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Século das Luzes o ideal liberal de educação

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Século das Luzes: o ideal liberal de educação1 
 
A pedagogia liberal e laica 
 
(...) considerai primeiramente que, querendo formar um homem 
da natureza, nem por isso se trata de fazer dele um selvagem, 
de jogá-Io no fundo da floresta; mas que, entregue ao turbilhão 
social, basta que não se deixe arrastar pelas paixões nem pelas 
opiniões dos homens; que veja com seus olhos, que sinta com 
seu coração; que nenhuma autoridade o governe a não ser sua 
própria razão. 
 
Rousseau 
 
 
Contexto histórico 
 
1. As revoluções burguesas 
 
Grandes transformações abalam a Europa no século XVIII. A burguesia ocupara, até então, 
posição secundária na estrutura da sociedade aristocrática, cujos privilegiados são a nobreza e o 
clero. Os nobres, sustentados por pensões governamentais, levam vida parasitária na corte, com 
isenção de impostos e o benefício de serem julgados por leis próprias. 
A burguesia enriquecida pelos resultados da Revolução Comercial se encontra, no entanto, 
onerada com a carga de impostos e, embora tendo ascendido economicamente pela aliança com 
a realeza absolutista, se ressente do mercantilismo, cada vez mais bloqueador da sua iniciativa. 
Em 1750, a entrada da máquina a vapor nas fábricas marca o início da Revolução 
Industrial, que altera definitivamente o panorama socioeconômico com a mecanização da 
indústria. Torna-se inevitável que a burguesia, já detentora do poder econômico e sentindo-se 
espoliada pela nobreza, reivindique para si o poder político. 
No século XVIII explodem as revoluções burguesas. Em 1688, na Inglaterra, a Revolução 
Gloriosa destrona os Stuarts absolutistas. As idéias liberais de Locke se espalham pela Europa e 
também pelo Novo Mundo, onde começam os movimentos de emancipação, alguns bem-
sucedidos, como a Independência dos EUA (1776), outros, violentamente reprimidos, como as 
Conjurações Mineira (1789) e Baiana (1798) no Brasil. 
O grande acontecimento europeu é a Revolução Francesa (1789), que depõe os Bourbons 
e defende os princípios de "igualdade, liberdade e fraternidade". Contra os privilégios hereditários 
da nobreza, os burgueses propõem a igualdade de direitos e oportunidades. 
 
 
2. As idéias iluministas 
 
O século XVIII é conhecido como o Século das Luzes, do Iluminismo e da Ilustração ou 
Aufklärung. Luzes significam, aí, o poder da razão humana de interpretar e reorganizar o mundo. 
O otimismo com respeito à razão vinha sendo anunciado desde o Renascimento, quando o 
homem novo procurava valorizar os próprios poderes contra o teocentrismo medieval e o princípio 
da autoridade. No século XVII o racionalismo e a revolução científica acentuam essa tendência, de 
modo que no Século das Luzes o homem já é confiante, artífice do futuro e não mais se contenta 
 
1
 Aranha, Maria Lucia de Arruda, História da Educação. São Paulo: Moderna, 1996, pp. 119-130. 
 
 
em contemplar a harmonia da natureza, mas quer conhecê-Ia para dominá-Ia. 
É, portanto, uma natureza dessacralizada, ou seja, desvinculada da religião, que reaparece 
em todos os campos de discussão no século XVIII. 
• Na economia, o liberalismo representa as aspirações da burguesia desejosa de gerenciar 
seus negócios, sem a intervenção do Estado mercantilista. Segundo os teóricos François Quesnay 
(1694-1774) e depois Adam Smith (1723-1790), a distribuição de riquezas segue leis "naturais". A 
expressão "Laissez faire, laissez passer, le monde va de lui même" (Deixe fazer, deixe passar, o 
mundo caminha por si mesmo) configura o pensamento liberal não-intervencionista. 
• Na política, as idéias liberais se opõem ao absolutismo. São elaboradas as teorias 
contratualistas, segundo as quais a legitimidade do poder resulta do pacto entre indivíduos, como 
vimos no capítulo anterior a propósito do pensamento de Locke. No século XVIII, Rousseau 
retoma a discussão do contrato social numa perspectiva mais democrática. Mesmo na Prússia, 
Áustria e Rússia, países em que persiste o absolutismo, este é chamado de despotismo 
esclarecido, porque os reis se fazem cercar por pensadores e adotam o discurso dos filósofos 
iluministas, procurando criar a imagem de racionalidade e tolerância, o que dissimula o caráter 
absoluto do poder. 
• Na moral também se buscam formas laicas, que permitam a naturalização do 
comportamento humano. No livro Emílio, Rousseau propõe uma pedagogia baseada no retomo à 
natureza, à espontaneidade do sentimento, a fim de evitar os preconceitos que corrompem a vida 
moral. Ao mesmo tempo, Diderot e Helvetius recuperam a importância das paixões como 
vivificadoras do mundo moral. 
• Na religião, o deísmo é uma espécie de "religião natural" em que não haveria lugar para os 
dogmas e fanatismos. Os filósofos deístas não aceitam a revelação divina nem rituais do culto, já 
que Deus é apenas o Primeiro Motor, o Criador do Universo, o Supremo Relojoeiro. 
• Na França, o Iluminismo se expande com a publicação do trabalho de seus filósofos, sobre-
tudo a Enciclopédia, cujos verbetes são confiados a diversos autores, como Voltaire, D' Alembert, 
Diderot, Helvetius e, apesar das divergências, também Rousseau. Outro iluminista francês de 
destaque foi Montesquieu. 
Na Inglaterra, os principais representantes são Newton e Reid, herdeiros de Locke e Hume. 
Na, Alemanha, o movimento é conhecido como Aufkliirung e dele participam Wolff, Lessing, 
Baumgarten. Foi Kant, no entanto, o filósofo por excelência desse período, e sua obra sistemática 
marcará a filosofia posterior. 
 
Pedagogia 
 
1. Introdução 
 
O Iluminismo é um período muito rico em reflexões pedagógicas. Um de seus aspectos 
marcantes está na pedagogia política, centrada no esforço para tomar a escola leiga e função do 
Estado, posição defendida por La Chalotais no Ensaio de educação nacional. Como veremos, 
também é esse o empenho de Condorcet e Lepelletier, autores de projetos apresentados à 
assembléia legislativa francesa. 
Agruparemos as contribuições predominantemente teóricas da pedagogia da Ilustração em 
três tendências fundamentais: os enciclopedistas, o naturalismo de Rousseau e a pedagogia 
idealista de Kant. Embora Pestalozzi (1746-1827) pertença em parte a esse período, preferimos 
mencioná-lo no capítulo seguinte, por representar melhor as características do século XIX. 
 
2. A pedagogia intelectualista 
 
No espírito do iluminismo, os filósofos franceses Diderot, D' Alembert, Voltaire, Rousseau e 
Helvetius não são propriamente educadores, mas encaram o ensino como veículo importante das 
luzes da razão e no combate às superstições e ao obscurantismo religioso2. 
Alguns deles possuem um viés aristocrático, isto é, acreditam na capacidade de bem usar a 
razão como atributo de uma elite intelectual. Voltaire diz em uma carta ao rei da Prússia: “Vossa 
majestade prestará um serviço imortal à humanidade se conseguir destruir essa infame supersti-
ção [a religião cristã], não digo na canalha, indigna de ser esclarecida e para a qual todos os jugos 
são bons, mas na gente de peso”3. É esse também o espírito que anima a citação do jurisconsulto 
italiano Filangieri, transcrita no dropes 2. 
Talvez tais posições possam ser compreendidas como expressão do ideal liberal, mas 
voltado para os interesses da alta burguesia, temerosa de que a educação das massas 
provocasse o desequilíbrio na ordem que então se estabelece. 
Ao contrário, Diderot, mesmo como um dos mais ativos organizadores da Enciclopédia, de-
fende posição mais democrática. Escrevendo à imperatriz Catarina da Rússia, aconselha a 
universalização da instrução: "É bom que todos saibam ler, escrever e contar, desde o primeiro-
ministro ao mais humilde dos camponeses (...) Porque é mais difícil explorar um camponês que 
sabe ler do que um analfabeto"4. 
 
3. O naturalismo rousseauniano 
 
O filósofo Jean-JacquesRousseau (17121778), natural de Genebra, na Suíça, abandonou 
sua terra natal aos 16 anos. Levou uma vida conturbada, andando por diversos lugares, ora por 
espírito de aventura, ora devido a perseguições religiosas. Em Paris, onde passa a residir, convive 
com os enciclopedistas, tornando-se muito amigo de Diderot. Diverge dos outros em muitos 
pontos e tem inúmeras desavenças com Voltaire, que não lhe poupa severas críticas. 
Dentre suas obras destacam-se: Discurso sobre a origem da desigualdade entre os 
homens, Do contrato social, ambos sobre política, e Emílio ou Da educação (1762). 
Rousseau ocupa lugar de destaque na filosofia política - suas obras antecipam o ideário da 
Revolução Francesa -, além de ser grande teórico da educação, não apenas do século XVIII, já 
que seu pensamento constitui um marco na pedagogia contemporânea. 
Costuma-se dizer que Rousseau provocou uma revolução copernicana na pedagogia: 
assim como Copérnico inverteu o modelo astronômico, retirando a Terra do centro, Rousseau 
centraliza os interesses pedagógicos no aluno, não mais no professor. Mais que isso, ressalta a 
especificidade da criança, que não deve ser encarada como um adulto em miniatura. 
Até então, os fins da educação se encontravam na formação do homem para Deus ou para 
a vida em sociedade, mas Rousseau quer que o homem integral seja educado para si mesmo: 
"Viver é o que eu desejo ensinar-lhe. Quando sair das minhas mãos, ele não será magistrado, 
soldado ou sacerdote, ele será, antes de tudo, um homem". 
 
A concepção política de Rousseau 
 
O pensamento pedagógico de Rousseau não se separa de sua concepção política. Como 
Locke, critica o absolutismo e elabora os fundamentos da doutrina liberal. Para ele, o homem em 
estado de natureza é bom, mas se corrompe na sociedade, que destrói sua liberdade: "O homem 
nasce livre e por toda parte encontra-se a ferros". Considera então a possibilidade de um contrato 
social verdadeiro e legítimo, que reúna o povo numa só vontade, resultante do consentimento de 
todas as pessoas. 
A concepção política de Rousseau é mais democrática que a de Locke, por conta da noção 
 
2
 Para ampliação do assunto, ler de Maria das Graças S. do Nascimento, Voltaire; a razão militante. São Paulo, Moderna, 1993, Cal. Lagos. 
3
 Apud Aníbal Ponce, Educação e luta de classes. p. 133. 
4
 Apud Aníbal Ponce, Educação e luta de classes. p. 133. 
de soberania. Para Rousseau, o cidadão não escolhe representantes a quem delegar o poder - 
como defende Locke e a tradição liberal - porque para ele só o povo é soberano. Em outras 
palavras, o pacto que institui o governo não submete o povo a ele, isto é, os depositários do poder 
não são senhores do povo, mas seus oficiais, e apenas executam as leis que emanam do povo. 
Nesse sentido, Rousseau critica o regime representativo e defende a democracia direta, pois toda 
lei não ratificada pelo povo é nula. 
Portanto o soberano é o povo incorporado, o corpo coletivo que exprime, na lei, a vontade 
geral. Segundo a teoria de Rousseau, a vontade geral não se confunde com a vontade da maioria, 
como o senso comum poderia pensar, porque as decisões não resultam da somatória das 
vontades individuais, mas expressam o interesse comum, isto é, o interesse de todos, como 
participantes da comunidade. 
O cidadão, homem ativo e soberano, capaz de autonomia e liberdade, é ao mesmo tempo 
um súdito, porque submisso à lei que ele próprio ajudou a erigir. Liberdade e obediência são pólos 
que devem se completar na vida do homem em sociedade. 
 
Rousseau pedagogo 
 
O Emílio relata de forma romanceada a educação de um jovem, acompanhado por um pre-
ceptor ideal e afastado da sociedade corruptora. O projeto de uma "educação conforme a nature-
za", entretanto, não significa retomar à vida selvagem ou primitiva, e sim buscar a verdadeira 
natureza, que corresponde à vocação humana. 
Vejamos então os possíveis sentidos do conceito de natureza, a fim de entender o que 
significa a pedagogia naturalista. 
Ao fazer a crítica do regime feudal e dos costumes da aristocracia, Rousseau preconiza 
uma educação afastada do artificialismo das convenções sociais. Da mesma forma que, na esfera 
política, o cidadão elabora as leis da sociedade democrática, também a educação busca a 
espontaneidade original, livre da escravidão aos hábitos exteriores, a fim de que o homem seja 
dono de si mesmo, agindo por interesses naturais e não por constrangimento exterior e artificial. 
Outro sentido dado por Rousseau à educação natural está na recusa ao intelectualismo, 
que leva fatalmente ao ensino formal e livresco. Ou seja, o homem não se reduz à dimensão 
intelectual, como se a natureza pudesse ser apenas razão e reflexão, porque antes da "idade da 
razão" (15 anos) já existe uma "razão sensitiva". Portanto os sentidos, as emoções, os instintos e 
os sentimentos são anteriores ao pensar elaborado, e essas disposições primitivas são mais 
dignas de confiança do que os hábitos de pensamento inculcados pela sociedade. 
Existe ainda mais um sentido para a educação natural. Rousseau, como amante da 
natureza, quer retomar o contato com animais, plantas e fenômenos físicos dos quais o homem 
urbano freqüentemente se distancia: "As coisas! as coisas! Nunca repetirei bastante que damos 
muito poder às palavras". Dessa forma, valoriza a experiência, a educação ativa voltada para a 
vida, para a ação, cujo principal motor é a curiosidade. 
 
A educação negativa 
 
Desconfiado da sociedade constituída, Rousseau teme a educação que põe a criança em 
contato com os vícios e a hipocrisia: "Se o homem é bom por natureza, segue-se que permanece 
assim enquanto nada de estranho o altere. (...) A educação primeira deve portanto ser puramente 
negativa. Ela consiste, não em ensinar a virtude ou a verdade, mas em preservar o coração do 
vício e o espírito do erro. (...) Sem preconceitos, sem hábitos, nada teria ele em si que pudesse 
contrariar o resultado de vossos cuidados. Logo ele se tornaria, em vossas mãos, o mais sensato 
dos homens; e começando por nada fazer, teríeis feito um prodígio de educação"5. 
 
5
 Emílio, p. 80. 
Rousseau não dá muito valor ao conhecimento transmitido e quer que a criança aprenda a 
pensar, não como um processo que vem de fora para dentro, ao contrário, como desenvolvimento 
interno e natural. 
 
O preceptor: a dialética da liberdade e obediência 
 
É delicada a função do professor na pedagogia rousseauniana. Se não deve impor o saber 
dos homens à criança, tampouco pode deixa-Ia no puro espontaneísmo. Afinal, para se tornar 
adulto, ela aprende a lidar com os próprios desejos e a conhecer os limites para ser dona de si. 
Semelhante ao processo de formação da cidadania, em que o homem se submete à vontade 
geral, também a criança descobrirá por si mesma as leis das coisas e das relações inter-pessoais. 
Por exemplo, se Emílio quebra a vidraça, deixam-no dormir sob o vento. Se a quebra de 
novo, é colocado em um quarto sem janelas: "Dizei-lhe secamente, mas sem raiva: as janelas são 
minhas; aí foram colocadas por meus cuidados; quero garanti-las"6. Enquanto sucumbe ao 
impulso, é escravo do seu desejo e, quando aprende que existem leis, sozinho as descobre: a 
liberdade é, pois, a obediência à lei por ele mesmo aceita. Assim, Emílio vê-se diante dos atos e 
de suas conseqüências. 
Aprendendo a controlar-se no mundo físico e nas relações com as pessoas, aos 15 anos 
começa para o jovem a educação moral propriamente dita. De posse da verdadeira razão, só 
então ele poderá observar os homens e suas paixões e também iniciar a instrução religiosa, 
porque falar precocemente de Deus com a criança apenas lhe ensina a idolatria. Rousseau 
defende a religião natural, como a do deísmo iluminista, e por issofoi ameaçado de prisão, 
precisando sair de Paris para se refugiar na Suíça. 
 
Críticas a Rousseau 
 
Não resta dúvida quanto ao caráter inovador das idéias de Rousseau, porém muitos não 
lhe poupam críticas ou algumas reservas, pelo menos. Uma delas é a acusação de propor uma 
educação elitista, já que Emílio é acompanhado por um preceptor, procedimento próprio dos ricos. 
Outra refere-se ao separar o aluno da sociedade: estaria defendendo uma educação individualista. 
Mesmo admitindo a procedência dessas críticas, não convém esquecer que Rousseau 
recorre à abstração metodológica de uma relação ideal - semelhante à do contrato social - a fim 
de formular a teoria pedagógica. Ou seja, perguntar como seria possível a educação natural de 
Emílio em uma sociedade corrompida significa tratar do mesmo problema da política: Como é 
possível estabelecer a vontade geral em uma sociedade que ainda não é democrática? 
Além disso, o fim do ensino não é educar o solitário Emílio, mas inseri-lo na sociedade. 
Compreende-se o artifício de Rousseau porque, sendo liberal, concebe a sociedade como uma 
justaposição de indivíduos, e uma crítica ao individualismo só aparecerá mais tarde, com as 
teorias socialistas. 
Ainda que fundadas as críticas ao caráter a - histórico desta hipótese, ao otimismo 
exagerado da ação da natureza e ao reduzido papel do preceptor, lembramos que Rousseau se 
opõe à educação do seu tempo, extremamente autoritária, interessada em adaptar e adestrar a 
criança e apoiando-se na concepção de uma natureza humana má. 
Por fim, outra crítica pode ser feita à posição de Rousseau para com a mulher, que deve 
ser educada para servir aos homens, segundo ele. Embora fosse a concepção corrente no seu 
tempo, alguns teóricos, como Comênio e Condorcet, já teciam considerações sobre a maior 
participação da mulher na sociedade. 
 
 
 
6
 Emílio, p. 88. 
4. Kant e a pedagogia idealista 
 
O alemão Immanuel Kant (1724-1804) construiu um dos mais importantes sistemas filosófi-
cos no século XVIII, de marcante influência na história do pensamento. 
A obra Sobre pedagogia resultou de anotações das aulas ministradas em alguns períodos 
na universidade de Königsberg. Mas a importância que Kant atribui à educação encontra-se fun-
damentada nas obras mais clássicas, a Crítica da razão pura, na qual desenvolve a crítica do co-
nhecimento, e a Crítica da razão prática, que faz a análise da moralidade. 
No livro em que trata do conhecimento, Kant retoma o debate - mencionado no capítulo an-
terior - entre os racionalistas (representados por Descartes) e os empiristas (Bacon e Locke). Ao 
examinar a insuficiência das duas posições, elabora uma teoria que investiga o valor dos nossos 
conhecimentos a partir da crítica das possibilidades e limites da razão. 
Condena os empiristas, segundo os quais tudo o que conhecemos vem dos sentidos, e não 
concorda com os racionalistas, para os quais tudo o que pensamos vem de nós. Para Kant, "o 
nosso conhecimento experimental é um composto do que recebemos por impressões e do que a 
nossa própria faculdade de conhecer de si mesma tira por ocasião de tais impressões". Ou seja, o 
conhecimento humano é a síntese dos conteúdos particulares dados pela experiência e da 
estrutura universal da razão (a mesma para todos os homens). 
 
A consciência moral 
 
Para Kant, no entanto, a razão não é capaz de conhecer as realidades que não se 
oferecem à nossa experiência sensível, como Deus, a imortalidade da alma, a liberdade e a 
infinitude do universo. Ou seja, as questões metafísicas não são acessíveis ao conhecimento. 
O filósofo supera o impasse mostrando que, além do ato de conhecimento, o homem é 
capaz de outra atividade espiritual, a consciência moral, por meio da qual rege a vida prática 
conforme certos princípios. Estes princípios são racionais, mas estabelecidos não pela razão 
especulativa (voltada para o conhecimento científico), e sim pela razão prática, que orienta a ação 
humana, a vida prática e moral. 
Analisando os princípios da consciência moral, Kant conclui que só o homem é moral, por 
ser capaz de atos de vontade. E a vontade é verdadeiramente moral se regida por imperativos 
categóricos, isto é, por imposição incondicionada, absoluta, como acontece quando a ação 
realizada visa ao dever pelo dever, e não ao dever em troca de um benefício. Assim, não tem o 
mesmo valor moral dizer: "se você quer ser feliz, ajude ao próximo", ou "não mate, senão você 
será preso", porque são exemplos de imperativos hipotéticos, nos quais o agir é condicionado a 
uma vantagem desejada ou a uma punição a ser evitada. 
Agir moralmente é, portanto, agir pelo dever. Além disso, a ação tem uma validade objetiva 
e universal, que se estende para todo ser racional, daí a afirmação de Kant: "Age de modo que a 
máxima da tua ação possa sempre valer ao mesmo tempo como princípio universal de conduta". 
Decorre desse raciocínio que o homem não realiza espontaneamente a lei moral, mas a 
moralidade resulta da luta interior entre a lei universal e as inclinações individuais. Assim, a 
verdadeira ação moral, como resultado de um ato de vontade, tem por fundamento a autonomia e 
a liberdade. 
A ação moral é autônoma porque o homem é o único ser capaz de se determinar segundo 
leis que a própria razão estabelece (e não conforme leis dadas externamente, como na 
heteronornia). Para que seja possível a vida moral autônoma, porém, é preciso partir do 
pressuposto da liberdade da vontade. 
 
Educação e liberdade 
 
A moral formal, constituída a partir do postulado da liberdade e baseada na autonomia, 
exige a aprendizagem do controle do desejo pela disciplina, a fim de que o homem atinja seu 
próprio governo e seja capaz de autodeterminação. 
Por aqui percebemos o elo entre os pressupostos da filosofia kantiana e sua concepção 
pedagógica. Cabe à educação, ao desenvolver a faculdade da razão, formar o caráter moral: "O 
homem só pode tornar-se homem pela educação, e ele é tão somente o que a educação fez dele". 
É ela que lhe permite atingir seu objetivo individual e social. 
À semelhança de Rousseau e Basedow, dos quais sofreu influência, Kant destaca os 
aspectos morais sobre os intelectuais na formação dos jovens: "Mandamos, em primeiro lugar, as 
crianças à escola, não na intenção de que nela aprendam alguma coisa, mas a fim de que se 
habituem a observar pontualmente o que se lhes ordene". O que não significa adestrar a criança à 
obediência passiva, mas ensina-Ia a agir com planos e submeter-se a uma disciplina. Kant quer 
atingir a obediência voluntária, capaz de reconhecer que as exigências são razoáveis e superiores 
aos caprichos momentâneos. 
Dessa forma, mesmo quando existe, a coerção tem por finalidade propiciar a liberdade do 
sujeito moral. Em última análise, cabe a cada um proceder a sua própria formação. Ao unir educa-
ção e liberdade, Kant redefine a relação pedagógica, reforçando a atividade do aluno, que deve 
aprender a "pensar por si mesmo". 
O mesmo princípio da conduta moral vale para o saber, que também deve ser um ato de li-
berdade. Nenhuma verdade vem de fora (não é transmitida, nem deve ser imposta), mas é 
construída pelo sujeito. 
Coerente com o conceito de autonomia do pensar e do agir, Kant destaca a liberdade de 
credo e valoriza a tolerância religiosa. Embora tenha sido educado sob severa disciplina pietista7, 
preocupa-se - à semelhança de Rousseau - com os riscos das superstições inculcadas desde 
cedo nas crianças. O homem moralmente livre é um fim em si mesmo, e não meio para coisa 
alguma, nem para ninguém, nem mesmo para Deus. Com essas afirmações, Kant mostra-se mais 
uma vez representante do Iluminismo, ao buscar os fundamentos de uma educação leiga, própria 
do pensamento burguês. 
Os princípios kantianos serão reexaminados noséculo XX por diversos autores na área da 
moral e da educação, como Piaget, Kohlberg ou ainda Habermas. Seguem rumos e teorias dife-
rentes, mas utilizam largamente os fecundos parâmetros do filósofo alemão. 
 
Educação 
 
 
1. Críticas à Companhia de Jesus 
 
No século XVIII ainda continua a influência dos jesuítas, com os colégios espalhados pelo 
mundo, embora as críticas se tornassem mais fortes. Denunciava-se o dogmatismo da escolástica 
decadente, mas as questões econômicas e políticas se sobrepõem aos limites estritamente 
pedagógicos, nos debates apaixonados. Os jesuítas são expulsos de diversos países, até que o 
papa Clemente XIV extingue a Companhia de Jesus em 1773. 
Com esse acontecimento, o sistema escolar sofre uma desestabilização porque os jesuítas 
possuíam muitas escolas, além de terem sido capazes de, por longo tempo, formar professores e 
disciplinar alunos. 
 
2. Tendência liberal e laica 
 
No contexto histórico do Iluminismo, não fazia mais sentido atrelar a educação à religião, 
como nas escolas confessionais, nem aos interesses de uma classe, como queria a aristocracia. A 
 
7
 Partidário do pietismo, movimento religioso originário da igreja luterana e conhecido pelo rigor dos costumes e fé extremada. 
escola deveria ser leiga (não-religiosa) e livre (independente de privilégios de classe). 
Esses pressupostos sugerem algumas idéias, nem sempre postas em prática, como: 
• educação ao encargo do Estado; 
• obrigatoriedade e gratuidade do ensino elementar; 
• nacionalismo, isto é, recusa do universalismo jesuítico; 
• ênfase nas línguas vernáculas, em detrimento do latim; 
• orientação prática, voltada para as ciências, técnicas e ofícios, não mais privilegiando o 
estudo exclusivamente humanístico. 
Em consonância com as aspirações iluministas, o marquês de Condorcet, eleito deputado 
da assembléia legislativa francesa após a Revolução, defende os ideais da educação popular. Em 
1792, redige o Plano de Instrução Pública (conhecido como Rapport), que estende a todos os 
cidadãos a instrução pública e gratuita e o saber técnico necessário à profissionalização. O plano 
não é aprovado, mas inspira outros projetos. Em 1793, a pedido de Robespierre, Lepelletier 
apresenta como projeto um Plano Nacional de Educação, dando realce ao sistema de educação 
nacional como mola mestra do novo regime político e social. 
As idéias de educação universal reaparecerão com mais força no século XIX. 
 
3. Dificuldades do ensino 
 
Apesar do ideal liberal da educação, é crítica a situação do ensino na Europa. Além das 
queixas ao conteúdo, excessivamente literário e pouco científico, as escolas são insuficientes e os 
mestres sem qualificação adequada. Mal pagos, geralmente são muito novos ou permanecem 
nessa profissão enquanto não arrumam outra melhor. Com formação deficiente, não conseguem 
disciplinar as classes, nem ensinar grande coisa, e ainda abusam da prática de castigos corporais. 
As escolas elementares quase inexistem, as de grau médio são antiquadas e servem às 
classes privilegiadas. Enredadas no sistema medieval de corporações, as universidades perma-
necem escolásticas e ultrapassadas, alheias ao movimento iluminista. Restam as academias, em 
que os futuros dirigentes estudam matérias mais úteis, como arte militar, fortificações, balística, e 
prática de esgrima e equitação, esportes nobres. 
Apesar dos projetos de estender a educação a todos os cidadãos, prevalece a diferença de 
ensino, ou seja, uma escola para o povo e outra para a burguesia. Essa dualidade era aceita com 
grande tranqüilidade, sem o temor de ferir o preceito de igualdade, tão caro aos ideais 
revolucionários. Afinal, para a doutrina liberal, o talento e a capacidade não são iguais, e portanto 
os homens não são também iguais em riqueza... 
No período napoleônico (início do século XIX), são abandonadas muitas das tendências li-
berais da Revolução Francesa. O Estado se interessa pelo ensino médio porque vê com descon-
fiança a iniciativa do ensino particular, cujos programas revi vem o formalismo dos antigos colé-
gios jesuítas. Descuidam-se, porém da instrução primária gratuita e popular, que aos poucos é re-
tomada pelo clero. 
 
4. As reformas pedagógicas na Alemanha 
 
A situação mostra-se um pouco diferente nos estados da Alemanha, sobretudo na Prússia, 
onde o governo reconhece a necessidade do investimento em educação. Inicialmente Frederico I 
e em seguida Frederico II, o Déspota Esclarecido, têm a clara intenção de alcançar os fins 
políticos do engrandecimento do Estado pela educação. 
A rede de escolas elementares, agora obrigatórias, é ampliada com a atenção voltada para 
o método e o conteúdo do ensino. O Estado assume o controle da educação, nomeia inspetores e 
institui um exame no final do curso secundário para o acesso à universidade. 
Além das escolas populares elementares e das tradicionais, é criada ainda a Realschule, 
uma escola técnica e científica. Aí se ensinam matemáticas, mecânica, ciências naturais e 
trabalhos manuais. Cabe, portanto à Alemanha o mérito de iniciar o processo de oposição ao 
ensino tradicional de humanidades. 
Ainda na Alemanha, Basedow (1723-1790), admirador de Rousseau, começa o importante 
movimento pedagógico conhecido como filantropismo8. Em Dessau, funda o instituto 
Filantropinum, no qual muitas idéias iluministas são postas em prática. Para Basedow, a educação 
tem por fim dar condições para o homem ser feliz, por isso a aprendizagem deve ser prática e 
agradável, estimulando a atividade racional e a intuição, mais do que a memória, com igual 
interesse pela educação física. 
Embora não tenha permanecido muito tempo na direção da escola, Basedow inspirou a 
fundação de colégios semelhantes em outros locais, o que ajuda a tomar o ensino alemão menos 
antiquado. 
 
5. Conclusão 
 
Até aqui, temos observado como as mudanças nas relações entre os homens sugerem 
transformações da educação, em vista das diferentes metas a serem alcançadas. 
Desde o Renascimento o homem luta contra a visão de mundo feudal, aristocrática e 
religiosa, à qual se opõe a perspectiva burguesa, liberal e leiga. O movimento é feito de am-
bigüidades e contradições, e muitas vezes a educação ministrada desmente as aspirações teóri-
cas. Apesar disso, algumas idéias acabam por ser incorporadas, alimentando sonhos de 
mudança. 
O Século das Luzes expressa no pensamento controvertido de Rousseau anseios que 
animarão as reflexões pedagógicas no período subseqüente. Atacando o ideal de pessoa "bem-
educada", de cortesão ou de gentil-homem, Rousseau propõe o desenvolvimento livre e 
espontâneo, respeitando a existência concreta da criança. "Deste modo, a pedagogia de 
Rousseau foi a primeira tentativa radical e apaixonada de oposição fundamental à pedagogia da 
essência e de criação de perspectivas para uma pedagogia da existência", é o que afirma 
Suchodolski9. 
Veremos como as idéias de Rousseau influenciam as mais diferentes correntes, sobretudo 
as tendências não-diretivas, no século XX. 
O pensamento de Kant também se insere no movimento de crítica à educação dogmática, 
aberto pela Ilustração. Embora não conceba as normas e os modelos conforme a própria exis-
tência concreta e variável (do homem empírico), nem por isso admite o modelo tradicional de 
ideal, que se imporia exteriormente ao homem. Para ele são as leis inflexíveis e universais da 
razão pura e da razão prática que constroem o conhecimento e a lei moral, o que significa a 
valorização definitiva do sujeito (universal, não individual) como ser autônomo e livre, para o qual, 
tanto o conhecimento como a conduta são obras suas. 
 
 
 
 
 
8
 Filantropia significa amor à humanidade (philos, "amigo"; anthropos, "homem"). 
9A pedagogia e as grandes correntes filosóficas, p. 40.

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