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HOBBES

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1
 
A Construção da Ordem Liberal: 
 
II. Hobbes: nasce uma teoria do Estado Moderno 
 
 
 
Josênio C. Parente1 
 
 
 
 
Oliveiros S. Ferreira, analisando a Escola Superior de Guerra (ESG) do 
período pós-64, diz que “a influência de Hobbes é aqui apontada como o ponto de 
referência intelectual, para não dizer ideológica” da intervenção militar no Brasil. 
Diz ainda que sua “insistência em Hobbes é para procurar demonstrar que não é o 
anticomunismo que inspira a Doutrina da ESG, mas o contrário, vale dizer, é a 
Doutrina que inspira o anticomunismo, pois o marxismo-leninismo deseja, e 
ninguém o negará, acabar com a idéia de Nação (ou do Estado)”2. Aqui, portanto, 
temos duas afirmações relacionais que merecem uma reflexão para a leitura do 
Leviatã: a relação Hobbes e autoritarismo e a relação do mesmo com a idéia de 
Nação (ou de Estado). 
 
Sobre o autoritarismo no período republicano brasileiro encontramos uma 
tipologia elaborada por Antônio Paim que o divide em três grupos: o castilhismo, o 
tradicionalismo e o autoritarismo instrumental. O castilhismo está ligado a Júlio 
Castilho (1860/1903) no Rio Grande do Sul. Inspirado em Comte, foi aprimorada 
por Borges de Medeiros (1864/1961), formou uma elite altamente qualificada. 
Essa linha, segundo Paim, tem “o mais solene desprezo pelo liberalismo, certa de 
que a época dos governos representativos havia passado. Essa elite é que 
chegaria ao poder com a Revolução de 30. A ascendência de Getúlio Vargas 
 
1
 Doutor em Ciência Política e Professor Universitário.Trabalho terminado em 27 de Abril de 1994. 
2
 FERREIRA, Oliveiros S., “A Escola Superior de Guerra no Quadro do Pensamento Político Brasileiro”, in 
CIPPA, Adolpho (Org.), As Idéias Políticos no Brasil, Convívio, São Paulo, 1979, Volume 2, p. 279. 
 2
(1883/1954) durante os anos trinta e a implantação do Estado Novo correspondem 
à vitória e à consagração do castilhismo”3. 
 
O segundo grupo de autoritarismo que se formou e que Paim classifica de 
tradicionalismo, tem várias raízes, sendo o mais importante a corrente que veio de 
Jackson de Figueiredo (1891/1928), de Francisco Campos (1887/1968) ou de 
Azevedo Amaral (1881/1942), que desembocou no Integralismo4. Esse grupo não 
se coadunava com a modernidade, ao contrário de uma corrente do grupo anterior 
do qual saiu a liderança de Getúlio Vargas. 
 
O terceiro grupo, corresponde à linhagem de idéias que tem em Oliveira 
Vianna o seu ponto alto. Ubiratan Macedo reforça o peso dessas idéias 
autoritárias e diz que “a atual doutrina da Escola Superior de Guerra (ESG) 
representa a evolução do nacionalismo de Alberto Torres e do pensamento de 
Oliveira Viana”5 Foi Wanderley Guilherme dos Santos quem definiu sua proposta 
de ‘autoritarismo instrumental’. Ele comenta dizendo que, para Oliveira Vianna, “o 
liberalismo político seria impossível na ausência de uma sociedade liberal e a 
edificação de uma sociedade liberal requer um Estado suficiente forte para romper 
os elos da sociedade familística. O autoritarismo seria assim instrumental para 
criar as condições sociais que tornariam o liberalismo político viável. Esta análise 
foi aceita, e seguida, por número relativamente grande de políticos e analistas 
que, depois da Revolução de 1930, lutaram pelo estabelecimento de um governo 
forte como forma de destruir as bases da antiga sociedade não liberal”6. 
 
3
 PAIM, Antônio, op. cit., p. 164. 
4
 Sobre o pensamento tradicionalista de Plínio Salgado, vide CHASIN, J., O Integralismo de Plínio Salgado, 
Livraria ed. Ciências Humanas, São Paulo, 1978. O Integralismo teve peso variado em vários Estados. Sobre 
o caso do Ceará, onde ele compartilha do poder político do Estado, vide PARENTE, Josênio C., Anauê: Os 
Camisas Verdes no Poder, Editora Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 1986. Uma segunda edição 
revista foi realizada no ano de 1999. 
5
 Convivium, vol. XXI (5), set/outubro, 1979, pág. 516, apud PAIM, Antônio, (Posfácio), “Oliveira Vianna e o 
Pensamento Autoritário no Brasil”, in VANNA, Oliveira, Instituições Políticas Brasileiras, Itatiaia (Belo 
Horizonte) – Editora Universidade de São Paulo – EDUFF (Editora da Universidade Federal Fluminense), 
Niterói, RJ, (Coleção Reconquista do Brasil – 106), V. 2, p. 180. 
6
 SANTOS, Wanderley Guilherme dos, “A Práxis Liberal no Brasil: Propostas para Reflexão e Pesquisa”, in 
SANTOS, Wanderley G. dos, Ordem Burguesa e Liberalismo Políticos, Duas Cidades, São Paulo, 1978, p. 
106. Wanderley dos Santos ressalta que “a maioria dos analistas influenciados por Oliveira Vianna não 
concordaria inteiramente com ele. Virgínio Santa Rosa, por exemplo, exprimiu claramente, em o Sentido do 
 3
Essa assertiva de Wanderley Guilherme dos Santos já revela que o 
autoritarismo possui um lado moderno, comprometido contraditoriamente (ou 
dialeticamente?) com a construção de uma ordem liberal. Será por esse caminho 
que podemos entender também a relação de Hobbes com a ESG? Fica, portanto, 
uma questão que podemos examinar nessa reflexão: existe um lugar para o 
autoritarismo na construção de uma ordem liberal? 
 
Greenleaf mostra que existem várias maneiras de interpretar Hobbes e ele 
apresenta três tipos principais que os denomina de ‘caso tradicional’, ‘caso da lei 
natural’ e ‘caso individualista’. O ‘caso tradicional’, ou a interpretação ortodoxa, diz 
que ele é um materialista imbuído da nova ciência natural e a utiliza para a 
elucidação de uma teoria civil e ética. Era uma interpretação que fazia seus 
contemporâneos e que tinha uma pintada de crítica. Houve, contudo, quem 
achasse suas idéias totalmente adequadas: Cowley, Leibniz, Diderot e d’Holbach, 
entre outros. Greenleaf diz que “habitualmente, Hobbes era visto mais como um 
positivista malsucedido do que como um pensador que realmente não fosse deste 
tipo. As pessoas eram prisioneiras da concepção estabelecida”7. 
 
O ‘caso da lei natural’ se divide em outras duas interpretações. A primeira 
diz que as bases materialista-mecanicista são bastante enganadoras quanto 
indicações de seu caráter real. A segunda diz que a verdadeira natureza de seu 
pensamento ético e político derivam-se essencialmente da tradição da lei natural 
cristã. Este também tem duas variações: a chamada tese de Taylor (separa as 
idéias éticas e sua filosofia científica) e a que sugere que sua filosofia e a 
linguagem científica são maquiagem de suas idéias cristãs e medievais. Todas 
elas menosprezam a filosofia naturalista de Hobbes. 
 
 
Tenentismo, uma das medidas mais óbvias que uma agenda liberalizante deveria formar: a reforma agrária” 
(ibidem). 
7
 GREENLEAF, W. H., “Hobbes: o problema da interpretação”, in QUIRINO, Célia G. & SOUZA, Maria Tereza 
Sadek (Org.), O Pensamento Político Clássico: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, São 
Paulo, T. A. Queiroz, 1980, p. 54. 
 4
O terceiro tipo de interpretação, o ‘caso individualista ou nominalista’ 
também possui duas vertentes: a de Leo Strauss e a dos professores Oakeshott, 
Watkins e Glover. Todas, contudo, rejeitam as duas outras interpretações, as 
‘tradicionais’ e a do ‘caso da lei natural’. Leo Strauss diz que Hobbes rompe 
completamente com a grande tradição aristotélica por ter induzido em suas 
análises duas paixões: a vaidade e o medo. A segunda vertente acrescenta à tese 
de Strauss que Hobbes se aproxima de noções medievais de um tipo particular. 
 
Claro que essas interpretações não podem ser simplificadas assim com 
apenas poucas afirmações. Nosso objetivo, contudo, as desenharo quadro de 
Greenleaf elabora a respeito das interpretações sobre Hobbes é apenas para 
situar o debate que desejamos esboçar. Não pretendemos travar um diálogo com 
as possíveis interpretações que foram esboçadas acima. Nossa pretensão nesse 
trabalho é mais modesta, consistindo em apresentar as idéias centrais do Leviatã, 
discutir com alguns comentadores as questões levantadas acima. É modesto 
apenas por não apresentar novidades sobre possíveis novas interpretações sobre 
Hobbes, mas importante no sentido de o situar no contexto da teoria política sobre 
o Estado moderno. Mostraremos que o seu pensamento possui uma teoria sobre o 
poder (“por que as pessoas obedecem?”) e se constitui numa ruptura com o 
feudalismo e com a Antigüidade, além de estar afinada com as transformações 
que estavam acontecendo e que ainda nos afetam. Discutiremos com alguns 
comentaristas questões relativas à modernidade do seu pensamento e sua 
contribuição para a construção da ordem liberal. 
 
II – 1. A Soberania no Estado Moderno. 
 
A idéia dominante do tempo de Hobbes era o problema da unidade do 
governo devido a constantes guerras. Seguindo o método da geometria8, Hobbes 
 
8
 Macpherson enfatiza bastante o método científico da época, utilizado por Galileu. Hobbes desejava construir 
uma ciência da política com características da ciência da época. Vide MACPHERSON, C. B., “Introduction”, in 
HOBBES, Thomas, Leviathan, Penguin Classies. Bobbio tem uma outra visão sobre isso: “é uma questão 
controversa – e que talvez não seja essencial – definir qual foi o método efetivamente seguido por Hobbes no 
tratamento da matéria; ou mesmo saber se ele alguma vez teve um método. (...) Uma das características do 
 5
fez uma análise do poder político e situou a questão num antinomínia: a anarquia 
ou a ordem. Considerou, então, o Estado como um produto artificial e que serve 
para suprir as deficiências da natureza, isto é, dar paz e segurança às pessoas 
que, sem Ele, permanecerão em estado de guerra. Antes, contudo, de nos deter 
nesse homem artificial, vale a pena entender a questão da conjuntura inglesa do 
período. Bobbio, como outros analistas, reconstrói a situação da época de Hobbes 
para ressaltar que a unidade do Estado era constantemente ameaçada pelas 
discórdias religiosas e pela disputa em torno das divisões dos poderes. Hobbes 
assistiu à guerra civil inglesa desde sua preparação até o final. O rei Carlos I foi 
executado em 1649. Henrique VIII, embora por motivos políticos, já havia rompido 
com Roma. Apesar da Reforma de Lutero, o rei inglês também não era 
protestante, de forma que a questão religiosa inglesa permanecera indefinida. Foi 
só no reinado de Elizabeth que se fixou o destino religioso da monarquia inglesa e 
aconteceu naquela direção da independência com Roma, na direção da reforma 
protestante. Uma sucessão de fatos, portanto, que colaboraram para que Hobbes 
percebesse que a maneira de salvar a autoridade real, condição para a paz social, 
era desligá-la completamente da religião, mais precisamente, da soberania de 
Roma. 
 
Essa conjuntura fez Hobbes perceber a questão da Soberania e é muito 
circunscrito a uma fase de transição para o Estado Moderno, onde se procura 
romper com as amarras do feudalismo. Há um debate muito rico a respeito da 
natureza dessa revolução inglesa de 1640 a 1660. Teria ela sido realmente uma 
revolução burguesa? C. Hill afirma que “a Revolução Inglesa do século XVII não é 
menos revolucionária porque ela não foi feita por revolucionários conscientes... 
Revoluções acontecem sem que os homens conscientemente a desejem... Quem 
quer que esperava uma revolução social ‘pura’, jamais viverá para vê-la... A 
Revolução Puritana de 1640 foi causada, em última instância, pelo 
 
pensamento renascentista, pela qual é profundamente marcada a filosofia de Bacon – primeiro mestre de 
Hobbes –, é a transformação da relação entre natureza em arte em comparação com a concepção dos 
antigos: a arte não mais aparece como imitação da natureza, mas como igual à natureza”, BOBBIO, Norberto, 
Thomas Hobbes, Campus, Rio de Janeiro, 1991 (trad. Carlos Nelson Coutinho), p. 31. 
 6
desenvolvimento econômico que não pode ser absorvido dentro do Antigo 
Regime”9. 
 
As revoluções e guerras civis inglesas do século XVII já indicavam, 
portanto, transformações substantivas no Antigo Regime. Na caracterização do 
feudalismo que realizamos no trabalho anterior10, segundo roteiro elaborado por 
Pierre Manent, apresentamos as formas políticas que estavam à disposição dos 
homens na Europa depois da queda do Império Romano do Ocidente, que eram o 
império, a cidade e a igreja. No que se refere à Igreja, a importância da ocupação 
de espaços políticos por ela naquela circunstância foi considerada por Manent de 
tal magnitude que “o desenvolvimento político da Europa só é compreensível 
como a história das respostas aos problemas levantados pela Igreja – associação 
humana de um gênero totalmente novo –, vindo cada resposta institucional a 
suscitar, por sua vez, problemas inéditos, e reclamando a invenção de novas 
respostas. A chave do desenvolvimento europeu é o que, em termos doutos, 
chamamos de o problema teológico-político”11. 
 
9
 Hill, C., Change and Contiuity in seventeenth-century England, Harvard University Press, Cambridge, 1975, 
pp. 279-281. Em outro trabalho ele esclarece: “A Revolução Inglesa, como todas as revoluções, foi causada 
pela ruptura da velha sociedade e não pelos desejos da burguesia ou pelos líderes do Longo Parlamento. Seu 
resultado, no entanto, foi o estabelecimento de condições muito mais favoráveis ao desenvolvimento do 
capitalismo do que aquelas que prevaleceram até 1640. A hipótese é a de que este resultado bem como a 
própria revolução tenha se tornado possíveis por que tenha havido um desenvolvimento considerável das 
relações capitalistas na Inglaterra”, HILL, C. “Uma Revolução Burguesa?”, in Revista Brasileira de História, n. 
7, 1984, p. 9. 
10
 PARENTE, Josênio C., “A Construção da Ordem Liberal: I. Maquiavel e o Nascimento do Estado Moderno” 
in Humanidade e Ciências Sociais, Revista da Universidade Estadual do Ceará – UECE, ano 1, v. 1, no 1, 
jan/jun, 1999, semestral (p. 83-89). 
11
 MANENT, Pierre, História Intelectual do Liberalismo: Dez Lições, Imago Editora, Rio de Janeiro, 1990, Trad. 
Vera Ribeiro, (Coleção Tempo e Saber), p. 15. Ele ressalta: “A definição que a Igreja fornece de si mesma 
inclui uma ‘contradição’. De um lado, o bem trazido por ela – a salvação – não é deste mundo. ‘Este mundo’ 
como tal, o mundo do ‘Cézar’, não lhe interessa, para a qual, pela graça de Deus, é o único veículo”, (ibidem). 
No capítulo XII, do Leviatã, Hobbes mostra claramente a questão da força política da religião na sociedade 
antiga: “Portanto os primeiros fundadores e legisladores de Estados entre os gentios, cujo objetivo era apenas 
manter o povo em obediência e paz, em todos os lugares tiveram os seguintes cuidados. Primeiro, o de incutir 
em suas mentes a crença de que os preceitos que ditavam a respeito da religião não deveriam ser 
considerados como provenientes de sua própria invenção, mas como os ditames de algum deus, ou de outro 
espírito, ou então de que eles próprios eram de natureza superior à dos simples mortais, a fim de que suas 
leis fossem mais facilmente aceitos” (...) Em segundo lugar, tiveram o cuidado de fazer acreditar que aos 
deuses desagradavam as mesmas coisas que eram proibidas pelas leis. Em terceiro lugar, o de prescrever 
cerimônias, suplicações, sacrifícios e festivais, os quais se deveriaacreditar capazes de aplacar a ira dos 
deuses; assim como que da ira dos deuses resultava o insucesso na guerra, grandes doenças contagiosas, 
terremotos, e a desgraça de cada indivíduo; e que essa ira provinha da falta de cuidado com sua veneração, e 
do esquecimento ou do equívoco em qualquer aspecto das cerimônias”, in HOBBES, Thomas, Leviatã, 
Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil, (Tr. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da 
Silva), 3ª ed., Abril, São Paulo, 1983, p. 70. 
 7
Dentro dessa conjuntura claramente de transição, Hobbes reflete, como 
dissemos acima, sobre a questão do poder no novo contexto. A Soberania tinha 
que ser absoluta a fim de evitar o caos. Como submeter também a religião ao 
Leviatã (ao Estado)? Para Manent, “o argumento de Hobbes é simples, mas 
devastador: acreditar que Deus falou com determinados homens é acreditar que 
esses homens dizem a verdade, é crer nesses homens. A necessidades de um 
intermediário humano faz com que crer num Deus revelado eqüivalha a acreditar 
em homens. Pois bem, a experiência nos ensina que os homens são facilmente 
mentirosos, ou, mais exatamente, que a idéia elevada que fazem de sua 
sabedoria os leva com freqüência a se acreditarem inspirados por Deus”12. 
Portanto, para Hobbes, não há lugar no mundo humano para outro poder do que o 
poder civil. Rousseau elogia essa proposta de submeter a fidelidade do homem 
religioso ao Estado e percebe que o Homem artificial de Hobbes é de mecânica 
tão engenhosa que ele fundou uma “religião civil”. Ele, Rousseau, diz que “de 
todos os autores cristãos, o filósofo Hobbes, o único que viu muito bem o mal e o 
remédio, que ousou propor a reunião das duas cabeças de guia, o reconduzir-se 
tudo à unidade política, sem a qual jamais serão bem constituídos o Estado e o 
Governo”13. 
 
A teoria de Hobbes rompe com tradições que estavam arraigadas no 
feudalismo e percebe as questões que serão postas pela modernidade. Além de 
ter teorizado sobre a Soberania e sobre a secularização do poder, uma 
necessidade para a época, ele rompe também com o conceito aristotélico de 
cidade. Gérard Lebrun comenta que realmente “é nesse ponto remoto que 
 
12
 MANENT, Pierre, op. cit., p. 56. Ele conclui que “se os homens se compenetrarem dos argumentos de 
Hobbes, é pouco provável que os profetas, ‘verdadeiros ou falsos, venham a ter muitos discípulos”, (idem). 
Mas Hobbes não irá de encontro frontal com Roma. No Leviatã, por exemplo, ele diz: “Mas quando foi o 
próprio Deus, através da revelação sobrenatural, que implantou a religião, nesse momento ele estabeleceu 
também para si mesmo um reino particular, e não ditou apenas leis relativas ao comportamento para consigo 
próprio, mas também de uns para com os outros. E dessa maneira no reino de Deus a política e as leis civis 
fazem parte da religião, não tendo portanto lugar a distinção entre a dominação temporal e a espiritual”, 
HOBBES, Thomas, Op. cit., p. 71. 
13
 ROUSSEAU, Jean-Jacques, Do Contrato Social, Abril, 1983, 3ª ed., São Paulo, Trad. Paul Arbousse-
Bastide e Lourival Gomes Machado, p. 140. Rousseau explica melhor: “No entanto, como sempre houve um 
príncipe e leis civis, resultou dessa dupla posse de um conflito perpétuo de jurisdição que tomou toda a boa 
‘política’ impossível nos Estados cristãos e jamais se conseguiu saber se era ao senhor ou ao padre que se 
estava obrigado a obedecer”, Ibidem. 
 8
principia a nossa modernidade: quando a comunidade não mais é entendida como 
congregação de homens que são diretamente encarregados de zelar pelo 
funcionamento do todo, mas como uma congregação de homens (societas) a 
quem seus próprios afazeres ocupam demais para que possam dedicar-se aos 
interesses do todo, e que, por isso, devem ser protegidos pela instância política, 
em vez de participarem dela”14. Hobbes introduz então dois elementos que 
rompem com o conceito aristotélico de Estado, Primeiro Estado, como está dito 
acima, ele recusa a antiga finalidade do político que passará a ser a segurança e o 
gozo ao máximo. A segunda característica que rompe com o aristotelismo é a 
idéia de que o direito é o útil. Lebrun assim expressa esse novo elemento: “o 
utilitarismo de Hobbes leva-o forçosamente a admitir como necessário um poder 
capaz de decidir o legislar, que tenha o seu princípio apenas e si próprio, e que 
não se refira a nenhuma legitimação (divina ou humana) externa a ele. A única 
razão que pode me ‘convencer’ a obedecer à lei é que ela é a lei – é saber que 
serei castigado se a infringir”15. Como veremos adiante, comentadores verão neste 
ponto um Hobbes precursor do liberalismo. Por fim, para caracterizar um Hobbes 
que rompe com as amarras feudais, ele destrói a idéia de hierarquia natural e toda 
uma justificativa para uma sociedade de casta apregoando que “é uma lei da 
natureza que todo homem reconheça os outros como seus iguais”. 
 
A principal preocupação de Hobbes, diante de tantas guerras civis e mesmo 
de transformações estruturais na sociedade será a questão: por que as pessoas 
obedecem? Há, portanto, toda uma preocupação sobre a unidade do Leviatã 
contra a anarquia e com isso se evitar a guerra civil que era típica do “estado de 
natureza”. Bobbio mostra que a guerra civil sempre o preocupou. Em De Corpore, 
no capítulo I, ele, da filosofia, retira a arte de governar. Diz Bobbio: “E o que 
significa governar bem? Significa constituir o Estado sobre bases tão sólidas que 
se torne impossível sua dissolução, ou seja, – que se mantenha distante o perigo 
 
14
 LEBRUN, Gérard, O que é Política, Brasiliense, São Paulo, 1983, 5ª ed., (Col. Primeiros Passos, n. 24), p. 
38. Lebrun apresenta o conceito de cidade em Hobbes: “uma multidão de homens, unidos numa pessoa única 
por um poder comum, para sua paz, sua defesa e seu proveito comuns”, idem, p. 36. Bobbio diz que “nas 
primeiras páginas de Política, Aristóteles explica a origem do Estado enquanto polis ou cidade a partir da 
família, prosseguindo através da formação intermediária do povoado”, BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 5. 
 9
da guerra civil, da qual – ele comenta – ‘derivam a mortandade, o deserto e a falta 
de tudo’. Logo depois, falando novamente das guerras civis, ele as chama de ‘as 
maiores calamidades’”16. 
 
A questão do Soberano na sociedade moderna é fundamental no século 
XVII e Hobbes percebe a realidade de forma muito clara. A pergunta fundamental, 
como destacamos acima, seria aquela enfocada via obediência: a quem estou 
escrupulosamente obrigado a obedecer? Há, aqui também, uma diferença de 
enfoque com a tradição aristotélica. Manent faz uma comparação e diz que “para 
Aristóteles, responder à pergunta sobre quem deve comandar, eqüivale a decidir 
sobre quem está no topo de uma hierarquia de bens, e os bens não escolhidos 
subsistem em sua significação, e até obtêm uma parcela do poder, uma vez a 
escolha decisiva. Para Hobbes, ao contrário, quem tem o direito de exigir 
obediência tem todos os diretos, e os que não têm esse direito não tem nenhum, 
ou melhor, tem apenas os direitos concedidos pelo primeiro. Onde havia 
gradação, comparativo e superlativo, passa a haver exclusão, polaridade entre 
uma afirmação absoluta e uma negação absoluta”17. 
 
Toda essa discussão a respeito da originalidade das idéias de Hobbes no 
contexto da modernidade, na elaboração de um modelo que seria mais compatível 
com um tempo em construção, com novas solicitações, converge, portanto, na 
direção do conceito básico de Soberania. Podemos apresentar esse conceito a 
partir de uma citação do capítulo VII do Leviatã que possui um conteúdo rico de 
sua proposição. Hobbes diz que “a única maneira de instituir um tal poder comum, 
capaz de defendê-los das invasões dos estrangeirose das injúrias uns dos outros, 
garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que mediante seu próprio 
labor e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é 
conferir toda sua força e poder a um homem, ou a uma assembléia de homens, 
 
15
 LEBRUN, Gérard, op. cit., p. 39. 
16
 HOBBES, Thomas, De Corpore. I, 7, apud BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 27. Macpherson enfatiza em 
Hobbes a questão do poder. Diz ele: “Our word is obsessed with problems of power, and Hobbes was na 
analyst of power”, MACPHERSON, C. B., op. cit., p. 9 
17
 MANENT, Pierre, op. cit., p. 58. 
 10 
que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só 
vontade”18. 
 
A Soberania, assim, surge do consenso, isto é, de um pacto. Hobbes, 
portanto, está construindo uma sociedade orgânica que, inclusive, já existe. Numa 
situação anterior a esse pacto, no estado de natureza, os homens são iguais de 
fato. Essa igualdade, contudo, gera uma desconfiança recíproca, pois os homens 
podem causar uns aos outros o pior dos males: a morte. Há, portanto, um estado 
de guerra permanente, mesmo que seja latente19. Os mais fracos, pela astúcia, 
podem dominar ou eliminar os mais fortes. Além do mais, os homens são 
impregnados de paixões que lhes predispõem para a insociabilidade. O medo, 
portanto, possibilita condições para o aparecimento do Estado. Em troca, as 
pessoas terão ambiente, como disse Hobbes em citação acima, “garantindo-lhes 
assim uma segurança suficiente para que mediante seu próprio labor e graças aos 
frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda sua força e 
poder a um homem, ou a uma assembléia de homens, que possa reduzir suas 
diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade”. Nesse pacto cada 
um cede toda sua força e poder, é bom destacar, a um homem, ou a uma 
assembléia de homens. O Soberano, portanto, não é necessariamente uma 
pessoa e muito menos um tirano (comentaremos melhor esse fato adiante), como 
sugere sua fama de autoritário. Naquele momento, contudo, a opção que Hobbes 
vislumbrava era, como também dissemos acima, a ordem ou a anarquia. 
 
Há aqui, em Hobbes, uma teoria do poder na sociedade moderna20. No 
pacto que fazem os homens saírem do estado de natureza, as pessoas conferem 
todo seu poder ao Soberano, que será seu representante. Lebrun comenta que 
 
18
 HOBBES, Thomas, op. cit., cap. VII, p. 105. 
19
 Hobbes, no capítulo VII, diz “por que, divergindo em opinião quanto ao melhor uso e aplicações de sua 
força, em vez de se ajudarem se atrapalham uns aos outros, e devido a essa oposição mútua, reduzem a 
nada sua força”, (idem, p. 104). 
20
 Macpherson diz que ele também tem uma teoria dos direitos e obrigações: “The exposed the lineaments of 
power more clearly than most hove done since Machiavelli, more systematically than anyone had ever done, 
and than most have done since. But he also asserted the equal nature right of man, and tried to put the two 
things together to get a theory of right, and obligation, as well as a theory of power”, MACPHERSON, C. B., 
op. cit., p. 9. 
 11 
“seja qual for o valor de tal representação, é ele que melhor nos permite apreender 
o caráter inelutável do poder soberano, pois somente um poder comum é capaz 
de agregar politicamente indivíduos iguais em sua submissão”21. Esse estado, 
portanto, não é um fato natural, pois produto da vontade humana, é o homem 
artificial. Mas para que esse pacto realmente instaure as condições de segurança 
de todo acordo sucessivo possível não pode gerar uma sociedade de ajuda 
mútua, mas será necessário um poder comum. No estado de natureza, os bens 
econômicos e a força física eram privados, mas após o pacto, todos devem 
concordar em atribuir ao Soberano (uma pessoa ou uma assembléia) todos os 
seus bens e força para poder resistir a todos aqueles que se arrisquem a violar 
esse pacto. Hobbes justifica melhor ainda esse poder comum que é criado com o 
consenso, no capítulo VII, dizendo que “os pactos sem a espada não passam de 
palavras, sem força para dar qualquer segurança a ninguém. Portanto, apesar das 
leis de natureza (que cada um respeita quando tem vontade de respeitá-las e 
quando pode fazê-lo com segurança), se não fora instituído um poder 
suficientemente grande para nossa segurança, cada um confiar e poder 
legitimamente confiar, apenas em sua própria força e capacidade, como proteção 
contra todos os outros”22. 
 
Bobbio destaca que a saída do estado de natureza para a criação do 
Estado é diferente daqueles pactum subiectionis dos antigos. Aqui cada um cede 
o próprio direito de governar a si próprio ao Soberano. Ele comenta que “ao 
contrário do pactum subiectionis, o pacto de união hebbesiano é um pacto de 
submissão; mas, ao contrário do pactum subiectionis – cujos contratantes são, por 
um lado, o populus em seu conjunto, e, por outro, o soberano –, o hobbesiano é, 
como o pactum societatis, um pacto cujos contratantes reciprocamente a 
submeter-se a um terceiro não contratante. Com a contaminação provavelmente 
inconsciente dos dois contratos que fundamentam o Estado segundo a doutrina 
 
21
 LEBRUN, Gérard, op. cit., p. 44. Lebrun diz ainda que “o Soberano e o único cimento do corpo político 
porque os homens nunca foram animais racionais, se por isso entendemos animais que se inclinam perante a 
razão pura. A ‘razão’ é sempre a razão do mais forte (mesmo os diálogos de Platão, onde a razão está do 
lado de quem é mais forte.. no campeonato dialético) E é por isso que a essência do Estado é ser ele 
soberano”, (idem, p. 42). 
 12 
tradicional. Hobbes fez do único pacto de união um contrato de sociedade em 
relação aos súditos e um contrato de submissão em relação ao conteúdo”23. 
 
O pacto, no modelo hobbesiano, gera uma Soberania que possui algumas 
características importantes. Ela é irrevogável e absoluta. A Soberania é 
irrevogável, pois ela é estipulada entre os indivíduos no estado de natureza com o 
soberano e não entre indivíduos enquanto povo. A Soberania tem um caráter 
absoluto por consistir numa concessão de poder que cada um tem no estado de 
natureza a um terceiro, que fica situado acima das partes contratantes. Nesse 
aspecto, Hobbes se contrapõem às teorias que limitam o poder. Lebrun comenta a 
importância desse caráter absoluto do pacto, não pelo fato de que seja 
imprescindível, mas por que todos sentem a sua necessidade. Ele diz: “Seria 
então o Leviatã a porta de frente de toda política moderna? Se assim fosse, o 
poder político não se reduziria mais a uma força repressiva permanente: esta seria 
também e, sobretudo, a condição sine qua non para haver sociedade. O 
importante não seria a força nela mesma, mas o fato de todos sentirem a sua 
necessidade”24. 
 
A teoria política de Hobbes, portanto, tenta explicar a paz e com isso 
justificar o Estado moderno. Em Maquiavel não havia uma teoria do Estado, mas 
as condições para o príncipe conquistar e manter o poder político. Seria, então, 
uma teoria da construção do Estado moderno. Em Hobbes, este Estado já estava 
construído e cabia a ele explicá-lo. Tanto Hobbes quanto Maquiavel, então, 
partem do pressuposto de que a natureza humana é apolítica e má. O Estado 
artificial irá suprir as deficiências da natureza. Há aqui, em Hobbes, como foi visto 
 
22
 HOBBES, Thomas, op. cit., p. 103. 
23
 BOBBIO,Norberto, op. cit., p. 42. Ele completa: “Não diversamente da soberania segundo a concepção 
tradicional, esse poder compreende o supremo poder econômico (ou dominium) e o supremo poder coercitivo 
(ou imperium). O poder político é a soma dos dois poderes”, (ibidem). 
24
 LEBRUN, Gérard, op. cit., p. 53. Bobbio diz que “quando defende a irrevogabilidade do poder soberano, 
Hobbes se contrapõe à teoria do mandato (que será retomada, entre outros, por Locke). Assim, afirmando que 
o poder soberano é absoluto, no sentido próprio de kegibus solutus, ele se contrapõe às teorias – que são 
várias e usam diferentes argumentos – que afirmam esse ou aquele limite ao poder do Estado. Essas teorias, 
predominantes na Inglaterra, antes e depois de Hobbes, deram origem à corrente do pensamento político do 
‘constitucionalismo’”, BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 46. 
 13 
por comentadores em Maquiavel, uma raiz do liberalismo? É o que pretendemos 
discutir a seguir. 
 
II – 2 Hobbes e a Modernidade 
 
Procuramos mostrar acima que Hobbes tem uma reflexão abstrata sobre o 
Estado. Sua teoria, como a de Maquiavel, provoca várias reações de seus 
comentadores. Não há dúvidas de que ele constitui ruptura com o feudalismo e 
com a Antigüidade – embora haja quem veja nisso apenas maqueamentos de uma 
ruptura –, além de ele perceber as transformações que estavam acontecendo e 
que ainda nos afetam. Bobbio chega a dizer que ele é um conservador, com o que 
Lebrun não concorda25. Existem, portanto, outras questões sobre feudalismo e 
relação de Hobbes com a modernidade que vão além de seu rompimento com o 
feudalismo e com a tradição aristotélica. 
 
O contexto ideológico básico daquele período era, relembrando a 
reconstituição de Manent, o seguinte: “o mundo não religioso, profano, leigo, tinha 
que se organizar numa forma que não fosse nem a cidade nem o império, numa 
forma menos ‘particular’ do que a cidade e menos ‘universal’ do que o império, ou 
cuja universalidade fosse diferente da universalidade do império. Sabemos que 
essa forma política viria a ser a monarquia ‘absoluta’ ou ‘nacional’26. Essa 
afirmação de que o absolutismo seria uma solução para novas situações que a 
própria modernidade desencadeia uma questão que apresentamos na introdução 
deste trabalho onde Hobbes foi apresentado como o ideólogo da ESG. Bobbio 
rebate essa interpretação dizendo que “o pressuposto filosófico do Estado 
totalitário é a ‘totalidade ética’ de Hegel, não a ‘persona civilis’ de Hobbes. Para 
Hobbes, antes do Estado, não há um povo, e menos ainda um Wolksgeneinschaft, 
mas somente uma multidão. Fundado num pacto recíproco entre indivíduos 
 
25
 Bobbio diz que: “julga ser difícil encontrar um pensador político que revele mais do que Hobbes os traços 
essenciais do espírito conservador: realismo político, pessimismo antropológico, concepção anticonflitualista e 
não igualitária da sociedade” (BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 62). Lebrun, ao contrário, mostra que “o 
Soberano tem a tarefa de zelar pela ‘vida boa e cômoda’ dos súditos e pela sua segurança... E nesse sentido 
a mensagem de Hobbes não é, absolutamente, ‘conservadora’”, LEBRUN, op. cit., p. 35. 
 14 
isolados, o Estado hobbesiano é muito mais semelhante a uma associação do que 
a uma comunidade. Também Hobbes, como Hegel, chama o Estado de ‘Deus 
Mortal’ (Lev., 112); mas a diferença é que o Deus de Hegel é panteísta, enquanto 
o de Hobbes é teísta”27. 
 
Lebrun, referindo-se a esta questão, não aceita explicações mecanicistas e 
diz que “a esse respeito, podemos apenas referir-nos às análises, prudentíssimas, 
de Perry Anderson. Embora empregue conceitos marxistas, Anderson não nos 
permite afirmar sem mais que o absolutismo é produto da ascensão do 
capitalismo. Melhor será dizermos que esta ascensão do capitalismo foi, 
geralmente, favorecida pela consolidação do absolutismo”28. Quem afirma o 
contrário, como alguns marxistas, terá o ônus da prova. Lebrun está também se 
contrapondo contra outra interpretação de Hobbes que o vêem como teórico da 
burguesia. Macpherson, um de seus representantes, comenta em sua Teoria 
Política do Individualismo Possessivo que: “a necessidade de um poder soberano 
numa sociedade de mercado possessivo, e em especial, numa emergente, é 
,portanto, de toda evidência. E foi evidente para Hobbes. De fato, ele sustentava 
que para essas finalidades, o poder soberano era necessário em qualquer 
sociedade. Chegou a essa conclusão porque havia colocado em seu modelo de 
sociedade, e como tais, as relações essenciais da sociedade de mercado 
possessivo. Se ele errou ao exagerar o fôlego de sua generalização, estava 
também adiante de qualquer pensador político seu contemporâneo quanto à 
profundidade de seu discernimento”29. 
 
26
 MANENT, Pierre, op. cit., p. 18 
27
 BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 59–60. 
28
 LEBRUN, Gérard, op. cit., p. 31. Ele diz que essa fama negligencia duas coisas. Primeiro, “que o Soberano 
tem a tarefa de zelar pela ‘vida boa e cômoda’ dos súditos”; segundo, “que se o Soberano pode limitar à sua 
discrição as minhas liberdades, nem por isso ela será o mero exercício de uma força regressiva. Não 
esqueçamos que, sem essa força – cujos efeitos tantas vezes podem ser-me desagradáveis – não haveria 
unificação nem ‘povo’ rigorosamente falando”, (idem, p. 35). 
29
 MACPHERSON, C. B. A Teoria Política do Individualismo Possessivo: de Hobbes a Locke, Paz e Terra, Rio 
de Janeiro, 1979, (Trad. Nelson Dantas), (Col. Pensamento Crítico; v. 22), p. 105-106. Ele explica com mais 
informação: “o homem racional que, em tal sociedade, possui propriedades substanciais ou que tem 
esperanças de adquiri-las e conservá-la, é capaz de reconhecer deveres para com tal soberano. Está 
acostumado a contratos de longo prazo, vê a razão de ser da norma que diz que os contratos têm de ser 
cumpridos. Dirige seus negócios pelo cálculo racional de vantagens a logo prazo; faz o que seu cálculo 
racional ordena. É exatamente o tipo de homem que pode ver o lucro líquido do tipo de ordem contratual que 
o poder soberano pode proporcionar”, (idem, p. 106). Bobbio diz: “Apesar da persistência e da revivescência 
 15 
Macpherson, então, considera que Hobbes, como teórico da burguesia 
emergente, foi longe demais na efetivação da Soberania e não foi capaz de 
adivinhar que a solidariedade de classe burguesa permitiria economizar um 
Soberano que perpetuasse a si próprio. Nesse ponto, Locke teria sido mais lúcido 
em limitar seu poder absoluto. Hobbes, portanto, não consegue oferecer garantias 
para a propriedade contra a interferência de um soberano absoluto. Lebrun traz 
então um argumento em favor de Hobbes e diz que Locke é que pode ser 
considerado como a serviço dos burgueses: “Sem dúvida, Locke utiliza o 
maquinário político inventado por Hobbes, mas o faz para orientá-lo no sentido de 
uma restrição da dominação política – e é isto, exatamente, que trai o espírito de 
Hobbes. Em outras palavras, se Locke conserva o esquema de Soberania, ele 
limita ao máximo o modo de seu funcionamento – e é então, mas só então, que o 
poder é exposto, com toda a clareza, como nada mais que um fiel instrumento a 
serviço dos proprietários”30. Locke, deste modo, seria o verdadeiro ideólogo da 
burguesia. O interesse do Soberano, em Hobbes, é também o interesse do 
Estado. As pessoas, quando não perceberem que estão seguros no Estado 
teorizado por Hobbes, o contrato fundante desta sociedade está definitivamente 
rompido. 
 
Manent coloca ainda uma proposição polêmica, que é considerar Hobbes 
como o fundador do liberalismo por ter elaborado a interpretação liberalda lei. 
Esta seria definida como um “puro artifício humano, rigorosamente externado a 
cada um, ela não transforma e não conforma os átomos individuais cuja 
coexistência pacífica se restringe a garantir”32. Bobbio, ao contrário, enfatiza no 
liberalismo as liberdades individuais e não a interpretação da lei, e nisso ele 
discorda de que Hobbes tenha sido o seu precursor. Ele diz que “Hobbes foi um 
conservador, não um totalitário. Mas também não foi – como há algum tempo se 
 
(sobretudo através de Macpherson) da imagem de Hobbes ideólogo da burguesia nascente, Hobbes foi 
conservador, porque, entre outras coisas, não se sentiu de modo algum ligado, nem sentimental nem 
ideologicamente, à classe em ascensão” (BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 61). 
30
 LEBRUN, Gérard, op. cit., p 61. Lebrun reforça a necessidade das provas: “pois é fato que a dominação 
‘burguesa’ não criou o poder codificado pela Soberania: ela o reutilizou, o mais das vezes restringindo-o. Nada 
permite afirmar, sem uma demonstração, que existe coincidência entre o poder político criado pela 
modernidade e a dominação de classe da burguesia”, (idem, p. 64). 
 16 
tem sustentado, em relação à imagem do filósofo maldito (a começar por Leo 
Strauss, passando por Michael Oakeshott e chegando a Mario Cattaneo) – um 
escritor liberal ou um precursor de idéias liberais. Hobbes admite em casos 
extremos (a ameaça à própria vida) o direito de resistência; valoriza o princípio da 
legalidade na administração da justiça; quer que o direito seja certo; prefere um 
governo com poucas leis (claras e simples) a um governo que as tenha confusas e 
em excesso; considera útil ao bem-estar de uma nação uma liberdade econômica 
moderada; pensa que é dever do soberano conceder aos cidadãos uma liberdade 
inócua. Mas o ideal pela qual luta não é a liberdade e sim a autoridade”. 
 
Essa relação do Hobbes é também problemática para Gérard Lebrun. Ele 
diz que sim, existe uma relação com o liberalismo “até percebermos (por exemplo, 
no capítulo 21 do Leviatã) que as leis civis têm menos o papel de reprimir que o de 
apagar quase completamente esta liberdade natural, ‘a única que pode ser 
propriamente chamada de liberdade”. Nada, portanto, anunciava em Hobbes ‘as 
garantias concedidas pelas constituições aos gozos privados’ de que falará, no 
século XIX, Benjamin Constant, apóstolo do liberalismo”33. Para Lebrun, portanto, 
o Estado liberal é um contrafação do modelo de Hobbes. Ao colocar uma pergunta 
desafiadora – “Que ‘grau de força’ deve-se deixar ao Soberano, seja ele quem for? 
– ao Soberano, o liberalismo introduziu duas recusas à teoria hobbesiana do 
Estado: à doutrina voluntarista da soberania e ao dilema entre soberania absoluta 
ou anarquia. O liberalismo, ao contrário, tem o preconceito de que o mando 
político é uma tarefa subalterna, e também “tem a preocupação de defender o 
‘indivíduo’ (burguês) contra o poder e os seus possíveis abusos... A liberdade 
reivindicada pelo liberal não é a outra liberdade do Cidadão rousseaunista, 
mediatizada pelo Estado; é a preservação da minha esfera privada contra as 
ingerências do poder. Não forma radical: quem tem o direito de exigir obediência 
tem todos os direitos e os que não têm esse direito não tem nenhum, ou melhor, 
tem apenas os direitos concedidos pelo primeiro. Onde havia gradação, 
 
32
 MANENT, Pierre, op. cit., p. 54. 
33
 LEBRUN, Gérard, op. cit., pp. 70-71. 
 17 
comparativo e superlativo, passa a haver exclusão, polaridade entre uma 
afirmação absoluta e uma negação absoluta. 
 
Lebrun, mais realista com o homem artificial elaborado por Hobbes comenta 
que “Hobbes instaura um modelo de dominação política que é condição sine qua 
non para o funcionamento de toda sociedade moderna. Se me perguntarem qual é 
a amostra política que melhor corresponde, hoje, ao modelo hobbesiano, eu me 
animaria a responder: uma ditadura militar ‘esclarecida’, instaurada com o intuito 
de realizar reformas estruturais sócio-econômicas”35. 
 
Foi Hobbes, então, o ideólogo da Escola Superior de Guerra. Oliveiros 
mostra, contudo que não só Hobbes, mas uma gama de matrizes influenciou sua 
noção de Poder Nacional. Ele comenta, assim, que “seria útil propor à ESG que no 
seu ‘Manual’ substituísse comunismo por liberalismo; luta de classes por 
soberania popular – ao fim do trabalho, o Corpo Permanente da Escola chegaria a 
conclusões às que levaram à formação da Santa Aliança. Idênticas contradições e 
incoerências existem – acentuadas – no capítulo dedicado ao Poder Nacional. 
Nele se encontram sobrevivências maquiavélicas – ‘em suma, o poder é’ – 
associadas à linguagem weberiana – ‘torna-se o Estado detentor monopolítico dos 
meios de coerção física –, que se pretende conciliar com os conceitos de 
Morgenthau e outros sobre o que seja o Poder Nacional”36. Será que os governos 
militares pós-64 podem ser enquadrados numa “ditadura militar ‘esclarecida’, 
instaurada com o intuito de realizar estruturas sócio econômicas”, de que no fala 
Lebrun para caracterizar a amostra política que melhor corresponde ao modelo 
hobbesiano de Estado? 
 
 
 
 
35
 LEBRUN, Gérard, op. cit., p. 60. 
36
 FERREIRA, Oliveiros S., op. cit., p. 286. Oliveiros havia dito que “muitos dos críticos da Escola Superior de 
Guerra censuram-na por haver elaborado sua doutrina à luz da ‘guerra fria’, o que os elementos dela 
integrantes refletirem até hoje a postura anticomunista dos militares brasileiros. Não nego a postura 
 18 
Bibliografia Citada 
 
BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes, Campus, Rio de Janeiro, 1991 (trad. 
Carlos Nelson Coutinho). 
CHASIN, J., O Integralismo de Plínio Salgado, Livraria ed. Ciências 
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FERREIRA, Oliveiros S., “A Escola Superior de Guerra no Quadro do 
Pensamento Político Brasileiro”, in CIPPA, Adolpho (Org.), As Idéias Políticas no 
Brasil, Convívio, São Paulo, 1979, Volume 2. 
GREENLEAF, W. H., “Hobbes: o problema da interpretação”, in QUIRINO, 
Célia G. & SOUZA, Maria Tereza Sadek (Org.), O Pensamento Político Clássico: 
Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, São Paulo, T. A. Queiroz, 
1980. 
HILL, C. Change and Contituity in seventeenth-century England, Havard 
University Press, Cambridge, 1975. 
____. “Uma Revolução Burguesa?”, in Revista Brasileira de História, n. 7, 
1984. 
HOBBES, Thomaz, Leviatã Matéria, Forma e Poder de um Estado 
Eclesiástico e Civil, (Tr. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva), 3a. 
ed., Abril. São Paulo, 1983. 
LEBRUN, Gérard. O que é Política, Brasiliense, São Paulo, 1983, 5a. ed., 
(Col. Primeiros Passos, n. 24). 
MACPHERSON, C. B., A Teoria Política do Individualismo Possessivo: de 
Hobbes a Locke, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1979, (Trad. Nelson Dantas), (Col. 
Pensamento Crítico; v. 22) 
____. “Introduction”, in HOBBES, Thomas, Leviathan, Penguin Classics. 
MANENT, Pierre, História Intelectual do Liberalismo: Dez Lições, Imago 
Editora, Rio de Janeiro, 1990, Trad. Vera Ribeiro, (Coleção Tempo e Saber). 
MONTEIRO, João Paulo, “Democracia Hobbesiana e Autoritarismo 
Rousseauniano”, Departamento de Filosofia, Universidade de São Paulo. 
 
anticomunista; do que duvido é tenha o clima pós-5 sido a principal de inspiração doutrinária da Escola” (idem,19 
PAIM, Antônio, (Posfácio), “Oliveira Vianna e o Pensamento Autoritário no 
Brasil”, in VIANNA, Oliveira, Instituições Políticas Brasileiras, Itatiaia (Belo 
Horizonte) – Editora Universidade de São Paulo – EDUFF (Editora da 
Universidade Federal Fluminense), Niterói, RJ, (Coleção Reconquista do Brasil – 
106). 
 
 
 
. 276).

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