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AVALIAÇÃO DE FATORES DE INFLUÊNCIA NA MANIFESTAÇÃO DA AGRESSIVIDADE EM CÃES

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE 
FACULDADE DE VETERINÁRIA 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA VETERINÁRIA – 
CLÍNICA E REPRODUÇÃO ANIMAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
GUILHERME MARQUES SOARES 
 
 
 
 
 
 
 
 
AVALIAÇÃO DE FATORES DE INFLUÊNCIA NA MANIFESTAÇÃO DA 
AGRESSIVIDADE EM CÃES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NITERÓI 
2010 
 
 
II 
 
 
 
 
GUILHERME MARQUES SOARES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
AVALIAÇÃO DE FATORES DE INFLUÊNCIA NA MANIFESTAÇÃO DA 
AGRESSIVIDADE EM CÃES 
 
 
 
 
 
 
 
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Medicina Veterinária da 
Universidade Federal Fluminense, como 
requisito parcial para obtenção do grau de 
Doutor. Área de Concentração: Clínica e 
Reprodução Animal. 
 
 
 
 
Orientadores: Profª. Dra. RITA LEAL PAIXÃO 
Prof. Dr. JOÃO TELHADO PEREIRA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NITERÓI 
2010 
 
 
III 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 S676 Soares, Guilherme Marques 
 
 Avaliação de fatores de influência na 
manifestação da agressividade em cães/ Guilherme 
Marques Soares; orientadora Rita Leal Paixão. — 
2010. 
 96 f. 
 
 Tese (Doutorado em Clínica e Reprodução Animal)- 
Universidade Federal Fluminense, 2010. 
 Orientadora: Rita Leal Paixão 
 
 
 1.Comportamento animal. 2. Cão. 3.Comportamento 
agressivo. 4. Bem-estar do animal. I. Título. 
 
CDD 156 
 
 
III 
GUILHERME MARQUES SOARES 
 
 
 
 
AVALIAÇÃO DE FATORES DE INFLUÊNCIA NA MANIFESTAÇÃO DA 
AGRESSIVIDADE EM CÃES 
 
 
 
 
 
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Medicina Veterinária da 
Universidade Federal Fluminense, como 
requisito parcial para obtenção do grau de 
Doutor. Área de Concentração: Clínica e 
Reprodução Animal. 
 
 
Apresentada em 04 de novembro de 2010. 
 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
 
 
PROFª. DRA. NORMA VOLLMER LABARTHE – UFF / FIOCRUZ 
 
 
PROF. DR. JOSÉ MÁRIO D’ALMEIDA - UFF 
 
 
PROF. DR. PROF RICARDO TADEU SANTORI – UERJ 
 
 
PROF. DR. MAURO LANTZMAN – PUC-SP 
 
 
PROFª. DRA. RITA LEAL PAIXÃO – UFF 
 
 
 
 
 
NITERÓI 
2010 
 
 
 
IV 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Patrícia, Lia e Ana, dedico a vocês não 
só esta tese, mas toda a minha vida. 
Amo vocês. 
 
 
V 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Aos meus orientadores, pessoas íntegras, 
éticas e de uma inteligência impar, por me 
ensinarem a cada dia o que é ser 
pesquisador. 
À minha família, alicerce da minha vida, 
por todo apoio e incentivo que sempre me 
deram, desde o jardim da infância até 
hoje. 
À minha esposa, pelo companheirismo, 
amor e paciência que tem comigo. 
Às minhas filhas que, sem a menor noção 
disso, me incentivam a melhorar e me 
aprimorar como ser humano, como pai e 
como profissional. 
Ao professor James Serpell e à Escola de 
Medicina Veterinária da Universidade da 
Pensilvânia, por nos ter permitido o uso do 
C-BARQ em nossa pesquisa. 
A todos os criadores que permitiram a 
realização dos testes em seus canis. 
Aos alunos da Faculdade de Medicina 
Veterinária da UFF que contribuíram 
aplicando os questionários. 
A todos aqueles que muito 
generosamente responderam os 
questionários e testes psicológicos. 
A Profª. Dra. Vilma Aparecida da Silva que 
tornou possível a realização dos testes 
psicológicos dos proprietários dos cães. 
E principalmente a Deus que, com seu 
imenso amor, colocou toda essa gente 
bacana no meu caminho. 
 
 
VI 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
"Um misantropo sentimental engendrou este aforismo 
que muitas vezes se repete maquinalmente: quanto 
mais conheço os homens, mais gosto do meu cão. Eu 
afirmo a inversa: quem conhece verdadeiramente os 
animais, inclusive os animais superiores, os que nos 
são mais próximos, e possui uma certa compreensão 
da evolução filogenética, é por isso mesmo capaz de 
compreender plenamente o caráter único dos homens." 
(Konrad Lorenz) 
 
 
 
VII 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Vós sois o sal da terra. Se o sal perde o sabor, com 
que lhe será restituído o sabor? Para nada mais serve 
senão para ser lançado fora e calcado pelos homens. 
Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma 
cidade situada sobre uma montanha nem se acende 
uma luz para colocá-la debaixo do alqueire, mas sim 
para colocá-la sobre o candeeiro, a fim de que brilhe a 
todos os que estão em casa. Assim, brilhe vossa luz 
diante dos homens, para que vejam as vossas boas 
obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus”. 
(Mt 5, 13-16) 
 
 
VIII 
RESUMO 
 
A agressividade canina é um tema importante, pois, além de ser um problema de 
saúde pública, interfere na qualidade de vida de cães, proprietários e profissionais 
que lidam com esses cães. No capítulo I desta tese, objetivou-se estimar o impacto 
do problema nas unidades de atendimento clínico do Brasil. Para tal, foi feito um 
inquérito com médicos veterinários, através de um questionário enviado a todas as 
escolas de veterinária que possuíam unidades de atendimento no país. As 
agressões foram a segunda queixa comportamental mais frequente e a primeira 
indicação para abandono ou eutanásia. Mas, o que leva um cão a manifestar a 
agressividade? Para responder essa pergunta, outros quatro estudos foram 
realizados. No capitulo II, foi feita uma revisão sistemática de literatura para ver o 
que há publicado sobre a associação entre raça e agressividade. Com os trabalhos 
publicados de 1997 a março de 2009 não foi possível confirmar tal associação. No 
capítulo III, filhotes de seis a oito semanas, de cinco raças (Bull Terrier, Cocker 
Spaniel Inglês, Retriever do Labrador, Pit Bull e Rottweiler), foram submetidos ao 
Teste de Campbell, a fim de avaliar seus padrões de dominância e compará-los 
entre as raças. Concluiu-se que os cães das raças Rottweiler e Bull Terrier tiveram 
escores mais compatíveis com independência. No capítulo IV, os perfis dos 
compradores dos filhotes testados no capítulo III foram traçados com o auxílio de 
dois testes psicológicos, o Questionário de Agressividade e o Inventário Multifásico 
de Personalidade Minessota. Concluiu-se que as pessoas que compraram cães das 
raças Labrador e Cocker Spaniel Inglês apresentaram maiores pontuações na escala 
para Hostilidade do Questionário de Agressividade, comparados àqueles que 
compraram Rottweiler e Bull Terrier. No quinto capítulo foram correlacionados perfis 
de agressividade de proprietários e itens de manejo com padrões de agressividade 
dos cães. As comparações foram feitas usando o mesmo Questionário de 
Agressividade do capítulo IV para os proprietários e um questionário validado para 
identificação dos problemas de agressividade e medo dos cães. Concluiu-se que a 
agressividade física do proprietário tem uma correlação inversa com a agressividade 
canina direcionada a cães familiares e também que o fato de o proprietário permitir 
que o cão o guie se correlacionou com maior agressividade contra o proprietário. Os 
resultados encontradosnos cinco capítulos desta tese reforçam a ideia de que a 
manifestação da agressividade canina tem múltiplas causas que vão desde a raça 
até a personalidade do proprietário e de como este conduz a criação, a socialização 
e a educação de seu cão. 
 
Palavras-Chave: agressividade, comportamento canino, cães, bem-estar animal. 
 
 
 
 
 
IX 
ABSTRACT 
 
The Dog’s Aggression is an important issue because, besides being a public health 
problem, interfering with quality of life of dogs, owners, and professionals dealing with 
these dogs. In Chapter I of this thesis aimed to estimate the impact of the problem in 
veterinary care units in Brazil. To this end, a survey was done with veterinarians, 
through a questionnaire sent to all schools of veterinary medicine that had the clinics 
in the country. The aggressions were the second most common behavioral complaint, 
and the first indication for abandonment or euthanasia. But, what takes a dog to be 
aggressive? To answer that question, four other studies were conducted. In Chapter 
II, there was a systematic literature review to see what is published on the association 
between breed and aggression. With articles published from 1997 to March 2009 was 
not possible to confirm this association. In Chapter III, pups from six to eight weeks, 
five breeds (Bull Terrier, English Cocker Spaniel, Labrador Retriever, Pit Bull and 
Rottweiler), underwent the Campbell test, to assess their patterns of dominance and 
compare them between breeds. It was concluded that the Rottweilers and Bull 
Terriers scored more compatible with independence. In chapter IV, the profiles of 
buyers of pups tested in chapter III were traced with the help of two psychological 
tests, the Aggression Questionnaire and the Minnesota Multiphasic Personality 
Inventory. It was concluded that people who bought Labradors and English Cocker 
Spaniels had higher scores on a hostility scale, compared to those who bought 
Rottweiler and Bull Terrier. In the fifth chapter, the aggression profiles of owners and 
management items were correlated with patterns of aggression in dogs. Comparisons 
were made using the same Aggression Questionnaire for the owners and a validated 
questionnaire to identify the problems of aggression and fear of dogs. It was 
concluded that the owner’s physical aggressiveness has an inverse correlation with 
canine aggression directed to family dogs and also the fact that the owner let the dog 
guide was correlated with increased aggressiveness against the owner. The results in 
the five chapters of this thesis reinforce the idea that the expression of canine 
aggression has numerous causes ranging from the breed until the owner's 
personality and how this leads to creation, socialization and education of your dog. 
 
Key words: aggressiveness, canine behavior, dog, animal welfare. 
 
 
 
0 
SUMÁRIO 
 
Resumo, p. VIII 
Abstract, p. IX 
1- Introdução, p. 1 
2- Fundamentação Teórica, p. 3 
2.1- Fatores que influenciam na manifestação da agressividade em cães, p. 5 
2.1.1- Sexo, p. 5 
2.1.2- Ambiente social e manejo, p. 6 
2.1.3- Agressões por dominância, p. 9 
2.1.4- Doenças, p. 11 
2.2- Medidas preventivas, p. 12 
3- Justificativas e objetivos, p. 15 
3.1- Justificativas, p. 15 
3.2- Objetivo geral, p. 15 
3.3- Objetivos específicos, p. 15 
3.4- Metas, p. 16 
4- Desenvolvimento, p. 17 
4.1- Capítulo I – Epidemiologia de problemas comportamentais em cães no Brasil: inquérito 
com médicos veterinários, p. 17 
4.1.1- Introdução, p. 17 
4.1.2- Material e métodos, p. 18 
4.1.3- Resultados, p. 19 
4.1.4- Discussão, p. 22 
4.1.5- Conclusão, p. 24 
4.2- Capítulo II – Associação entre raça e agressividade em cães: revisão sistemática, p. 25 
4.2.1 – Introdução, p. 25 
4.2.1.1- Associação entre genética e comportamento, p. 25 
4.2.2- Material e métodos, p. 28 
4.2.3- Resultados, p. 29 
4.2.3.1- Quanto ao desenho metodológico dos artigos, p. 29 
4.2.3.2- Quanto às raças mais agressivas, p. 30 
4.2.4- Discussão, p. 31 
4.2.5- Conclusão, p. 32 
4.3 - Capítulo III – Comparação do comportamento dominante de filhotes de cães de cinco 
raças, p. 36 
4.3.1 – Introdução, p. 36 
4.3.2 – Material e métodos, p. 36 
4.3.3 – Resultados, p. 39 
4.3.4 – Discussão, p. 41 
4.3.5 – Conclusão, p. 43 
 
 
1 
4.4 - Capítulo IV – Perfil dos compradores de filhotes de quatro raças, p. 44 
4.4.1 – Introdução, p. 44 
4.4.2 – Material e métodos, p. 45 
4.4.3 – Resultados, p. 47 
4.4.4 – Discussão, p. 50 
4.4.5 – Conclusão, p. 53 
4.5 - Capítulo V – Avaliação da influência da agressividade do proprietário na manifestação 
da agressividade do cão, p. 54 
4.5.1 – Introdução, p. 54 
4.5.2 – Material e métodos, p. 54 
4.5.2.1- Questionário para avaliação e pesquisa comportamental de cães, p. 56 
4.5.3 – Resultados, p. 56 
4.5.3.1 – Correlação entre características do proprietário e agressividade do cão, p. 57 
4.5.3.2 – Correlação entre agressividade do proprietário e agressividade do cão, p. 58 
4.5.3.3 – Correlação entre características dos cães e de manejo e agressividade do cão, p. 59 
4.5.4 – Discussão, p. 61 
4.5.5 – Conclusão, p. 65 
5- Considerações Finais, p. 66 
6- Bibliografia, p. 69 
Glossário, p. 82 
Apêndice, p. 84 
Domesticação e formação das raças, p. 84 
Classificação zoológica, p. 85 
Histórico das raças caninas estudadas nos capítulos III e IV, p. 85 
Retirever do Labrador, p. 85 
Rottweiler, p. 86 
Cocker Spaniel Inglês, p. 86 
Bull Terrier, p. 87 
Pit Bull, p. 87 
Anexo 1, p. 89 
Anexo 2, p. 91 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1- INTRODUÇÃO 
 
A convivência do cão com o ser humano é dinâmica ao longo dos, pelo 
menos, quinze mil anos de história comum entre essas duas espécies. No início da 
domesticação, o cão agia como um lixeiro, passando a colaborador, parceiro e hoje 
tem uma relação com o ser humano que beira a dependência mútua, principalmente 
nos grandes centros urbanos. Relação na qual o cão depende integralmente do 
abrigo e do alimento fornecidos pelo homem e o homem pode se beneficiar do 
equilíbrio emocional proporcionado pelo cão. 
O equilíbrio dessa relação é seriamente ameaçado cada vez que o cão, que é 
um predador/carniceiro por natureza, apresenta comportamentos agressivos contra 
esse humano, muitas vezes sem preparo emocional para encarar essa agressão 
sem considerá-la uma forma de traição. A agressão de cães contra seres humanos é 
a principal queixa que leva proprietários a procurarem serviços de etologia clínica no 
mundo inteiro. Os cães são os animais que mais causam acidentes por ataques 
contra seres humanos, principalmente nos ambientes urbanos. As principais vítimas 
desses cães são pessoas de convívio próximo a eles (proprietários, familiares e 
vizinhos). Considerando esses fatos, a mordedura de cães passa a ser um problema 
de saúde pública, já que milhares de pessoas são mordidas por cães em todo o 
mundo por ano, o que gera um ônus pecuniário aos sistemas públicos de saúde, 
além do impacto na qualidade de vida dos indivíduos atacados devido a suas 
consequências físicas e psicológicas. 
Há uma infinidade de causas possíveis e teorias defendidas sobre as causas 
dessa agressividade, porém há poucos estudos na área. Sabe-se que cães menos 
socializados têm maior dificuldade de convívio, que algumas raças são mais 
predispostas a ataques em certos contextos que outras e também que os machos 
 
 
2 
têm maior tendência à agressividade interespecífica, porém onde está a chave dessa 
problemática ainda é uma incógnita. 
Ante a necessidade de elucidar pontos obscuros nas motivações para a 
agressividade dos cães, na presente tese, testamos a seguinte hipótese: “A 
manifestação da agressividade canina tem origem multifatorial que envolve raça, 
manejo e a personalidade do proprietário”, porém sem a pretensão de esgotaro 
assunto. 
Antes de investigar os fatores relacionados com a manifestação da 
agressividade canina, no capítulo I buscamos verificar se o problema é relevante no 
cotidiano do clínico de pequenos animais no Brasil, através de um inquérito 
epidemiológico com médicos veterinários. 
No capítulo II, buscamos investigar, a partir da literatura, a associação entre 
raça e agressividade. No capítulo III, baseado na associação que existe entre 
agressividade canina contra seres humanos e dominância, investigamos a 
dominância em filhotes de cinco raças, Pit Bull, Bull Terrier, Rottweiler, Retriever do 
Labrador e Cocker Spaniel Inglês. 
No capítulo IV buscamos relacionar aspectos psicológicos do proprietário que 
influenciam na aquisição dos filhotes, a fim de responder à pergunta: existe algum 
padrão psicológico que leve a pessoa a escolher essa ou aquela raça? Já no 
capítulo V, o objetivo é relacionar a agressividade do proprietário, assim como 
aspectos de manejo, com a agressividade canina. 
 
 
3 
 
 
 
 
 
 
 
2- FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 
 
A agressividade canina é um tema frequentemente abordado quando o 
assunto é a interação entre o homem e o cão. Governos legislam sobre raças 
agressivas (RIO DE JANEIRO, 1999; SÃO PAULO, 2003; ROSADO et al., 2007; 
MATO GROSSO DO SUL, 2008), condomínios impõem regras de convivência para 
evitar acidentes envolvendo ataques e várias pessoas temem os cães devido a 
traumas sofridos ou transmitidos em decorrência de respostas agressivas de cães. 
A agressividade é definida como a conduta do agressivo, como instinto de 
combate do animal (LORENZ, 2001). A agressão se refere ao comportamento 
ameaçador ou perigoso e abrange uma ampla variedade de comportamentos, desde 
posturas corporais sutis e expressões faciais até os ataques propriamente ditos 
(LANDSBERG et al., 2004). A palavra agressão traz como significado à mente 
humana: maldade, sordidez ou vingança, mas não é o que acontece com os cães. 
As agressões fazem parte do repertório comportamental dessa espécie (FOGLE, 
1992). A agressividade no reino animal, longe de ser um princípio diabólico, 
destruidor, como a psicanálise nos quer levar a crer, é indubitavelmente uma parte 
essencial da organização dos instintos em vista da proteção da vida (LORENZ, 
2001). No caso do cão, os comportamentos agressivos são subdivididos em três 
etapas: ameaça, ataque e apaziguamento (BEAVER, 2001). A ameaça é 
caracterizada por posturas intimidadoras, rosnados, latidos, exibição de dentes, 
piloereção cervical ou manutenção de contato visual, podendo se compor de um ou 
vários desses sinais. O ataque é a agressão propriamente dita, caracterizado pela 
mordida ou sua tentativa. A fase de apaziguamento é caracterizada por um 
comportamento relativamente não agressivo, mas que reforça a postura agressiva 
do cão pós-ataque. O cão pode lamber a região mordida, montar no agredido ou 
apenas por sua pata sobre ele (OVERALL, 1997). 
 
 
4 
A agressividade pode ser manifestada em vários contextos e é essa 
contextualização que vai direcionar uma possível abordagem terapêutica para cada 
caso. As vítimas nesses contextos podem ser de qualquer espécie, principalmente 
humanos e caninos. Os contextos podem ser divididos didaticamente em ativos ou 
passivos. Nos casos da agressividade ativa, os cães atacam sem qualquer ameaça 
direta à sua integridade física. Portanto se pode caracterizar como ativos os 
episódios de agressão ocorridos nos seguintes contextos: 
• Predação - o cão ataca com todo um gestual de caça. É comum ocorrer 
contra pessoas correndo (frequentemente crianças), rodas e pneus (carros, motos, 
bicicletas, patins ou skates). Também com animais de outras espécies (FOGLE, 
1992; OVERAL, 1997; BEAVER, 2001). 
• Proteção Territorial – os ataques são direcionados a indivíduos que não 
fazem parte do grupo social do cão e invadem seu espaço territorial. Este território 
pode se estender além dos limites territoriais estabelecidos pelos seres humanos, 
como muros ou cercas. Neste contexto também, o cão pode reagir agressivamente 
durante passeios com algum membro humano de seu grupo social, quando 
indivíduos (humanos ou caninos) se aproximam, invadindo um perímetro territorial 
que o cão reconhece como seu. (FOGLE, 1992; OVERAL, 1997; LANDSBERG, 
2004). 
• Proteção Maternal – os ataques são efetuados por fêmeas comumente em 
período de amamentação. Pode ocorrer também com algumas cadelas em 
pseudociese. Esta categoria de agressividade assume características semelhantes 
às de proteção territorial, porém dentro do contexto da fêmea protegendo sua prole 
(FOGLE, 1992; OVERAL, 1997; BEAVER, 2001). 
• Disputa Hierárquica – Também é chamada de Agressão por Dominância. 
Uma das principais características deste tipo de agressão é o fato de, na maioria das 
vezes, ser direcionada a algum membro da família (CAMERON, 1997; PALÁCIO et 
al., 2005). É o tipo de agressão mais difícil de ser contextualizada, pois normalmente 
envolve situações que não encontram justificativas, considerando-se valores 
humanos. 
A agressividade caracterizada como passiva envolve situações onde o cão 
simplesmente reage a estímulos que ameacem sua integridade física. São essas 
situações: 
 
 
5 
• Por Medo - um cão acuado se defende daquilo que o ameaça de forma 
agressiva (MILLS e ZULCH, 2010). Este tipo de agressão foi o mais observado em 
um estudo belga com cães militares, mesmo com a rejeição de cães medrosos no 
momento da seleção para o trabalho designado, o que pode estar relacionado com a 
técnica de adestramento usada com tal grupo de cães (HAVERBEKE et al., 2009). É 
um tipo de agressão normalmente perigoso, pois o cão não reprime o ataque, visto 
que se sente ameaçado. É como se dissesse: “é ele ou eu”. 
• Por Dor - o cão ataca aquele que está ou que já lhe tenha causado dor 
(FOGLE, 1992; OVERAL, 1997; BEAVER, 2001). Portanto, é um contexto comum 
nas clínicas veterinárias ou a cães que estejam sofrendo ou que já tenham sofrido 
processos dolorosos como dores crônicas ou reações inflamatórias agudas. 
Todas as situações listadas envolvem contextos normais de agressividade, 
porém ainda ocorrem agressões que não são possíveis de serem contextualizadas, 
chamadas idiopáticas. Existem também aquelas com causas clínicas 
(endocrionopatias ou neuropatias), e ainda há casos com ambivalências que 
mesclam classificações. Um exemplo desses casos que mesclam classificações são 
casos de agressão normalmente caracterizada como hierárquica por causa do 
contexto geral da agressão, porém traz, em inúmeros casos, linguagem corporal 
incompatível com o conflito hierárquico, não há a postura do líder se impondo ao seu 
subordinado. Tal linguagem corporal, com misto de ofensiva e defensiva (ativa e 
passiva), caracteriza uma situação que mescla a dominância e o medo motivando a 
agressão (LUESCHER & REISNER, 2008). 
É relevante ressaltar que a agressão canina direcionada a seres humanos 
muitas vezes é desejada pelo proprietário, como no caso dos cães de guarda. 
Porém, ainda assim é necessário que se preveja e trabalhe tal agressividade a fim 
de evitar acidentes que ocorrem pela falta de discernimento dos cães para o certo e 
o errado. 
 
2.1- FATORES QUE INFLUENCIAM NA MANIFESTAÇÃO DA AGRESSIVIDADE EM CÃES 
 
2.1.1- Sexo 
Nos casos de agressões a seres humanos, há uma predominância de cães 
machos não castrados (WRIGHT, 1991; FATJÓ et al., 2005; PALÁCIO et al., 2005; 
PALESTRINI et al., 2005; ROSADO et al., 2009; VOITH, 2009). Machos também se 
 
 
6 
mostram mais frequentemente envolvidos em ataques no contexto de agressão 
territorial (PÉREZ-GUISADO e MUÑOZ-SERRANO, 2009). Entretanto, as agressões 
podem ocorrer numa variedade de circunstâncias, que dependem mais da motivação 
para a agressão do que do sexo do agressor (MERTENS,2006). 
As cadelas apresentam com mais frequência comportamentos agressivos 
contra outros cães, quando essa frequência é comparada à frequencia que os 
machos demonstram comportamentos agressivos entre si . Essas agressões de 
fêmeas tendem a ser mais frequentes ainda no período de estro (MERTENS, 2006). 
Em estudo realizado no Canadá, as cadelas apresentaram probabilidade maior de 
respostas agressivas do que os machos e quanto menor o peso da fêmea, maior a 
probabilidade de ter sido envolvida em um ataque a ser humano (GUY et al., 2001b). 
Quanto a gonadectomia, os machos castrados mostram menor tendência a 
comportamentos agressivos comparados aos machos não castrados (OVERALL e 
LOVE, 2001). Porém, há um experimento que foi realizado com cadelas da mesma 
raça, em uma faixa estreita de idade, criadas sob as mesmas condições e divididas 
em dois grupos. Nesse estudo, as cadelas do grupo experimental foram ovario-
histerectomizadas e apresentaram reações agressivas com maior frequência num 
período de quatro a cinco meses após a cirurgia, quando comparadas a fêmeas e 
que não foram castradas (KIM et al., 2006). 
 
2.1.2- Ambiente Social e Manejo 
O ambiente social, desde a ninhada, pode influenciar o comportamento 
agressivo do adulto. Em estudo retrospectivo realizado no Chile com cães da raça 
Rottweiler e mestiços de Rottweiler, observou-se que animais oriundos de ninhadas 
pequenas apresentaram menor agressividade que os de ninhadas grandes. Tal fato 
pode estar relacionado à disponibilidade de alimento e/ou atenção da mãe 
(BUSTOS, 2003). 
No Reino Unido, a agressividade de cães da raça Cocker Spaniel Inglês foi 
avaliada através de uma escala de cinco pontos (1- sem agressão e 5 – muito 
agressivo). A partir desses resultados os autores selecionaram o primeiro quartil 
como o grupo de “menor agressividade” e o quarto quartil como o grupo de “maior 
agressividade”. O grupo de “menor agressividade” relacionou-se com frequência 
significativamente maior ao grupo de donos acima de 65 anos e a maior frequência 
de escovação e passeios. O grupo de “maior agressividade” apresentou correlação 
 
 
7 
com o grupo proprietários com idade compreendida entre 25 e 34 anos. O mesmo 
grupo teve correlação com histórico de doença do cão nas suas primeiras 16 
semanas de vida e com frequências de passeios menores que o outro grupo. Este 
grupo mostrou maior frequência em puxar a guia, assim como uma maior resistência 
para obedecer comandos. Os proprietários de cães deste grupo, de “maior 
agressividade”, demonstraram menor vínculo afetivo com seus cães (PODBERSCEK 
e SERPELL, 1997). 
Em um estudo canadense, a presença de adolescentes convivendo com o 
cão e o fato deste dormir na cama dos proprietários nos primeiros dois meses em 
que estavam na casa, foram estatisticamente relacionados com o grupo de cães 
envolvidos em agressões direcionados a indivíduos da família humana que os 
acolheu desde filhotes (GUY et al., 2001b). 
Cães militares levados para a casa de seus responsáveis e que praticam 
esportes com eles, ou seja, que tiveram um grau de interatividade constante, 
demonstraram menos agressividade, mais sociabilidade e mais obediência, quando 
comparados àqueles que só tiveram contato com seus responsáveis no canil militar 
(LEFEBVRE et al., 2007). 
Em um estudo feito na Austrália com questionários respondidos por 
proprietários, se demonstrou que o risco de agressão relacionada à comida foi maior 
em: cães mestiços; cães que foram adquiridos com mais idade; residências onde 
tinham mais cadelas; residências com maior número de cães; e cães que recebiam 
petiscos à mesa, durante as refeições das pessoas. O risco para esse tipo de 
agressão diminuiu em cães que caminham com seus donos diariamente e que 
recebiam petiscos durante o treinamento (MCGREEVY e MASTERS, 2007). 
Alguns fatores mostraram aumentar a probabilidade da ocorrência de 
agressões territoriais, são eles: a finalidade da aquisição do cão (para guarda 
patrimonial); nível de escolaridade do proprietário (com nível universitário); e punição 
dos cães com castigos físicos (PÉREZ-GUISADO et al., 2008). 
Um estudo sugere que cães adquiridos para companhia, com acesso a 
visitantes em casa e com menores restrições de movimentos (que ficam mais soltos) 
tiveram maior risco de ataques a pessoas. Esse estudo foi feito com cães de duas 
cidades em países diferentes e teve resultados diferentes em relação à 
agressividade para os mesmos hábitos teoricamente predisponentes. Por exemplo, o 
fato de o cão dormir na cama de algum membro da família teve correlação com a 
 
 
8 
agressividade entre os cães de uma cidade, mas sem a mesma correlação entre os 
animais da outra. O que sugere que diferenças culturais podem interferir na 
predisposição a ataques de cães a seres humanos em contextos diferentes 
(MESSAM et al., 2008). 
Pesquisadores identificaram que fatores como o fato de a pessoa ser 
responsável por um cão pela primeira vez e como esta pessoa educa esse cão têm 
maior influência no desenvolvimento de agressões por dominância do que fatores 
intrínsecos ao cão como: sexo, raça, idade, tamanho ou cor da pelagem (PEREZ-
GUISADO e MUÑOZ-SERRANO, 2009). 
Um estudo que avaliou cães agressores e cães agredidos revelou que os 
cães agressivos eram predominantemente adquiridos em canis, enquanto os cães 
oriundos de abrigos ou de amigos ou parentes expressavam maioria numérica no 
grupo dos agredidos (ROLL e UNSHELM, 1997). O mesmo estudo revelou que os 
cães agressores já exibiam uma tendência a agredirem outros cães. Essa tendência 
foi relatada por tentativas de agressão em episódios anteriores da agressão 
propriamente dita. A maioria dos cães envolvidos nas brigas avaliadas no estudo 
caminhava na rua sem estarem devidamente contidos com guia. Os dois grupos 
apresentaram uma história comum de falha na socialização primária com outros 
cães. Observou-se predominância de machos dentre os cães envolvidos nas brigas. 
Cães de propriedade de mulheres encontraram-se mais no grupo dos agredidos, do 
que no grupo dos agressores. Cães que passeavam com toda a família foram os 
mais encontrados no grupo das vítimas. 
O ambiente social tem um papel muito importante no contexto de agressões 
motivadas por conflitos hierárquicos (OVERALL, 1997), sendo este o contexto de 
agressão que mais leva proprietários aos serviços de etologia clínica por todo o 
mundo (GUY et al., 2001c; DENEMBERG et al., 2005; FATJÓ et al., 2005; FATJÓ et 
al., 2007). 
A agressividade faz parte do repertório comportamental do cão, assim como 
de outras tantas espécies de animais sociais ou não. Dentro das matilhas, apesar de 
ser um comportamento normal, existe uma variedade de rituais de apaziguamento. 
Esses rituais de apaziguamento são fundamentais no processo evolutivo das 
espécies, pois visam manter a coesão de grupos de animais gregários (LORENZ, 
2001). Grupos de animais que ficam brigando entre si tornam-se mais fracos e mais 
vulneráveis a predadores, por exemplo. Portanto, as agressões ocorridas dentro do 
 
 
9 
mesmo grupo social não são desejáveis no contexto humano nem no canino. 
Segundo os argumentos de Lorenz (2001) pode-se supor que tais agressões dentro 
dos grupos sociais ocorram devido a uma ruptura na harmonia de seu 
comportamento natural por ambiguidades nas atividades do grupo social em questão 
ou a um não entendimento dos rituais naturais desses cães. Em relação às 
agressões caninas direcionadas aos seres humanos do mesmo grupo social do 
agressor, essas seriam provocadas pela ruptura na harmonia social do grupo ou 
pelo não entendimento dos rituais de apaziguamento. Nesse caso a explicação é 
corroborada pelos argumentos de Turner (1997), que diz que as causas não 
orgânicas de problemas comportamentais podem ser classificadas em: desrespeito 
(por falta de conhecimento)às características biológicas normais dos animais; falsas 
expectativas criadas pelos proprietários em relação a seus animais; e interação 
incorreta com o animal. 
 
2.1.3- Agressões por Dominância 
A dominância é um traço individual de conduta, comum a indivíduos de várias 
espécies, é inato e tem forte importância evolutiva para espécies sociais 
(CAMERON, 1997). Essa característica faz com que o cão assuma postos mais altos 
em sua hierarquia social, com o conceito oposto à submissão (FOGLE, 1992; 
BEAVER, 2001). Tal característica é manifestada nos cães de diversas maneiras, 
sempre com o objetivo de obter o controle dos recursos, que no ambiente doméstico 
são: alimento, abrigo, brinquedos e o local de dormir. Nesse contexto, a atenção e o 
carinho das pessoas também pode ser incluído na relação de recursos controlado 
pelo cão. O cão dominante pode exercer essa dominância de forma pacífica ou 
agressiva em relação a pessoas ou cães. Na abordagem agressiva, o cão se 
comporta inicialmente com intimidações posturais ou sonoras e posteriormente com 
ataques direcionados àquele que ameace sua superioridade hierárquica ou a ordem 
natural da matilha (OVERALL, 1997). 
Na maioria das vezes, estrutura social canina normalmente se apresenta 
organizada de forma linear na qual A domina B que domina C e assim 
sucessivamente (OVERALL, 1997; BEAVER, 2001; LANDSBERG et al., 2004). Essa 
hierarquia já começa a ser estabelecida desde a ninhada, quando os filhotes 
definem quem terá acesso prioritário aos recursos (comida, água, sombra, 
brinquedos ou abrigo) através de brincadeiras. A relação de dominância e 
 
 
10 
submissão é exibida e reforçada durante as brincadeiras, nas quais os dominantes 
mostram-se mais ativos e os submissos mais responsivos às iniciativas dos 
dominantes (BAUER e SMUTS, 2007). Essas brincadeiras agonísticas começam em 
torno de cinco semanas e aumentam até o estabelecimento da hierarquia, 
decrescendo a partir de oito a dez semanas (PAL, 2008). Comportamentos 
dominantes frequentemente observados em filhotes são: estabelecer o controle do 
alimento; rolar o outro indivíduo sobre seu dorso expondo o ventre, abocanhar o 
pescoço do outro, abocanhar a boca do outro e montar no outro simulando 
comportamento de cópula (BEAVER, 2001). A aceitação ou não dessas iniciativas 
acaba por organizar socialmente esses filhotes. 
Essa estruturação social dos cães é parte do que Askew (2003) chama de 
Pack Theory, ou Teoria da Matilha, que não é essencialmente uma teoria (WRIGHT, 
2004), mas uma idéia aceita e difundida no meio da etologia clínica (FOGLE, 1992; 
CAMERON, 1997; OVERALL, 1999; BEAVER, 2001; ASKEW, 2003; LANDSBERG 
et al., 2004). Tal teoria se baseia em dois princípios. O primeiro diz que os padrões 
comportamentais de cães e lobos são essencialmente os mesmos (SCOTT e 
FULLER, 1965). O segundo diz que quando socializados com pessoas, cães e lobos 
transferem para os seres humanos os relacionamentos sociais que normalmente se 
desenvolvem com indivíduos da mesma espécie o quanto lhes são permitidos pelo 
seu grupo social humano. Cães não adquirem comportamento humano com essa 
associação, mas continuam a mostrar o padrão comportamental comum a todos os 
canídeos (SCOTT e FULLER, 1965). Ou seja, é a ideia de que o cão quando 
inserido no contexto social humano, o que inclui residências com outros animais, se 
comporta como se comportaria dentro de um grupo de cães em liberdade, desta 
forma, assumindo a posição hierárquica que lhe for permitida ou indicada dentro do 
grupo (FOGLE, 1992; OVERALL, 1999; BEAVER, 2001; ASKEW, 2003). Há autores 
que a questionam (VAN KERKHOVE, 2004; BRADSHAW et al., 2009), alegando que 
sua base em uma estimativa do comportamento canino a partir do comportamento 
de lobos se torne falha no momento em que já há estudos demonstrando diferenças 
cognitivas significativas entre esses canídeos tanto no comportamento intra como 
interespecífico (HARE et al, 2002). Enfim, a Teoria da Matilha é uma ideia sujeita a 
modificações e adaptações a partir de novos estudos que avaliem a relação do cão 
com o ser humano e como não é o foco direto da presente tese não haverá um 
maior aprofundamento nem uma maior discussão a respeito. 
 
 
11 
Uma das principais características da agressão por dominância é o fato de, 
na maioria das vezes, ser direcionada a algum membro da família (CAMERON, 
1997; PALÁCIO et al., 2005). 
Há situações que motivam os ataques caninos e são típicas de reações 
agressivas por dominância: incomodar o cão enquanto dorme; puxar a guia para 
corrigir o cão; puxar a cabeça do cão para pôr-lhe a guia; escovar o cão; encarar o 
cão; portar uma focinheira; conduzir o cão em exercícios restritivos; usar punição 
física (OVERALL, 1999). Além dessas situações, podem ocorrer reações agressivas 
quando pessoas tentam deixar o cômodo em que se encontram assim como 
comportamentos não agressivos fazendo parte do contexto como: monta indevida, 
marcação territorial, roubo de comida ou pular nas pessoas (LANDSBERG, 1990). O 
último item sugere a necessidade do cão dominante em estar sempre “por cima”. A 
agressão relacionada à comida pode fazer parte do contexto da agressão por 
dominância. Neste caso, o cão demonstra reações agressivas com a proximidade de 
algum indivíduo (humano o canino) de sua comida, podendo se estender a outros 
recursos como abrigo (camas, sofás, casinhas, etc) ou pertences que o cão 
considere como dele (brinquedos, panos ou objetos “furtados” do proprietário), o que 
é chamado de agressão possessiva (LUESCHER e REISNER, 2008). 
 
2.1.4- Doenças 
Para o diagnóstico de distúrbios de comportamento relacionados à 
agressividade, é importante descartar causas clínicas como: neoplasias, infecções, 
distúrbios hormonais ou doenças neurológicas (OVERALL, 1999). 
Em um estudo comparando uma população de cães que apresentaram 
quaisquer problemas de comportamento e sua função tireoideana revelou-se que 
61% desses cães apresentavam atividade tireoidiana deficiente, mas ainda 
subclínica, havendo uma correlação significativa entre disfunção tireoideana e 
agressão direcionada a pessoas (ARONSON e DODDS, 2005). 
Caldwell e Little (1980) relataram que, de oito animais com histórico de 
agressividade, três apresentaram lesões em exames histopatológicos, como 
necrose, gliose e microvaculação em áreas do sistema límbico. 
Cães com histórico de tratamento para doença de pele apresentaram maior 
probabilidade de ter mordido familiares humanos, o que pode estar relacionada com 
a medicação usada para o tratamento (corticóides e/ou anti-histamínicos) ou com o 
 
 
12 
potencial aumento da irritabilidade secundário ao prurido ou à privação do sono 
(GUY et al., 2001b). 
 
2.2- MEDIDAS PREVENTIVAS 
 
Alguns autores concordam (OVERALL, 1997; BEAVER, 2001; LANDSBERG 
et al., 2004) que a correta orientação dos proprietários quanto a aspectos inerentes 
ao comportamento canino (estabelecimento de hierarquia, princípios de 
comunicação e aprendizado) e a socialização primária (SEKSEL, 1997) seriam as 
melhores maneiras de prevenir comportamentos agressivos de cães a seres 
humanos. 
Alguns governos tentam controlar os ataques com leis proibitivas de certas 
raças (RIO DE JANEIRO, 1999; SÃO PAULO, 2003; ROSADO et al., 2007; MATO 
GROSSO DO SUL, 2008). Na Espanha, no período de 2000 a 2004, tais leis não se 
mostram eficientes no controle epidemiológico de ataques de cães a seres humanos 
(ROSADO et al., 2007). 
Socialização é o processo de aprendizado do comportamento social 
apropriado com indivíduos da mesma espécie ou de espécies diferentes (SEKSEL, 
1997). Lorenz (2001) diz que ritos provenientes de movimentos agressivos 
reorientados não são incorporados no patrimônio hereditário dos animais, mas são 
transmitidos pela tradição e cada indivíduo tem que aprendê-los.Diz também: “nos 
animais, uma experiência individualmente adquirida se transmite igualmente por 
ensino e aprendizagem, dos indivíduos mais velhos aos mais novos”. No processo 
de domesticação, o cão é inserido no convívio humano, por isso, é extremamente 
necessário que seja socializado no contexto humano, para que essa interação 
interespecífica ocorra de uma forma coerente e socialmente aceita pela sociedade 
humana. Um cão socializado no contexto humano passa a ter uma relação mais 
harmônica com sua família humana, o que traz benefícios sociais à família e ao cão 
(SEKSEL, 1997). Considerando que a maioria dos ataques acontece em contextos 
familiares e comumente são direcionados a pessoas conhecidas da família, como 
vizinhos, parentes e amigos (OVERALL e LOVE, 2001), a socialização torna-se uma 
necessidade mais significativa. Porque, no aprendizado dentro do processo de 
socialização, o cão passa a reconhecer pessoas ou atividades como parte da sua 
vida e não como ameaça, fazendo que um cão não ataque uma criança conhecida 
 
 
13 
quando esta invade o seu território por não identificá-la nem como ameaça nem 
como presa. 
A fase da vida que vai de oito a dezesseis semanas é considerada um ponto 
crítico no desenvolvimento social dos cães e é chamada de fase de socialização 
primária (SCOTT e FULLER, 1965). Nesta fase o cão aprende com muito mais 
facilidade e de uma forma mais intensa e duradoura o que é seguro ou não para ele. 
Cães que até as 16 semanas não tiveram contato com pessoas passaram a 
comportarem-se como selvagens1 , temendo qualquer pessoa que se aproxime, 
tornando-os incapazes de aprender comandos simples de adestramento (SCOTT e 
FULLER, 1965). Por outro lado, cães criados em famílias humanas tiveram maior 
rendimento em testes cognitivos (SCOTT e FULLER, 1965) e menos reações 
agressivas quando comparados com os que ficaram instalados permanentemente 
em canis (LEFEBVRE et al., 2007). 
No processo de socialização durante a fase de socialização primária, 
apresenta-se ao cão, de forma positiva, todos os fatores que farão parte da vida do 
cão com este cão ainda filhote (8-16 semanas). Esses fatores devem ser controlados 
para garantir que a experiência seja positiva, por exemplo: pessoas de diferentes 
idades, diferentes etnias, brinquedos ou objetos (SEKSEL, 1997). Um exemplo de 
como pode ser feita esta prevenção está em uma pesquisa feita recentemente no 
Brasil, na qual a pesquisadora desenvolveu uma técnica de socialização primária 
com filhotes de cães. Nessa pesquisa, os cães e seus proprietários participavam de 
aulas de socialização e eram orientados sobre cuidados básicos (escovação de 
dentes e controle de ectoparasitas, por exemplo) assim como sobre como interagir 
de maneira correta com seus cães. Esses cães, que eram filhotes, eram avaliados 
durante as interações para a identificação precoce de possíveis problemas de 
comportamento. Tal estudo teve como resultado um alto índice de satisfação dos 
proprietários e uma melhora na qualidade da interação destes com cães e vice-versa 
(SERRA, 2005). 
Outra medida para prevenir problemas de comportamento, inclusive os 
relacionados à agressividade, é selecionar o cão para atender às demandas da 
família de maneira adequada considerando a realidade dessa família (LANTZMAN, 
2004). Com o objetivo de selecionar cães para atenderem às demandas de 
 
1
 Nota do autor – O cão nas condições descritas comporta-se como um animal que ainda não foi domesticado, 
que ainda vive sem o contato humano. 
 
 
14 
diferentes famílias ou atividades, Netto e Planta (1997) desenvolveram um teste para 
essa seleção e descreveram que cães que reagiram agressivamente durante os 
testes, tiveram maior probabilidade de agredirem depois de inseridos em suas 
atividades ou famílias. 
 
 
15 
 
 
 
 
 
 
 
3- JUSTIFICATIVAS E OBJETIVOS 
 
3.1- JUSTIFICATIVAS 
A relação cada vez mais próxima do cão com o ser humano, a importância 
dos ataques de cães como aspecto de saúde pública, a agressão canina como 
principal causa de abandono ou eutanásia de cães pelo mundo e os problemas 
relacionados à agressividade canina como principais queixas clínicas 
comportamentais em todo o mundo justificam a presente tese. 
 
3.2- OBJETIVO GERAL 
Investigar fatores que exercem influência na manifestação da agressividade 
em cães, visando sua prevenção. 
 
3.3- OBJETIVOS ESPECÍFICOS 
a) Avaliar a importância do problema para o médico veterinário brasileiro que 
trabalha com atendimento clínico a cães no Brasil; 
b) Investigar na literatura a relação entre agressividade e raça canina; 
c) Comparar o grau de dominância em filhotes das diferentes raças 
pesquisadas; 
d) Identificar se há influência de algum padrão de personalidade do 
proprietário na seleção da raça, no período da aquisição do cão; 
e) Correlacionar a agressividade do proprietário com a manifestação da 
agressividade por parte dos cães; 
f) Identificar itens de ambiente social e manejo que possam estar 
relacionados aos comportamentos agressivos por parte dos cães; 
g) Verificar se há associação entre a agressividade e outros padrões 
comportamentais como medo ou ansiedade. 
 
 
16 
 
3.4- METAS 
a) Contribuir para melhorar a relação do cão com o ser humano, a partir do 
entendimento das motivações para a agressividade dos cães; 
b) Contribuir para reduzir o número de acidentes causados por ataques de 
cães, agindo de forma preventiva a partir do entendimento das motivações para a 
agressividade dos cães. 
 
 
17 
 
 
 
 
 
 
 
4- DESENVOLVIMENTO 
 
Para que houvesse uma sequência no raciocínio do leitor em relação às 
metodologias empregadas a fim de confirmar ou não à hipótese inicial que é: “A 
manifestação da agressividade canina tem origem multifatorial que envolve raça, 
manejo e a personalidade do proprietário”, a presente tese foi dividida em cinco 
capítulos. 
 
 
4.1- CAPÍTULO I – EPIDEMIOLOGIA DE PROBLEMAS COMPORTAMENTAIS EM CÃES NO BRASIL: 
INQUÉRITO COM MÉDICOS VETERINÁRIOS 
 
“O conceito de normal é um dos mais difíceis de definir em toda a biologia, mas ao mesmo 
tempo é tão indispensável como o conceito oposto de patológico.” (LORENZ, 2001) 
 
4.1.1- Introdução 
A ocorrência de problemas de comportamento em cães tem implicações 
importantes no bem-estar desses animais e em sua relação com seus proprietários. 
Acidentes por ataques de cães são considerados um problema de saúde pública 
(OVERALL e LOVE, 2001; O´SULIVAN et al., 2008a). Nos Estados Unidos da 
América (EUA), o custo anual do sistema público de saúde com tratamento de 
vítimas de ataques de cães excede 100.000.000 de dólares (OVERALL e LOVE, 
2001). 
A agressividade canina é o problema que mais leva proprietários a procurar 
os serviços especializados em etologia clínica na Espanha (FATJÓ et al., 2005; 
FATJÓ et al., 2007). Convém destacar que após acidentes com ataques de cães, 
sinais da síndrome de Estresse Pós-traumático foram observados em 12 de 22 
crianças belgas em um estudo desenvolvido naquele país, sendo que cinco dessas 
 
 
18 
crianças desenvolveram o quadro completo da síndrome (PETERS et al., 2004; 
KEUSTER et al., 2006). Tal problema, por vezes, requer que a vítima e seus 
parentes próximos sejam encaminhados a serviços de acompanhamento psicológico 
(VOITH, 2009). Em estudo recente realizado em Niterói, no Estado do Rio de 
Janeiro, 27,6% dos proprietários de cães que residiam em apartamento 
entrevistados descreveram a agressividade como um comportamento incômodo ou 
problemático exibido por seus cães (SOARES, 2007). No mesmo município, 87,4% 
dos proprietários de cães que residiam apartamento relataram que seus cães 
rosnavam ou tentavam morder empelo menos uma situação cotidiana. A situação 
que desencadeava tais respostas com maior frequência foi quando o cão era 
contrariado, em 30,1% dos casos (SOARES et al., 2007). 
Cerca de vinte milhões de animais de estimação a cada ano são 
abandonados em abrigos nos EUA e pelo menos a metade desses são mortos por 
causa de problemas de comportamento (SEKSEL, 1997). 
No Brasil, até o presente momento, não há publicada uma casuística nacional 
dos problemas de comportamento dos cães domésticos nem de como os casos 
existentes são conduzidos. O presente estudo objetivou relatar os problemas de 
comportamento mais frequentemente atendidos por médicos veterinários brasileiros, 
assim como suas condutas clínicas e algumas consequências de tais problemas 
para o bem-estar e vínculo homem-animal, sob a visão desses clínicos. 
 
4.1.2- Material e Métodos 
Para obtenção dos dados sobre problemas de comportamento foi utilizado o 
questionário de Fajtó et al. (2006) modificado (ANEXO 1), composto de perguntas 
sobre cães e gatos (os resultados referentes aos felinos foram publicados no 
International Journal of Applied Research in Veterinary Medicine, v. 7, p. 130-137, 
2009.). Após a elaboração dos questionários, os mesmos foram enviados por 
correio, através de sistema de carta-resposta, para as 108 faculdades de medicina 
veterinária distribuídas em todo o território nacional, que possuíam unidades de 
atendimento clínico a cães e gatos (consultórios, clínicas ou hospitais), dentre 137 
instituições cadastradas no Conselho Federal de Medicina Veterinária até a data do 
envio dos questionários (maio de 2008). Um novo envio foi realizado seis meses 
depois àquelas faculdades que não haviam respondido. Também foram enviados 
por correio eletrônico para promover uma maior agilidade no envio das respostas. 
 
 
19 
Todas as correspondências (inclusive o correio eletrônico) tiveram como 
destinatários os coordenadores de curso de Medicina Veterinária e os responsáveis 
pelas unidades de atendimento. As perguntas abrangeram os problemas de 
comportamento mais frequentes na rotina clínica de animais de companhia, a atitude 
dos veterinários e dos proprietários perante estes problemas e as formas de 
tratamento escolhidas. 
Os questionários foram respondidos por médicos veterinários, professores ou 
não, que prestassem atendimento nas unidades clínicas para pequenos animais. 
Podendo um ou mais profissionais responder em cada unidade. Foram consideradas 
as respostas daqueles que afirmaram ser consultados sobre problemas de 
comportamento. Todos os respondentes assinaram um Termo de Consentimento 
Livre e Esclarecido aprovado, assim como o projeto em sua íntegra, pelo Comitê de 
Ética em Pesquisa (CNM/HUAP # 096/07) da Universidade Federal Fluminense. 
Os dados obtidos foram armazenados em um banco de dados do aplicativo 
Microsoft Office Access 2003 e analisados utilizando-se o programa estatístico 
Bioestat 5.0®. Além da estatística descritiva das respostas das questões 1, 2 e 3, foi 
utilizado o teste de Kruskal-Wallis para observar se havia diferenças significativas 
entre as posições de classificação das respostas das questões 4, 5, 6, 7 e 8 do 
questionário. O teste de comparações Student-Newman-Keuls foi usado de forma 
complementar para a comparação entre os pares de respostas, para avaliar se 
tiveram ou não diferenças significativas (ARANGO, 2005). 
 
4.1.3- Resultados 
Das 108 faculdades de veterinária com atendimento a pequenos animais do 
país, obteve-se reposta de 46 (42,6%), totalizando 101 questionários respondidos. 
As regiões do Brasil foram representadas da seguinte forma: região Sul - 13 
questionários (12,9%), correspondendo a sete faculdades das 25 com atendimento a 
pequenos animais da região; região Sudeste - 65 questionários (64,4%), totalizando 
27 universidades dentre as 58 com atendimento médico veterinário da região; região 
Centro-oeste - quatro questionários (4,0%), correspondendo a quatro instituições 
dentre 12; região Nordeste - 16 questionários (15,8%), totalizando seis dentre 10 
instituições; e região Norte - três questionários (3,0%), uma universidade dentre as 
três faculdades existentes com unidade de atendimento. Dos 101 questionários 
respondidos, 91,1% dos médicos veterinários disseram ser consultados sobre 
 
 
20 
problemas de comportamento. Quanto à espécie mais consultada, 83 (90,2%) 
médicos veterinários afirmaram ser mais consultados sobre distúrbios de 
comportamento em cães do que em gatos (5,4%) e quatro respondentes (4,3%) não 
identificaram a espécie com maior frequência para esse tipo de queixa. 
Em relação às condutas dos médicos veterinários, 57,6% disseram que 
tentam resolver alguns casos e outros são encaminhados para um veterinário 
especializado em comportamento animal; 21,7% disseram tentar resolver alguns 
casos e outros são encaminhados para um adestrador; e 17,4% tentam resolver 
sozinhos qualquer caso. Apenas 3,3% afirmaram encaminhar todos os casos para 
veterinários especializados e 1,1% afirmou que Etologia não é um campo da 
Medicina Veterinária. Nenhum clínico disse encaminhar todos os casos para 
adestradores. 
Quanto à morte induzida consequente a problemas de comportamento, 82 
(89,1%) afirmaram que, em cada 10 procedimentos realizados, nenhum ocorre por 
queixas comportamentais e oito (8,7%) afirmaram que, em cada 10, um é devido a 
queixas comportamentais. Houve duas respostas (2,2%) de que duas eutanásias 
são decorrentes de problemas comportamentais em cada 10. Na questão que 
solicitava que o médico veterinário indicasse qual o comportamento que mais 
motivaria o proprietário a abandonar ou solicitar a eutanásia do seu cão, 54 (58,7%) 
respostas caracterizaram a agressão como muito frequente (notas 10, 9 ou 8), e 38 
(41,3%) indicaram os comportamentos destrutivos como muito frequentes. A 
agressão, portanto, foi incriminada como a causa mais frequente de abandono ou 
eutanásia devido a problemas comportamentais tendo diferenças significativas em 
relação aos demais problemas listados (P<0,02). A destrutividade teve diferença 
significativa em relação a defecações inapropriadas (P=0,01), falta de controle nos 
passeios (P<0,01), hiperatividade (P=0,02) medo de pessoas (P<0,01) e de barulhos 
(P<0,01). 
Os médicos veterinários responderam que comportamentos destrutivos eram 
as queixas mais frequentes, seguidas pelas agressões. Os comportamentos com 
queixas menos frequentes foram: defecações em locais inapropriados; medo de 
pessoas e falta de controle durante os passeios (Gráfico 1). Os resultados do teste 
de Kruskal-Wallis no grupo de respostas a essa pergunta apresentaram diferenças 
significativas (P<0,01). Na comparação entre os pares, agressões e 
comportamentos destrutivos não apresentaram diferença significativa entre si 
 
 
21 
(P=0,8). Ambos mostraram-se significativamente mais frequentes do que: 
defecações e micções inapropriadas, falta de controle nos passeios, medo de 
pessoas e de barulhos (P<0,05). Além dessas, os comportamentos destrutivos foram 
significativamente mais frequentes do que vocalização excessiva (P=0,03). 
Comportamentos compulsivos foram significativamente mais frequentes do que 
medo de pessoas e falta de controle nos passeios (P<0,01). Esta teve diferenças 
significativas também em relação a: hiperatividade, medo de barulhos e vocalizações 
excessivas (P<0,05). Hiperatividade foi significativamente diferente de medo de 
pessoas (P=0,01) e nenhum dos demais pares apresentou diferenças significativas. 
 
Os alvos mais frequentes das agressões caninas foram outros cães (30,4%), 
seguidos de pessoas da família (23,9%) assim como pessoas desconhecidas 
(23,9%). O resultado do teste de Kruskal-Wallis no grupo de respostas a essa 
pergunta não indicou diferença significativa (P=0,2). 
O tratamento mais recomendado para asagressões caninas foi a terapia 
comportamental, significativamente mais frequente do que a castração e o uso de 
medicamentos (P<0,01). O mesmo ocorreu em relação ao tratamento para as 
eliminações inapropriadas com urina, a terapia comportamental foi a principal 
recomendação, significativamente mais frequente do que castração (P<0,01) e uso 
de medicamentos (P=0,01). 
 
 
 
 
 
22 
4.1.4- Discussão 
Baseado na taxa de retorno dos questionários de 42,6% e na distribuição 
equilibrada das respostas por todo território nacional, a amostra foi considerada 
representativa em relação à experiência e à conduta dos clínicos veterinários quanto 
aos problemas de comportamento de cães no Brasil. 
A decisão de realizar esta pesquisa com médicos veterinários de hospitais e 
unidades de atendimento veterinário de faculdades de Medicina Veterinária, ao invés 
de clínicas privadas, e o duplo envio das cartas-respostas, podem ter contribuído 
para uma maior taxa de retorno, quando comparada a trabalhos envolvendo 
questionários como o de Fatjó e colaboradores (2006) que obtiveram taxa de 
resposta de 15%. Pode-se presumir que os veterinários envolvidos no ambiente de 
ensino tenham maior predisposição a contribuir com uma pesquisa científica. Além 
disso, o envio adicional do questionário por correio eletrônico, contornou a possível 
deficiência na distribuição dos questionários não só pelos correios como também 
pelos setores de comunicação de algumas instituições, o que pode ter levado ao 
extravio de algumas correspondências. Outra razão para a escolha das faculdades 
como alvo da pesquisa era obter uma distribuição nacional mais homogênea, 
evitando concentrar o perfil dos resultados em uma só região. 
Em concordância com a literatura internacional, a maioria dos participantes 
afirmou ser consultada por problemas de comportamento (OVERALL, 1997; FRID, 
2004; FATJÓ et al., 2006), ficando evidente que questões relacionadas ao 
comportamento animal fazem parte da rotina de médicos veterinários em todo o 
país. 
A maioria dos médicos veterinários participantes se declarou predisposta a 
indicar casos a especialistas e adestradores. Apenas cerca de um quinto afirmou 
tentar resolver todos os casos sozinhos. Em estudos que levantaram essa questão 
em outros países, uma maior parcela dos profissionais se mostra relutante a indicar 
casos para outros veterinários, ou por falta de comunicação apropriada com os 
colegas, ou simplesmente por temer perder a clientela, fatores que podem estar 
presentes no Brasil (FATJÓ et al., 2006). Todavia, não se pode descartar a 
possibilidade que de muitos médicos veterinários não reconheçam ou não valorizem 
os problemas relacionados ao comportamento animal, negligenciando-os. Também o 
pequeno número de profissionais que trabalham com comportamento animal, 
especificamente na área clínica, pode dificultar a indicação do paciente (FATJÓ et 
 
 
23 
al., 2006). Outra hipótese para um número tão alto de possíveis indicações a 
especialistas seria a resposta que os respondentes supunham ser a mais adequada, 
visto que o número de profissionais com esse perfil ainda é muito reduzido no país. 
Então a resposta pode refletir o ideal e não o que acontece no dia a dia. 
A partir das respostas de 89,1% dos médicos veterinários brasileiros que 
citaram não realizar eutanásia de animais por causa de problemas comportamentais, 
pode-se levantar a hipótese de que no Brasil haja uma cultura de não matar o cão 
devido a tais problemas. Principalmente comparando esses resultados ao do estudo 
de Fatjó e colaboradores (2006) que encontraram apenas cerca de 25,0% de 
profissionais dizendo não submeter animais domésticos à eutanásia por problemas 
de comportamento. Diante dessa realidade, é possível interpretar o resultado da 
pergunta sobre os motivos de eutanásia ou abandono como motivos para abandono 
apenas. Tal resultado mostra-se coerente com o que tem sido publicado 
(GORODETSKY, 1997; RUGBJERG et al., 2003; FATJÓ et al., 2005; FATJÓ et al., 
2007; O´SULLIVAN et al., 2008a), mostrando a agressão como principal motivador 
de abandono. Esse fato aumenta a responsabilidade dos médicos veterinários em 
orientar os proprietários de cães em relação à socialização e à educação de seus 
animais visando o seu bem-estar, como também dos proprietários e da sociedade 
(SEKSEL, 1997; SERRA, 2005). Entretanto a discrepância desse resultado do 
presente estudo com os índices de morte induzida devido a problemas 
comportamentais que são citados na literatura internacional (OVERALL, 1997; 
SEKSEL, 1997; FATJÓ, et al.,2006) pode sugerir também que os respondentes 
tenham optado pela resposta que lhes pareceu mais indicada, ou pela resposta que 
eles supunham que o entrevistador considerasse correta, ou ainda pode ser uma 
característica da amostra, visto que em instituições de ensino pode-se realmente 
não haver eutanásia por queixas comportamentais. 
Os problemas mais frequentemente relatados foram idênticos aos de Fatjó e 
colaboradores (2006), já quanto aos menos frequentes só houve coincidência na 
falta de controle durante os passeios. As agressões aparecem em segundo lugar 
como queixa mais frequente, porém foi o mais incriminado como causa de 
abandono, o que concorda com o fato de que as agressões são os comportamentos 
que mais levam os proprietários a buscar atendimentos especializados em etologia 
clínica em todo o mundo (RUGBJERG et al., 2003; DENENBERG at al., 2005; 
BAMBERGER e HOUPT, 2006; FATJÓ et al., 2007). 
 
 
24 
Alguns estudos apresentam os próprios familiares como principais alvos das 
agressões caninas (FATJÓ et al., 2005; BAMBERGER e HOUPT, 2006). O presente 
estudo mostra outros cães como principais alvos dessas agressões, o que está de 
acordo com um estudo de Rugbjerg e colaboradores (2003), na Dinamarca, e com 
Fatjó e colaboradores (2006), na Espanha. 
O tratamento mais recomendado para os dois problemas propostos no 
questionário foi terapia comportamental, o que está de acordo com o estudo 
espanhol (FATJÓ et al., 2006). Considerando que a Etologia Clínica ainda é uma 
área pouco difundida no Brasil e que o questionário apresenta a questão de maneira 
genérica, citando mudanças ambientais e enriquecimento ambiental sem categorizar 
que tipo de terapia seria proposta, a realização de novos estudos faz-se necessária. 
Estudos relevantes visando identificar qual tipo de terapia comportamental tem sido 
recomendado para os problemas propostos, até porque a maioria dos respondentes 
afirmou tentar resolver alguns casos sozinhos. 
O clínico geral que atende animais de companhia é normalmente o primeiro 
profissional consultado sobre problemas comportamentais. Fato que aumenta a 
importância de se intensificar a formação em etologia clínica nas faculdades de 
Medicina Veterinária brasileiras, a fim de: (1) reduzir o número de animais mortos ou 
abandonados em decorrência de tais problemas, (2) melhorar o bem-estar dos 
animais de companhia e (3) favorecer o vínculo do ser humano com seu animal de 
estimação. 
 
4.1.5- Conclusão 
Conclui-se com este capítulo que a agressão canina é um importante aspecto 
na rotina das clínicas veterinárias do Brasil, já que é um dos problemas mais 
relatados pelos proprietários. Também é relevante para o bem-estar dos cães de 
companhia, visto que é a principal causa de abandono desses animais, segundo a 
opinião dos respondentes. 
 
 
25 
 
4.2- CAPÍTULO II – ASSOCIAÇÃO ENTRE RAÇA E AGRESSIVIDADE EM CÃES: REVISÃO 
SISTEMÁTICA 
“Um dos caracteres mais distintos das nossas raças domésticas é que notamos entre elas 
adaptações que não contribuem em nada para o bem-estar do animal ou planta, mas simplesmente 
para o proveito e capricho do homem.” (DARWIN, 1859) 
 
4.2.1 –Introdução 
A agressividade canina é o problema de comportamento que mais leva cãesaos serviços de etologia clínica em vários paises do mundo (OVERALL e LOVE, 
2001; BAMBERGER e HOUPT, 2006; FATJÓ et al., 2007) e é também um problema 
de saúde pública, visto que o número de pessoas atacadas por cães gira em torno 
de 2% da população dos EUA (OVERALL e LOVE, 2001). Por conta disso, há uma 
preocupação em se prevenir o problema dos ataques de cães a seres humanos. Por 
exemplo, no Estado do Rio de Janeiro, em abril de 1999, redigiu-se uma lei (nº. 
3205), que ganhou nova redação em setembro de 2005 (nº. 4597) para controlar 
populações de cães de certas raças tidas como agressivas e caracterizadas como 
cães ferozes. Essa lei impõe a castração de cães da raça Pit Bull, proíbe sua criação 
e obriga que cães das raças Pit Bull, Rottweiler, Fila e Doberman transitem apenas 
em logradouros públicos de pouco movimento usando guia, enforcador e focinheira. 
No ano de 2003, o governo do Estado de São Paulo também promulgou uma lei que 
obriga o uso de guia e coleira em cães das raças Pit Bull, Rottweiler e Mastim 
Napolitano para condução desses cães em locais públicos. Tais dispositivos legais 
foram propostos, supostamente, para atender a uma necessidade expressa pela 
população desses estados. Porém, há um preconceito que envolve certas raças e 
seus proprietários, como acontece no caso do Pit Bull (TWINING et al., 2000), mas 
uma pergunta é relevante: existem realmente raças agressivas por si próprias? 
A presente revisão de literatura objetiva pesquisar a relação entre raças 
caninas e seu envolvimento em ataques a seres humanos nos artigos publicados 
sobre agressões de cães a seres humanos. 
 
4.2.1.1- Associação entre Genética e Comportamento 
Todos os criadores de cães trabalham com a seleção dos animais a partir de 
características morfológicas como: porte, pelagem, inserção de orelhas e cauda e 
 
 
26 
aprumos. Alguns excluem de seus plantéis animais com temperamento inapropriado 
àquela raça. Então se faz a pergunta: é possível que uma característica 
comportamental, como a agressividade, seja transmitida para a geração seguinte? 
Em 1965, os pesquisadores John Scott e John Fuller, publicaram um livro que 
descreve os resultados de suas experiências com hereditariedade de características 
comportamentais em cães (SCOTT e FULLER, 1965). Os experimentos foram 
realizados com cães de cinco raças: Cocker Spaniel Americano, Basenji Africano, 
Fox Terrier pelo de arame, Pastor de Shetland e Beagle. Dentre os experimentos 
realizados, esses pesquisadores relatam diferenças raciais significativas no 
comportamento agressivo de filhotes de 13 a 15 semanas, sendo os filhotes da raça 
Fox Terrier os mais agressivos e os de Cocker Spaniel Americano os menos 
(SCOTT e FULLER, 1965). Porém, esse estudo considerou comportamentos 
agressivos durante interações lúdicas com os filhotes, o que pode não estar 
diretamente associado ao comportamento agressivo desses cães quando adultos. 
 Da mesma forma que características morfológicas podem ser herdadas de 
gerações passadas, é possível que características neurofisiológicas ou 
comportamentais também o sejam. Portanto, a predisposição genética para diversos 
problemas comportamentais pode justificar uma possível associação entre a 
agressividade e a raça do cão. Tal relação pode ser justificada com diferenças nos 
níveis de neurotransmissores ou a eficiência de seus receptores no Sistema Nervoso 
Central (SNC), favorecendo, ou não, o surgimento de problemas como agressividade 
ou ansiedade (TAKEUCHI e HOUPT, 2003). Outros artigos associam alterações 
estruturais nos cérebros de cães agressivos e não agressivos. Há um aumento do 
numero de receptores para andrógenos na amígdala baso-lateral em machos 
agressivos comparados a não agressivos (JACOBS et al., 2006). Há um aumento no 
número de receptores serotoninérgicos por todo encéfalo (BADINO et al., 2004; 
JACOBS et al., 2007) e uma diminuição no número de receptores adrenérgicos 
córtex frontal, hipocampo e tálamo (BADINO et al., 2004) dos cães agressivos 
comparados aos não agressivos. 
Há alterações metabólicas associadas à agressividade. Cães agressivos da 
raça Pastor Alemão tiveram menores concentrações de bilirrubina e colesterol total 
comparados a cães não agressivos da mesma raça, idade, porte e sexo. A 
composição sérica dos ácidos graxos também diferiu, o grupo agressivo apresentou 
menores concentrações de Acido Docosahexaenóico (DHA) e uma razão maior de 
 
 
27 
Ácidos graxos omega6/omega3 (RE et al., 2008). Porém, tal estudo merece uma 
avaliação no eixo causa-efeito, pois tais alterações podem ter relação com o 
estresse. O que fica evidente na pesquisa de Verrier e colaboradores (1987), na qual 
os cães induzidos a ataques de fúria tiveram alterações cardíacas, provavelmente 
mediadas por catecolaminas. 
Há um setor identificado no genoma canino que interfere na captação da 
dopamina no cérebro, o que pode estar relacionado com a agressividade de certas 
raças (ITO et al., 2004). 
Mesmo com todas as possibilidades supracitadas, em um estudo realizado 
com cães das raças Pastor Alemão e Rottweiler (SAETRE et al., 2006), os autores 
identificaram uma correlação genética em alguns traços de personalidade, mas não 
nos traços relacionados à agressividade. Em outro estudo (STRANDBERG et al., 
2005), os autores misturaram ninhadas de Pastor Alemão e realizaram testes de 
comportamento com os filhotes e suas mães, obtendo como resultado uma maior 
semelhança comportamental nos filhotes em relação às cadelas que os tinham 
amamentado e não em relação às mães biológicas, concluindo com isso que o efeito 
do ambiente da ninhada tem maior influência no comportamento que a genética 
materna. Há ainda outro estudo retrospectivo com proprietários de cães (PÉREZ-
GUISADO e MUÑOZ-SERRANO, 2009), no qual foi relatada uma associação 
significativa entre fatores ambientais, sociais e de manejo no desenvolvimento de 
agressões por dominância, o que não foi observado em relação a fatores intrínsecos 
aos cães (raça, porte e cor de pelagem). 
Aspectos relatados nos parágrafos anteriores poderiam alicerçar os 
argumentos favoráveis à associação entre raça e agressividade, porém ainda não é 
possível responder à pergunta se há uma associação direta entre agressividade e 
raça. Até porque, dentro de uma mesma raça há linhagens diferentes que dependem 
das características “da moda”, fato que pode ser regionalizado. A formação dessas 
linhagens depende também da seleção dos machos padreadores ou raçadores, que 
acontece sempre que um macho se destaca nas exposições e passa a ser muito 
procurado para transmitir a suas características morfológicas (GRANDJEAN, 2001, 
p.10), o que pode causar um viés dentro dessa raça em relação a características 
morfológicas ou comportamentais originadas desse indivíduo. 
 
 
 
 
28 
 
4.2.2- Material e Métodos 
O presente estudo teve como bases para a coleta de dados o CAB 
(Commonwealth Agricultural Bureaux) abstracts, o MEDLINE® via BVS (Biblioteca 
Virtual em Saúde) e o SCIELO (Scientific Eletronic Library on Line). Foram usadas 
para a consulta as seguintes palavras chave: “dog” & “aggression”; “dog bites”; e 
“canine aggression” em todos os bancos de dados e selecionados trabalhos 
publicados de 01 de janeiro de 1997 até 16 de março de 2009. Ao todo, 303 
referências foram rastreadas com as palavras-chave (56 do MEDLINE®, 2 do 
SCIELO e 245 do CAB - abstract), já excluindo as referências em duplicata. Em um 
primeiro momento, os artigos foram triados a partir do título, do resumo e do veículo 
de publicação. Os critérios de exclusão foram: (1) artigos escritos em idioma 
diferente de inglês, português ou espanhol; (2) trabalhos sobre Raiva (vírus rábico); 
(3) cuidados com as lesões causadas pelas mordeduras dos cães; (4) pesquisas 
comparativas com outras espécies; (5) trabalhos que relacionavamcães como 
coterapeutas (Terapias assistidas por animais, por exemplo); (6) trabalhos que 
descreviam ou pesquisavam os tratamentos para distúrbios relacionados à 
agressividade; (7) resumos de Congressos, Simpósios, encontros e afins; (8) 
capítulos de livros; (9) trabalhos que relatam distúrbios físicos ou doenças 
relacionadas à agressividade; (10) trabalhos que relatavam outros comportamentos 
que poderiam apenas envolver agressividade no seu contexto (por exemplo, medo); 
(11) casos clínicos; (12) trabalhos exclusivamente direcionados a agressões entre 
cães. 
A segunda fase da seleção iniciou-se com um total de 119 títulos de artigos. 
Nessa etapa, a triagem foi feita a partir da leitura do artigo e teve como critérios de 
inclusão: (1) inquéritos epidemiológicos de ataques de cães a seres humanos; e (2) 
artigos que descrevessem fatores predisponentes ou relacionados à agressividade. 
Foram usados como critérios de exclusão desta segunda fase da seleção: (1) 
trabalhos que envolviam uma só raça canina; (2) artigos que falavam genericamente 
sobre um contexto de agressão (por exemplo, agressão predatória); (3) trabalhos 
publicados em periódicos não disponíveis na rede mundial de computadores e não 
encontrados no CCN (Catálogo Coletivo Nacional) por não ter acesso possível em 
bibliotecas do Brasil. 
 
 
 
29 
 
4.2.3- Resultados 
Um total de 28 artigos compôs a base de informações da presente revisão e 
estão relacionados na tabela 1 que sumariza os aspectos gerais desses trabalhos. 
 
4.2.3.1- Quanto ao desenho metodológico dos artigos 
Dos 28, seis são artigos de revisão e descrevem os aspectos relacionados à 
agressividade canina. Somente dois artigos de revisão relacionam raças à 
ocorrência de agressões contra seres humanos. Overall e Love (2001) fizeram uma 
grande busca na literatura a respeito do tema e descreveram que as raças 
semelhantes ao American Pit Bull (Pit Bull Type) estiveram envolvidas nos casos 
onde as agressões geraram mais lesões e lesões mais graves em suas vítimas, 
porém não há relatos de maior casuística de ataques efetuados por tal padrão racial. 
O outro artigo de revisão que cita raças agressivas é o de Houpt (2007), no qual a 
autora buscou na literatura os casos envolvendo ataques de cães e citou as diversas 
raças relacionadas nos trabalhos que compõe sua revisão, porém não há uma 
conclusão que permita fazer a associação entre raça e agressividade. 
Há dezessete pesquisas retrospectivas, todas elas relatando a epidemiologia 
dos ataques com fontes de informação diferentes. Há onze trabalhos que usaram a 
informação dos serviços públicos de saúde e citaram raças agressivas (KEUSTER et 
al., 2006; ROSADO et al., 2007; SHULER et al., 2008; O'SULLIVAN et al., 2008a) e 
outros seis com o mesmo tipo de fonte de dados não citaram (TAN et al., 2004; 
FORTES et al., 2007; GEORGES e ADESIYUN, 2008; O'SULLIVAN et al., 2008b; 
VUCINIC et al., 2008). Outros três trabalhos (BAMBERGER e HOUPT, 2006; FATJÓ 
et al., 2007; YALCN e BATMAZ, 2007) usaram informação de serviços 
especializados em etologia clínica, porém Yalcn e Batmaz (2007) não citaram raças 
agressivas. Também há alguns com dados coletados em clínicas veterinárias (GUY 
et al., 2001a; GUY et al., 2001b; TAKEUCHI e MORI, 2006; O'SULLIVAN et al., 
2008a) e três pesquisas buscaram diretamente dados na população de proprietários 
de cães (BRADSHAW e GOODWIN, 1998; DUFFY et al., 2008; MCGREEVY e 
MASTERS, 2008). 
Três estudos usaram um desenho prospectivo (NETTO e PLANTA, 1997; 
SVARTBERG e FORKMAN, 2002; SVARTBERG, 2006) e tinham em comum o fato 
de avaliar testes para seleção de cães ou determinar traços de personalidade. 
 
 
30 
 
4.2.3.2- Quanto às raças mais agressivas 
Dos 28 artigos, 15 citaram raças mais envolvidas em casos de agressões ou 
com maior potencial para agressividade, sendo os mestiços citados em seis artigos 
(GUY et al., 2001a; GUY et al., 2001b; BAMBERGER e HOUPT, 2006; ROSADO et 
al., 2007; MCGREEVY e MASTERS, 2008; SHULER et al., 2008). Nas mesmas 
condições, a raça Pastor Alemão apareceu citada em três artigos (BAMBERGER e 
HOUPT, 2006; KEUSTER et al., 2006; ROSADO et al., 2007), assim como raças 
afins ao Pit Bull (ALLEN, 2001; OVERALL e LOVE, 2001; SVARTBERG, 2006), 
sendo que uma dessas referências é uma nota editorial, baseada na experiência do 
autor (ALLEN, 2001). A raça Retriever de Labrador também apareceu citada em três 
artigos (GUY et al., 2001a; GUY et al., 2001b; BAMBERGER e HOUPT, 2006), a 
raça Springer Spaniel apareceu citada em dois artigos (GUY et al., 2001a; 
BAMBERGER e HOUPT, 2006). Shuler e colaboradores (2008) não se ativeram à 
raça especificamente, mas ao grupo racial de acordo com a FCI (Federation 
Cynologique Internationale), a conclusão foi que os Terriers e os cães de trabalho 
tiveram os maiores índices de mordidas, expressos nesse estudo em número de 
ataques registrados no Serviço Público de Controle de Animais em relação a cada 
1000 cães licenciados na cidade de Multnomah (Oregon – EUA). 
Duffy e colaboradores (2008) fizeram uma avaliação em cães de 30 raças 
através de um questionário respondido pelos proprietários dos cães destinado ao 
diagnóstico de problemas comportamentais (C-BARQ - Canine Behavioral 
Assessment & Research Questionnaire) e encontraram com maiores escores para 
agressividade os Dachshunds, Chihuahuas e Jack Russell Terriers. Já no inquérito 
realizado por Takeuchi e Mori (2006) com médicos veterinários japoneses, cães da 
raça Miniatura Pincher ficaram classificados nas primeiras posições nos critérios de 
avaliação de agressividade. 
A raça Colie foi citada por O'Sullivan e colaboradores (2008a) e Cocker 
Spaniel Inglês e Pastor Catalão foram citados por Fatjó e colaboradores (2007) 
como sendo as raças mais frequentemente envolvidas em casos de agressões a 
seres humanos em seus estudos na Irlanda e Espanha respectivamente. 
 
 
 
 
 
31 
4.2.4- Discussão 
Os artigos pesquisados não apresentaram uma unanimidade em relação a 
uma raça mais agressiva. Os mestiços foram os mais citados, porque são 
normalmente os mais frequentes em todas as populações caninas, o que aumenta a 
probabilidade de ataques por cães sem padrão racial definido. Esses artigos não 
explicitaram o tipo de mestiços, se são misturas de duas ou mais raças conhecidas, 
ou se são cães sem raça definida. Ressaltando que quando se fala em mestiços é 
importante saber que raças compõem a mistura, principalmente quando se procura a 
associação entre raça e agressividade. 
O artigo de Takeuchi e Mori (2006) foi baseado na experiência e na opinião 
dos veterinários japoneses a respeito das 56 raças questionadas. Por não ser 
baseada em opiniões, é possível que a classificação das raças tenha sido fruto de 
preconceito sobre certas características que passam de profissional para 
profissional, tornando-se cultural. 
Overall e Love (2001), em seu artigo de revisão, citaram uma série de outras 
raças envolvidas em episódios de agressão, além daquelas do tipo Pit Bull. Porém, 
os próprios autores comentam que alguns padrões raciais recebem maior ênfase na 
mídia, o que pode resultar em exageros da real participação de certas raças nas 
estatísticas referentes a ataques de cães. É possível que tal fato gere o seguinte 
paradigma: “Todo cão que morde é Pit Bull”. Outro aspecto a ser discutido sobre o 
Pit Bull é que nenhum dos trabalhos (ALLEN, 2001; OVERALL e LOVE, 2001; 
SVARTBERG, 2006) que citaram este padrão racial como o mais agressivo é 
baseado em casuística. 
O artigo de Rosado e colaboradores (2007) é o que mais embasa a crítica ao 
preconceito contra certas raças. Os autores provaram com dados epidemiológicos a 
ineficiência da lei de controle de cães ferozes na Espanha quando compararam 
dados de cinco anos anteriores à promulgação da lei com cinco anos sob a vigência

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