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H. P. Lovecraft O Que Vem Com a Lua

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www.sitelovecraft.cjb.net de3103@yahoo.com.br 
 
“O que vem com a lua” – H.P. Lovecraft 
 
Fonte: “A Maldição de Sarnath”. Ed. Iluminuras. 
Adquira o livro completo em http://www.iluminuras.com.br 
 
 
deio a lua, tenho medo dela, pois quando ela brilha sobre certas cenas familiares e amadas, às 
vezes as torna inusitadas e hediondas. 
 Foi no verão espectral, quando a lua brilhava sobre o velho jardim onde eu passeava; o verão 
espectral de flores narcóticas e úmidos mares de folhagem provocando sonhos multicores e 
selvagens. E enquanto caminhava margeando a rasa corrente cristalina, vi estranhas ondulações com 
as cristas amareladas de luz, como se aquelas plácidas águas fossem arrastadas em correntes 
irresistíveis para estranhos oceanos fora do mundo. Silenciosas e faiscantes, brilhantes e malignas, 
aquelas águas amaldiçoadas pela lua corriam não sei para onde, enquanto nas margens verdejantes, 
brancas flores de lotos esvoaçavam uma a uma levadas pelo narcótico vento noturno, e caíam 
invariavelmente na corrente, girando vertiginosamente para longe, por baixo da ponte arqueada, 
entalhada, e olhando para trás com a sinistra resignação das impassíveis faces mortas. 
O 
 Enquanto corria ao longo da margem esmagando flores adormecidas com pés descuidados e 
enlouquecido pelo medo de coisas desconhecidas e a sedução das faces mortas, vi que o jardim não 
tinha fim sob aquele luar, pis onde havia muros durante o dia, agora se estendiam apenas novas 
paisagens de árvores e caminhos, flores e arbustos, ídolos de pedra e pagodes, e as dobras da 
corrente amarelada cruzando ribanceiras gramadas e passando por baixo de grotescas pontes de 
mármore. E os lábios das faces-lotos mortas murmuravam tristemente e convidavam-me a 
prosseguir, e não cessaram meus passos até que a corrente virasse um rio desaguando, através de 
pântanos de juncos ondulantes e praias de areias cintilantes, na costa de um vasto e inominado 
oceano. 
 Brilhava sobre aquele mar a hedionda lua, e de suas ondas mudas emanavam misteriosos 
perfumes. E, enquanto olhava as face-lotos ali desaparecerem, ansiava por redes que me 
permitissem capturá-las e aprender com elas os segredos que a lua trouxera para a noite. Mas 
quando a lua desceu para o oeste e a maré calma refluiu da praia sombria, eu vi, sob aquela luz, 
antigas flechas quase descobertas pelas ondas e colunas brancas adornadas com festões de algas 
verdes. E sabendo que para este lugar submerso vieram todos os mortos, estremeci e não quis mais 
falar com as faces-lotos. 
 No entanto, quando enxerguei no horizonte marinho o negro condor descer do céu para 
pousar num vasto recife, de bom grado eu o teria interrogado e perguntado por aqueles que eu 
conhecera quando estavam vivos. Isto eu lhe teria perguntado se não tivesse tão longe, mas ele 
estava muito longe e não podia ser absolutamente percebido ao se aproximar daquele gigantesco 
recife. 
 Observei então a maré vazar sob aquela lua poente, e vi, cintilando, as flechas, as torres e os 
telhados daquela cidade morta gotejante. E enquanto olhava, minhas narinas tentaram se fechar para 
o mau cheiro dos mortos do mundo que afogava os perfumes; pois, realmente acumulara-se nesse 
lugar deslocado e esquecido toda a carne dos cemitérios para os túrgidos vermes marinhos roerem e 
se fartarem. 
 Sobre tais horrores pairava agora a maligna lua muito baixa no céu, mas os túrgidos vermes 
marinhos não precisavam da lua para se alimentar. E enquanto eu olhava as ondulações que diziam 
da convulsão dos vermes sob sua superfície, senti um novo arrepio vindo de longe, do lugar para 
onde o condor voara, como se minha carne tivesse captado um horror antes de meus olhos o verem. 
 Não se arrepiara sem motivo minha pele, pois ao erguer os olhos, vi que as águas haviam 
recuado para muito longe, deixando a descoberto boa parte do vasto recife cuja borda já havia 
enxergado. E, quando percebi que o recife era apenas a negra coroa de basalto de um fabuloso ídolo 
cuja monstruosa testa agora se expunha sob o tênue clarão do luar, e cujas ignóbeis patas deviam 
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www.sitelovecraft.cjb.net de3103@yahoo.com.br 
escavar o lodo infernal muitas milhas abaixo, gritei e gritei, temendo que a face oculta se erguesse 
acima das águas e temendo que os olhos ocultos me fitassem depois da ocultação daquela vigilante 
e traiçoeira lua amarela. 
 E para escapar dessa coisa implacável, mergulhei contente e sem hesitação nas águas rasas 
malcheirosas onde, entre paredes arruinadas e ruas submersas, gordos vermes marinhos se regalam 
com os mortos do mundo. 
 
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