, p. 30 4.2.4- Discussão, p. 31 4.2.5- Conclusão, p. 32 4.3 - Capítulo III – Comparação do comportamento dominante de filhotes de cães de cinco raças, p. 36 4.3.1 – Introdução, p. 36 4.3.2 – Material e métodos, p. 36 4.3.3 – Resultados, p. 39 4.3.4 – Discussão, p. 41 4.3.5 – Conclusão, p. 43 1 4.4 - Capítulo IV – Perfil dos compradores de filhotes de quatro raças, p. 44 4.4.1 – Introdução, p. 44 4.4.2 – Material e métodos, p. 45 4.4.3 – Resultados, p. 47 4.4.4 – Discussão, p. 50 4.4.5 – Conclusão, p. 53 4.5 - Capítulo V – Avaliação da influência da agressividade do proprietário na manifestação da agressividade do cão, p. 54 4.5.1 – Introdução, p. 54 4.5.2 – Material e métodos, p. 54 4.5.2.1- Questionário para avaliação e pesquisa comportamental de cães, p. 56 4.5.3 – Resultados, p. 56 4.5.3.1 – Correlação entre características do proprietário e agressividade do cão, p. 57 4.5.3.2 – Correlação entre agressividade do proprietário e agressividade do cão, p. 58 4.5.3.3 – Correlação entre características dos cães e de manejo e agressividade do cão, p. 59 4.5.4 – Discussão, p. 61 4.5.5 – Conclusão, p. 65 5- Considerações Finais, p. 66 6- Bibliografia, p. 69 Glossário, p. 82 Apêndice, p. 84 Domesticação e formação das raças, p. 84 Classificação zoológica, p. 85 Histórico das raças caninas estudadas nos capítulos III e IV, p. 85 Retirever do Labrador, p. 85 Rottweiler, p. 86 Cocker Spaniel Inglês, p. 86 Bull Terrier, p. 87 Pit Bull, p. 87 Anexo 1, p. 89 Anexo 2, p. 91 1- INTRODUÇÃO A convivência do cão com o ser humano é dinâmica ao longo dos, pelo menos, quinze mil anos de história comum entre essas duas espécies. No início da domesticação, o cão agia como um lixeiro, passando a colaborador, parceiro e hoje tem uma relação com o ser humano que beira a dependência mútua, principalmente nos grandes centros urbanos. Relação na qual o cão depende integralmente do abrigo e do alimento fornecidos pelo homem e o homem pode se beneficiar do equilíbrio emocional proporcionado pelo cão. O equilíbrio dessa relação é seriamente ameaçado cada vez que o cão, que é um predador/carniceiro por natureza, apresenta comportamentos agressivos contra esse humano, muitas vezes sem preparo emocional para encarar essa agressão sem considerá-la uma forma de traição. A agressão de cães contra seres humanos é a principal queixa que leva proprietários a procurarem serviços de etologia clínica no mundo inteiro. Os cães são os animais que mais causam acidentes por ataques contra seres humanos, principalmente nos ambientes urbanos. As principais vítimas desses cães são pessoas de convívio próximo a eles (proprietários, familiares e vizinhos). Considerando esses fatos, a mordedura de cães passa a ser um problema de saúde pública, já que milhares de pessoas são mordidas por cães em todo o mundo por ano, o que gera um ônus pecuniário aos sistemas públicos de saúde, além do impacto na qualidade de vida dos indivíduos atacados devido a suas consequências físicas e psicológicas. Há uma infinidade de causas possíveis e teorias defendidas sobre as causas dessa agressividade, porém há poucos estudos na área. Sabe-se que cães menos socializados têm maior dificuldade de convívio, que algumas raças são mais predispostas a ataques em certos contextos que outras e também que os machos 2 têm maior tendência à agressividade interespecífica, porém onde está a chave dessa problemática ainda é uma incógnita. Ante a necessidade de elucidar pontos obscuros nas motivações para a agressividade dos cães, na presente tese, testamos a seguinte hipótese: “A manifestação da agressividade canina tem origem multifatorial que envolve raça, manejo e a personalidade do proprietário”, porém sem a pretensão de esgotaro assunto. Antes de investigar os fatores relacionados com a manifestação da agressividade canina, no capítulo I buscamos verificar se o problema é relevante no cotidiano do clínico de pequenos animais no Brasil, através de um inquérito epidemiológico com médicos veterinários. No capítulo II, buscamos investigar, a partir da literatura, a associação entre raça e agressividade. No capítulo III, baseado na associação que existe entre agressividade canina contra seres humanos e dominância, investigamos a dominância em filhotes de cinco raças, Pit Bull, Bull Terrier, Rottweiler, Retriever do Labrador e Cocker Spaniel Inglês. No capítulo IV buscamos relacionar aspectos psicológicos do proprietário que influenciam na aquisição dos filhotes, a fim de responder à pergunta: existe algum padrão psicológico que leve a pessoa a escolher essa ou aquela raça? Já no capítulo V, o objetivo é relacionar a agressividade do proprietário, assim como aspectos de manejo, com a agressividade canina. 3 2- FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A agressividade canina é um tema frequentemente abordado quando o assunto é a interação entre o homem e o cão. Governos legislam sobre raças agressivas (RIO DE JANEIRO, 1999; SÃO PAULO, 2003; ROSADO et al., 2007; MATO GROSSO DO SUL, 2008), condomínios impõem regras de convivência para evitar acidentes envolvendo ataques e várias pessoas temem os cães devido a traumas sofridos ou transmitidos em decorrência de respostas agressivas de cães. A agressividade é definida como a conduta do agressivo, como instinto de combate do animal (LORENZ, 2001). A agressão se refere ao comportamento ameaçador ou perigoso e abrange uma ampla variedade de comportamentos, desde posturas corporais sutis e expressões faciais até os ataques propriamente ditos (LANDSBERG et al., 2004). A palavra agressão traz como significado à mente humana: maldade, sordidez ou vingança, mas não é o que acontece com os cães. As agressões fazem parte do repertório comportamental dessa espécie (FOGLE, 1992). A agressividade no reino animal, longe de ser um princípio diabólico, destruidor, como a psicanálise nos quer levar a crer, é indubitavelmente uma parte essencial da organização dos instintos em vista da proteção da vida (LORENZ, 2001). No caso do cão, os comportamentos agressivos são subdivididos em três etapas: ameaça, ataque e apaziguamento (BEAVER, 2001). A ameaça é caracterizada por posturas intimidadoras, rosnados, latidos, exibição de dentes, piloereção cervical ou manutenção de contato visual, podendo se compor de um ou vários desses sinais. O ataque é a agressão propriamente dita, caracterizado pela mordida ou sua tentativa. A fase de apaziguamento é caracterizada por um comportamento relativamente não agressivo, mas que reforça a postura agressiva do cão pós-ataque. O cão pode lamber a região mordida, montar no agredido ou apenas por sua pata sobre ele (OVERALL, 1997). 4 A agressividade pode ser manifestada em vários contextos e é essa contextualização que vai direcionar uma possível abordagem terapêutica para cada caso. As vítimas nesses contextos podem ser de qualquer espécie, principalmente humanos e caninos. Os contextos podem ser divididos didaticamente em ativos ou passivos. Nos casos da agressividade ativa, os cães atacam sem qualquer ameaça direta à sua integridade física. Portanto se pode caracterizar como ativos os episódios de agressão ocorridos nos seguintes contextos: • Predação - o cão ataca com todo um gestual de caça. É comum ocorrer contra pessoas correndo (frequentemente crianças), rodas e pneus (carros, motos, bicicletas, patins ou skates). Também com animais de outras espécies (FOGLE, 1992; OVERAL, 1997; BEAVER, 2001). • Proteção Territorial – os ataques são direcionados a indivíduos que não fazem parte do grupo social do cão e invadem seu espaço territorial. Este território pode se estender além dos limites territoriais estabelecidos pelos seres humanos, como muros ou cercas. Neste contexto também, o cão pode reagir agressivamente durante passeios com algum membro humano de seu grupo social, quando indivíduos (humanos ou caninos) se aproximam, invadindo um perímetro territorial que o cão reconhece como seu. (FOGLE, 1992; OVERAL, 1997; LANDSBERG, 2004). • Proteção Maternal – os ataques são efetuados por fêmeas comumente em período de amamentação. Pode ocorrer também com algumas cadelas em pseudociese. Esta categoria de agressividade assume características semelhantes às de proteção territorial, porém dentro do contexto da fêmea protegendo sua prole (FOGLE, 1992; OVERAL, 1997; BEAVER, 2001). • Disputa Hierárquica – Também é chamada de Agressão por Dominância. Uma das principais características deste tipo de agressão é o fato de, na maioria das vezes, ser direcionada a algum membro da família (CAMERON, 1997; PALÁCIO et al., 2005). É o tipo de agressão mais difícil de ser contextualizada, pois normalmente envolve situações que não encontram justificativas, considerando-se valores humanos. A agressividade caracterizada como passiva envolve situações onde o cão simplesmente reage a estímulos que ameacem sua integridade física. São essas situações: 5 • Por Medo - um cão acuado se defende daquilo que o ameaça de forma agressiva (MILLS e ZULCH, 2010). Este tipo de agressão foi o mais observado em um estudo belga com cães militares, mesmo com a rejeição de cães medrosos no momento da seleção para o trabalho designado, o que pode estar relacionado com a técnica de adestramento usada com tal grupo de cães (HAVERBEKE et al., 2009). É um tipo de agressão normalmente perigoso, pois o cão não reprime o ataque, visto que se sente ameaçado. É como se dissesse: “é ele ou eu”. • Por Dor - o cão ataca aquele que está ou que já lhe tenha causado dor (FOGLE, 1992; OVERAL, 1997; BEAVER, 2001). Portanto, é um contexto comum nas clínicas veterinárias ou a cães que estejam sofrendo ou que já tenham sofrido processos dolorosos como dores crônicas ou reações inflamatórias agudas. Todas as situações listadas envolvem contextos normais de agressividade, porém ainda ocorrem agressões que não são possíveis de serem contextualizadas, chamadas idiopáticas. Existem também aquelas com causas clínicas (endocrionopatias ou neuropatias), e ainda há casos com ambivalências que mesclam classificações. Um exemplo desses casos que mesclam classificações são casos de agressão normalmente caracterizada como hierárquica por causa do contexto geral da agressão, porém traz, em inúmeros casos, linguagem corporal incompatível com o conflito hierárquico, não há a postura do líder se impondo ao seu subordinado. Tal linguagem corporal, com misto de ofensiva e defensiva (ativa e passiva), caracteriza uma situação que mescla a dominância e o medo motivando a agressão (LUESCHER & REISNER, 2008). É relevante ressaltar que a agressão canina direcionada a seres humanos muitas vezes é desejada pelo proprietário, como no caso dos cães de guarda. Porém, ainda assim é necessário que se preveja e trabalhe tal agressividade a fim de evitar acidentes que ocorrem pela falta de discernimento dos cães para o certo e o errado. 2.1- FATORES QUE INFLUENCIAM NA MANIFESTAÇÃO DA AGRESSIVIDADE EM CÃES 2.1.1- Sexo Nos casos de agressões a seres humanos, há uma predominância de cães machos não castrados (WRIGHT, 1991; FATJÓ et al., 2005; PALÁCIO et al., 2005; PALESTRINI et al., 2005; ROSADO et al., 2009; VOITH, 2009). Machos também se 6 mostram mais frequentemente envolvidos em ataques no contexto de agressão territorial (PÉREZ-GUISADO e MUÑOZ-SERRANO, 2009). Entretanto, as agressões podem ocorrer numa variedade de circunstâncias, que dependem mais da motivação para a agressão do que do sexo do agressor (MERTENS,2006). As cadelas apresentam com mais frequência comportamentos agressivos contra outros cães, quando essa frequência é comparada à frequencia que os machos demonstram comportamentos agressivos entre si . Essas agressões de fêmeas tendem a ser mais frequentes ainda no período de estro (MERTENS, 2006). Em estudo realizado no Canadá, as cadelas apresentaram probabilidade maior de respostas agressivas do que os machos e quanto menor o peso da fêmea, maior a probabilidade de ter sido envolvida em um ataque a ser humano (GUY et al., 2001b). Quanto a gonadectomia, os machos castrados mostram menor tendência a comportamentos agressivos comparados aos machos não castrados (OVERALL e LOVE, 2001). Porém, há um experimento que foi realizado com cadelas da mesma raça, em uma faixa estreita de idade, criadas sob as mesmas condições e divididas em dois grupos. Nesse estudo, as cadelas do grupo experimental foram ovario- histerectomizadas e apresentaram reações agressivas com maior frequência num período de quatro a cinco meses após a cirurgia, quando comparadas a fêmeas e que não foram castradas (KIM et al., 2006). 2.1.2- Ambiente Social e Manejo O ambiente social, desde a ninhada, pode influenciar o comportamento agressivo do adulto. Em estudo retrospectivo realizado no Chile com cães da raça Rottweiler e mestiços de Rottweiler, observou-se que animais oriundos de ninhadas pequenas apresentaram menor agressividade que os de ninhadas grandes. Tal fato pode estar relacionado à disponibilidade de alimento e/ou atenção da mãe (BUSTOS, 2003). No Reino Unido, a agressividade de cães da raça Cocker Spaniel Inglês foi avaliada através de uma escala de cinco pontos (1- sem agressão e 5 – muito agressivo). A partir desses resultados os autores selecionaram o primeiro quartil como o grupo de “menor agressividade” e o quarto quartil como o grupo de “maior agressividade”. O grupo de “menor agressividade” relacionou-se com frequência significativamente maior ao grupo de donos acima de 65 anos e a maior frequência de escovação e passeios. O grupo de “maior agressividade” apresentou correlação 7 com o grupo proprietários com idade compreendida entre 25 e 34 anos. O mesmo grupo teve correlação com histórico de doença do cão nas suas primeiras 16 semanas de vida e com frequências de passeios menores que o outro grupo. Este grupo mostrou maior frequência em puxar a guia, assim como uma maior resistência para obedecer comandos. Os proprietários de cães deste grupo, de “maior agressividade”, demonstraram menor vínculo afetivo com seus cães (PODBERSCEK e SERPELL, 1997). Em um estudo canadense, a presença de adolescentes convivendo com o cão e o fato deste dormir na cama dos proprietários nos primeiros dois meses em que estavam na casa, foram estatisticamente relacionados com o grupo de cães envolvidos em agressões direcionados a indivíduos da família humana que os acolheu desde filhotes (GUY et al., 2001b). Cães militares levados para a casa de seus responsáveis e que praticam esportes com eles, ou seja, que tiveram um grau de interatividade constante, demonstraram menos agressividade, mais sociabilidade e mais obediência, quando comparados àqueles que só tiveram contato com seus responsáveis no canil militar (LEFEBVRE et al., 2007). Em um estudo feito na Austrália com questionários respondidos por proprietários, se demonstrou que o risco de agressão relacionada à comida foi maior em: cães mestiços; cães que foram adquiridos com mais idade; residências onde tinham mais cadelas; residências com maior número de cães; e cães que recebiam petiscos à mesa, durante as refeições das pessoas. O risco para esse tipo de agressão diminuiu em cães que caminham com seus donos diariamente e que recebiam petiscos durante o treinamento (MCGREEVY e MASTERS, 2007). Alguns fatores mostraram aumentar a probabilidade da ocorrência de agressões territoriais, são eles: a finalidade da aquisição do cão (para guarda patrimonial); nível de escolaridade do proprietário (com nível universitário); e punição dos cães com castigos físicos (PÉREZ-GUISADO et al., 2008). Um estudo sugere que cães adquiridos para companhia, com acesso a visitantes em casa e com menores restrições de movimentos (que ficam mais soltos) tiveram maior risco de ataques a pessoas. Esse estudo foi feito com cães de duas cidades em países diferentes e teve resultados diferentes em relação à agressividade para os mesmos hábitos teoricamente predisponentes. Por exemplo, o fato de o cão dormir na cama de algum membro da família teve correlação com a 8 agressividade entre os cães de uma cidade, mas sem a mesma correlação entre os animais da outra. O que sugere que diferenças culturais podem interferir na predisposição a ataques de cães a seres humanos em contextos diferentes (MESSAM et al., 2008). Pesquisadores identificaram que fatores como o fato de a pessoa ser responsável por um cão pela primeira vez e como esta pessoa educa esse cão têm maior influência no desenvolvimento de agressões por dominância do que fatores intrínsecos ao cão como: sexo, raça, idade, tamanho ou cor da pelagem (PEREZ- GUISADO e MUÑOZ-SERRANO, 2009). Um estudo que avaliou cães agressores e cães agredidos revelou que os cães agressivos eram predominantemente adquiridos em canis, enquanto os cães oriundos de abrigos ou de amigos ou parentes expressavam maioria numérica no grupo dos agredidos (ROLL e UNSHELM, 1997). O mesmo estudo revelou que os cães agressores já exibiam uma tendência a agredirem outros cães. Essa tendência foi relatada por tentativas de agressão em episódios anteriores da agressão propriamente dita. A maioria dos cães envolvidos nas brigas avaliadas no estudo caminhava na rua sem estarem devidamente contidos com guia. Os dois grupos apresentaram uma história comum de falha na socialização primária com outros cães. Observou-se predominância de machos dentre os cães envolvidos nas brigas. Cães de propriedade de mulheres encontraram-se mais no grupo dos agredidos, do que no grupo dos agressores. Cães que passeavam com toda a família foram os mais encontrados no grupo das vítimas. O ambiente social tem um papel muito importante no contexto de agressões motivadas por conflitos hierárquicos (OVERALL, 1997), sendo este o contexto de agressão que mais leva proprietários aos serviços de etologia clínica por todo o mundo (GUY et al., 2001c; DENEMBERG et al., 2005; FATJÓ et al., 2005; FATJÓ et al., 2007). A agressividade faz parte do repertório comportamental do cão, assim como de outras tantas espécies de animais sociais ou não. Dentro das matilhas, apesar de ser um comportamento normal, existe uma variedade de rituais de apaziguamento. Esses rituais de apaziguamento são fundamentais no processo evolutivo das espécies, pois visam manter a coesão de grupos de animais gregários (LORENZ, 2001). Grupos de animais que ficam brigando entre si tornam-se mais fracos e mais vulneráveis a predadores, por exemplo. Portanto, as agressões ocorridas dentro do 9 mesmo grupo social não são desejáveis no contexto humano nem no canino. Segundo os argumentos de Lorenz (2001) pode-se supor que tais agressões dentro dos grupos sociais ocorram devido a uma ruptura na harmonia de seu comportamento natural por ambiguidades nas atividades do grupo social em questão ou a um não entendimento dos rituais naturais desses cães. Em relação às agressões caninas direcionadas aos seres humanos do mesmo grupo social do agressor, essas seriam provocadas pela ruptura na harmonia social do grupo ou pelo não entendimento dos rituais de apaziguamento. Nesse caso a explicação é corroborada pelos argumentos de Turner (1997), que diz que as causas não orgânicas de problemas comportamentais podem ser classificadas em: desrespeito (por falta de conhecimento)às características biológicas normais dos animais; falsas expectativas criadas pelos proprietários em relação a seus animais; e interação incorreta com o animal. 2.1.3- Agressões por Dominância A dominância é um traço individual de conduta, comum a indivíduos de várias espécies, é inato e tem forte importância evolutiva para espécies sociais (CAMERON, 1997). Essa característica faz com que o cão assuma postos mais altos em sua hierarquia social, com o conceito oposto à submissão (FOGLE, 1992; BEAVER, 2001). Tal característica é manifestada nos cães de diversas maneiras, sempre com o objetivo de obter o controle dos recursos, que no ambiente doméstico são: alimento, abrigo, brinquedos e o local de dormir. Nesse contexto, a atenção e o carinho das pessoas também pode ser incluído na relação de recursos controlado pelo cão. O cão dominante pode exercer essa dominância de forma pacífica ou agressiva em relação a pessoas ou cães. Na abordagem agressiva, o cão se comporta inicialmente com intimidações posturais ou sonoras e posteriormente com ataques direcionados àquele que ameace sua superioridade hierárquica ou a ordem natural da matilha (OVERALL, 1997). Na maioria das vezes, estrutura social canina normalmente se apresenta organizada de forma linear na qual A domina B que domina C e assim sucessivamente (OVERALL, 1997; BEAVER, 2001; LANDSBERG et al., 2004). Essa hierarquia já começa a ser estabelecida desde a ninhada, quando os filhotes definem quem terá acesso prioritário aos recursos (comida, água, sombra, brinquedos ou abrigo) através de brincadeiras. A relação de dominância e 10 submissão é exibida e reforçada durante as brincadeiras, nas quais os dominantes mostram-se mais ativos e os submissos mais responsivos às iniciativas dos dominantes (BAUER e SMUTS, 2007). Essas brincadeiras agonísticas começam em torno de cinco semanas e aumentam até o estabelecimento da hierarquia, decrescendo a partir de oito a dez semanas (PAL, 2008). Comportamentos dominantes frequentemente observados em filhotes são: estabelecer o controle do alimento; rolar o outro indivíduo sobre seu dorso expondo o ventre, abocanhar o pescoço do outro, abocanhar a boca do outro e montar no outro simulando comportamento de cópula (BEAVER, 2001). A aceitação ou não dessas iniciativas acaba por organizar socialmente esses filhotes. Essa estruturação social dos cães é parte do que Askew (2003) chama de Pack Theory, ou Teoria da Matilha, que não é essencialmente uma teoria (WRIGHT, 2004), mas uma idéia aceita e difundida no meio da etologia clínica (FOGLE, 1992; CAMERON, 1997; OVERALL, 1999; BEAVER, 2001; ASKEW, 2003; LANDSBERG et al., 2004). Tal teoria se baseia em dois princípios. O primeiro diz que os padrões comportamentais de cães e lobos são essencialmente os mesmos (SCOTT e FULLER, 1965). O segundo diz que quando socializados com pessoas, cães e lobos transferem para os seres humanos os relacionamentos sociais que normalmente se desenvolvem com indivíduos da mesma espécie o quanto lhes são permitidos pelo seu grupo social humano. Cães não adquirem comportamento humano com essa associação, mas continuam a mostrar o padrão comportamental comum a todos os canídeos (SCOTT e FULLER, 1965). Ou seja, é a ideia de que o cão quando inserido no contexto social humano, o que inclui residências com outros animais, se comporta como se comportaria dentro de um grupo de cães em liberdade, desta forma, assumindo a posição hierárquica que lhe for permitida ou indicada dentro do grupo (FOGLE, 1992; OVERALL, 1999; BEAVER, 2001; ASKEW, 2003). Há autores que a questionam (VAN KERKHOVE, 2004; BRADSHAW et al., 2009), alegando que sua base em uma estimativa do comportamento canino a partir do comportamento de lobos se torne falha no momento em que já há estudos demonstrando diferenças cognitivas significativas entre esses canídeos tanto no comportamento intra como interespecífico (HARE et al, 2002). Enfim, a Teoria da Matilha é uma ideia sujeita a modificações e adaptações a partir de novos estudos que avaliem a relação do cão com o ser humano e como não é o foco direto da presente tese não haverá um maior aprofundamento nem uma maior discussão a respeito. 11 Uma das principais características da agressão por dominância é o fato de, na maioria das vezes, ser direcionada a algum membro da família (CAMERON, 1997; PALÁCIO et al., 2005). Há situações que motivam os ataques caninos e são típicas de reações agressivas por dominância: incomodar o cão enquanto dorme; puxar a guia para corrigir o cão; puxar a cabeça do cão para pôr-lhe a guia; escovar o cão; encarar o cão; portar uma focinheira; conduzir o cão em exercícios restritivos; usar punição física (OVERALL, 1999). Além dessas situações, podem ocorrer reações agressivas quando pessoas tentam deixar o cômodo em que se encontram assim como comportamentos não agressivos fazendo parte do contexto como: monta indevida, marcação territorial, roubo de comida ou pular nas pessoas (LANDSBERG, 1990). O último item sugere a necessidade do cão dominante em estar sempre “por cima”. A agressão relacionada à comida pode fazer parte do contexto da agressão por dominância. Neste caso, o cão demonstra reações agressivas com a proximidade de algum indivíduo (humano o canino) de sua comida, podendo se estender a outros recursos como abrigo (camas, sofás, casinhas, etc) ou pertences que o cão considere como dele (brinquedos, panos ou objetos “furtados” do proprietário), o que é chamado de agressão possessiva (LUESCHER e REISNER, 2008). 2.1.4- Doenças Para o diagnóstico de distúrbios de comportamento relacionados à agressividade, é importante descartar causas clínicas como: neoplasias, infecções, distúrbios hormonais ou doenças neurológicas (OVERALL, 1999). Em um estudo comparando uma população de cães que apresentaram quaisquer problemas de comportamento e sua função tireoideana revelou-se que 61% desses cães apresentavam atividade tireoidiana deficiente, mas ainda subclínica, havendo uma correlação significativa entre disfunção tireoideana e agressão direcionada a pessoas (ARONSON e DODDS, 2005). Caldwell e Little (1980) relataram que, de oito animais com histórico de agressividade, três apresentaram lesões em exames histopatológicos, como necrose, gliose e microvaculação em áreas do sistema límbico. Cães com histórico de tratamento para doença de pele apresentaram maior probabilidade de ter mordido familiares humanos, o que pode estar relacionada com a medicação usada para o tratamento (corticóides e/ou anti-histamínicos) ou com o 12 potencial aumento da irritabilidade secundário ao prurido ou à privação do sono (GUY et al., 2001b). 2.2- MEDIDAS PREVENTIVAS Alguns autores concordam (OVERALL, 1997; BEAVER, 2001; LANDSBERG et al., 2004) que a correta orientação dos proprietários quanto a aspectos inerentes ao comportamento canino (estabelecimento de hierarquia, princípios de comunicação e aprendizado) e a socialização primária (SEKSEL, 1997) seriam as melhores maneiras de prevenir comportamentos agressivos de cães a seres humanos. Alguns governos tentam controlar os ataques com leis proibitivas de certas raças (RIO DE JANEIRO, 1999; SÃO PAULO, 2003; ROSADO et al., 2007; MATO GROSSO DO SUL, 2008). Na Espanha, no período de 2000 a 2004, tais leis não se mostram eficientes no controle epidemiológico de ataques de cães a seres humanos (ROSADO et al., 2007). Socialização é o processo de aprendizado do comportamento social apropriado com indivíduos da mesma espécie ou de espécies diferentes (SEKSEL, 1997). Lorenz (2001) diz que ritos provenientes de movimentos agressivos reorientados não são incorporados no patrimônio hereditário dos animais, mas são transmitidos pela tradição e cada indivíduo tem que aprendê-los.Diz também: “nos animais, uma experiência individualmente adquirida se transmite igualmente por ensino e aprendizagem, dos indivíduos mais velhos aos mais novos”. No processo de domesticação, o cão é inserido no convívio humano, por isso, é extremamente necessário que seja socializado no contexto humano, para que essa interação interespecífica ocorra de uma forma coerente e socialmente aceita pela sociedade humana. Um cão socializado no contexto humano passa a ter uma relação mais harmônica com sua família humana, o que traz benefícios sociais à família e ao cão (SEKSEL, 1997). Considerando que a maioria dos ataques acontece em contextos familiares e comumente são direcionados a pessoas conhecidas da família, como vizinhos, parentes e amigos (OVERALL e LOVE, 2001), a socialização torna-se uma necessidade mais significativa. Porque, no aprendizado dentro do processo de socialização, o cão passa a reconhecer pessoas ou atividades como parte da sua vida e não como ameaça, fazendo que um cão não ataque uma criança conhecida 13 quando esta invade o seu território por não identificá-la nem como ameaça nem como presa. A fase da vida que vai de oito a dezesseis semanas é considerada um ponto crítico no desenvolvimento social dos cães e é chamada de fase de socialização primária (SCOTT e FULLER, 1965). Nesta fase o cão aprende com muito mais facilidade e de uma forma mais intensa e duradoura o que é seguro ou não para ele. Cães que até as 16 semanas não tiveram contato com pessoas passaram a comportarem-se como selvagens1 , temendo qualquer pessoa que se aproxime, tornando-os incapazes de aprender comandos simples de adestramento (SCOTT e FULLER, 1965). Por outro lado, cães criados em famílias humanas tiveram maior rendimento em testes cognitivos (SCOTT e FULLER, 1965) e menos reações agressivas quando comparados com os que ficaram instalados permanentemente em canis (LEFEBVRE et al., 2007). No processo de socialização durante a fase de socialização primária, apresenta-se ao cão, de forma positiva, todos os fatores que farão parte da vida do cão com este cão ainda filhote (8-16 semanas). Esses fatores devem ser controlados para garantir que a experiência seja positiva, por exemplo: pessoas de diferentes idades, diferentes etnias, brinquedos ou objetos (SEKSEL, 1997). Um exemplo de como pode ser feita esta prevenção está em uma pesquisa feita recentemente no Brasil, na qual a pesquisadora desenvolveu uma técnica de socialização primária com filhotes de cães. Nessa pesquisa, os cães e seus proprietários participavam de aulas de socialização e eram orientados sobre cuidados básicos (escovação de dentes e controle de ectoparasitas, por exemplo) assim como sobre como interagir de maneira correta com seus cães. Esses cães, que eram filhotes, eram avaliados durante as interações para a identificação precoce de possíveis problemas de comportamento. Tal estudo teve como resultado um alto índice de satisfação dos proprietários e uma melhora na qualidade da interação destes com cães e vice-versa (SERRA, 2005). Outra medida para prevenir problemas de comportamento, inclusive os relacionados à agressividade, é selecionar o cão para atender às demandas da família de maneira adequada considerando a realidade dessa família (LANTZMAN, 2004). Com o objetivo de selecionar cães para atenderem às demandas de 1 Nota do autor – O cão nas condições descritas comporta-se como um animal que ainda não foi domesticado, que ainda vive sem o contato humano. 14 diferentes famílias ou atividades, Netto e Planta (1997) desenvolveram um teste para essa seleção e descreveram que cães que reagiram agressivamente durante os testes, tiveram maior probabilidade de agredirem depois de inseridos em suas atividades ou famílias. 15 3- JUSTIFICATIVAS E OBJETIVOS 3.1- JUSTIFICATIVAS A relação cada vez mais próxima do cão com o ser humano, a importância dos ataques de cães como aspecto de saúde pública, a agressão canina como principal causa de abandono ou eutanásia de cães pelo mundo e os problemas relacionados à agressividade canina como principais queixas clínicas comportamentais em todo o mundo justificam a presente tese. 3.2- OBJETIVO GERAL Investigar fatores que exercem influência na manifestação da agressividade em cães, visando sua prevenção. 3.3- OBJETIVOS ESPECÍFICOS a) Avaliar a importância do problema para o médico veterinário brasileiro que trabalha com atendimento clínico a cães no Brasil; b) Investigar na literatura a relação entre agressividade e raça canina; c) Comparar o grau de dominância em filhotes das diferentes raças pesquisadas; d) Identificar se há influência de algum padrão de personalidade do proprietário na seleção da raça, no período da aquisição do cão; e) Correlacionar a agressividade do proprietário com a manifestação da agressividade por parte dos cães; f) Identificar itens de ambiente social e manejo que possam estar relacionados aos comportamentos agressivos por parte dos cães; g) Verificar se há associação entre a agressividade e outros padrões comportamentais como medo ou ansiedade. 16 3.4- METAS a) Contribuir para melhorar a relação do cão com o ser humano, a partir do entendimento das motivações para a agressividade dos cães; b) Contribuir para reduzir o número de acidentes causados por ataques de cães, agindo de forma preventiva a partir do entendimento das motivações para a agressividade dos cães. 17 4- DESENVOLVIMENTO Para que houvesse uma sequência no raciocínio do leitor em relação às metodologias empregadas a fim de confirmar ou não à hipótese inicial que é: “A manifestação da agressividade canina tem origem multifatorial que envolve raça, manejo e a personalidade do proprietário”, a presente tese foi dividida em cinco capítulos. 4.1- CAPÍTULO I – EPIDEMIOLOGIA DE PROBLEMAS COMPORTAMENTAIS EM CÃES NO BRASIL: INQUÉRITO COM MÉDICOS VETERINÁRIOS “O conceito de normal é um dos mais difíceis de definir em toda a biologia, mas ao mesmo tempo é tão indispensável como o conceito oposto de patológico.” (LORENZ, 2001) 4.1.1- Introdução A ocorrência de problemas de comportamento em cães tem implicações importantes no bem-estar desses animais e em sua relação com seus proprietários. Acidentes por ataques de cães são considerados um problema de saúde pública (OVERALL e LOVE, 2001; O´SULIVAN et al., 2008a). Nos Estados Unidos da América (EUA), o custo anual do sistema público de saúde com tratamento de vítimas de ataques de cães excede 100.000.000 de dólares (OVERALL e LOVE, 2001). A agressividade canina é o problema que mais leva proprietários a procurar os serviços especializados em etologia clínica na Espanha (FATJÓ et al., 2005; FATJÓ et al., 2007). Convém destacar que após acidentes com ataques de cães, sinais da síndrome de Estresse Pós-traumático foram observados em 12 de 22 crianças belgas em um estudo desenvolvido naquele país, sendo que cinco dessas 18 crianças desenvolveram o quadro completo da síndrome (PETERS et al., 2004; KEUSTER et al., 2006). Tal problema, por vezes, requer que a vítima e seus parentes próximos sejam encaminhados a serviços de acompanhamento psicológico (VOITH, 2009). Em estudo recente realizado em Niterói, no Estado do Rio de Janeiro, 27,6% dos proprietários de cães que residiam em apartamento entrevistados descreveram a agressividade como um comportamento incômodo ou problemático exibido por seus cães (SOARES, 2007). No mesmo município, 87,4% dos proprietários de cães que residiam apartamento relataram que seus cães rosnavam ou tentavam morder empelo menos uma situação cotidiana. A situação que desencadeava tais respostas com maior frequência foi quando o cão era contrariado, em 30,1% dos casos (SOARES et al., 2007). Cerca de vinte milhões de animais de estimação a cada ano são abandonados em abrigos nos EUA e pelo menos a metade desses são mortos por causa de problemas de comportamento (SEKSEL, 1997). No Brasil, até o presente momento, não há publicada uma casuística nacional dos problemas de comportamento dos cães domésticos nem de como os casos existentes são conduzidos. O presente estudo objetivou relatar os problemas de comportamento mais frequentemente atendidos por médicos veterinários brasileiros, assim como suas condutas clínicas e algumas consequências de tais problemas para o bem-estar e vínculo homem-animal, sob a visão desses clínicos. 4.1.2- Material e Métodos Para obtenção dos dados sobre problemas de comportamento foi utilizado o questionário de Fajtó et al. (2006) modificado (ANEXO 1), composto de perguntas sobre cães e gatos (os resultados referentes aos felinos foram publicados no International Journal of Applied Research in Veterinary Medicine, v. 7, p. 130-137, 2009.). Após a elaboração dos questionários, os mesmos foram enviados por correio, através de sistema de carta-resposta, para as 108 faculdades de medicina veterinária distribuídas em todo o território nacional, que possuíam unidades de atendimento clínico a cães e gatos (consultórios, clínicas ou hospitais), dentre 137 instituições cadastradas no Conselho Federal de Medicina Veterinária até a data do envio dos questionários (maio de 2008). Um novo envio foi realizado seis meses depois àquelas faculdades que não haviam respondido. Também foram enviados por correio eletrônico para promover uma maior agilidade no envio das respostas. 19 Todas as correspondências (inclusive o correio eletrônico) tiveram como destinatários os coordenadores de curso de Medicina Veterinária e os responsáveis pelas unidades de atendimento. As perguntas abrangeram os problemas de comportamento mais frequentes na rotina clínica de animais de companhia, a atitude dos veterinários e dos proprietários perante estes problemas e as formas de tratamento escolhidas. Os questionários foram respondidos por médicos veterinários, professores ou não, que prestassem atendimento nas unidades clínicas para pequenos animais. Podendo um ou mais profissionais responder em cada unidade. Foram consideradas as respostas daqueles que afirmaram ser consultados sobre problemas de comportamento. Todos os respondentes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aprovado, assim como o projeto em sua íntegra, pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CNM/HUAP # 096/07) da Universidade Federal Fluminense. Os dados obtidos foram armazenados em um banco de dados do aplicativo Microsoft Office Access 2003 e analisados utilizando-se o programa estatístico Bioestat 5.0®. Além da estatística descritiva das respostas das questões 1, 2 e 3, foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis para observar se havia diferenças significativas entre as posições de classificação das respostas das questões 4, 5, 6, 7 e 8 do questionário. O teste de comparações Student-Newman-Keuls foi usado de forma complementar para a comparação entre os pares de respostas, para avaliar se tiveram ou não diferenças significativas (ARANGO, 2005). 4.1.3- Resultados Das 108 faculdades de veterinária com atendimento a pequenos animais do país, obteve-se reposta de 46 (42,6%), totalizando 101 questionários respondidos. As regiões do Brasil foram representadas da seguinte forma: região Sul - 13 questionários (12,9%), correspondendo a sete faculdades das 25 com atendimento a pequenos animais da região; região Sudeste - 65 questionários (64,4%), totalizando 27 universidades dentre as 58 com atendimento médico veterinário da região; região Centro-oeste - quatro questionários (4,0%), correspondendo a quatro instituições dentre 12; região Nordeste - 16 questionários (15,8%), totalizando seis dentre 10 instituições; e região Norte - três questionários (3,0%), uma universidade dentre as três faculdades existentes com unidade de atendimento. Dos 101 questionários respondidos, 91,1% dos médicos veterinários disseram ser consultados sobre 20 problemas de comportamento. Quanto à espécie mais consultada, 83 (90,2%) médicos veterinários afirmaram ser mais consultados sobre distúrbios de comportamento em cães do que em gatos (5,4%) e quatro respondentes (4,3%) não identificaram a espécie com maior frequência para esse tipo de queixa. Em relação às condutas dos médicos veterinários, 57,6% disseram que tentam resolver alguns casos e outros são encaminhados para um veterinário especializado em comportamento animal; 21,7% disseram tentar resolver alguns casos e outros são encaminhados para um adestrador; e 17,4% tentam resolver sozinhos qualquer caso. Apenas 3,3% afirmaram encaminhar todos os casos para veterinários especializados e 1,1% afirmou que Etologia não é um campo da Medicina Veterinária. Nenhum clínico disse encaminhar todos os casos para adestradores. Quanto à morte induzida consequente a problemas de comportamento, 82 (89,1%) afirmaram que, em cada 10 procedimentos realizados, nenhum ocorre por queixas comportamentais e oito (8,7%) afirmaram que, em cada 10, um é devido a queixas comportamentais. Houve duas respostas (2,2%) de que duas eutanásias são decorrentes de problemas comportamentais em cada 10. Na questão que solicitava que o médico veterinário indicasse qual o comportamento que mais motivaria o proprietário a abandonar ou solicitar a eutanásia do seu cão, 54 (58,7%) respostas caracterizaram a agressão como muito frequente (notas 10, 9 ou 8), e 38 (41,3%) indicaram os comportamentos destrutivos como muito frequentes. A agressão, portanto, foi incriminada como a causa mais frequente de abandono ou eutanásia devido a problemas comportamentais tendo diferenças significativas em relação aos demais problemas listados (P<0,02). A destrutividade teve diferença significativa em relação a defecações inapropriadas (P=0,01), falta de controle nos passeios (P<0,01), hiperatividade (P=0,02) medo de pessoas (P<0,01) e de barulhos (P<0,01). Os médicos veterinários responderam que comportamentos destrutivos eram as queixas mais frequentes, seguidas pelas agressões. Os comportamentos com queixas menos frequentes foram: defecações em locais inapropriados; medo de pessoas e falta de controle durante os passeios (Gráfico 1). Os resultados do teste de Kruskal-Wallis no grupo de respostas a essa pergunta apresentaram diferenças significativas (P<0,01). Na comparação entre os pares, agressões e comportamentos destrutivos não apresentaram diferença significativa entre si 21 (P=0,8). Ambos mostraram-se significativamente mais frequentes do que: defecações e micções inapropriadas, falta de controle nos passeios, medo de pessoas e de barulhos (P<0,05). Além dessas, os comportamentos destrutivos foram significativamente mais frequentes do que vocalização excessiva (P=0,03). Comportamentos compulsivos foram significativamente mais frequentes do que medo de pessoas e falta de controle nos passeios (P<0,01). Esta teve diferenças significativas também em relação a: hiperatividade, medo de barulhos e vocalizações excessivas (P<0,05). Hiperatividade foi significativamente diferente de medo de pessoas (P=0,01) e nenhum dos demais pares apresentou diferenças significativas. Os alvos mais frequentes das agressões caninas foram outros cães (30,4%), seguidos de pessoas da família (23,9%) assim como pessoas desconhecidas (23,9%). O resultado do teste de Kruskal-Wallis no grupo de respostas a essa pergunta não indicou diferença significativa (P=0,2). O tratamento mais recomendado para asagressões caninas foi a terapia comportamental, significativamente mais frequente do que a castração e o uso de medicamentos (P<0,01). O mesmo ocorreu em relação ao tratamento para as eliminações inapropriadas com urina, a terapia comportamental foi a principal recomendação, significativamente mais frequente do que castração (P<0,01) e uso de medicamentos (P=0,01). 22 4.1.4- Discussão Baseado na taxa de retorno dos questionários de 42,6% e na distribuição equilibrada das respostas por todo território nacional, a amostra foi considerada representativa em relação à experiência e à conduta dos clínicos veterinários quanto aos problemas de comportamento de cães no Brasil. A decisão de realizar esta pesquisa com médicos veterinários de hospitais e unidades de atendimento veterinário de faculdades de Medicina Veterinária, ao invés de clínicas privadas, e o duplo envio das cartas-respostas, podem ter contribuído para uma maior taxa de retorno, quando comparada a trabalhos envolvendo questionários como o de Fatjó e colaboradores (2006) que obtiveram taxa de resposta de 15%. Pode-se presumir que os veterinários envolvidos no ambiente de ensino tenham maior predisposição a contribuir com uma pesquisa científica. Além disso, o envio adicional do questionário por correio eletrônico, contornou a possível deficiência na distribuição dos questionários não só pelos correios como também pelos setores de comunicação de algumas instituições, o que pode ter levado ao extravio de algumas correspondências. Outra razão para a escolha das faculdades como alvo da pesquisa era obter uma distribuição nacional mais homogênea, evitando concentrar o perfil dos resultados em uma só região. Em concordância com a literatura internacional, a maioria dos participantes afirmou ser consultada por problemas de comportamento (OVERALL, 1997; FRID, 2004; FATJÓ et al., 2006), ficando evidente que questões relacionadas ao comportamento animal fazem parte da rotina de médicos veterinários em todo o país. A maioria dos médicos veterinários participantes se declarou predisposta a indicar casos a especialistas e adestradores. Apenas cerca de um quinto afirmou tentar resolver todos os casos sozinhos. Em estudos que levantaram essa questão em outros países, uma maior parcela dos profissionais se mostra relutante a indicar casos para outros veterinários, ou por falta de comunicação apropriada com os colegas, ou simplesmente por temer perder a clientela, fatores que podem estar presentes no Brasil (FATJÓ et al., 2006). Todavia, não se pode descartar a possibilidade que de muitos médicos veterinários não reconheçam ou não valorizem os problemas relacionados ao comportamento animal, negligenciando-os. Também o pequeno número de profissionais que trabalham com comportamento animal, especificamente na área clínica, pode dificultar a indicação do paciente (FATJÓ et 23 al., 2006). Outra hipótese para um número tão alto de possíveis indicações a especialistas seria a resposta que os respondentes supunham ser a mais adequada, visto que o número de profissionais com esse perfil ainda é muito reduzido no país. Então a resposta pode refletir o ideal e não o que acontece no dia a dia. A partir das respostas de 89,1% dos médicos veterinários brasileiros que citaram não realizar eutanásia de animais por causa de problemas comportamentais, pode-se levantar a hipótese de que no Brasil haja uma cultura de não matar o cão devido a tais problemas. Principalmente comparando esses resultados ao do estudo de Fatjó e colaboradores (2006) que encontraram apenas cerca de 25,0% de profissionais dizendo não submeter animais domésticos à eutanásia por problemas de comportamento. Diante dessa realidade, é possível interpretar o resultado da pergunta sobre os motivos de eutanásia ou abandono como motivos para abandono apenas. Tal resultado mostra-se coerente com o que tem sido publicado (GORODETSKY, 1997; RUGBJERG et al., 2003; FATJÓ et al., 2005; FATJÓ et al., 2007; O´SULLIVAN et al., 2008a), mostrando a agressão como principal motivador de abandono. Esse fato aumenta a responsabilidade dos médicos veterinários em orientar os proprietários de cães em relação à socialização e à educação de seus animais visando o seu bem-estar, como também dos proprietários e da sociedade (SEKSEL, 1997; SERRA, 2005). Entretanto a discrepância desse resultado do presente estudo com os índices de morte induzida devido a problemas comportamentais que são citados na literatura internacional (OVERALL, 1997; SEKSEL, 1997; FATJÓ, et al.,2006) pode sugerir também que os respondentes tenham optado pela resposta que lhes pareceu mais indicada, ou pela resposta que eles supunham que o entrevistador considerasse correta, ou ainda pode ser uma característica da amostra, visto que em instituições de ensino pode-se realmente não haver eutanásia por queixas comportamentais. Os problemas mais frequentemente relatados foram idênticos aos de Fatjó e colaboradores (2006), já quanto aos menos frequentes só houve coincidência na falta de controle durante os passeios. As agressões aparecem em segundo lugar como queixa mais frequente, porém foi o mais incriminado como causa de abandono, o que concorda com o fato de que as agressões são os comportamentos que mais levam os proprietários a buscar atendimentos especializados em etologia clínica em todo o mundo (RUGBJERG et al., 2003; DENENBERG at al., 2005; BAMBERGER e HOUPT, 2006; FATJÓ et al., 2007). 24 Alguns estudos apresentam os próprios familiares como principais alvos das agressões caninas (FATJÓ et al., 2005; BAMBERGER e HOUPT, 2006). O presente estudo mostra outros cães como principais alvos dessas agressões, o que está de acordo com um estudo de Rugbjerg e colaboradores (2003), na Dinamarca, e com Fatjó e colaboradores (2006), na Espanha. O tratamento mais recomendado para os dois problemas propostos no questionário foi terapia comportamental, o que está de acordo com o estudo espanhol (FATJÓ et al., 2006). Considerando que a Etologia Clínica ainda é uma área pouco difundida no Brasil e que o questionário apresenta a questão de maneira genérica, citando mudanças ambientais e enriquecimento ambiental sem categorizar que tipo de terapia seria proposta, a realização de novos estudos faz-se necessária. Estudos relevantes visando identificar qual tipo de terapia comportamental tem sido recomendado para os problemas propostos, até porque a maioria dos respondentes afirmou tentar resolver alguns casos sozinhos. O clínico geral que atende animais de companhia é normalmente o primeiro profissional consultado sobre problemas comportamentais. Fato que aumenta a importância de se intensificar a formação em etologia clínica nas faculdades de Medicina Veterinária brasileiras, a fim de: (1) reduzir o número de animais mortos ou abandonados em decorrência de tais problemas, (2) melhorar o bem-estar dos animais de companhia e (3) favorecer o vínculo do ser humano com seu animal de estimação. 4.1.5- Conclusão Conclui-se com este capítulo que a agressão canina é um importante aspecto na rotina das clínicas veterinárias do Brasil, já que é um dos problemas mais relatados pelos proprietários. Também é relevante para o bem-estar dos cães de companhia, visto que é a principal causa de abandono desses animais, segundo a opinião dos respondentes. 25 4.2- CAPÍTULO II – ASSOCIAÇÃO ENTRE RAÇA E AGRESSIVIDADE EM CÃES: REVISÃO SISTEMÁTICA “Um dos caracteres mais distintos das nossas raças domésticas é que notamos entre elas adaptações que não contribuem em nada para o bem-estar do animal ou planta, mas simplesmente para o proveito e capricho do homem.” (DARWIN, 1859) 4.2.1 –Introdução A agressividade canina é o problema de comportamento que mais leva cãesaos serviços de etologia clínica em vários paises do mundo (OVERALL e LOVE, 2001; BAMBERGER e HOUPT, 2006; FATJÓ et al., 2007) e é também um problema de saúde pública, visto que o número de pessoas atacadas por cães gira em torno de 2% da população dos EUA (OVERALL e LOVE, 2001). Por conta disso, há uma preocupação em se prevenir o problema dos ataques de cães a seres humanos. Por exemplo, no Estado do Rio de Janeiro, em abril de 1999, redigiu-se uma lei (nº. 3205), que ganhou nova redação em setembro de 2005 (nº. 4597) para controlar populações de cães de certas raças tidas como agressivas e caracterizadas como cães ferozes. Essa lei impõe a castração de cães da raça Pit Bull, proíbe sua criação e obriga que cães das raças Pit Bull, Rottweiler, Fila e Doberman transitem apenas em logradouros públicos de pouco movimento usando guia, enforcador e focinheira. No ano de 2003, o governo do Estado de São Paulo também promulgou uma lei que obriga o uso de guia e coleira em cães das raças Pit Bull, Rottweiler e Mastim Napolitano para condução desses cães em locais públicos. Tais dispositivos legais foram propostos, supostamente, para atender a uma necessidade expressa pela população desses estados. Porém, há um preconceito que envolve certas raças e seus proprietários, como acontece no caso do Pit Bull (TWINING et al., 2000), mas uma pergunta é relevante: existem realmente raças agressivas por si próprias? A presente revisão de literatura objetiva pesquisar a relação entre raças caninas e seu envolvimento em ataques a seres humanos nos artigos publicados sobre agressões de cães a seres humanos. 4.2.1.1- Associação entre Genética e Comportamento Todos os criadores de cães trabalham com a seleção dos animais a partir de características morfológicas como: porte, pelagem, inserção de orelhas e cauda e 26 aprumos. Alguns excluem de seus plantéis animais com temperamento inapropriado àquela raça. Então se faz a pergunta: é possível que uma característica comportamental, como a agressividade, seja transmitida para a geração seguinte? Em 1965, os pesquisadores John Scott e John Fuller, publicaram um livro que descreve os resultados de suas experiências com hereditariedade de características comportamentais em cães (SCOTT e FULLER, 1965). Os experimentos foram realizados com cães de cinco raças: Cocker Spaniel Americano, Basenji Africano, Fox Terrier pelo de arame, Pastor de Shetland e Beagle. Dentre os experimentos realizados, esses pesquisadores relatam diferenças raciais significativas no comportamento agressivo de filhotes de 13 a 15 semanas, sendo os filhotes da raça Fox Terrier os mais agressivos e os de Cocker Spaniel Americano os menos (SCOTT e FULLER, 1965). Porém, esse estudo considerou comportamentos agressivos durante interações lúdicas com os filhotes, o que pode não estar diretamente associado ao comportamento agressivo desses cães quando adultos. Da mesma forma que características morfológicas podem ser herdadas de gerações passadas, é possível que características neurofisiológicas ou comportamentais também o sejam. Portanto, a predisposição genética para diversos problemas comportamentais pode justificar uma possível associação entre a agressividade e a raça do cão. Tal relação pode ser justificada com diferenças nos níveis de neurotransmissores ou a eficiência de seus receptores no Sistema Nervoso Central (SNC), favorecendo, ou não, o surgimento de problemas como agressividade ou ansiedade (TAKEUCHI e HOUPT, 2003). Outros artigos associam alterações estruturais nos cérebros de cães agressivos e não agressivos. Há um aumento do numero de receptores para andrógenos na amígdala baso-lateral em machos agressivos comparados a não agressivos (JACOBS et al., 2006). Há um aumento no número de receptores serotoninérgicos por todo encéfalo (BADINO et al., 2004; JACOBS et al., 2007) e uma diminuição no número de receptores adrenérgicos córtex frontal, hipocampo e tálamo (BADINO et al., 2004) dos cães agressivos comparados aos não agressivos. Há alterações metabólicas associadas à agressividade. Cães agressivos da raça Pastor Alemão tiveram menores concentrações de bilirrubina e colesterol total comparados a cães não agressivos da mesma raça, idade, porte e sexo. A composição sérica dos ácidos graxos também diferiu, o grupo agressivo apresentou menores concentrações de Acido Docosahexaenóico (DHA) e uma razão maior de 27 Ácidos graxos omega6/omega3 (RE et al., 2008). Porém, tal estudo merece uma avaliação no eixo causa-efeito, pois tais alterações podem ter relação com o estresse. O que fica evidente na pesquisa de Verrier e colaboradores (1987), na qual os cães induzidos a ataques de fúria tiveram alterações cardíacas, provavelmente mediadas por catecolaminas. Há um setor identificado no genoma canino que interfere na captação da dopamina no cérebro, o que pode estar relacionado com a agressividade de certas raças (ITO et al., 2004). Mesmo com todas as possibilidades supracitadas, em um estudo realizado com cães das raças Pastor Alemão e Rottweiler (SAETRE et al., 2006), os autores identificaram uma correlação genética em alguns traços de personalidade, mas não nos traços relacionados à agressividade. Em outro estudo (STRANDBERG et al., 2005), os autores misturaram ninhadas de Pastor Alemão e realizaram testes de comportamento com os filhotes e suas mães, obtendo como resultado uma maior semelhança comportamental nos filhotes em relação às cadelas que os tinham amamentado e não em relação às mães biológicas, concluindo com isso que o efeito do ambiente da ninhada tem maior influência no comportamento que a genética materna. Há ainda outro estudo retrospectivo com proprietários de cães (PÉREZ- GUISADO e MUÑOZ-SERRANO, 2009), no qual foi relatada uma associação significativa entre fatores ambientais, sociais e de manejo no desenvolvimento de agressões por dominância, o que não foi observado em relação a fatores intrínsecos aos cães (raça, porte e cor de pelagem). Aspectos relatados nos parágrafos anteriores poderiam alicerçar os argumentos favoráveis à associação entre raça e agressividade, porém ainda não é possível responder à pergunta se há uma associação direta entre agressividade e raça. Até porque, dentro de uma mesma raça há linhagens diferentes que dependem das características “da moda”, fato que pode ser regionalizado. A formação dessas linhagens depende também da seleção dos machos padreadores ou raçadores, que acontece sempre que um macho se destaca nas exposições e passa a ser muito procurado para transmitir a suas características morfológicas (GRANDJEAN, 2001, p.10), o que pode causar um viés dentro dessa raça em relação a características morfológicas ou comportamentais originadas desse indivíduo. 28 4.2.2- Material e Métodos O presente estudo teve como bases para a coleta de dados o CAB (Commonwealth Agricultural Bureaux) abstracts, o MEDLINE® via BVS (Biblioteca Virtual em Saúde) e o SCIELO (Scientific Eletronic Library on Line). Foram usadas para a consulta as seguintes palavras chave: “dog” & “aggression”; “dog bites”; e “canine aggression” em todos os bancos de dados e selecionados trabalhos publicados de 01 de janeiro de 1997 até 16 de março de 2009. Ao todo, 303 referências foram rastreadas com as palavras-chave (56 do MEDLINE®, 2 do SCIELO e 245 do CAB - abstract), já excluindo as referências em duplicata. Em um primeiro momento, os artigos foram triados a partir do título, do resumo e do veículo de publicação. Os critérios de exclusão foram: (1) artigos escritos em idioma diferente de inglês, português ou espanhol; (2) trabalhos sobre Raiva (vírus rábico); (3) cuidados com as lesões causadas pelas mordeduras dos cães; (4) pesquisas comparativas com outras espécies; (5) trabalhos que relacionavamcães como coterapeutas (Terapias assistidas por animais, por exemplo); (6) trabalhos que descreviam ou pesquisavam os tratamentos para distúrbios relacionados à agressividade; (7) resumos de Congressos, Simpósios, encontros e afins; (8) capítulos de livros; (9) trabalhos que relatam distúrbios físicos ou doenças relacionadas à agressividade; (10) trabalhos que relatavam outros comportamentos que poderiam apenas envolver agressividade no seu contexto (por exemplo, medo); (11) casos clínicos; (12) trabalhos exclusivamente direcionados a agressões entre cães. A segunda fase da seleção iniciou-se com um total de 119 títulos de artigos. Nessa etapa, a triagem foi feita a partir da leitura do artigo e teve como critérios de inclusão: (1) inquéritos epidemiológicos de ataques de cães a seres humanos; e (2) artigos que descrevessem fatores predisponentes ou relacionados à agressividade. Foram usados como critérios de exclusão desta segunda fase da seleção: (1) trabalhos que envolviam uma só raça canina; (2) artigos que falavam genericamente sobre um contexto de agressão (por exemplo, agressão predatória); (3) trabalhos publicados em periódicos não disponíveis na rede mundial de computadores e não encontrados no CCN (Catálogo Coletivo Nacional) por não ter acesso possível em bibliotecas do Brasil. 29 4.2.3- Resultados Um total de 28 artigos compôs a base de informações da presente revisão e estão relacionados na tabela 1 que sumariza os aspectos gerais desses trabalhos. 4.2.3.1- Quanto ao desenho metodológico dos artigos Dos 28, seis são artigos de revisão e descrevem os aspectos relacionados à agressividade canina. Somente dois artigos de revisão relacionam raças à ocorrência de agressões contra seres humanos. Overall e Love (2001) fizeram uma grande busca na literatura a respeito do tema e descreveram que as raças semelhantes ao American Pit Bull (Pit Bull Type) estiveram envolvidas nos casos onde as agressões geraram mais lesões e lesões mais graves em suas vítimas, porém não há relatos de maior casuística de ataques efetuados por tal padrão racial. O outro artigo de revisão que cita raças agressivas é o de Houpt (2007), no qual a autora buscou na literatura os casos envolvendo ataques de cães e citou as diversas raças relacionadas nos trabalhos que compõe sua revisão, porém não há uma conclusão que permita fazer a associação entre raça e agressividade. Há dezessete pesquisas retrospectivas, todas elas relatando a epidemiologia dos ataques com fontes de informação diferentes. Há onze trabalhos que usaram a informação dos serviços públicos de saúde e citaram raças agressivas (KEUSTER et al., 2006; ROSADO et al., 2007; SHULER et al., 2008; O'SULLIVAN et al., 2008a) e outros seis com o mesmo tipo de fonte de dados não citaram (TAN et al., 2004; FORTES et al., 2007; GEORGES e ADESIYUN, 2008; O'SULLIVAN et al., 2008b; VUCINIC et al., 2008). Outros três trabalhos (BAMBERGER e HOUPT, 2006; FATJÓ et al., 2007; YALCN e BATMAZ, 2007) usaram informação de serviços especializados em etologia clínica, porém Yalcn e Batmaz (2007) não citaram raças agressivas. Também há alguns com dados coletados em clínicas veterinárias (GUY et al., 2001a; GUY et al., 2001b; TAKEUCHI e MORI, 2006; O'SULLIVAN et al., 2008a) e três pesquisas buscaram diretamente dados na população de proprietários de cães (BRADSHAW e GOODWIN, 1998; DUFFY et al., 2008; MCGREEVY e MASTERS, 2008). Três estudos usaram um desenho prospectivo (NETTO e PLANTA, 1997; SVARTBERG e FORKMAN, 2002; SVARTBERG, 2006) e tinham em comum o fato de avaliar testes para seleção de cães ou determinar traços de personalidade. 30 4.2.3.2- Quanto às raças mais agressivas Dos 28 artigos, 15 citaram raças mais envolvidas em casos de agressões ou com maior potencial para agressividade, sendo os mestiços citados em seis artigos (GUY et al., 2001a; GUY et al., 2001b; BAMBERGER e HOUPT, 2006; ROSADO et al., 2007; MCGREEVY e MASTERS, 2008; SHULER et al., 2008). Nas mesmas condições, a raça Pastor Alemão apareceu citada em três artigos (BAMBERGER e HOUPT, 2006; KEUSTER et al., 2006; ROSADO et al., 2007), assim como raças afins ao Pit Bull (ALLEN, 2001; OVERALL e LOVE, 2001; SVARTBERG, 2006), sendo que uma dessas referências é uma nota editorial, baseada na experiência do autor (ALLEN, 2001). A raça Retriever de Labrador também apareceu citada em três artigos (GUY et al., 2001a; GUY et al., 2001b; BAMBERGER e HOUPT, 2006), a raça Springer Spaniel apareceu citada em dois artigos (GUY et al., 2001a; BAMBERGER e HOUPT, 2006). Shuler e colaboradores (2008) não se ativeram à raça especificamente, mas ao grupo racial de acordo com a FCI (Federation Cynologique Internationale), a conclusão foi que os Terriers e os cães de trabalho tiveram os maiores índices de mordidas, expressos nesse estudo em número de ataques registrados no Serviço Público de Controle de Animais em relação a cada 1000 cães licenciados na cidade de Multnomah (Oregon – EUA). Duffy e colaboradores (2008) fizeram uma avaliação em cães de 30 raças através de um questionário respondido pelos proprietários dos cães destinado ao diagnóstico de problemas comportamentais (C-BARQ - Canine Behavioral Assessment & Research Questionnaire) e encontraram com maiores escores para agressividade os Dachshunds, Chihuahuas e Jack Russell Terriers. Já no inquérito realizado por Takeuchi e Mori (2006) com médicos veterinários japoneses, cães da raça Miniatura Pincher ficaram classificados nas primeiras posições nos critérios de avaliação de agressividade. A raça Colie foi citada por O'Sullivan e colaboradores (2008a) e Cocker Spaniel Inglês e Pastor Catalão foram citados por Fatjó e colaboradores (2007) como sendo as raças mais frequentemente envolvidas em casos de agressões a seres humanos em seus estudos na Irlanda e Espanha respectivamente. 31 4.2.4- Discussão Os artigos pesquisados não apresentaram uma unanimidade em relação a uma raça mais agressiva. Os mestiços foram os mais citados, porque são normalmente os mais frequentes em todas as populações caninas, o que aumenta a probabilidade de ataques por cães sem padrão racial definido. Esses artigos não explicitaram o tipo de mestiços, se são misturas de duas ou mais raças conhecidas, ou se são cães sem raça definida. Ressaltando que quando se fala em mestiços é importante saber que raças compõem a mistura, principalmente quando se procura a associação entre raça e agressividade. O artigo de Takeuchi e Mori (2006) foi baseado na experiência e na opinião dos veterinários japoneses a respeito das 56 raças questionadas. Por não ser baseada em opiniões, é possível que a classificação das raças tenha sido fruto de preconceito sobre certas características que passam de profissional para profissional, tornando-se cultural. Overall e Love (2001), em seu artigo de revisão, citaram uma série de outras raças envolvidas em episódios de agressão, além daquelas do tipo Pit Bull. Porém, os próprios autores comentam que alguns padrões raciais recebem maior ênfase na mídia, o que pode resultar em exageros da real participação de certas raças nas estatísticas referentes a ataques de cães. É possível que tal fato gere o seguinte paradigma: “Todo cão que morde é Pit Bull”. Outro aspecto a ser discutido sobre o Pit Bull é que nenhum dos trabalhos (ALLEN, 2001; OVERALL e LOVE, 2001; SVARTBERG, 2006) que citaram este padrão racial como o mais agressivo é baseado em casuística. O artigo de Rosado e colaboradores (2007) é o que mais embasa a crítica ao preconceito contra certas raças. Os autores provaram com dados epidemiológicos a ineficiência da lei de controle de cães ferozes na Espanha quando compararam dados de cinco anos anteriores à promulgação da lei com cinco anos sob a vigência
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