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Direito Civil 2 – Obrigações – AULA 05 1.2 Paradigmas do novo Código Civil no Direito das Obrigações. 1 Perspectiva Constitucional do Direito das Obrigações A Constituição é o epicentro do Direito Privado, reunificando-o em torno de seus valores. Com isso, esse ramo perde o seu caráter de tutela exclusiva do indivíduo para socializar-se. Encontrava-se, anteriormente, arraigada a ideia de que as relações entre particulares eram estabelecidas e tuteladas apenas pelo Código Civil, norma maior a disciplinar as relações entre os indivíduos, resguardando-os contra a ingerência do Poder Público, sem influxo da norma constitucional. Direito Público e Direito Privado eram considerados como áreas estanques, impermeáveis, admitindo-se a interferência do Estado nas relações privadas apenas para manter a coexistência pacífica entre as esferas individuais, privilegiando a circulação de riquezas e a autonomia da vontade. O valor fundamental é o indivíduo. A autonomia privada – o dogma da autonomia da vontade segundo os clássicos – era um espaço isolado no qual o burguês poderia exercer tão desejada liberdade contratual e amealhar patrimônio através da ampla faculdade de estipular contratos e adquirir a propriedade, sem que ordenamento jurídico (leia-se: sociedade) pudesse interferir no exercício de atividade econômica do cidadão. Apoiado nas teorias econômicas de Adam Smith, o indivíduo egoísta considerava que a realização de sua felicidade e de seu bem individual acabaria por propiciar ao tão desejado bem comum. O Estado minimalista fechava os olhos perante a autonomia privada, eis que o próprio mercado trataria de se auto-regular e provir sucesso coletivo (mão invisível). Esse panorama começa a se modificar no final do séc. XIX, quando as demandas sociais e a incipiente industrialização tornam inevitável a intervenção do Estado na economia, através da promulgação de leis extravagantes. Isso desloca os Códigos Civis do centro do sistema, perdendo a disciplina codificada o seu caráter exclusivo de regulação das relações patrimoniais privadas. As disparidades sociais provenientes deste período acabaram demonstrando a necessidade de atuação estatal que, além de coibir abusos, fosse capaz de reduzir as distâncias reais entre cidadãos que somente encontravam igualdade no papel (igualdade formal x igualdade material). Constituições democráticas permeadas por valores sociais surgem com o Pós-Guerra. Abrem-se novos paradigmas na ordem constitucional, deixando os princípios constitucionais de serem meros princípios políticos, cujo destinatário seria apenas o legislador constitucional, e passam a ser entendidos como necessariamente presentes em todo o ordenamento, normas cogentes a nortear a solução de conflitos entre particulares e destes perante o Estado. A Constituição deixa de ser do Estado e passa a ser do cidadão, agora capacitado a exigir de seu semelhante, inclusive mediante a provocação do Judiciário, respeito às regras e princípios constitucionais, cuja normatividade passa a ser conhecida – o reconhecimento da força normativa dos princípios é um dos fatos mais marcantes do pós-positivismo, ajudando a consolidar o Estado Social de Direito na medida em que promove a identificação do Direito com aspectos de ética e moralidade, questões relegadas a segundo plano durante o primado do patrimonialismo exacerbado, cuja importância maior era o desenvolvimento econômico e a supremacia do crédito. Delineia-se novo quadro, inspirado por novos valores. As grandes figuras do direito privado são revisitadas, entranhadas por princípios constitucionais que determinam que a dignidade da pessoa humana deve ser respeitada, que a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais deve ser buscada sempre, que o desenvolvimento econômico tem por finalidade última assegurar a todos existência digna. Essa alteração de paradigmas reclama conciliação entre dois grandes universos, até então apartados: a autonomia privada e os direitos fundamentais. O Estado Liberal entendia dos direitos fundamentais como limites à interferência estatal nas relações privadas. As cartas políticas deveriam restringir e organizar os poderes estatais e zelar pela mais ampla garantia à esfera de liberdade do cidadão burguês. O Estado Democrático de Direito centrado na especial dignidade da pessoa humana proclama a despatrimonialização e a personalização do direito privado. A autonomia da vontade passa a ser considerada como derivação do princípio da dignidade da pessoa humana. O ser humano é o protagonista do ordenamento jurídico e será ativamente tutelado pelos direitos fundamentais. Cada pessoa atuará em uma perspectiva solidarista, transitando em sua esfera de autonomia, mas sem desprezar uma ordem de cooperação com a coletividade. A seu turno, a sociedade agirá de forma a propiciar proteção e amparo a cada ser humano. Diante do caráter normativo dos princípios dispostos na Constituição, que contêm valores ético-jurídicos fornecidos pela democracia, o direito civil deixa de ter como fundamento axiológico os valores individualistas codificados. A autonomia privada repercute ativamente no modelo jurídico de obrigações. Modificam-se, portanto, os paradigmas: não mais se privilegia o patrimônio ou o crédito, mas a pessoa. A dignidade da pessoa humana é a diretriz hermenêutica, devendo o intérprete harmonizar os princípios em tensão e definir uma ordem de proporcionalidade na qual a garantia do crédito seja limitada pela proteção dos direitos de personalidade do devedor. Esse limite, segundo Luiz Edson Fachin é o patrimônio mínimo, como piso essencial, um mínimo de bens que assegure a cada pessoa a sua condição existencial. Aquém desse limite, o ser humano será instrumentalizado e alijado de sua humanidade. Uma releitura do art. 391 do Código Civil à luz da hermenêutica constitucional demanda a seguinte conclusão: pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor que não alcancem o seu patrimônio mínimo. 1.1 Princípios das Obrigações segundo o paradigma constitucional Antes dessa nova concepção, no direito contratual – e obrigacional – três princípios serviam como diretriz do direito contratual-obrigacional que giravam em torno da autonomia da vontade e tinha a seguinte formulação: a) P. da autonomia da vontade: as partes podem convencionar o que bem entenderem, dentro dos limites da lei – princípio da liberdade contratual lato sensu; b) P. do pacta sunt servanda: o contrato faz a lei entre as partes; c) P. da relatividade dos contratos: o contrato vincula somente as partes, não prejudicando nem beneficiando a terceiros. Para além das obrigações de dar, fazer e não fazer – moldadas pela autonomia privada – o sistema civil-constitucional concebeu a existência de deveres anexos, acrescidos pela via do princípio da boa-fé objetiva. Atualmente há novos princípios que regem qualquer obrigação assumida contratualmente: a) Socialidade: nos dois últimos séculos, os juristas compreendiam que a soma de todos os bens individuais consagraria o bem comum da sociedade. Entretanto, após a 2ª Guerra Mundial, o direito subjetivo foi concebido como correspondente a uma função social. O ordenamento jurídico concede a alguém direito subjetivo para que satisfaça interesse próprio, mas com a condição de que a satisfação individual não lese as expectativas coletivas que lhe rodeiam. Os direitos subjetivos passam a ser limitados pela sociedade. A socialidade ou função social do direito subjetivo obrigacional consiste exatamente na manutenção de uma relação de cooperação entre seus partícipes – bem como entre eles e a sociedade – a fim de que seja possível, ao seu término, a consecução do bem comum – fim – da relação jurídica que é o adimplemento.b) Eticidade: O termo ética pode ser entendido como a ciência do fim para o qual a conduta dos homens deve ser orientada. Hoje percebemos que o valor de justiça deve permear qualquer ordenamento jurídico. No Direito, o ideal para o qual uma sociedade orientará seus fins e ações serão justamente na afirmação livre e racional do valor de justiça. No Direito das Obrigações, o princípio da eticidade será concretizado principalmente nas cláusulas gerais da boa-fé, função social, abuso de direito, eqüidade e bons costumes. c) Operabilidade: o Código Civil de 1916 seguia uma ideologia marcadamente individualista, na qual a vontade humana poderia atuar com total liberdade. Para que a liberdade econômica fosse plena, a legislação apreciava cada integrante de uma relação jurídica como um abstrato sujeito de direitos patrimoniais. Em suma: negava-se a especificidade e a concretude de cada pessoa, de cada ser humano, prestigiando-se apenas o status formal de cada integrante da relação jurídica. O desenvolvimento da personalidade era, até então, fruto da expansão do patrimônio, e não do respeito e estímulo à essência e dimensão inerentes a cada um. O objetivo atual do ordenamento jurídico é alcançar a pessoa como destinatária direta da norma, verificando-se a ética da situação. As desigualdades materiais e o contexto real da pessoa serão decisivos para que cada um tenha o que é seu. O Código Civil deseja afastar toda forma de conceituação estéril que não revele efetividade. No Direito das Obrigações há um manancial de normas reveladoras da transformação do partícipe de uma relação obrigacional em pessoa real. Estávamos acostumados a perceber a relação obrigacional por sua feição externa, ou seja, uma relação entre credor e devedor, consubstanciada numa prestação. Cabe verificarmos a feição interna da relação, percebendo que cada vínculo obrigacional guarda influxos distintos de boa-fé e dos deveres de conduta, merecendo um exame de sua concretude. d) Boa-Fé Objetiva: atua como o instrumento por excelência do enquadramento constitucional do direito obrigacional, na medida em que a consideração pelos interesses que a parte contrária espera obter de uma dada relação contratual não é mais do que o respeito à dignidade da pessoa humana em atuação no âmbito obrigacional. Assim, a boa-fé objetiva permite que o dever de solidariedade social imposto constitucionalmente possa determinar o cumprimento das obrigações assumidas pelos contratantes. Boa-fé subjetiva: um estado psicológico do sujeito caracterizado pela ausência de malícia, pela sua crença ou suposição pessoal de estar agindo em conformidade com o direito. A boa-fé subjetiva, conforme Judith Martins Costa, denota, primariamente, a idéia de ignorância, de crença errônea, ainda eu escusável, acerca da existência de uma situação regular, crença que repousam no próprio estado (subjetivo) da ignorância, seja numa errônea aparência de certo ato. Era nesse sentido que o Código Civil de 1916 empregava o termo boa-fé, referindo-se, por exemplo, ao possuidor de boa-fé como aquele que tem posse de um bem sem consciência de que há um vício ou obstáculo que lhe impede a aquisição do domínio sobre a coisa. Tomada nesse sentido, a existência da boa-fé é questão inteiramente subjetiva, vinculada ao estado anímico do agente. Boa-fé objetiva: é examinada externamente, vale dizer, a aferição dirige-se à correção da conduta do indivíduo, pouco importando sua convicção. Não devemos observar se a pessoa agiu de boa-fé, porém de acordo com a boa-fé. Ou seja: há de avaliar-se qualquer comportamento em conformidade com padrões sociais vigentes, pouco importando o sentimento que animou o agente. Portanto, a boa-fé objetiva é fonte de obrigações, impondo comportamento aos contratantes, segundo regras de correção, na conformidade do agir do homem naquele meio social. Trata-se de concepção ética de boa-fé, entendendo-se por ética a ciência do fim para o qual a conduta do homem será orientada. A relação obrigacional é dada pela vontade e integrada em todos os seus momentos pela boa-fé, como modelo de conduta intersubjetiva leal e honesta, que exige das partes uma forma de agir na qual cada parceiro visualize no outro um igual titular de direitos fundamentais. Assim, é capaz de retirar da relação obrigacional toda e qualquer forma de conduta ilegítima e excessiva que seja capaz de sacrificar os direitos fundamentais. A noção de boa-fé prevista pelo código civil de 2002 pretendeu incorporar os mesmos objetivos do CDC, ou seja, a de uma cláusula geral de lealdade e colaboração para o alcance dos fins contratuais. O Código Civil não estabeleceu parâmetros de conduta que auxiliassem na determinação do conteúdo da cláusula geral de boa-fé. Tal tarefa foi deixada à discricionariedade do julgador, a quem caberá analisar a situação concreta, o comportamento usual dos agentes naquele campo específico, a honestidade e a lealdade que se espera das partes em relações semelhantes, e outros tantos fatores. A doutrina brasileira atribui à boa-fé uma tríplice função: a) função interpretativa dos contratos b) função restritiva do exercício abusivo de direitos contratuais c) função criadora de deveres anexos ou acessórios à prestação principal, como o dever de informação e o dever de lealdade. Esses deveres se aplicam Às relações contratuais independentemente de previsão contratual, mas seu conteúdo se vincula e se limita à função sócio- econômica do negócio celebrado. O que o ordenamento jurídico visa com o princípio da boa-fé objetiva é assegurar que as partes colaborarão mutuamente para a consecução dos fins perseguidos no contrato. Ou seja, é princípio que exige lealdade e honestidade, impondo deveres de colaboração condicionados e limitados pela função social e econômica do negócio celebrado. e) Equilíbrio Econômico do Contrato: impede que as prestações contratuais expressem um desequilíbrio real e injustificável entre as vantagens obtidas por um e por outro contratante, ou, entre outras palavras, a vedação que se desconsidere o sinalagma contratual em seu perfil funcional, sendo expressão do princípio da igualdade substancial, consagrado no art. 3º, III da CF/88. É o exemplo da possibilidade da resolução contratual por onerosidade excessiva, previsto no art. 478 do Código Civil e o art. 480 que visa equiparar as prestações justamente para evitar esse desequilíbrio: Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. (...) Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
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