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ZENKNER, S. Antrei - O Método Do Direito Penal, 2007. Editora Lumen Juris – Rio de Janeiro. Universidade Federal Fluminense ICM – FACULDADE DE DIREITO Luidgi Silva Almeida - 112084023 Fichamento de Teoria Geral do Direito Penal II Macaé Dezembro 2013 CAPÍTULO 1 – CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES (p.1) “Um primeiro ponto fundamental é a consideração de que a natureza cientifica de qualquer saber não mais se conforma com a noção de ciência oriunda do positivismo filosófico, de matriz racionalista, e que justifica, metodologicamente, o positivismo jurídico.” (p.1). “Tal concepção, que orientou a biologia de Darwin e a física de Newton, redundou na formação de modelos jurídicos que, partindo da premissa de que juízos de valos são subjetivos e insuscetíveis de controle científico, pretendiam conferir uma visão meramente positivista ao ordenamento jurídico (...)” (p.2). “A noção linear de separação entra sujeito e objeto do conhecimento, própria do racionalismo da modernidade, foi substituída por uma relação complexa e de influência recíproca entre o sujeito e o objeto” (p.4). “O Iluminismo propunha que o homem, fazendo uso de sua razão, iria valer-se de ciência para o fim de proporcionar o bem-estar da humanidade.” (p.4). “As vanguardas tecnológicas, entretanto, em vez de proporcionarem tal bem- estar, colaboraram para o incremento de desigualdades sociais, de insegurança e de fluidez do conhecimento.” (p.5). “Como ente jurídico, as decisões políticas e judiciais que recaiam sobre ele, apesar de dotadas de uma certa margem de autolegitimação, submetem-se a limitações formais e materiais decorrentes do próprio sistema jurídico.” (p.7). “Contudo, tanto o delito juridicamente estabelecido como as decisões (lato sensu) que o regulam possuem uma significação prévia consubstanciada no processo criminalizador em toda a sua dimensão.” (p.7). “Consequentemente, o Direito Penal desenvolve-se a partir de um método preponderantemente dogmático, mas que condiciona sua expansão/retração não só a partir de finalidades políticas inerentes ao sistema, senão também a partir do contexto cultural-penal onde tem incidência.” (p.7). “Já algumas teorias de prevenção especial negativa buscam construir o sistema a partir de casos particulares de delinquentes que, por alguma questão precedente ao delito, possuem uma maior tendência à criminalidade, ou seja, deste ser relativo a precário, buscam construir o dever ser do Direito Penal.” (p.8). “Muitos penalistas, entretanto, vislumbram o devir como o resultado de uma dialética histórica, em sua acepção hegeliana. (...) Para Hegel, a dialética é vista em sentido negativo, ou seja, do movimento circular entre tese e antítese resulta a síntese, que se forma pela negação das duas anteriores.” (p.11). “A síntese, na verdade, herda os traços contraditórios do conhecimento já formado, renovando-o sem, contudo, eliminá-lo.” (p.12). “Um dos grandes problemas da ciência jurídica é, exatamente, a sua incapacidade imanente para a superação de uma abordagem linear de comportamentos sociais.” (p.13). “A consideração de que prevenção, e legalidade são duas metas essencialmente incompatíveis, mas essa contradição há de ser vista como inerente ao devir do poder punitivo.” (p.13). “Apesar de a consequência jurídica de um delito ser a imposição de uma pena, não se pode negar que o processo de criminalização detém uma dimensão social capas de gerar efeitos formais e informais que vão muito além de mera possibilidade de imposição de uma pena juridicamente concebida.” (p.14). “O Direito Penal apresenta algumas peculiaridades que modificam sobremaneira a forma como o pensamento dogmático é estruturado nessa área do saber jurídico. O Direito Penal, principalmente em razão de sua característica subsidiária, atua apenas secundariamente como mecanismo de tutela jurídica estatal de controle social.” (p. 14-15). “Fosse apenas, a reserva legal, a responsável pela justificativa de um método próprio de saber penal, este acabaria sendo idêntico, também, às demais formas de tutela jurídica que exigem a previsão legal da conduta como pressuposto da punibilidade.” (p.16). “O tipo legal seleciona formalmente condutas aptas a sofrerem a incidência do poder punitivo, mas que, num segundo momento, devem ser devidamente filtradas a partir de critérios de legalidade material.” (p.17). “Assim como o administrador pode prescindir o exame da potencial consciência do injusto ao julgar uma infração administrativa, o juiz tangencia, via de regra, ao analisar um lícito civil, a possibilidade, ou não, de o seu causador ter atuado de acordo com o direito.” (p.17-18). “Consequentemente, a complexa relação entre objeto e método indica-nos que o Direito Penal possui, efetivamente, a necessidade de formulação de uma metodologia que lhe é peculiar, seja por questões de legalidade formal (a reserva de lei repercute, necessariamente, na forma como a lei penal deve ser interpretada), seja por razões de legalidade material (a ofensividade e a culpabilidade selecionam somente lesões significativas a bens jurídicos e quando dotadas de censurabilidade social).” (p.18). CAPÍTULO 2 – Evolução Histórica do Conceito de Ciência Penal em Questão (p.19) “A tipicidade material – que faz parte do conceito de tipicidade – consiste em averiguar se uma conduta formalmente típica causou ofensa intolerável ao objeto jurídico penalmente protegido. A conduta de subtrair R$ 0,15 (quinze centavos) não constitui crime de furto, pois inexiste a tipicidade material.” (p.19). “O mesmo tribunal que, noutros casos, entendeu que o furto de três quilos de linguiça não possuía adequação típica, concluiu, porem noutra câmara, que a subtração de quatro sacos de laranja poderia, em tese, ser objeto de punição. A comparação das hipóteses nos faz crer que, dependendo da composição da câmara julgadora, um mesmo caso penal poderá chegar a uma sentença condenatória ou absolutória, ou seja, a liberdade do réu estaria dependendo da distribuição de seu recurso.” (p.20). “Quanto ao crime de homicídio, a doutrina brasileira costuma discutir se a consumação do delito exige morte cerebral e clínica ou se, ao contrário, o fato de a vítima já estar com morte cerebral autoriza o reconhecimento da consumação.” (p.21). “No que tange à dosimetria da pena, o art. 59 do Código Penal estabeleceu, dentre os critérios que o juiz deve observar para a fixação da pena base, ao maus antecedentes do condenado. Discute-se, sobre isso, se o fato de constar inquérito policial instaurado contra o réu, ou mesmo ação penal em curso, poderia autorizar o aumento da pena sem que isso caracterize ofensa ao princípio constitucional da não-culpabilidade.” (p.22). “No campo da criminologia, o positivismo-naturalista influenciou o surgimento da concepção etiológica do delito, ou seja, o desenvolvimento de estudos baseados na crença de que o crime possuía causas naturais e biológicas. Principalmente na Itália do final do século XIX, surgiu a Escola Positivista, que definia a criminologia como uma ciência causal-explicativa do fenômeno da criminalidade. Por meio do método experimental e de estatísticas criminais, a criminologia assumia a tarefa de explicar as causas do crime e de prever remédios para evita-lo.” (p.24-25). “A conduta humana, como elemento autônomo do delito e preexistente a ele, deveria ser estudada somente naquilo que, no mundo real, ela representava, pois as considerações espirituais que sobre ela recaem são decorrênciasdo direito, e não da natureza.” (p.26-27). “Costuma-se afirmar, com reativa tranquilidade, que nem todo comportamento humano, para ter relevância penal, necessita causar modificação no mundo exterior: existem fatos que não geram resultado naturalístico e, mesmo assim, possuem relevância penal” ( p.28). “Na era da modernidade, não haveria duvida em ressaltar que o Direito, enquanto conjunto de normas teria caráter científico. Esse traço é característico do movimento denominado positivismo jurídico, que, buscando superar principalmente o jusnaturalismo, partiria da premissa de que somente o direito positivado, e não também a moral (ainda que na forma de uma teoria da justiça) poderia ser considerada objeto da ciência jurídica.” (p.29). “No Direito Penal, os maiores expoentes do século XIX foram, na Alemanha, Karl Binding, e, na Itália, Arturo Rocco – sendo fundada, por este a Escola Técunico-Jurídica. Assevera Bacigalupo que essa é uma vertente desintegradora, porque rechassa qualquer contato co as ciências sociais e a filosofia, mas que também é reducionista, pois afirma que o pensamento político-penal tradicional poderia expressar-se em relações de causa (o delito) e efeito (a pena)...” (p. 30-31). “Foi Kelsen o maior expoente do movimento no século XX. Com o intuito de separar o Direito da moral e da política, Kelsen desenvolve sua Teoria Pura do Direito partindo da premissa que o direito não surge com uma mera conduta humana ou qualquer tipo de relação social. A juridicidade somente surge quando tal conduta, ou tal relação, encontra-se descrita em uma norma, seja para proibi-la, seja para permiti-la, seja para prescrevê-la” (p.32). “Em se tratando de um mero dever ser subjetivo, estaremos diante, apenas, de uma norma moral, e o que faz a diferença entre solen subjetivo de outro objetivo é a coercibilidade: somente o Direito, e não também a moral, possui tal característica.” (p.33). “Para ser anulada uma norma jurídica, a de se considerá-la, primeiramente, como uma norma jurídica objetivamente válida. Disso resulta que uma sentença que contrarie o ordenamento jurídico, assim como uma lei editada por autoridade incompetente, devem ser reputadas válidas até que sejam invalidadas.” (p.34). “O positivismo kelseniano, embora metodologicamente coincidente com o tecnicismo italiano, não vislumbrava a possibilidade do delito e da pena, consoante pensava Rocco, estarem numa relação de causa e efeito. Trata-se ao contrário, de uma relação de imputação, ou seja, a conexão que tem lugar na base de uma norma e que não é causal, nem teleológica.” (p.35-36). “A principal deficiência do positivismo jurídico decorre da incapacidade de reconhecer a invalidade de uma norma – produzida em conformidade com o processo legislativo estabelecido hierarquicamente – cujo conteúdo não se ajuste a valores fundamentalmente estabelecidos no ordenamento jurídico.” (p.36). “Parece absolutamente impossível desenvolvermos, com base numa lógica meramente objetiva, um conceito de ‘ciência penal’ completamente neutro, acrítico, desprovido de todo juízo de valor, divorciado de todo e qualquer critério de justiça material.” (p.37). “O positivismo jurídico, aplicado ao Direito Penal e levado as suas ultimas consequências, legitima uma abordagem acrítica da norma penal, ou seja, uma grande falácia metodológica juspositivista consiste em atribuir à ciência do Direito uma tarefa insignificante frente à vida social.” (p.38). “Se chegarmos às conclusões dos positivistas, teremos de reconhecer que o Direito é uma mera forma capaz de aceitar e respeitar todo e qualquer conteúdo imposto pelo legislador.” (p.38). “O neokantismo parte de uma premissa bastante semelhante à dos positivistas, qual seja, a idéia de separação irrestrita entre conhecimentos puros ou a priori, e conhecimentos empíricos ou a posteriori, formulada por Kant.” (P.39). “Nas palavras de Del Vecchio, o único princípio que permite visão reta e adequada do mundo ético é o do caráter absoluto da pessoa, da supremacia do sujeito sobre o objeto.” (p.40). “Em outras palavras: enquanto a cultura, em Stammler e Del Vecchio, era uma parâmetro de (des)legitimação externa do ordenamento jurídico (justo ou injusto, mas não válido ou inválido), Radbrich, no pós-Guerra, contemplava-a como um vínculo de deslegitimação interna, a tal ponto que uma lei ou uma decisão que atentasse contra os direitos do homem e do cidadão deveria ser reputada não só injusta como, além disso, inválida.” (p.45-46). “O neokantismo propõe que o método determina o objeto do conhecimento, pois a apreciação axiomática do Direito revela e modifica o próprio ser do ordenamento jurídico.” (p.47). “O marxismo, sob um ponto de vista jurídico-metodológico, tinha como objeto a antinomia revelada entre o fim de Estado e o interesse singular do indivíduo.” (p.48). “No modelo Marxista, portanto, não é o homem que se situa no centro do conhecimento, mas sim as relações sociais: o objeto (sociedade) condiciona o sujeito (indivíduo).” (p.49). “O marxismo peca por sua linearidade, por sua visão determinista de bem e mal, por sua visão ideológica daquilo que pode condicionar a evolução social.” (p.52). “Tal fato tem gerado dois movimentos penais neomarxistas: de um lado, concepções penais, que, concebendo o delito como fruto de tensões sociais, sugerem que o poder punitivo colabora para o incremento de desigualdades sociais.” (p.54). “Esses movimentos paradoxais vêm originando categorias dogmáticas antitéticas: o método marxista é o responsável por fazer ressaltar a necessidade de redução da sanção penal sempre que o crime praticado tenha alguma relação com desigualdades sociais.” (p.55). “Contudo, também co-legitima o aumento da sanção penal imposta aos crimes econômicos sempre que resulte em grave dano à coletividade. Assim, o marxismo aplicado ao Direito Penal moderno justifica um sistema de mínima intervenção penal em relação à criminalidade clássica, mas de máxima intervenção penal no que tange à criminalidade econômica.” (p.56). “Nesse sentido, a fenomenologia recusava ser tratada como um método, na medida em que afirmava que este não determina o conhecimento, mas sim o inverso: o objeto do conhecimento é que determina o método; o sujeito é que se submete ao objeto.” (p.58). “Não se trata de afastar os valores na formação do próprio conhecimento; não existem valores imanentes ao ser, visto que o ser ôntico apenas permite o surgimento de valores, mas não é, em si, um valor.” (p.58). “O método fenomenológico pretendia estabelecer uma ordem ôntica sobre o qual deveria recair o ordenamento jurídico, de tal forma que o seu próprio conteúdo imanente não poderia ser recusado e afastado pelo próprio direito.” (p.59). “Dessa forma, a ação seria apta para abranger todas as modalidades de conduta, ação ou omissão, dolosas ou culposas.” (p.60). “No fenomenologismo o objeto vincula o método: a realidade já vem incorporada pela dimensão do sentido, que é uma dimensão ontológica, e não epistemológica, do ser, e não de seu conhecimento. O método resultante é o dedutivo-abstrato.” (p.60). “Disso tudo decorre a conclusão no sentido de que Welzel, ao tentar superar o subjetivismo decorrente do neokantismo, tentou buscar na essência do ser algum conteúdo vinculativo para o Direito Penal.” (p.64). “Na biología do fenómeno social, desenvolvida pelo neurobiólogo chileno Humberto Maturana, em 1984, com cujas origens remontam a seus estudos conjuntos com Francisco Varela, principalemente no livro De máquinas e seres vivos(1974),a relação travada entre indivíduo e sociedade não é enfrentada a partir de uma perspectiva filosófica, sociológica ou psicológica, mas sim biológica…”(p.65). “Em relação ao objeto de nosso estudo, a autopoiese de Maturana e Varela assume especial relevância ao abordar o ser humano, bem como qualquer outro sistema vivo( o sistema social, por exemplo), sob a perspectiva biológica da manutenção de sua identidade organizacional. Enquanto a estrutura do ser humano e da sociedade pode mudar a partir dos contatos recíprocos com outros seres humanos ou outros sistemas sociais, a identidade organizacional é estável e conservadora: a morte do indivíduo faz desaparecerem as características estruturais necessárias à conservação da organização ser humano”(p.68). “Aplicado ao Direito Penal principalmente pelas mãos de Gunther Jakoes, a Teoria dos Sistemas Sociais redundou nas seguintes premissas metodológicas: a) o Direito Penal e a sociedade estão numa dependência recíproca: a solução de um problema social por meio do Direito penal dá-se pelo sistema jurídico enquanto sistema social parcial, e isto significa que a intervenção penal se verifica dentro da sociedade.”(p.71). “Tais considerações, aplicadas ao Direito Penal, revelam que seu desenvolvimento estrutural é metodologicamente complexo e devidamente influenciado pelo mundo sociocultural onde está inserido, ou seja, não podemos buscar uma fundamentação para o Direito Penal a partir de premissas normativas que justificam o meio social a partir de uma perspectiva meramente formal.”(p.73). “ É inquestionável a antiga experiência de sentido comum de que só é possível comunicar-se sobre a vida humana, a integridade coporal etc. se estas existem previamente. Mesmo Maturana, ao transportar a autopoiese para o paradigma dos sistemas sociais, ressaltou que todo sistema vivo existe somente com a conservação de sua adaptação e de sua organização, em circunstâncias em que a conservação de uma envolve a conservação de outra.”(p.77). “A estabilidade do sistema, por meio de sua comunicação funcional, não passaria de uma ilusão que se mantém porque a opinião pública a sustenta, e convém continuar sustentando-a e reforçando-a porque, com ela, o sistema penal se mantém, isto é, o poder a alimenta para ser, por ela, alimentado.” (p.78). “A consequência disso é que esta concepção legitimaria a conduta procedimental de operadores políticos que falseiam a realidade dos operadores de comunicação que os assistissem, desde que a população seja levada acreditar nessa falsa realidade e não exija outras decisões que desequilibram o sistema” (p.78). “A terceira objeção resulta da consideração de que o Direito Penal possui limites ônticos. Embora o direito penal constitua uma regulação de relações humanas significativamente constituídas pela linguagem, não se pode esquecer a realidade que o origina” (p.79). “O limite ôntico do Direito Penal detém a capacidade de agregar uma razão práticas às estruturas lógico-objetivas das regras de imputação” (p.79). “Embora seja impossível estabelecer-se regras precisas para determinar o sentido que as formas simbólicas irão, concretamente, produzir, a verdade é que disso não se segue que formas simbólicas não tenham determinados sentidos para pessoas específicas ou para contextos sociais determinados” (p.80). “O Direito Penal, embora não possa contradizer em termos absolutos a relativa estrutura simbólica do ser, não pode nos levar a um retrocesso positivista- objetificante da ciência penal.” (p.80). “A realidade somente é acessível por meio de uma representação subjetiva que cria (ou adere a) um consenso, mas disso não resulta que esta representação possa criar qualquer coisa.” (p.81). “É certo que a busca por um princípio de justiça material, nas palavras de kaufmann, sempre traz consigo um certo grau de subjetivismo, mas tal consideração dever ser levada em conta não para o fim de negar o reconhecimento deste princípio, mas sim para confessar a sua relatividade e precariedade.” (p.81). “O homem é o próprio devir do direito penal, atuando como processo complexo de relação entre limitação e expansão da intervenção punitiva. Este seria, pois, um importante limite ôntico a ser seguido pelo Direito Penal: a necessidade de manutenção de seu caráter antropológico.” (p.82). “Por fim, a quarta objeção resulta da conclusão de que o direito penal possui limites deônticos. Vimos que Jakobs propõe, como função do direito penal, a conservação de sua autopoíese, ou seja, a manutenção de determinadas expectativas sociais vigentes.” (p.82). “O movimento denominado constitucionalismo – que influenciou a construção de boa parte dos sistemas jurídicos dos países ocidentais – nas áreas judicante, legiferante e executiva – está limitada por vínculos do ato.” (p.83). “Tudo se resolve, novamente, na questão relativa à força vinculativa de princípios políticos de nosso regime constitucional, isto é, o direito penal está sujeito a um controle de validade que não se confunde com a sua vigência.” (p.83). “Tais medidas extrapenais poderiam reduzir, consideravelmente, os custos do direito penal. Ao não fazer esse balanceamento entre o custo e benefício da intercepção, acaba a teoria aproximando-se da noção retribucionista da pena e o direito penal.” (p.84). “Esse exagerado normativismo, prossegue Schunemann, constrói e legitima o sistema a partir do próprio sistema, em forma de decisões circulares, sem que um parâmetro operativo possa limitar-lhe as consequências” (p.84). “É importante mencionar que este formalismo penal, entretanto, não é negado pelo próprio Jakobs, que o reconhece neutro, ou seja, no fundo, as críticas quanto à ausência de limites normativos ao direito penal, como decorrência do sistema Jakobs, não chegam a alcança-lo, tendo em vista a sua delimitação metodológica.” (p.85). “Tal conclusão, em outras palavras, conferia, à dogmática penal, uma eficácia soberana e alheia a toda sorte de críticas advindas de outras ciências, tidas por meramente ‘auxiliares’”. (p.85). “Com efeito, se prevenção e legalidade são momentos próprios de um Estado democrático de Direito, a previsão constitucional expressa do princípio da reserva legal (art. 5º, inc. XXXIX, da CF/88) supervaloriza um direito individual de liberdade (o direito de não ser punido senão nos casos expressamente estabelecidos em lei) que, em outros ramos do direito, pode não assumir a mesma conotação” (p.86). “Os funcionalistas possuem em comum o fato de admitirem a possibilidade de a dogmática jurídico-penal estar orientada por critérios teleológicos de política criminal na operação de concreção do direito penal, ou seja, trata-se de uma tentativa de superação das barreiras existentes entre dogmática penal e política criminal.” (p.86). “Tal postura pretende reorientar todas as categorias jurídicas na busca de solução prática para os problemas concretos de forma adequada e satisfatória, aproximando-se, nesse sentido, dos postulados da tópica jurídica.” (p.87). “O funcionalismo dualista de Roxin, por tanto, buscando orientar o sistema penal aos valores por ele perseguidos, renuncia ao alto grau de ontologismo proposto pelos finalistas em nome de um incremento na normatização da dogmática penal, mas também propõe um limite ao excessivo normativismo oriundo do neokantismo.” (p.87). “O funcionalismo de Roxin não se confunde com o de Jakobs porque, apesar de ambos admiritem uma estrutura teleológica à dogmática penal, Roxin não contempla a possibilidade de os valores jurídicos serem obtidos a partir dos seuspróprios pontos de vista normativos, ou seja, vislumbra a possibilidade de horizontes ‘ontológicos’ (não no sentido welzeniano, mas sim os ‘supostos fáticos da vida’) à política criminal.” (p.88). “Isso é notado em Roxin, por exemplo, quando, ao criticar o finalismo de welzel, afirma que o dolo não é um dado natural prévio ao direito penal, tendo, o legislador, a liberdade de ampliar ou reduzir os requisitos do dolo ( p. ex., exigis o dolus malus para a tipificação da conduta).” (p.88). “De forma conclusiva ( e aqui resta nítida a sua crítica a Jakobs), afirma Roxin: Portanto, não é certo que um sistema racional-final, como o aqui defendido, estabeleça sua soluções sem levar em consideração as circunstâncias reais” (p.89). “Tal base ontológica não teria capacidade, ao contrário do que pensavam os finalistas, de vincular, em temos absolutos, a atividade do legislador, na medida em que este possui relativa liberdade para regular matéria prefigurada.” (p.89). “Ao apreciar a culpabilidade penal: uma vez considerado que o núcleo da culpabilidade não é a sociedade concebida como um sistema social autopoiético – consoante apregoa Jakobs -, mas sim um indivíduo entendido como sujeito isolado e dotado, ainda que relativamente, de alguma liberdade, a possibilidade de atuar de outro modo deixa de ser encarada como um conceito puramente normativo” (p.90). “De outro lado, Silva Sánchez entende que a diferença primordial entre os dois modelos funcionalistas residiria não no método adotado, mas sim na missão eleita por cada um dos penalistas para o próprio direito penal.” (p.90). “Um aspecto relevante no funcionalismo dualista diz respeito a forma como a dogmática penal e política criminal irão se relacionar na dinâmica do modelo: tal relação não se da no mesmo nível, mas, ao contrario, a primeira ainda sobrepõe-se hierarquicamente a segunda.” (pg 91). CAPÍTULO 3 – Situação Atual do Direito Penal (pag.95) “A divisão entre o estudo da realidade e o estudo do valor – que sofreu forte influencia da distinção kantiana entre conhecimentos empírico e puro- era o próprio alicerce da modernidade.” (p.96). “O tempo, que só era apreendido como dimensão do espaço físico, passa a ser entendido, a partir do momento em que a sociedade se integra como sujeito do saber no campo da observação, como um símbolo de origem humana e, ainda por cima, sumamente adequado a seu objeto.” (p.97). “A aculturação designa a incorporação (ou aceitação) de uma cultura (central ou periférica) por outra (central ou periférica). Com a globalização, essa constante troca de culturas, propiciadas pela confusão entre espaço e tempo produzidas pelas novas técnicas, faz com que as diferenças formem uma nova unidade, assim com uma unidade assuma aspectos de diferença (hibridação cultural.” (p.99). “Fala-se, agora, em complexidade, ou seja, numa maneira especial de entender o objeto de estudo por um viés interdisciplinar – mas não absolutas – para os fenômenos sociais contemporâneos.” (p.100). “Surge a teoria dos paradigmas (1962) de Thomas Kuhn: não existe ‘a ciência’, mas sim paradigmas que, uma vez delimitados metodologicamente, tentam explicar o objeto de uma maneira crítica e relativa: um paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade científica compartilham.” (p.101). “O efeito cumulativo desse processo pode ser tal que a certa altura se entre numa fase de crise científica, ou seja, um momento em que um problema só pode ser superado por meio de uma revolução científica quanto ao paradigma de sua abordagem.” (p.101). “Pode-se concluir, em suma, que o máximo que ‘a ciência’ (principalmente as sócias) pode postular, na era da pós-modernidade, é a formação de respostas satisfatórias em relação a alguns problemas de pesquisa; em boa medida, entretanto, a ideia de respostas absolutas, verdades universais, está amplamente descartada.” (p.102). “O dilema enfrentado pela teoria geral do Direito deve-se à conjugação entre a busca de uma decisão justa para casos concretos e a adequação, dessa decisão, a um determinado sistema jurídico dotado de coerência e plenitude, onde fosse possível vislumbrarmos apenas uma única solução correta para casa caso.” (p.103). “Essa seria a antítese de boa parte dos movimentos jurídicos posteriores ao racionalismo – principalmente, do positivismo jurídico, que apregoava um sistema jurídico hierarquicamente distribuído e cujas fontes levava o operador do Direito, por meio da dedução, a encontrar uma solução sistemática, coerente e estável.” (p.104). “O processo de decisão judicial parte de normas jurídicas cujos limites semânticos possuem uma certa elasticidade hermenêutica. A situação agrava-se ainda mais quando dois ou mais princípios apontam para soluções jurídicas diferentes para o mesmo caso concreto.” (p.105). “O problema é que a ciência do Direito, destaca Larenz, não soluciona problemas a partir de critérios de verdadeiro ou falso, mas sim de aceitáveis ou inaceitáveis.” (p.106). “Na ciência jurídica, portanto, a verdade não é obtida por um processo de demonstração empírica, mas de constante (re)criação argumentativa consensual.” (p.107). “Cremos, entretanto, que também uma lógica material, obtida por meio de uma problematização global de argumentos pertinentes, há de ser respeitada para a obtenção de tal consenso.” (p.108) . “Entretanto, o discurso jurídico oferece-se como mais limitado que o discurso prático geral, pois a argumentação jurídica é caracterizada por seu relacionamento com a lei válida...” (p.109). “Já no segundo nível (que confere especial relevância à dogmática penal), verifica-se a elaboração de conceitos e de categorias em grau médio de abstração, na medida em que a construção do primeiro nível vincula-lhe, em alguma medida, os seus parâmetros.” (p.113). “Portanto, cremos possível falar em ciência penal sem, contudo, termos a pretensão de alcançarmos graus de segurança e precisão próprios de ciências exatas.” (p.114). “O principal instrumento para a manutenção de algum caráter científico para o Direito é, sem dúvida, a dogmática.” (p.115). “Durante muito tempo perdurou o embate entre as concepções jusnaturalistas e juspositivas do Direito. Ambos os movimentos discutiam, entre o aspectos, o objeto centra da ciência jurídica: enquanto jusnaturalistas imaginavam um Direito absoluto, universal, imutável e hierarquicamente superior ao Direito posto pelo homem, o jupositivistas, ao contrário, partiam da premissa de que só o ordenamento jurídico historicamente construído pelo homem, essencialmente mutável, é que poderia ter supremacia hierárquica” (p.116-117). “Vale aqui uma observação: crimes clássicos (o núcleo rígido do Direito Penal, como furto, roubo, homicídio, estupro etc., além de terem previsão legal na maioria das legislações penais do mundo, também trazem consigo um desvalor social prévio à regulação, sem que disso possa resultar a conclusão de que todos esses delitos são, sempre foram e sempre serão considerados infrações penais.”(p.119). “Tal constatação não diz respeito à imposição de uma determinada moral, à derivação de uma ética social determinada. A orientação ética do Direito Penal, nesse contexto, não e encarado como um meio para reforçar uma ética social. Trata-se de uma eficácia configuradora dos costumes.” (p.120). “Bem destaca Munoz Conde, a dogmática jurídico-penal apresenta-se como uma consequência do principio da intervenção legalizada do poder punitivo estatal e igualmente uma consquista irreversível do pensamento democrático. Consequentemente, qualquer tentativa desobrepor-se a criminologia ou a política criminal à dogmática penal caracterizará uma ruptura muito mais politica do que, propriamente, jurídica. ”(p.121). “A ciência do Direito Penal pressupõe a interpretação da norma, mas transcende esta: a própria aplicação do Direito requer um método específico, distinto do empregado para conhecer e interpretar a norma, porque é uma atividade não menos transcendental, mas bem distinta daquela.”(p.122). “O limite negativo do método penal o harmoniza com o principio constitucional da legalidade. O caso dá o limite positivo, podendo ser utilizado como um meio para justificar uma decisão que aumente o âmbito da liberdade, isto é, que seja “pro-libertatis”. Como a finalidade da legalidade, não havendo nenhuma incompatibilidade entre elas. Com o efeito, são possíveis decisões não baseadas no silogismo, pela importância que deve ser dispensada ao Homem. Isto em verdade representa o cumprimento do Princípio Constitucional da dignidade da pessoa humana, porque só valoriza o homem a partir da compreensão do caso, que traduz a sua histórica real, que é única e irrepetivel. ”(p.123). “É valida- porém, cremos, incompleta- a afirmação de Gimbernat Ordeig no sentido de que o objeto da ciência do Direito Penal é a lei positiva jurídico- penal; acrescentamos que esse objeto, de índole normativa, está impregnado de um substrato ontológico prévio (o contexto cultural-penal) relacionado ao processo criminalizador estatal em toda a dimensão do poder punitivo, que influencia a interpretação do Direito Penal e o seu desenvolvimento político e dogmático. Nesse sentido, a dogmática, apesar de metodologicamente normativa, assume uma orientação interdisciplinar (v.nº5.1, infra), já que esta é a única forma de a aproximar-se o Direito Pena da realidade social”(p.124). “Apesar disso, assinalou-se preferencialmente a expressão “Direito penal”, e não sem razão: primeiramente porque consideramos impossível falar-se em crime sem falar-se em pena, ou seja, previsão legal de uma sanção penal é absolutamente equivocado vislumbrarmos a existência de um delito (pense-se, por exemplo, no art 26 da lei n° 10.826/03, que estabelece ser proibida a venda e fabricação de armas e brinquedos, sem, contudo, prever uma pena para o desrespeito da proibição).”(p.125-126). “Para tanto, teve de ser formulada uma dogmática que, estabelecendo parâmetros jurídicos á existência de um crime, regularia o exercício do poder punitivo e, consequentemente, garantiria o cidadão contra eventuais arbítrios verificados no curso desse processo punitivo (daí os conceitos de tipicidade, ilicitude e culpabilidade). Ao juiz não restaria outra tarefa que não a de interpretar a lei e, fielmente a estes postulados dogmáticos, julgar, de maneira justa, os caos que lhe fossem apresentados”(p.128). “Em outras palavras: a cifra oculta representa uma imensa gama de delitos reais que efetivamente são praticadas, mas, por alguma falha do poder punitivo, sequer chegam a ser objeto da persecução penal, ou, quando chegam, não redundam em sentença condenatória.” (p.129). “Isso demonstra, nas palavras de Zaffaroni e Batista, que a realidade de poder punitivo é exatamente inversa à sustentada no discurso jurídico, que pretende colocar em primeiro lugar o legislador, em segundo, o juiz, ignorando, quase por completo, as instancias policiais: na pratica, o legislador abre um espaço para a seleção que nunca se sabe contra quem será individualizadamente exercida, sendo que quem decide, em casos concretos, tal processo de seleção são as instancias policiai.” (p.130). “Assim, por mais que a dogmática penal contemporânea tenha superado um direito penal do autor (em que o criminoso é punido pelo que ele é, e não pelo que ele fez), de índole inquisitorial, em nome de um direito penal do fato (o criminoso é punido pelo que ele fez, e não pelo que ele é), de matriz humanista, as variáveis subjetivas e rancorosas que recaem sobre o criminoso (leia-se: criminalizado), exorcizadas pela porta da frente de sua construção conceitual, ingressam pela porta dos fundos e preponderam nas decisões judiciais.” (p.131). “Por fim, a criminologia crítica tem revelado uma fissura a outro postulado da dogmática penal: a ideia do livre arbítrio.” (p.132). “Em termos de psicologia social, essa cultura do medo eleva ao máximo a expectativa social punitiva, que, num regime democrático, exerce grande influencia para a expansão do direito penal e para a construção de premissas politicas, facilmente veiculadas nos meios de comunicação de massa, de guerra contra a criminalidade e os criminosos: isso proporciona uma certa justificação ao próprio arbítrio do estado no exercício do poder punitivo, pois a visão do criminoso como inimigo autoriza que o poder punitivo possa desrespeitar ‘leis de guerra’, já que estas foram desrespeitadas pelo próprio inimigo”.(p.134) “A noção juspositivista do direito penal encontra, nesse contexto cultural, um terreno fértil para a sua estabilidade.” (p.135) “Pode-se concluir, em síntese, que a segurança jurídica e a prevenção de delitos foram profundamente relativizadas pela criminologia critica contemporânea.” (p.137) “Uma meta-opção política que deve influenciar a (re)formulação desse conceito diz respeito à função politica do direito penal: o direito penal tem por objetivos fundamentadores a manutenção de uma identidade cultural (prevenção geral positiva) e a proteção do cidadão contra a violência que, antes do crime ser praticado, advém do próprio individuo, mas, posteriormente a isso, advém da sociedade ou do Estado (prevenção geral negativa). Trata-se de uma postura politica simbólico-garantidora que pretende legitimar a tensão verificada entre prevenção de delitos e legalidade.” (p.138). “Assim, o direito penal é um saber jurídico que sofre influencia do sistema penal.” (p.140). “Consequentemente, o direito penal é um discurso destinado a orientar as decisões jurídicas que fazem parte do processo de criminalização secundaria, dentro do qual possui um poder muito limitado em comparação com o das demais agencias do sistema penal.” (p.141). “Sabe-se que quanto mais irracional for um exercício de poder, menor será o nível de elaboração e abstração de seus discurso legitimante, de modo que as crescentes contradições das sociedades contemporâneas não resistem sequer ao discurso penal dominante, razão por que seu poder como discurso está se debilitando, devendo competir com o que há de mais irracional e simplista na perspectiva bélica, projetada pelos meios de comunicação de massas e recolhido pelas agências políticas.” (p.l42). “O conceito do Direito Penal há de abranger esses dois fundamentos da sua existência, assim como manter-se aberto à realidade social onde tem incidência para, criticamente, resgatar algum caráter humanitário nesse saber jurídico.” (p.143). CAPÍTULO 4 – Relação entre Dogmática, Criminologia e Política Criminal: A Tensão entre Sistema e Problema (p .145) “Essas três dimensões do objeto do Direito Penal, embora inter-relacionadas, originam modos de saber distintos: a dogmática penal, a criminologia e a política criminal.” (p.145). “Uma conclusão precipitada poderia nos levar ao que equívoco de entender que esses três momentos são distintos, autônomos e independentes, ou seja, a dogmática, a criminologia e a política criminal possuiriam matrizes epistemológicas fechadas, não sujeitas à ‘contaminação’ recíproca.” (p.146). “A base da teoria de Liszt é a de que a pena é, na sua origem, uma reação cega da sociedade primitiva às perturbações externas das condiçõesde vida, sem qualquer finalidade ou intenção. Com a aplicação das punições pelos órgãos não atingidos pelo delito, a natureza da pena, pouco a pouco, vai-se transmutando.” (p.148). “Percebe-se a necessidade de um fim na aplicação da pena, fator esse necessário para a determinação de seu conteúdo e de seu âmbito. A violência punitiva converte-se no Direito Penal, e a cega reação passa a ser tratada como uma proteção de bens jurídicos.” (p.149). “Ao aceitar no bojo do método positivista algumas ciências teórico-práticas, Liszt abre as portas da ciência penal para as chamadas ciências auxiliares.” (p.149). “Com von Liszt esses valores políticos ganham, por um lado, conotação jurídica e, por outro, social. Trata-se de um rompimento que buscava fazer da política uma verdadeira ciência, sendo concebida como um conjunto de princípios derivados da observação empírica do delito e da pena, convocados a orientar a estratégia de luta contra a delinquência.” (p.150). “Esse processo apresentar-se-á como um ‘tratamento circular’, que aborde o problema a partir dos mais diversos ângulos e que traga à colação todos os pontos de vista – tanto os obtidos a partir da lei como os de natureza extrajurídica – que possam ter algum relevo para a solução ordenada à justiça, com o objetivo de estabelecer um consenso entre os intervenientes” (p.153). “A tópica jurídica surgiu como uma antítese ao pensamento dedutivo- sistemático, que buscava proporcionar estabilidade, racionalidade e previsibilidade de decisões, obtidas a partir de uma rede de deduções lógicas.” (p.154). “De outra banda, afirma Larenz que mesmo quando se argumenta de modo muito próximo a um argumentar topicamente, a obrigação de fundamentação da sentença torna necessário um processo intelectual ordenado, em que cada argumento obtenha o seu lugar respectivo, processo este que conduz a uma determinada interferência silogística.” (p.155). “Em relação ao sistema penal, o pensamento tópico levaria à submissão completa da dogmática penal a qualquer finalidade prática. Com efeito, a busca de um solução justa para o caso concreto poderia ser obtida a partir de critérios prático-teleológicos que afastariam ou corroborariam, conforme o caso apreciado, os enunciados legais em busca de justiça material da decisão.” (p.156). “Em termos contemporâneos, novas orientações dogmáticas, com a teoria da imputação objetiva, vêm exigindo a imensa ponderação de casos concretos para a formulação de critérios sistemáticos de confirmação ou exclusão de imputação objetiva de resultado, ocasionando quase que uma inversão metodológica para a indução teórica” (p.157). “Crime é tudo aquilo que a lei define como tal; criminoso é o sujeito ativo deste fato legalmente previsto; resultado é todo aquele evento ou valor jurídico descrito na norma.” (p.159). “Nesse contexto, a dogmática penal recupera sua posição hierárquica superior no bojo da ciência penal, revendo-se não só uma secundarização das ciências auxiliares, consoante propunha Liszt, como, além disso, um certo desprezo pela criminologia e pela política criminal.” (p.159). “A crise do pensamento sistemático – cujo ápice verifica-se com o juspositivismo clássico e neokantismo - fez com que surgissem duas tendências científicas opostas, mas com uma preocupação em comum: a necessidade de o problema assumir uma posição de destaque no método jurídico.” (p.160). “Assim, completa, a unidade sistemática entre Política Criminal e Direito Penal, que, em minha opinião, também deve incluir-se na estrutura do direito é, portanto, só uma realização da missão que tem firmado hoje nosso ordenamento jurídico em todos os seus setores.” (p.161). “O mesmo pode ser dito em relação aos delitos culposos: a mera apreciação casual da produção imprudente de um resultado é insuficiente para a adequação típica da conduta que necessita de complementos de índole normativa (princípio da confiança, risco permitido etc) para a sua verificação.” (p.162). “No que tange à antijuridicidade, uma orientação teleológica da dogmática penal recomenda visualizar tal setor do delito como o das soluções sociais para os conflitos, o campo em que se chocam os interesses individuais opostos ou as exigências sociais com as necessidades do indivíduo.” (p.163). “No entanto, a autodefesa e a prevalência do Direito estão limitadas pela proporcionalidade de defesa, ou seja, não pode ser considerada legítima a defesa daquele que atua para proteger bem jurídico de valor menor ao mal causado com a reação. Assim é que a proporcionalidade da atuação é um limite imposto a todas as causas excludentes da ilicitude.” (p.163). “O modelo de Roxin pretende, portanto, uma aproximação do Direito Penal à realidade social pelo viés de suas próprias finalidades políticas, superando-se, assim, os problemas de excessiva abstração normativa decorrentes da dogmática clássica de índole juspositivista.” (p.164) “Roxin atenvê a possibilidade de os princípios de política criminal repercutirem na dogmática vigente, em decisões concretas, na medida e dentro das possibilidades legais: a política criminal, portanto, possuiria não só uma função de lege ferenda, consoante pensava Liszt, mas também uma função lege lata, principalmente na Parte Geral do Direito Penal.” (p.165). “As normas jurídicas são expressão formal de comportamento sociais, ainda que não no plano do ser, mas sim do dever ser. Portanto, analisar o conteúdo da norma jurídica pressupõe analisar as condutas sociais visualizadas pela norma. A sociologia, como ciência do ser, e a dogmática, como dever ser, devem fundir-se numa ciência social do Direito que , sem abandonar o especifico mundo das normas.” ( p.168). “Para manter-se atenta aos problemas concretos relacionados ao poder punitivo, ou seja, dinamiza-se a apreciação do problema sem renunciar-se ao sistema, até mesmo porque parece impensável, nos dias de hoje, a existência de um Direito Penal sem Parte Geral.” (p.169). “Além disso, a abertura interdisciplinar da dogmática permite que a ciência penal perceba toda a dimensão do poder punitivo e, a partir disso, supere a visão exclusivamente normativa do delito.” (p.171). “Objeta-se que tal integração proporcionada entre Direito Penal e ciência sociais poderia acarretar perda de garantias e limites valorativos na imposição da pena, assim como a dissolução da dimensão garantista das categorias do sistema do Direito Penal e, inclusive, a própria supressão do Direito Penal, que seria substituído por um sistema de controle terapêutico de base empírica. (...) Entretanto não estamos propondo uma renuncia aos conteúdos normativos próprio da ciência jurídica, senão a sua conjugação secundária com dados reais oferecidos pelas ciências metodologicamente sócias, em especial a criminologia. Em outras palavras: a ciência penal continua sendo continua sendo, metodologicamente, normativa em essência, mas deve sofrer a devida influencia dos estudos sociológicos já realizados acerca dos processos sócias de criminalização” (p.172). “Com efeito, mesmo no caso de admitirmos que a ciência penal é simplesmente normativo, alheia a todo e qualquer contato com os dados revelativos pelas ciências sociais, ainda assim correríamos o risco de, pelo uso da dogmática, chegarmos a orientações de mínima ou máxima intervenção penal, conforme o caso. É sempre bom lembrar que o positivismo jurídico, proporcionou um confortável alicerce para a legitimação interna do modelo jurídico do regime nazista.” (p.173). “Os juspositivistas, assim como os neokantistas, dormem tranquilos frente a dimensãoseletiva e arbitrária do poder punitivo. Entretanto, parece que tal corte metodológico não pode chegar a ponto de encobrir as incoerências sociais do sistema penal. Pretender-se olhar para o chão onde se pisa é a maior pretensão que o método normativo-social da ciência penal pode almejar. O resto, nem mesmo normas jurídicas detêm a capacidade de controlar.” (p.173). “Portanto, é correta a conclusão de DREHER no sentido de que nem a dogmática é a donzela da política criminal, nem a politica criminal é uma escrava da dogmática. O direito Penal, não é uma ciência de professores, concebida como mera reprodução da lei, valorativamente neutra, mas sim uma saber pratico orientado teologicamente.” (p.174). “Contudo, é importante ressaltar que o modelo de ROXIN não tem vinculação político material. Com efeito, se é correto admitir-se que a dogmática penal deve estar orientada segundo os parâmetros da politica criminal, disso não decorre, necessariamente, a adoção da teoria unificadora dialética, do próprio ROXIN, que sustenta, como função do Direito Penal, a prevenção geral de delitos em relação a justificação da norma penal e da aplicação da pena” (p.174). “É função da ciência penal, desvirtuar a identificação positivista entre Direito Penal e dogmática além de tratar de converter o Direito Penal numa disciplina de garantias em um sistema democrático, de modo que a intervenção punitiva do Estado seja reduzida ao mínimo e toda sua fundamentação seja, ao mesmo tempo uma base de limitação, e não de extensão do seu controle.” (p.179). “Vem-se ressaltando que, na ciência penal contemporânea, a política criminal assume uma posição de supremacia frente à dogmática penal: o tempo presente é, por excelência, o tempo da politica criminal” (p.180). “A criminologia, a politica criminal e a dogmática são autônomas enquanto campos específicos, mas ligadas em uma unidade funcional no complexo procedimento de realização do Direito Penal.” (p.180). “A criminologia em sua visão crítica, deixa de ser uma ciência exclusivamente empírica para, também tornar-se valorativa, ou seja, a fronteira entre política criminal e criminologia, na ciência penal contemporânea, está cada vez mais reduzida (p.181). “Contudo, se entendermos tal conclusão no sentido de um divórcio absoluto entre dogmática e politica criminal, então a devida correção impõe-se.” (p.182). “O modelo dogmático é, nas palavras de Reale Júnior, uma construção teórica que opera sobre a legislação elucidando institutos, explicando sua natureza jurídica tendo por ponto de partida o direito positivo cujo sistema, em seus princípios e inter-relações, procura desvendar, revestindo o direito de caráter cientifico.” (p.182). “O dogmático parte de pressupostos que assume como verdadeiros, sem, porém, dispor de provas que comprovem a veracidade. Isso é possível porque a dogmática penal, em sua visão clássica, ocupa-se do estudo das normas jurídicas como verdade certas e indiscutíveis.” (p.183). “A isso se da o nome de princípio da inquestionabilidade dos pontos de partida: a dogmática necessita criar abstrações irrefutáveis para decidir os casos concretos e, consequentemente, neutralizar os conflitos, abstraindo-os da sua problemática real e global pro meio de sua categorização jurídica.”(p.183). “Tal postura conduz, necessariamente, a uma dogmática que, sem extrapolar parâmetros de legalidade, revele-se crítica em relação à incidência do poder punitivo.” (p.184). Muito mais do que uma simples crítica, portanto, incube à dogmática penal uma verdadeira função criadora de sentido ao alcance do poder punitivo, liberando- se das amarras do texto legal ou da dita vontade estática do legislador, assumindo seu verdadeiro papel, reconhecidamente valorativo e essencialmente crítico, no contexto da modernidade jurídica. Antes de recorrer à modificação a dogmática tentará todo tipo de solução no marco da lei positiva.”(p.186). “Há uma significativa autonomia, pois, para o conteúdo da política criminal e da dogmática penal que deverão orientar decisões concretas, ainda que tal liberdade sujeite-se a alguma graduação.” (p.190). “Conclui-se, portanto, que a dogmática penal faz parte de um processo de justificação interna de decisões, ainda que seus limites tenham de se conformar a um processo de justificação externa axiologicamente determinada com alguma amplitude no marco de uma ordem jurídica vigente. Nesse contexto, essa dogmática deve ser (re)construída criticamente a partir de uma base teleológica (unidade funcional com política criminal e criminologia) adequada aos fundamentos do Direito Penal (relação complexa entre integração social e contenção do poder punitivo), dentro dos limites possíveis estabelecidos na lei e na Constituição Federal”. (p.192). “Apesar da evidente influencia do tecnicismo italiano, o Código de 1940 possuía diversos institutos relacionados à periculosidade do agente, ressocialização e integração social.” (p.194). “Após os percalços políticos posteriores às constituições de 1937 e 1969 [...] algumas reformas setoriais foram realizadas na Parte Geral e na Especial, destacando-se a Lei nº 6.416/77.” (p.195). “Pode-se perceber que o sistema fechado de Liszt influenciou – e ainda influencia – boa parte dos penalistas brasileiros. Com efeito, a doutrina penal nacional, em sua grande maioria, ou sequer esboça qualquer consideração acerca da metodologia da ciência jurídico-penal, ou curva-se à ideia de que o Direito Penal é uma ciência exclusivamente normativa, sendo, o seu objeto, só o conjunto de preceitos legais relacionados ao trinômio crime, pena e medida de segurança.” (p.195). “Isso se torna evidente a partir da confusão feita, no Brasil, entre Direito Penal e dogmática penal. [...] a ciência do Direito Penal não aborda a delinquência como um fenômeno social, preocupando-se, apenas, com as regras de Direito formuladas para preveni-la e combate-la.” (p.196). “Outro aspecto a ser ressaltado, capaz de revelar a preferência brasileira pelo modelo de Liszt, deve-se à consideração de que a política criminal teria por objetivo, apenas, propor as reformas na legislação penal, sem mencionar-se qualquer possibilidade de influência num sistema penal constituído. Por isso é que, nessa visão, a política criminal não seria elemento da ciência penal” (p.196). CAPÍTULO 5 – A ideia da “Ciência Penal Conjunta”: Revisão Crítica (p .197) “Como ressaltamos antes, é notória a influencia sofrida no Código Penal de 1940, pelo movimento da Escola Técnico-Jurídica italiana de fundamentação ortodoxamente positivista.” (p.197). “De uma maneira geral, a década de 1980 não assimilou os novos rumos da ciência penal travados pela doutrina penal europeia. A influência do paradigma da defesa social, associado ao tecnicismo jurídico, foi uma constante na doutrina penal brasileira que surgia naquela época, não sendo raros os casos de a metodologia da ciência penal ser tratada de maneira equivocada ou mesmo sequer ter sido apreciada.” (pág.198-199). “Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, teve inicio a preocupação de estudar-se o Direito Penal frente a sua vinculação constitucional. Esse foi um passo importante para que, a partir da década de 1990, a influencia juspositivista começasse, metodologicamente, a ser superada- ainda que de forma tímida.” (p.199). “No final do século XX, entretanto, os efeitos cultural da globalização ampliaram demasiadamente a troca instantânea de informações, inclusive cientificas. No planos educacional, não se pode negar que a Lei nº 9.394/96, ao exigir, para as universidadebrasileiras, em seu art. 52, primazia à pesquisa, bem como 1/3 mínimo de professores com mestrado, doutorado, e regime de tempo integral, foi um importante fator para a busca de novos conhecimentos. Tais aspectos, associados a inúmeros outros que não poderiam ser suficientemente arrolados, colaboraram para a redução do distanciamento jurídico-cientifico do Brasil em relação aos demais países do mundo ocidental, pelo menos no que se refere à assimilação de novas ideias surgidas no ambiente cientifico.” (p.202). “Ciência Penal pode entender como violenta, v.g., não só uma conduta lesiva a um interesse patrimonial alheio, senão também um simples ritual de consumo.” (p.204). “Obviamente que uma amplitude tal do objeto da Ciência Penal pode sofrer os mais diversos recortes epistemológicos.” (p.204). “A política criminal também poderá fazer uso das inclusões teóricas laboradas pela criminologia para, a partir disso, verificar quais os conflitos sociais que devem ser tutelados pelo Estado e quais os que podem continuar sendo solucionados por outros mecanismos informais de controle social.” (p.204). “O método do Direito Penal caracteriza o caminho que este conhecimento há de percorrer para que possa ao final verificar se algum fato concreto chegou a perturbar uma ordem social politicamente concebida ou se, ao contrário não se revelou carente de tutela formal e institucional.” (p.205). “Em nosso País, ainda vivemos a assombração do positivismo técnico-jurídico que, apesar de já superado em outros ramos do ordenamento jurídico, ainda teima em influenciar os resumos do Direito Penal brasileiro. (...) o Direito Penal continua sendo aplicado a partir da confissão positivistas entre vigência e validade.” (p.205). “Um Direito Penal democrático pressupõe que a criminalização legiferante e judicante de condutas seja compreendida enquanto processo de controle social resultante de uma relação de poder. Numa democracia o Direito Penal deve ser entendido apenas como um dos diversos mecanismos de controle social, não a partir de uma prepotente missão de solução política de conflitos, senão enquanto controle político pontual e precário dos poucos casos que acabam submetidos às agências jurídicas.” (p.206). “Esse mesmo direito penal também tem a missão primordial de estabelecer limites formais e materiais ao desempenho das atribuições dessas agências judiciais.” (p.206). “O funcionalismo proposto por Roxin é um importante passo da Ciência Jurídica Penal em busca da abertura da dogmática à política criminal. Tal postura metodológica, ainda que em sentido formal, confere ao hermeneuta a possibilidade de interpretar as normas penais incriminadoras e aplicar institutos da parte geral do Direito Penal em consonância com as finalidades da intervenção penal. De outro lado, possibilita a aproximação entre sistema jurídico-penal e a solução mais justa possível de casos concretos” (p.207). “O Direito Penal é irracional, mas, apesar disso, produz alguma estabilidade social; e isso também tem lá o seu grau de racionalidade.” (p.208). “Apesar de o Direito penal ter a função positiva, num sentido complexo, de preservar identidades culturais, sua razão essencial continua sendo a redução possível do arbítrio nos parcos casos submetidos ao poder judiciário, até mesmo porque, consoante ressaltaram Zaffaroni e Batista, essa é a única tarefa realizável que pode recair sobre este órgão estatal.” (p.208). “O ato de julgar não é não é um ato de interpretar e aplicar as leis penais, senão um verdadeiro exercício criativo de psicanálise individual e social verificado nos limites negativos do ordenamento jurídico.” (p.209). “Por fim, a mudança metodológica aqui proposta nos leva a um ponto de partida essencial: em certa medida, é um equívoco falar-se em crise do Direito Penal contemporâneo, já que a palavra crise pressupõe perturbação momentânea de um contexto cultural predominante. Só poderíamos pensar nessa crise caso tivéssemos alguma razão para acreditar que, em alguma ocasião histórica, pudemos conviver sem preocupação com a violência ou com a expansão do poder punitivo.” (p.209).
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