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11. Culpabilidade

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CULPABILIDADE 
____________________________ 
 
11.1 CONCEITO 
11.1.1 Noções básicas e algumas notas históricas 
Culpa, no sentido amplo, é o mesmo que culpabilidade. Não basta que o sujeito 
tenha violado o preceito, causando, ainda, a lesão ou expondo o bem jurídico a perigo. 
É preciso que esse fato tenha sido cometido culpavelmente. 
A história do Direito Penal revela, entretanto, que nem sempre foi assim, pois 
nos primórdios, e por muito tempo, para que se caracterizasse um crime, e, de 
conseqüência, se pudesse aplicar a pena, era suficiente que entre o comportamento do 
homem e o resultado houvesse apenas um nexo de causalidade. 
Tendo havido um resultado, e verificando-se que era conseqüência de um 
comportamento humano, então o homem cometera o crime e devia ser punido. Não se 
conhecia qualquer ligação entre o agente e o fato em si, além, é claro, da causalidade 
física. 
Esse era o Direito Penal do resultado, da responsabilidade objetiva, que 
predominava entre os povos bárbaros, como os germanos, e no Direito Romano 
primitivo. 
“Mas bem cedo, com o burilar do espírito humano, o legislador percebeu 
que era errado colocar, no mesmo plano, o dano ocasionado pelo raio ou pelo 
animal e o produzido pela ação do homem. Enquanto os dois primeiros devem 
ser considerados inevitáveis, o último, pelo contrário, é evitável porque o 
homem pode prever as conseqüências do seu atuar e abster-se assim de agir 
em face delas.”1 
Já no Direito Romano clássico desenvolve-se a idéia de culpabilidade, que vai 
 
 
1 BETTIOL, Giuseppe. Direito penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. v. 2, p. 3. 
 
2 – Direito Penal – Ney Moura Teles 
 
ser mantida e enriquecida no Direito Canônico. 
A evitabilidade dos fatos humanos é a idéia básica central sobre a qual vai ser 
construída a noção de culpabilidade. Só o homem, porque conhece as leis da natureza e 
porque é livre para agir, pode prever as conseqüências dos atos que praticar, e, prevendo-
as, pode desejar que elas se realizem ou querer que não aconteçam, evitando-as. 
Da mesma idéia de evitabilidade nasce o conceito de previsibilidade, que é a 
possibilidade de ser antevisto um resultado lesivo, uma conseqüência do 
comportamento humano. 
E, com base nessas duas noções básicas, constrói-se outro conceito 
fundamental, o de voluntariedade, a vontade que o homem tem de alcançar 
determinado objetivo. 
Tem início a elaboração do conceito de culpabilidade, que só existiria se o 
resultado fosse evitável, se houvesse previsibilidade, se o homem pudesse prevê-lo. 
Prevendo-o, poderia ter evitado, e tendo vontade de que ele acontecesse, era, 
por isso, culpado. Era o dolo. 
Não prevendo o que deveria ter previsto, o homem terá agido indevidamente, não 
evitando o errado porque não agiu como deveria ter agido. Deveria ter previsto o 
previsível, evitado o evitável. Era, por isso, culpado. Eis a culpa, em sentido estrito. 
Essas observações acerca do comportamento interno do sujeito constituem a 
subjetividade que se passou a exigir para a aplicação da pena criminal. Surgiu um novo 
Direito Penal, o da responsabilidade subjetiva, o Direito Penal da culpabilidade. 
FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO ensina: 
“Não se pode apontar com exatidão o momento histórico em que tal 
fenômeno ocorreu, mesmo porque a história do Direito Penal está marcada de 
retrocessos. Fora de dúvida, porém, é que, a partir de então, se começa a 
construir a noção de culpabilidade, com a introdução, na idéia de crime, de 
alguns elementos psíquicos, ou anímicos – a previsibilidade e a voluntariedade 
– como condição da aplicação da pena criminal – nullum crimen sine culpa.”2 
 
11.1.2 Teoria psicológica da culpabilidade 
Para a teoria psicológica, culpabilidade é a ligação psíquica entre o agente e o fato, 
 
 
2 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 219. 
 
Culpabilidade - 3 
 
sendo suas espécies o dolo e a culpa, em sentido estrito. Essa teoria constrói a noção de 
culpabilidade com base nas duas idéias-básicas primitivamente construídas: a 
previsibilidade e a voluntariedade. 
Se houver previsibilidade e voluntariedade, haverá dolo. Se o agente previu o 
resultado e desejou alcançá-lo, agiu dolosamente. Sendo o fato previsível e o sujeito, 
prevendo ou não, não desejou o resultado, agiu com culpa, em sentido estrito. 
Não se pode olvidar que essa é uma construção que surge no alvorecer do Direito 
Penal da culpabilidade, e que vai imperar por muitos séculos, contando, até hoje, com 
adeptos. 
Culpabilidade é, durante muitos anos, dolo ou culpa, em sentido estrito. Como se 
viu, no estudo da teoria finalista da ação, essa noção já está superada, mas não se deve 
esquecer que essa idéia representou um grande avanço para o Direito Penal. 
A estrutura do crime, adotada a teoria psicológica da culpabilidade, mostra a 
conduta entendida do ponto de vista meramente causal, naturalístico, como simples 
causa do resultado; a ilicitude tal qual se a entende modernamente; mas a 
culpabilidade como o nexo psíquico entre o fato e o agente: dolosa ou culposa. 
Já então se exigia, como pressuposto da culpabilidade, a capacidade penal, ou seja, 
a imputabilidade do agente. 
Contra a teoria psicológica levantam-se duas críticas bastante firmes. 
O dolo, sabe-se, é, numa palavra, querer. A culpa, em sentido estrito, é o não-
querer. Age dolosamente quem quer ou aceita o resultado. Age culposamente quem não 
quer o resultado, mas o causa, por negligência. Os conceitos de dolo e culpa são, 
portanto, antagônicos, já que o primeiro é positivo e o segundo negativo. A teoria 
psicológica, no entanto, afirma que dolo e culpa, stricto sensu, são espécies de 
culpabilidade. De conseqüência, duas noções opostas, antagônicas, seriam espécies de 
um mesmo denominador comum, o que é, no mínimo, incoerente, para não dizer, 
absurdo. 
Além disso, na culpa inconsciente, em que o sujeito, apesar da previsibilidade, não faz 
a previsão, nenhuma ligação psicológica existe entre o ele e o fato; todavia, a teoria psicológica 
afirma que a culpabilidade é um nexo psíquico entre o agente e o fato. 
Essa teoria, por essas razões, não podia ser aceita. 
 
4 – Direito Penal – Ney Moura Teles 
 
11.1.3 Teoria normativa ou teoria psicológico-normativa da 
 culpabilidade 
No início do século XX, o jurista alemão FRANK, estudando o caso do náufrago na 
tábua de salvação, que, para salvar-se, matava o companheiro, observou que ele era 
desculpado por estar em estado de necessidade, mas agia com dolo. Quando dirigia sua 
conduta para eliminar o outro, agia com vontade de alcançar o resultado. Todavia, o 
direito não lhe respondia com uma pena. Então, percebeu que a culpabilidade não 
podia ter como espécie o dolo, uma vez que, mesmo agindo com dolo, o náufrago não 
era culpado. 
Com base nessa constatação, verificou que o sujeito só podia ser considerado 
culpado e, de conseqüência, merecer a sanção penal quando seu comportamento tivesse 
sido reprovável, censurável, e isso só era possível quando tivesse possibilidade de 
conduzir-se de forma diferente. 
A conclusão foi a de que o elemento caracterizador da culpabilidade era um juízo 
de valor de reprovação que se fazia a respeito do fato praticado, dolosa ou 
culposamente, pelo agente. 
Quando se pudesse exigir do sujeito a realização de um comportamento de acordo 
com as exigências do Direito, poder-se-ia reprová-lo. Se, verificadas as circunstâncias 
em que ele se encontrava, fosse possível exigir dele um comportamento lícito, 
mereceriacensura, reprovação. Aí, sim, estaria presente a culpabilidade. FRANK 
introduziu, no conceito de culpabilidade, uma exigência de caráter normativo: a 
exigibilidade de conduta diversa. 
Culpabilidade, portanto, não era apenas um liame psicológico entre o agente e o 
fato, mas também a reprovabilidade do agente, pelo fato que ele realizou, com dolo ou 
com culpa, em sentido estrito. Essa reprovabilidade só poderia ser feita, quando se 
pudesse exigir do agente conduta diferente da realizada. 
O dolo e a culpa, em sentido estrito, não são espécies de culpabilidade, mas seus 
elementos. 
A teoria recebeu a denominação de psicológico-normativa ou normativa, uma vez 
que, mantendo o dolo e a culpa, em sentido estrito, não como espécies, mas como 
elementos da culpabilidade, acrescentou um novo, de caráter normativo, que é o juízo 
de valor de reprovação que se faz sobre a conduta do agente, pelo fato praticado, 
quando presente a exigibilidade de conduta diversa. 
Em síntese, para a teoria psicológico-normativa, a culpabilidade é a 
Culpabilidade - 5 
 
reprovabilidade da conduta do agente pelo fato, doloso ou culposo, por ele realizado. 
O pressuposto da culpabilidade é a imputabilidade, e seus elementos são: o dolo 
ou a culpa, em sentido estrito (elemento psicológico-normativo), e a exigibilidade de 
conduta diversa (elemento normativo). 
Presentes o pressuposto – imputabilidade – e os elementos da culpabilidade, o 
agente teria sobre seu comportamento o juízo de censura, de reprovação; por isso, seria 
culpado, devendo, de conseqüência, aperfeiçoado o crime, receber a sanção penal. 
 
11.1.4 Teoria normativa pura 
A teoria psicológico-normativa da culpabilidade apresentava algumas 
incongruências. 
Para ela, o dolo continha um elemento normativo: a consciência atual da ilicitude, 
como já dizia a teoria da vontade, dos clássicos. 
FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO aponta, a propósito, um problema crucial: 
“Consideremos dois tipos criminológicos bem conhecidos – o do criminoso 
habitual e o do criminoso por tendência. Tentemos aplicar-lhes o dolo 
normativo. É discutível que isso seja possível. Raciocinemos com um exemplo 
bem brasileiro: um delinqüente profissional do sertão, ou um delinqüente 
habitual das favelas do Rio, ou de São Paulo. Esse tipo criminológico, em geral 
menor desamparado, ou nascido de família desajustada, é criado e educado, 
desde a mais tenra infância, em um ambiente social agressivo, onde a 
criminalidade é a tônica. Para ele, o furto, o roubo, os crimes contra a pessoa, 
é o normal, é o certo. Não chegou a formar em seu espírito uma consciência 
ética, nem teve oportunidade para isso. Os seus padrões de conduta são 
modelados segundo as regras do crime. Não sabe distinguir o certo do errado, o 
reto do torto, o lícito do ilícito. Como exigir-se de um desses seres humanos às 
avessas que tenha a exata ‘consciência atual da ilicitude’, quando jamais soube o 
que é ilícito? Mas, se a consciência atual da ilicitude é elemento constitutivo do 
dolo, a conclusão é a de que um tal tipo criminológico, quando comete crime, 
age sem dolo.”3 
Já foi dito – quando do estudo acerca da conduta – que, para agir dolosamente, 
não é necessário que o sujeito tenha consciência atual de que age contra o direito, de 
 
 
3 Op. cit. p. 225. 
 
6 – Direito Penal – Ney Moura Teles 
 
que realiza um comportamento proibido. A exigir-se esse elemento normativo, então se 
chegaria à conclusão de que um ou outro daqueles delinqüentes mencionados por ASSIS 
TOLEDO, quando mata, ou furta, age sem dolo, posto que não tem consciência real da 
ilicitude. 
É de todo claro, o favelado, nascido em ambiente marginal, filho de delinqüente 
contumaz, de mãe alcoólatra, criado em ambiente agressivo, convivendo com a violência, 
que presencia diariamente, em seu lar e no vizinho, entre seus amigos, apreende, em seu 
dia-a-dia, valores exatamente opostos aos tutelados pelo direito. O dolo, portanto, deve 
ser natural, não contendo um elemento normativo. 
HANS WELZEL, quando formulou a teoria finalista da ação, como não poderia 
deixar de ser, apresentou nova concepção sobre a culpabilidade, fulminando a teoria 
psicológico-normativa e construindo uma nova estrutura do crime. 
Primeiramente, demonstrou que o dolo e a culpa, em sentido estrito, não são 
elementos da culpabilidade, porque se situam no interior dos tipos legais de crime, e, 
de conseqüência, integram a própria conduta e o fato típico. Todos os tipos ou são 
dolosos ou são culposos. Como verificado anteriormente, toda conduta humana é final, 
dirigida a determinada finalidade. 
Ao extrair a culpa, em sentido estrito, e o dolo, da culpabilidade, demonstrou, 
ainda, que o dolo não continha a consciência atual da ilicitude, pois é puramente 
psicológico. 
Dolo e culpa, stricto sensu, que se situavam no interior da culpabilidade, foram 
remetidos para o interior do fato típico, de onde, aliás, nunca saíram. Retirada do dolo, 
a “consciência atual da ilicitude” permaneceu no interior da culpabilidade, com 
substancial alteração. Demonstrou WELZEL que não se pode exigir do agente tenha 
atuado com consciência real, atual, mas apenas com a consciência potencial, a 
possibilidade de se conhecer a ilicitude. 
Esquematicamente: da culpabilidade psicológico-normativa foram extraídos o 
dolo e a culpa, em sentido estrito, remetidos para o fato típico. O dolo foi transportado 
sem o elemento normativo, “consciência real da ilicitude”, que permaneceu na 
culpabilidade alterado, assim: “consciência potencial da ilicitude”. 
De conseqüência, a culpabilidade, tendo como pressuposto a imputabilidade, ficou 
sendo a reprovabilidade da conduta do agente, com consciência potencial da ilicitude, 
que poderia ter agido conforme o Direito. Em síntese: seu pressuposto é a 
imputabilidade; seus elementos são: a potencial consciência da ilicitude e a 
exigibilidade de conduta diversa. 
Culpabilidade - 7 
 
Culpabilidade, para o finalismo, é um puro juízo de valor, normativo, de 
reprovação da conduta do agente imputável, com consciência potencial da ilicitude, que 
poderia, nas circunstâncias, ter agido de outro modo. 
Com essas idéias, HANS WELZEL destruiu a teoria psicológico-normativa, 
passando, então, a culpabilidade a ser concebida como um puro juízo de valor de 
caráter normativo; daí o nome da teoria normativa pura ou teoria da culpabilidade, que 
é o finalismo que esclarece este conceito. 
Culpável, portanto, é o fato praticado por um sujeito imputável que tinha, pelo 
menos, a possibilidade de saber que seu comportamento era proibido pelo 
ordenamento jurídico, e que, nas circunstâncias em que agiu, poderia ter agido de 
modo diferente, conforme o direito. Se o fato for culpável, ter-se-á aperfeiçoado o 
crime, e deverá ser, de conseqüência, uma pena. 
Assim evoluiu o conceito de culpabilidade ao longo dos anos. Até hoje, ainda 
aparecem discussões novas a respeito do conceito, que, todavia, não cabem no âmbito 
deste manual. 
Necessária, agora, para a compreensão, em profundidade, da culpabilidade, a análise, 
separada e detalhadamente, de seu pressuposto – a imputabilidade – e de seus elementos – a 
potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. 
 
11.2 IMPUTABILIDADE 
11.2.1 Conceito 
O homem é um ser inteligente e livre; por isso, é responsável pelo que faz. 
Inteligente, sabe o que é o bem e o que é o mal, sabe distinguir o certo do 
errado, o lícito do ilícito, o que deve e o que não deve fazer. 
Livre, pode escolher entre o torto e o direito, entre o justo e o injusto. 
Se sabia distinguir entre o permitido e o proibido, e se podia escolherentre uma 
e outra conduta, é responsável pelo comportamento proibido que realizou. 
Só se pode atribuir a um homem a responsabilidade por algo realizado, se ele 
for um ser inteligente e livre, se tiver condições pessoais que lhe assegurem a 
capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática do fato punível. 
Imputabilidade penal é a capacidade de ser culpável. 
Se um homem não for inteligente, ou, sendo, não for livre, se não souber 
distinguir entre o bem e o mal, ou sabendo, não tiver liberdade para escolher entre um 
8 – Direito Penal – Ney Moura Teles 
 
e outro, nenhuma responsabilidade lhe poderá ser atribuída. Será ele incapaz de ser 
culpado. 
O Código Penal não diz o que é imputabilidade, dizendo, ao contrário, o que é 
inimputabilidade, nos arts. 26, 27 e 28, § 1º. Assim, para saber se o agente do fato 
típico e ilícito era imputável, é necessário verificar se não era inimputável, com base nas 
normas penais permissivas exculpantes mencionadas. 
Ali estão os requisitos para aferição da inimputabilidade. Ausentes, o agente 
será imputável, capaz de responder por seus atos, perante a justiça penal. 
 
11.2.2 Inimputabilidade – espécies 
São três as espécies de inimputabilidade, conforme seja seu requisito causal: a 
primeira é a decorrente de doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou 
retardado; a segunda, causada pela menoridade do sujeito, e, finalmente, a proveniente 
de embriaguez completa, fortuita ou por força maior. 
 
11.2.2.1 Inimputabilidade por doença mental, desenvolvimento 
 mental incompleto ou desenvolvimento mental retardado 
Dispõe o art. 26: 
“É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental 
incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz 
de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse 
entendimento.” 
O Código Penal adotou o sistema biopsicológico de aferição da inimputabilidade, 
segundo o qual será inimputável o indivíduo que portar uma anomalia psíquica e, ao 
mesmo tempo, em decorrência dela, apresentar incapacidade de entendimento ou de 
determinação. 
O pressuposto biológico, que é o requisito causal dessa inimputabilidade, é ser o 
agente portador de uma doença mental, de desenvolvimento mental incompleto ou de 
desenvolvimento mental retardado. 
São doenças mentais as enfermidades que alteram as funções intelectuais e 
volitivas do indivíduo, entre outras, 
“as psicoses (orgânicas, tóxicas e funcionais, como paralisia geral progressiva, 
demência senil, sífilis cerebral, arteriosclerose cerebral, psicose maníaco-
Culpabilidade - 9 
 
depressiva etc.), esquizofrenia, loucura, histeria, paranóia, etc.”4. 
Divergem os tribunais acerca de a epilepsia ser ou não doença mental. 
“Os epilépticos são doentes de extrema periculosidade. Esta 
periculosidade deriva de uma condição biológica: a facilidade de reacionar 
aos estímulos sensíveis e sensoriais, com perturbações humorais e afetivas e 
com uma atividade irritável, que predispõe a reação impulsiva. São doentes de 
mau humor, e muito irritáveis, disposição temperamental esta que conduz à 
criminalidade violenta. Ao menor motivo, ou mesmo sem motivo aparente, o 
doente explode em terríveis acessos de cólera violenta. A reação do epiléptico 
processa-se à margem da consciência, é automática, brutal, verdadeira carga 
energética concentrada.”5 
O mesmo Tribunal de Justiça de São Paulo, em julgado mais recente, tratou 
diferentemente a matéria: “Ao epiléptico só falta a plena capacidade volitiva quando da 
‘aura’. Fora da síndrome, é o portador do mal inteiramente responsável pelo delito 
cometido.”6 
Desenvolvimento mental incompleto é o que ainda não se concluiu e 
desenvolvimento mental retardado é o que não se concluirá. No primeiro caso, 
encontram-se os menores e, para alguns, os silvícolas não adaptados. É certo que estes, 
pelo simples fato de não estarem, ainda, adaptados, não podem ser considerados 
portadores de desenvolvimento mental incompleto, o que deve ser apurado mediante 
perícia técnica. No segundo caso, encontram-se os oligofrênicos, os idiotas, imbecis e 
débeis mentais. Os surdos-mudos podem apresentar deficiência intelectual 
considerável e, conforme as circunstâncias, ser considerados com desenvolvimento 
mental retardado. 
Nem todo doente mental, portador de desenvolvimento mental incompleto ou 
retardado, é inimputável. É necessário que, em conseqüência do pressuposto biológico, 
seja ele inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se 
de acordo com esse entendimento. 
Para que o sujeito seja inimputável, a doença mental ou o desenvolvimento 
incompleto ou retardado deve causar a absoluta incapacidade de entendimento do 
indivíduo ou sua completa incapacidade de determinação. 
 
4 JESUS, Damásio E. Direito penal: parte geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. v. 1, p. 441. 
 
 
5 Ac. do TJSP, Rel. Silva Leme. Revista dos Tribunais, nº 419, p. 102. 
 
6 Revista dos Tribunais, nº 591, p. 319. 
 
10 – Direito Penal – Ney Moura Teles 
 
Tal situação deve ter existido no momento em que foi realizada a ação ou a 
omissão típica, no momento da conduta, e sua verificação será feita mediante exame 
pericial, a ser realizado por técnicos – psiquiatras e psicólogos. 
Examinando-o, indagar-se-á, primeiramente: o agente, ao tempo do fato, era doente 
mental, tinha desenvolvimento mental incompleto ou retardado? Se a resposta for NÃO, a 
conclusão é de que o agente é imputável, e a operação estará concluída. 
Se a resposta for SIM, passa-se à segunda pergunta: ao tempo do fato, o agente era 
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato? Se a resposta for SIM, a 
conclusão é de que ele é inimputável e a operação estará encerrada. 
Se for NÃO, passa-se à terceira e última pergunta: o agente, ao tempo do fato, era 
inteiramente incapaz de determinar-se de acordo com aquele entendimento do caráter 
ilícito do fato? Se a resposta for SIM, a conclusão é de que ele é inimputável; se for 
NÃO, então ele é imputável, terminada a verificação. 
Se o indivíduo que cometeu o fato típico e ilícito não era imputável, se não tinha 
capacidade de entendimento, de saber que sua conduta era proibida, ou, mesmo capaz 
de entender, não tinha capacidade de se autogovernar, não poderá sofrer a sanção 
penal. Não pode ser punido, não pode ser responsabilizado. 
Verificada a inimputabilidade do agente do fato típico e ilícito, deverá o juiz 
aplicar-lhe uma medida de segurança, conforme manda o art. 97 do Código Penal, que 
pode ser a internação em hospital de custódia, com tratamento psiquiátrico, ou a 
sujeição a um tratamento ambulatorial. As medidas de segurança serão estudadas no 
Capítulo 21 deste manual. 
 
11.2.2.2 Inimputabilidade por menoridade 
A Constituição Federal, em seu art. 228, dispõe: 
“São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da 
legislação especial.” O art. 27 do Código Penal: “Os menores de dezoito anos são 
penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação 
especial.” 
A lei brasileira presume que todo menor de 18 anos tem desenvolvimento 
mental incompleto; por isso, considera-o inimputável, independentemente da 
verificação de sua capacidade de entendimento ou de determinação. Aqui, a lei adotou 
um critério puramente biológico. Basta que seja menor e será inimputável. Trata-se de 
uma presunção absoluta, não se admitindo prova da capacidade de entendimento ou de 
Culpabilidade - 11 
 
determinação. 
A Lei nº 8.069, de 13-7-1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente,cuida dos 
menores que vierem a cometer fatos típicos. Para a lei especial, são crianças as pessoas 
com até 12 anos de idade incompletos e adolescentes aquelas entre 12 e 18 anos. 
Para as crianças que cometerem fatos típicos e ilícitos, será aplicada uma das 
seguintes medidas: encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de 
responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento temporários; matrícula e 
freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; inclusão em 
programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; 
requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou 
ambulatorial; inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e 
tratamento a alcoólatras e toxicômanos; abrigo em entidade; ou colocação em família 
substituta, conforme as necessidades do caso. 
Se o adolescente cometer fato típico ilícito, sofrerá uma das seguintes medidas, 
ditas socioeducativas: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à 
comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em 
estabelecimento educacional, ou uma das medidas aplicáveis às crianças, com exceção 
das duas últimas. 
Ultimamente, com o aumento da criminalidade, e, ao lado dela, o incremento da 
delinqüência juvenil, não são poucas as vozes que se levantam no sentido de que a 
menoridade penal seja modificada, para que somente sejam considerados inimputáveis 
os menores de 16 anos, e, alguns mais radicais, defendem a redução para abaixo dos 14 
anos. Mostram estatísticas que revelam grande número de ilícitos praticados por 
menores a mando, ou sob o controle, de adultos, que se utilizam da menoridade de 
crianças e adolescentes para assegurar a impunidade. 
Propostas como essas, longe de resolver qualquer problema da espécie existente 
no país, constituem verdadeiro engodo, e só podem ser compreendidas dentro da 
ideologia da corrente da lei e da ordem. 
As crianças e os adolescentes que cometem fatos típicos e ilícitos, que são 
usados por delinqüentes adultos, são, em verdade, filhos de uma sociedade injusta, 
assentada em bases econômicas e sociais perversas. A eles não foram proporcionadas 
oportunidades de vida digna, com habitação, família, educação, saúde, lazer, formação 
moral, enfim, não tiveram oportunidades de apreender os valores ético-sociais 
importantes e, por isso, quando atuam contra o direito, estão, na verdade, 
simplesmente, respondendo aos “cidadãos de bem” com o gesto que aprenderam: a 
12 – Direito Penal – Ney Moura Teles 
 
violência e o desrespeito à lei. 
Nunca se pode esquecer que não é o Direito Penal o purificador das almas, nem 
sua missão é a de combater a violência, adulta ou juvenil. Sua tarefa é proteger os bens 
jurídicos mais importantes, das lesões mais graves. 
Querer modificar a menoridade penal para encarcerar adolescentes é, 
infelizmente, querer transformá-los, mais cedo e mais eficazmente, em verdadeiros 
delinqüentes, perigosos, pois encaminhá-los aos presídios, ao convívio com 
delinqüentes formados, experimentados, é abdicar de qualquer possibilidade de educá-
los para uma vida digna. 
Soa, por fim, como piada a proposta, uma vez que o Estado brasileiro não tem sido 
capaz de construir estabelecimentos prisionais para atender às necessidades atuais de 
vagas para os condenados a penas privativas de liberdade. Se a capacidade penal 
alcançar os adolescentes, como se propõe, então a falência do sistema penitenciário 
será ainda mais estrondosa. 
 
11.2.2.3 Inimputabilidade por embriaguez completa, proveniente de 
 caso fortuito ou força maior 
O § 1º do art. 28 do Código Penal contém o seguinte dispositivo: 
“É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de 
caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, 
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se 
de acordo com esse entendimento.” 
Trata-se aqui de outra espécie de inimputabilidade, que difere da primeira, do art. 
26, apenas pelo requisito causal. O requisito conseqüencial é o mesmo: a inteira 
incapacidade de entendimento ou de determinação. 
Na primeira hipótese, o pressuposto é a doença mental, o desenvolvimento mental 
incompleto ou retardado. Aqui, é a embriaguez. Não qualquer embriaguez, mas apenas 
a completa e, mais, proveniente de caso fortuito ou força maior. 
Embriaguez é “a intoxicação aguda e transitória causada pelo álcool, cujos efeitos 
podem progredir de uma ligeira excitação até ao estado de paralisia e coma”7. 
 
7 MANZINI. Apud JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. v. 1, p. 
447. 
 
 
Culpabilidade - 13 
 
DAMÁSIO E. DE JESUS ensina que a embriaguez apresenta três fases. A primeira é a 
chamada fase da excitação, em que o sujeito apresenta enorme euforia, torna-se loquaz, 
brinca, diverte-se, fala com tom de voz elevado, tem diminuída sua capacidade de 
autocrítica. Todos conhecem essa fase, em festas e ambientes sociais, e certamente 
apenas os que jamais ingeriram bebida alcoólica não experimentaram essa situação. 
Geralmente, nessa etapa, o sujeito não passa de um inconveniente, falando o que não 
devia ou podia ser dito. 
A segunda é a da depressão, em que o indivíduo já experimenta certa confusão 
mental, não se localizando, com precisão, no tempo e no espaço, perdendo a capacidade 
de coordenar seus movimentos corporais e, em decorrência desse déficit, irritando-se 
com facilidade. Aqui, qualquer contrariedade, por menor que seja a dúvida que se 
apresenta, faz com que o sujeito reaja com violência ou agressividade. 
A terceira e última fase é a da letargia, quando o sujeito já ultrapassou todos os 
limites do autocontrole físico e mental, atingindo o sono, a anestesia, o relaxamento 
dos esfíncteres, culminando com o coma. 
A embriaguez é completa quando atinge pelo menos a segunda fase. 
O primeiro requisito para essa inimputabilidade é que a embriaguez seja completa. 
Mas não basta; é preciso, ainda, que ela tenha sido decorrente de um caso fortuito ou 
de força maior. 
Embriaguez por caso fortuito é a acidental, que ocorre sem que o sujeito desejasse 
embriagar-se, nem a decorrente de negligência. Nem é voluntária, nem é culposa. Às 
vezes, o sujeito ingere determinada substância sem conhecer seu efeito embriagante, ou 
uma sua condição fisiológica que, interagindo com a substância, conduz à embriaguez. 
Embriaguez proveniente de força maior é a resultante de força física externa 
imprimida sobre o sujeito, no sentido de obrigá-lo a ingerir a substância embriagante. 
Se o sujeito, no momento da ação ou da omissão, estiver completamente 
embriagado, em razão de caso fortuito ou força maior e se, por isso, for absolutamente 
incapaz de entender a ilicitude do fato ou inteiramente incapaz de determinar-se de 
acordo com esse entendimento, será ele inimputável. 
Se a embriaguez for patológica, como já dito quando se abordou a interpretação da 
lei penal, a inimputabilidade será verificada nos termos do art. 26 e não do § 1º do art. 
28. 
 
11.2.3 Embriaguez voluntária, preordenada ou não, e 
14 – Direito Penal – Ney Moura Teles 
 
embriaguez culposa. A actio libera in causa 
O art. 28, II, do Código Penal, estabelece que não exclui a imputabilidade a 
embriaguez voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos. Será o 
agente considerado imputável, plenamente capaz de ser culpado. São duas as 
modalidades: a voluntária, em que o sujeito tem consciência e vontade de se embriagar, 
e a culposa, em que ele, apesar de não querer,continua, negligentemente, ingerindo a 
substância até se embriagar. 
A embriaguez voluntária pode ser, ainda, preordenada, quando o sujeito ingere 
a substância inebriante voluntariamente e com o fim de cometer determinado fato 
típico, caso em que, no momento da aplicação da pena, será considerada como 
circunstância agravante. 
A norma do art. 28, II, do Código Penal, leva à punição de agente por fato 
cometido numa situação em que ele pode não ter consciência dos fatos praticados – o 
que implica a responsabilização da pessoa num dos casos de verdadeira ausência de 
conduta – ou em que lhe falte capacidade de entender a ilicitude ou de se determinar –, 
o que resulta na punição de alguém na condição igual à do inimputável. 
Essa seria uma exceção ao princípio segundo o qual a capacidade de ser culpado 
deve ser aferida no momento da conduta, e é chamada actio libera in causa, definida 
como 
“os casos em que alguém, no estado de não-imputabilidade, é causador, por 
ação ou omissão, de algum resultado punível, tendo se colocado naquele 
estado, ou propositadamente, com a intenção de produzir o evento lesivo, ou 
sem essa intenção, mas tendo previsto a possibilidade do resultado, ou, ainda, 
quando podia e devia prever”.8 
Trata-se, na verdade, de responsabilidade penal objetiva, pois, nesses casos, o 
agente, no momento em que realiza a conduta, muitas vezes não tem consciência do 
fato, ou, então, da ilicitude. 
Sem consciência, não se pode afirmar tenha ele cometido algo ou se omitido 
voluntariamente, pois que a vontade depende da consciência. Muitas vezes, há 
verdadeira ausência de conduta, por encontrar-se ele em estado de inconsciência. 
Noutras, apesar da consciência fática, não tem, todavia, consciência da ilicitude, nem 
mesmo capacidade para atingir tal consciência. 
 
8 QUEIRÓS, Narcélio de. Teoria da actio libera in causa e outras teses. Rio de Janeiro: Forense, 1963. p. 
37. 
 
Culpabilidade - 15 
 
O preceito do inciso II do art. 28, todavia, é taxativo: não fica excluída a 
imputabilidade penal, o que significa dizer que o indivíduo é capaz de ser culpado e 
será, certamente, condenado. 
A teoria da actio libera in causa faz transferir, por ficção, o juízo que se faz 
acerca da imputabilidade, do momento da conduta, para o momento em que o agente 
ingeriu a substância embriagante. Chega-se ao absurdo de dizer: se o agente, ao se 
embriagar, previu a possibilidade de cometer crime, e o quis ou não se importou com 
essa possibilidade, então responderá pelo fato a título de dolo, e se, não o prevendo, ou 
prevendo e não aceitando o resultado previsível, responderá por culpa, stricto sensu. 
Dolo e culpa, em sentido estrito, são categorias que exigem, necessariamente, a 
previsibilidade, que só pode ocorrer quando o indivíduo tem consciência. 
A solução do Código é infeliz e colide, frontalmente, com o princípio da 
presunção da inocência, insculpido na Carta Magna, no art. 5º, LVII, ninguém será 
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, que 
limita a atividade do legislador, impedindo-o de estabelecer a responsabilidade com 
base em presunções de culpabilidade9. Não se pode, portanto, presumir a culpabilidade, 
que deve restar demonstrada no momento em que o sujeito realizou o comportamento 
proibido e reprovável. 
A teoria da actio libera in causa, na verdade, colide com outros princípios 
constitucionais. ALBERTO SILVA FRANCO observa-o violando o princípio da 
personalidade da pena, uma vez que, 
“se a pena não pode passar da pessoa do delinqüente, é fora de dúvida que 
deva ter, com ele, estreita correlação, deve pertencer-lhe, deve atingi-lo como 
pessoa, enquanto centro de agir e de decisão. Desta forma, ninguém poderá, 
em verdade, responder por fato delituoso que não seja expressão de seu atuar, 
que não seja uma afirmação sua. Isto significa, nessa perspectiva, que todo 
agente deverá ser punido apenas e exclusivamente por fato próprio, por fato 
seu, enfim, por fato de sua responsabilidade pessoal”10. 
A actio libera in causa importa em agressão à harmonia do sistema penal. Com 
efeito, dispõe o parágrafo único do art. 18 do Código Penal que, em regra, somente 
serão punidos fatos definidos como crime cometidos dolosamente, e, 
excepcionalmente, aqueles cometidos culposamente. Admitida a punição de 
 
9 GOMES, Luiz Flávio. Direito de apelar em liberdade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 39. 
 
10 Código penal e sua interpretação jurisprudencial. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 333. 
 
16 – Direito Penal – Ney Moura Teles 
 
comportamentos realizados sem dolo e sem culpa, atinge-se, igualmente, por extensão, 
o princípio da legalidade, ao qual se incorporou o princípio da criação dos tipos dolosos 
e culposos. 
Já não se pode aceitar a responsabilidade penal objetiva; daí que cabe ao 
legislador brasileiro trilhar caminhos próximos aos de seus irmãos portugueses. 
ALBERTO SILVA FRANCO dá notícia que o art. 282 do Código Penal português 
assim estabelece: 
“Quem, pela ingestão voluntária ou por negligência, de bebidas alcoólicas 
ou outras substâncias tóxicas, se colocar em estado de completa 
inimputabilidade e, nesse estado, praticar um acto criminalmente ilícito, será 
punido com prisão até um ano e multa de 100 dias” e, “se o agente contou ou 
podia contar que nesse estado cometeria factos criminalmente ilícitos, a pena 
será a prisão de um a três anos e multa até 150 dias.” 11 
Esse é o caminho. Deve-se eliminar a responsabilidade penal objetiva, e buscar 
a implantação da reprovação do comportamento do sujeito que se embriaga, 
preordenada, voluntária ou culposamente, e acaba por cometer fato típico ilícito. 
 
11.2.4 Capacidade diminuída 
Ao lado dos casos de inimputabilidade, o ordenamento penal prevê certas 
situações intermediárias, em que o sujeito, apesar de imputável, não tem a plenitude de 
sua capacidade de entendimento ou de determinação, denominadas de casos de 
“capacidade diminuída”. 
A lei prevê duas hipóteses: a menor capacidade decorrente de perturbação da 
saúde mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado, prevista no parágrafo 
único do art. 26 (“a pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em 
virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto 
ou retardado não era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de 
determinar-se de acordo com esse entendimento”), e a decorrente de embriaguez 
incompleta, definida no § 2º do art. 28 (“a pena pode ser reduzida de um a dois terços, 
se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não 
possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter 
ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”). 
 
 
11 Op. cit. p. 333. 
Culpabilidade - 17 
 
Nas duas hipóteses, o agente é imputável; tem capacidade de entendimento e de 
determinação. Ocorre que essa capacidade não é plena, completa, integral, mas sofre 
diminuição em razão de perturbação da saúde mental, de desenvolvimento mental 
incompleto, retardado, ou de embriaguez incompleta. 
É pacífico que entre o estado de plena e total saúde mental, de completa 
normalidade psíquica, e os estados de deficiência psíquica não há uma “linha precisa de 
demarcação”, na expressão do sempre importante DAMÁSIO E. DE JESUS. 
Existem estados psíquicos que se situam numa zona intermediária entre a doença e a 
normalidade, entre a plenitude das faculdades psíquicas e a insanidade.É um terreno 
impreciso situado entre a zona da inimputabilidade e o território da imputabilidade. 
Entende o ordenamento que em tais situações o indivíduo é capaz, pois reúne 
condições psíquicas para compreender a ilicitude de seu comportamento e para se 
governar, para escolher o caminho a trilhar. É capaz, é imputável; todavia, sua 
capacidade não é plena, total, como a que tem o homem completamente sadio 
mentalmente. 
Diz-se nesses casos que, apesar de imputável, sua capacidade é reduzida, é menor 
do que a do plenamente imputável. 
Por essa razão, determina a lei que, numa situação dessas, tendo o sujeito 
realizado um fato típico e ilícito, será considerado capaz, imputável; todavia, na 
hipótese de ser considerado culpado, o juiz, ao aplicar a pena, deverá, em atenção a sua 
menor capacidade de entendimento ou de determinação, reduzi-la, de um a dois terços, 
impondo, pois, uma reprovação menor do que a que seria imposta ao plenamente 
capaz. Para uma capacidade menor, menor reprovação. 
O art. 98 do Código Penal prevê, no caso da capacidade diminuída prevista no 
parágrafo único do art. 26, a possibilidade de o juiz substituir a pena privativa de 
liberdade por uma medida de segurança, de internação ou de tratamento ambulatorial, 
conforme as circunstâncias. 
 
11.2.5 Emoção e paixão 
O art. 28, I, do Código Penal explica que a emoção e a paixão não excluem a 
imputabilidade penal, pelo que todo aquele que vier a cometer um fato típico ilícito em 
estado de emoção ou de paixão não será considerado inimputável, o que significa será 
ele considerado imputável, capaz de ser culpado. 
A emoção, dizem os doutrinadores, é um estado afetivo, que atinge e perturba o 
18 – Direito Penal – Ney Moura Teles 
 
equilíbrio psicológico do indivíduo, alterando-lhe a maneira de pensar e, de 
conseqüência, de agir, não retirando, todavia, a capacidade de entendimento e de 
determinação. A ira, o medo, a alegria, a surpresa, a vergonha, dizem, são situações 
emocionais, que são intensas e de duração limitada no tempo. 
A paixão, ao contrário, é um estado crônico, duradouro e, por isso, estável, 
revelando crise psíquica profunda, substancial, que atinge de modo grave não só a 
psique, mas também o próprio estado físico do homem. É o amor, é o ódio. 
Esses estados não implicam a perda da capacidade de entendimento ou de 
determinação; apenas alteram o estado psicológico do sujeito, que, apesar de emocional 
ou mentalmente alterado, continua com capacidade de entender e de se determinar. 
Tais estados podem funcionar como circunstâncias atenuantes, ou causas de 
diminuição de pena, conforme estejam associados a outras circunstâncias. É o que 
acontece com o indivíduo que mata, a pedido, o amigo doente, em estado terminal, 
praticando a eutanásia. Na verdade, encontra-se numa situação em que a emoção lhe 
domina o pensamento e interfere em sua liberdade de agir. 
Por isso, no ordenamento penal encontram-se normas como as do § 1º do art. 121: 
“Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social 
ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta 
provocação da vítima, o juiz poderá reduzir a pena de um sexto a um terço”, 
e a do art. 65, III, c, que manda o juiz atenuar a pena quando o agente tiver cometido 
o fato “sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima.” 
A emoção e a paixão não excluem a capacidade penal, não tornam o agente 
inimputável, mas, em determinadas circunstâncias, podem constituir situações que 
impõem menor reprovação penal, tendo em vista a modificação do estado psíquico do 
sujeito, o que mostra que o Direito Penal coloca, no centro de suas atenções, o estado 
interno do agente do fato. 
 
11.2.6 Conclusão 
Verificada a inimputabilidade do agente do fato, se maior de 18 anos, ser-lhe-á 
aplicada medida de segurança, se menor, medida socioeducativa. 
Concluindo o julgador pela imputabilidade – capacidade de entender a ilicitude 
do fato e de determinar-se de acordo com o entendimento –, deverá, então, ser 
analisada a culpabilidade, verificando se seus dois elementos estão presentes: a 
Culpabilidade - 19 
 
potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa, caso em que 
será reprovável a conduta do agente. 
 
11.3 ELEMENTOS DA CULPABILIDADE 
A culpabilidade é a reprovabilidade da conduta do agente imputável que, com 
potencial consciência da ilicitude, poderia, nas circunstâncias, ter agido conforme o 
Direito. 
Será culpado, de conseguinte, o agente do fato típico que, imputável, tiver 
atuado com possibilidade de conhecer a ilicitude de sua conduta, e que poderia ter-se 
comportado de outro modo. Estudou-se o pressuposto da culpabilidade – a 
imputabilidade. Agora: seus dois elementos. 
 
11.3.1 Potencial consciência da ilicitude 
Consciência é conhecimento. Conhecer é dominar, é apreender, é ter consigo, é 
assenhorear-se do conhecimento de algo. Ter consciência de alguma coisa é ter 
penetrado em suas entranhas, desvendando todas as suas características, todas as suas 
particularidades, todas as suas nuanças. É conhecer, é saber, é discernir. 
A ilicitude é a relação de antagonismo entre um fato típico e todo o 
ordenamento jurídico. É a relação de contrariedade do fato com o Direito. 
Potencial é o que exprime a possibilidade de algo. 
Potencial consciência da ilicitude é a possibilidade de se conhecer que o fato é 
contrário ao Direito, ilícito, proibido, choca-se com a ordem jurídica. 
Para que se possa reprovar o comportamento de alguém, é necessário e 
indispensável que ele, quando atuou, tivesse, pelo menos, a possibilidade de saber que 
sua conduta era proibida, pois, se não lhe fosse possível atingir esse conhecimento, não 
tinha, então, nenhum motivo, nenhuma razão para deixar de realizar o que realizou. 
Quem age sem possibilidade de saber que fere o direito atua na certeza de que sua 
conduta é de acordo com a ordem jurídica e, assim sendo, não pode merecer qualquer 
censura, que só é possível quando se possa exigir do homem conhecer que seu gesto é 
proibido. 
Se ele tinha a possibilidade de conhecer a ilicitude e, mesmo assim, realizou a 
conduta contrária ao direito, deve, por isso, ser censurado, já que, tendo possibilidade 
de atingir a consciência da ilicitude, mesmo assim não a alcançou, quando devia, e por 
20 – Direito Penal – Ney Moura Teles 
 
isso vai ser reprovado. 
A consciência potencial da ilicitude é a razão de ser da culpabilidade, do juízo de 
reprovação que recai sobre o comportamento do sujeito, pois, quando este ignora, 
desconhece, não sabe e nem pode saber que está contrariando o direito, não pode ser 
culpado. 
Não se deve confundir a ausência da consciência da ilicitude com a ignorância da 
lei, esta inescusável. FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO ensina: 
“Fixemos isto: lei, em sentido jurídico estrito, é a norma escrita editada 
pelos órgãos competentes do Estado. Ilicitude de um fato é a correlação de 
contrariedade que se estabelece entre esse fato e a totalidade do ordenamento 
jurídico vigente. Se tomarmos, de um lado, a totalidade das leis vigentes e, de 
outro, um fato da vida real, não será preciso muito esforço para perceber que 
a eventual ilicitude desse fato não está no fato em si, nem nas leis, mas entre 
ambos, isto é, na mútua contrariedade que se estabeleceu entre o fato concreto, 
real, e o ordenamento jurídico no seu todo. Assim, pode-se conhecer 
perfeitamente a lei e não a ilicitude de um fato, o que bem revela a nítida 
distinção dos conceitos em exame.”12 
Desconhecer a ilicitude de um fato é completamente diferente de desconhecer a 
lei. 
Todas as pessoas, mesmo as analfabetas,que jamais viram um exemplar do 
Código Penal, sabem que matar é crime, e a alegação de desconhecimento da lei para se 
escusar da responsabilidade penal não é aceita pelo Direito. De nada adiantará, portanto, 
a alegação do sujeito de que realizou o fato porque não sabia que era típico, definido 
como crime. 
Mesmo tendo pleno conhecimento da lei, o sujeito pode realizar um 
comportamento ignorando que ele é proibido, ou acreditando que ele é permitido. 
Certa feita, um cidadão, perseguindo ladrões que ingressaram na casa de uma 
pessoa sua amiga, com o fim de recuperar os objetos subtraídos, acabou por alvejá-los, 
matando um e ferindo outro. Chamado à delegacia de polícia, espantou-se diante da 
notícia de que seria indiciado e processado, perguntando, indignado: “mas, doutor, 
matei um ladrão e ainda vou responder processo?” Este homem, rude, simples, 
ignorante, apesar de saber que matar é crime, agiu na certeza de que seu 
comportamento era lícito. Dentro de sua experiência de vida, sua cultura, seus valores, 
 
 
12 Op. cit. p. 263 
 
Culpabilidade - 21 
 
entendia permitido matar aquele que acabara de furtar. Faltou-lhe, portanto, 
consciência da ilicitude. Não desconhecia a lei, mas ignorava a ilicitude. 
Para a reprovação da conduta do sujeito, não se exige tenha ele a consciência real 
da ilicitude, mas potencial. Exige-se que lhe tenha sido possível, nas circunstâncias em 
que atuou, atingir o conhecimento da ilicitude, mesmo que não a tenha alcançado. É 
um elemento puramente normativo, uma valoração que o juiz fará sobre o fato do 
agente, buscando verificar se era possível a ele, com o esforço devido de sua 
inteligência, com um juízo de seu próprio pensamento, conhecer que sua atitude era 
proibida. 
Concluindo-se que o agente podia ter conhecido a proibição que recaía sobre seu 
comportamento, ou a falta de permissão para realizar a conduta, deverá ele, então, ser 
reprovado. Se não, não merecerá censura penal, excluída sua culpabilidade. 
“A consciência da ilicitude é uma valoração paralela do agente na esfera do 
profano (Mezger), bastando, para que seja atingida, que cada um reflita sobre os 
valores ético-sociais fundamentais da vida comunitária de seu próprio meio (Welzel)”13, 
existente quando tiver sido fácil para o agente, nas circunstâncias em que atuou, com 
algum esforço de inteligência e com os conhecimentos que tinha na vida social, atingi-
la. 
 
11.3.2 Exigibilidade de conduta diversa 
Em algumas situações, o sujeito realiza uma conduta típica e ilícita, com pleno 
conhecimento de sua ilicitude, mas, em circunstâncias tais que não lhe era possível 
realizar comportamento diferente. A realidade impõe-lhe atuar contra o Direito, e ele, 
mesmo sabendo proibido, realiza o comportamento. 
Veja-se a seguinte situação. O gerente de um banco comercial chega, ao fim do 
expediente de trabalho, em sua casa e encontra sua mulher e seus filhos sob a mira de 
poderosas armas de fogo, empunhadas por marginais que exigem dele retorne ao 
estabelecimento bancário e daí lhes traga certa importância em dinheiro. Se não atender 
à exigência, seus familiares sofrerão graves conseqüências. O gerente, então, retorna ao 
banco, retira o numerário e o entrega aos bandidos. O fato típico doloso por ele realizado 
é, a toda evidência, ilícito, uma vez que não se encontra justificado por nenhuma das 
excludentes de ilicitude – legítima defesa, estado de necessidade etc. O gerente é 
 
13 TOLEDO, Francisco de Assis. Op. cit. p. 262. 
 
 
22 – Direito Penal – Ney Moura Teles 
 
imputável e agiu com consciência da ilicitude, pois é indubitável que sabia não poder 
apropriar-se do dinheiro alheio e dá-lo a terceiros. 
Seu comportamento é reprovável, merece censura penal? 
Para que o sujeito imputável seja reprovado, não basta que tenha a possibilidade 
de conhecer a ilicitude do fato típico e ilícito realizado, é preciso que, nas circunstâncias, 
tivesse a possibilidade de comportar-se de acordo com o Direito e não como se conduziu. 
Ainda que tivesse conhecimento real, ou, pelo menos, a possibilidade de entender a 
ilicitude, é necessário verificar se era possível agir de outro modo. 
Esta possibilidade, de agir de outro modo, é outro juízo de valor que o juiz faz 
acerca da conduta do agente, e denomina-se exigibilidade de conduta diversa. 
Só pode merecer censura penal quem podia ter realizado outro comportamento, 
aquele do qual pode ser exigida a realização de conduta diferente, conforme o Direito. É 
outro elemento normativo. 
Em algumas circunstâncias, como no caso do gerente do banco, não se pode 
exigir comportamento conforme o Direito. Ninguém pode exigir que, em vez de retirar 
e entregar o dinheiro, procurasse a polícia a fim de libertar seus familiares. Ninguém 
pode exigir do pai e marido que aja criando a possibilidade de enormes riscos para seus 
entes queridos. 
A exigibilidade de conduta diversa é o segundo elemento da culpabilidade, sem 
o qual não se poderá reprovar a conduta do agente. Não sendo possível ao agente ter 
agido de outro modo, a culpabilidade será excluída. 
Imputável o agente, sua conduta somente será reprovada, censurada, será ele 
culpado, quando estiverem presentes os dois elementos da culpabilidade: a potencial 
consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. Faltando um dos 
elementos, ou ambos, exclui-se a culpabilidade. O fato será típico, ilícito, mas não será 
culpável, inexistindo o crime, e o agente será absolvido. 
 
11.4 CAUSAS LEGAIS DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE 
O ordenamento jurídico-penal brasileiro contém algumas normas penais 
permissivas exculpantes, que excluem a culpabilidade, outras a diminuem. Tais normas 
contêm as chamadas causas de exclusão da culpabilidade ou dirimentes, que são: o erro 
de proibição inevitável, as descriminantes putativas, a coação moral irresistível e a 
obediência hierárquica. 
Culpabilidade - 23 
 
 
11.4.1 Erro de proibição 
O erro é uma falsa ou inexata representação da realidade. O sujeito, laborando 
em erro, compreende ou apreende mal os fatos e suas circunstâncias, formando em sua 
consciência uma inexata representação do que é. 
O erro de proibição é o que recai sobre o caráter ilícito do fato, sobre a ilicitude, 
sobre a proibição que incide sobre seu comportamento. Errando, imagina ou supõe que 
seu comportamento é lícito, permitido ou não proibido, quando, em verdade, ele o é. 
Certo cidadão, encontrando sua mulher em flagrante de adultério, mata-a, 
supondo ser lícito matar a adúltera encontrada nos braços do amante, quando, na 
verdade, tal comportamento não é permitido pelo Direito Penal. Realizou um fato típico 
e ilícito, por ter incorrido em erro de proibição. Imaginou que existisse uma excludente 
de ilicitude, ou que a legítima defesa alcançasse também o caso no qual se viu 
envolvido, ou, ainda, que o direito lhe autorizasse tal reação, enfim, que era justo 
matar. 
Incorrendo em erro de proibição, falta, ao sujeito, a consciência da ilicitude. 
Não tem consciência de que seu comportamento é proibido pelo ordenamento jurídico. 
 
11.4.1.1 Erro de proibição inevitável 
O erro de proibição inevitável, ou invencível, é aquele no qual qualquer pessoa 
prudente e de discernimento incorreria. É a situação em que falta ao sujeito a 
consciência da ilicitude, e em que não havia possibilidade de, mesmo com todo o 
esforço, com todo o empenho de sua inteligência, alcançar ou atingir aquela 
consciência. 
Trata-se de uma situação em que, nas circunstâncias em que se encontrava o 
agente, não lhe era possível conhecer o caráter proibidode seu comportamento, por 
mais que tivesse adotado medidas para bem apreciar a realidade. 
Atuando o homem em circunstâncias que tais, em que é absolutamente 
impossível conhecer a proibição que incide sobre seu comportamento, é absolutamente 
impossível fazer, sobre ele, qualquer juízo de censura, qualquer valoração de 
reprovação pelo que realizou. Ausente a possibilidade de conhecer o injusto de seu 
gesto – ausente a potencial consciência da ilicitude –, fica excluída a culpabilidade. 
Nesse caso, não há crime, o sujeito deve ser absolvido. 
24 – Direito Penal – Ney Moura Teles 
 
O erro de proibição inevitável é, portanto, escusável, e sua conseqüência é a 
exclusão da culpabilidade. Está assim escrito na primeira parte do art. 21 do Código 
Penal: “O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do 
fato, se inevitável, isenta de pena.” 
Interessantes decisões dos tribunais reconhecem o erro de proibição inevitável 
nesses dois casos. 
Na cidade de Rancharia, os filhos de uma mulher de 18 anos de idade 
encontravam-se sob a guarda de outra pessoa. A mãe, que costumava passear com as 
crianças, resolveu, certo dia, levá-los consigo, quando foi obstada no entroncamento da 
rodovia Raposo Tavares. Interrogada na polícia, alegou não saber que seu 
comportamento era crime, pois era a mãe das crianças. Foi denunciada pela prática do 
fato definido no art. 249 do Código Penal: “Subtrair menor de 18 (dezoito) anos 
ou interdito ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou de 
ordem judicial.” 
Julgando recurso de apelação formulada pelo Ministério Público, o Tribunal de 
Alçada Criminal de São Paulo, em acórdão relatado pelo juiz Walter Theodósio, assim 
decidiu: 
“Tratando-se a mãe do menor de pessoa de pouca idade e simplesmente 
alfabetizada, a quem pareceu não estar cometendo ilícito penal ao levar o filho 
consigo, é de se reconhecer o erro sobre a ilicitude do fato em termos 
inevitáveis, justificando a absolvição com fundamento no art. 386, V, do 
CPP.”14 
Em Paraibuna, uma médica de nacionalidade portuguesa, que trabalhava no Posto 
de Saúde da cidade, resolveu adotar uma criança recém-nascida abandonada na 
unidade de saúde pela mãe, e foi ao cartório de registro civil onde a registrou como se 
fosse sua filha. Assim, realizou uma das figuras típicas insertas no art. 242 do Código 
Penal: “registrar como seu o filho de outrem”. 
Instaurado Inquérito Policial destinado a instruir futura ação penal, o Tribunal de 
Justiça de São Paulo, entretanto, julgando pedido de habeas corpus impetrado com o 
fim de trancar o procedimento policial, assim decidiu: 
“Se o registro de menor abandonado como filho próprio foi praticado por 
motivo de reconhecida nobreza e não ocultado pelo agente que tinha a plena 
convicção de estar atuando licitamente, pode-se aplicar o denominado erro 
 
 
14 Revista dos Tribunais, nº 630, p. 315. 
Culpabilidade - 25 
 
sobre a ilicitude do fato, afastando-se a culpabilidade, nos termos do art. 21, 
caput, do CP.”15 
Nas duas situações, como se vê, os agentes realizaram fatos típicos e ilícitos 
supondo estarem agindo conforme o Direito, ou não estarem agindo com violação de 
qualquer preceito legal, errando sobre a proibição que pairava sobre aqueles 
comportamentos, em circunstâncias em que não lhes era possível alcançar a 
consciência da ilicitude. Houve, portanto, nos dois casos, erro de proibição inevitável, 
que excluiu a culpabilidade. 
 
11.4.1.2 Erro de proibição evitável 
Erro de proibição evitável é o decorrente da displicência, aquele em que o agente 
incide, quando podia, se tivesse realizado um pouco de esforço, alcançar a consciência 
da ilicitude. Agindo sem consciência da ilicitude, mas com possibilidade de atingi-la, 
presente está a potencial consciência da ilicitude. Esse erro deriva de leviandade, de 
descuido, de negligência do sujeito. 
O erro de proibição evitável, ou vencível, é inescusável, não exclui a culpabilidade 
do sujeito; todavia, tendo ele atuado sem consciência real da ilicitude, sua 
reprovabilidade deve ser menor, razão por que manda a última parte da norma do art. 
21 do Código Penal que sua pena seja diminuída: “O erro sobre a ilicitude do fato, 
(...); se evitável, poderá diminuí-la (a pena) de um sexto a um terço.” 
O parágrafo único do mesmo art. 21 define o erro de proibição evitável: 
“Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da 
ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa 
consciência.” 
Agiria sob erro evitável o marido traído que mata a esposa adúltera, quando a 
encontra com o amante. Imaginando ser lícito defender a honra maculada com o 
sangue da “traidora”, age sem a consciência da ilicitude, quando lhe é exigível ter essa 
consciência, com razoável esforço de inteligência. O mesmo se diga daquele que matou 
um ladrão e quase matou o outro. 
Reconhecido o erro evitável, fica diminuída a culpabilidade, mediante a 
diminuição da pena entre 1/6 e 1/3. 
 
 
15 Revista dos Tribunais, nº 680, p. 339. 
 
26 – Direito Penal – Ney Moura Teles 
 
 
11.4.2 Descriminantes putativas 
Descriminantes putativas, ou excludentes imaginárias, são modalidades de 
erros que incidem sobre as causas de justificação, sobre as excludentes de ilicitude. A 
expressão putativa quer dizer imaginária. São assim excludentes de ilicitude irreais, 
porque não excluem a ilicitude do fato. 
Existem apenas na cabeça do sujeito, em razão de erro por ele cometido. 
É o caso do professor que, tendo reprovado por três semestres consecutivos o 
mesmo aluno, passa a ser por este perseguido, empurrado, xingado, nutrindo o 
estudante, depois de certo tempo, um ódio mortal pelo professor. Na quarta 
reprovação, o aluno resolve matar o professor, compra a arma e, em conversa com um 
colega, manifesta seu intento criminoso. 
O colega, preocupado, avisa o professor para que evite ir à aula no dia seguinte, 
pois será vítima do atentado. O professor apenas se prepara para o desfecho, indo para 
a aula armado. Na noite anterior, todavia, a namorada do estudante, depois de muita 
conversa, consegue convencê-lo a desistir do intento homicida, aconselhando-o, ao 
contrário, a fazer as pazes com o mestre. Sugere, e o aluno aceita, que dê de presente 
uma caneta, como mimo para o reatamento das relações. 
Na manhã seguinte, o professor entra na sala de aula, avista o aluno que, ao vê-
lo, levanta-se e vai em sua direção, levando a mão ao bolso interno do paletó, para tirar 
a caneta e entregá-la; vendo esse gesto, o professor o interpreta como o de levar a mão 
para tirar a arma; incontinenti, o professor saca da sua e dispara um tiro mortal contra 
o estudante, que morre instantaneamente. 
Nesse caso, o professor realizou o tipo de homicídio doloso, ilícito, porque não 
existia nenhuma agressão. Todavia, reagiu apenas por supor a existência de uma 
agressão que, se existisse, tornaria sua reação absolutamente legítima. 
Houve um erro sobre um pressuposto fático da legítima defesa. Além disso, 
plenamente justificável pelas circunstâncias, pelos antecedentes do momento do fato, o 
aviso etc. Trata-se, pois, de legítima defesa putativa, imaginária, irreal, que só existia 
na mente do professor. É uma descriminante putativa. 
Toda vez, portanto, em que o agente errar sobre um pressuposto de fato de 
qualquer das excludentes de ilicitude – legítima defesa, estado de necessidade, estrito 
cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito – e este erro estiver 
plenamente justificado – inevitável, portanto–, será o caso de uma descriminante 
Culpabilidade - 27 
 
putativa. 
Age em estado de necessidade putativo o indivíduo que, no estádio de futebol, 
ouvindo um barulho estranho e imaginando que a arquibancada está prestes a ruir, sai 
apressadamente, e acaba por causar lesões corporais em outra pessoa. Verifica-se, 
posteriormente, que não houve nenhum perigo de desabamento. O sujeito errou sobre 
um pressuposto do estado de necessidade, a situação de perigo atual. 
O policial que, de posse de um mandado de prisão expedido contra João 
Antônio, encontra-se com o irmão gêmeo univitelino deste, Antônio João, e o prende, por 
engano, estará agindo no estrito cumprimento do dever legal putativo. 
Estão assim definidas no § 1º do art. 20: 
“É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe 
situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena 
quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.” 
A propósito das descriminantes putativas, duas correntes divergem quanto a 
sua conceituação. 
Para a teoria extremada da culpabilidade (WELZEL, MAURACH, ARMIN 
KAUFMANN, MUNHOZ NETO, HELENO FRAGOSO, HEITOR COSTA JÚNIOR, LUIZ LUISI, 
LEONARDO LOPES, WALTER COELHO), as descriminantes putativas são sempre 
modalidades de erro de proibição, pouco importando venha recair sobre um 
pressuposto de fato da justificativa, ou sobre sua existência ou seus limites – pois, em 
qualquer caso, o sujeito age com dolo –, com a exclusão ou diminuição da 
culpabilidade, conforme seja inevitável ou evitável. 
Para a teoria limitada da culpabilidade (DAMÁSIO E. DE JESUS, MANOEL PEDRO 
PIMENTEL e FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, entre outros), as descriminantes putativas 
podem constituir erro de tipo ou erro de proibição. 
Quando o erro do sujeito incidir sobre um pressuposto de fato da justificativa, 
por exemplo, sobre a existência da “agressão”, que justificaria a legítima defesa, será 
erro de tipo, e, como todo erro de tipo, ficará excluído o dolo e a culpa, se inevitável, e 
apenas o dolo, se evitável, respondendo, nessa hipótese, o sujeito por crime culposo, se 
previsto. 
Errando o agente sobre os limites da eximente – a necessidade dos meios, na 
legítima defesa – ou até mesmo sobre sua própria existência – a eutanásia, por exemplo 
–, então trata-se de erro de proibição, inevitável ou evitável, com exclusão ou 
diminuição da culpabilidade. 
28 – Direito Penal – Ney Moura Teles 
 
Os adeptos da teoria limitada da culpabilidade afirmam que, quando o sujeito 
erra sobre um pressuposto fático, por exemplo, sobre a existência da agressão, e esse 
erro podia ter sido evitado, nesse caso, fica excluído apenas o dolo, e permanece a 
culpa, stricto sensu. 
Por exemplo, no final da tarde, um cidadão encontra-se em sua casa, quando 
escuta o barulho do portão da frente de sua casa, significativo de sua abertura e 
fechamento bruscos; imediatamente, olha em direção à rua e avista um vulto entrando 
na casa, quando, sem muito pensar, dispara contra o mesmo, ferindo-o, na certeza de 
tratar-se de um ladrão. Verifica, em seguida, que era sua sogra que vinha visitar sua 
mulher. 
Trata-se de um erro sobre um pressuposto fático da legítima defesa. Se a casa 
estivesse sendo invadida, poderia ele repelir essa agressão. Não estava. O sujeito errou, 
supôs uma situação de fato que, se existisse, tornaria sua ação legítima. Como se 
observa no exemplo, o erro derivou de culpa, em sentido estrito, da precipitação do 
agente, que, negligentemente, sem nenhum cuidado, sem procurar verificar exatamente 
quem entrava em sua propriedade, atirou contra o vulto. 
Nesse caso, para os adeptos da teoria limitada da culpabilidade, há um crime 
estruturalmente culposo, tanto que o § 1º do art. 20 manda puni-lo com a pena do 
crime culposo. 
ALCIDES MUNHOZ NETTO, um dos mais ardorosos defensores da teoria extremada 
da culpabilidade, mostra que só pelo fato de a lei mandar punir o erro vencível com a 
pena do crime culposo não se pode concluir ter havido culpa, stricto sensu: 
“Esta forma de punição não significa, com efeito, que em tal hipótese a 
falta de consciência da antijuridicidade exclua o dolo, deixando, se evitável, 
subsistente a culpa em sentido estrito. Reflete apenas o critério de tratar um 
comportamento doloso como se culposo fora, em decorrência da diminuição 
da censurabilidade pessoal. É óbvio ser menor a reprovação sobre quem age 
sem conhecimento da perceptível ilicitude, do que a incidente sobre quem atua 
com representação da antijuridicidade do fato. O texto do citado dispositivo 
legal não leva a que se considere, substancialmente culposo, o crime cometido 
por vencível erro de fato sobre descriminante. Ao estatuir que se o erro deriva 
de culpa, a esse título responde o agente, quando o fato é punível como crime 
culposo, a lei só estabelece a forma de punição de tais comportamentos, o que 
não equivale a declará-los revestidos de culpa em sentido estrito.”16 
 
 
Culpabilidade - 29 
 
Então, para a teoria extremada, mesmo no erro vencível, derivado de culpa, o 
que falta ao agente é a consciência real da ilicitude, por negligência, razão por que resta 
diminuída a culpabilidade e não excluído o dolo. 
O problema é que o legislador da reforma de 1984 situou a norma permissiva 
exculpante das descriminantes putativas, no interior do art. 20, cujo caput cuida do 
erro de tipo, que exclui o dolo. Em razão disso, os que defendem a teoria limitada 
encontraram suporte para demonstrar que as descriminantes putativas seriam erros de 
tipo. 
É claro que a colocação topográfica da norma não tem o poder de mudar a 
realidade. Quem, negligentemente, imaginou a existência de uma agressão e, por isso, 
disparou uma arma de fogo contra o suposto agressor agiu, à toda evidência, com dolo, 
com previsão e vontade, com consciência de que com sua conduta causaria o resultado, 
e com vontade de que ele ocorresse ou, pelo menos aceitando-o se ele, eventualmente, 
acontecesse. É o caso do cidadão que matou a sogra. Atirou dolosamente, com 
consciência de que disparava contra uma pessoa, e com vontade de fazê-lo. Faltou-lhe 
consciência de que não havia agressão. 
Dizer que o agente, por ter, negligentemente, suposto uma agressão inexistente 
e disparado contra quem imaginava estar agredindo-o, atuou sem dolo – sem previsão 
do resultado e sem vontade ou pelo menos sem aceitar o resultado –, mas com culpa 
stricto sensu é, isto sim, criar um ente mitológico e monstruoso: um crime em que o 
agente prevê e quer o resultado, ou o aceita, chamado de crime culposo. 
Se a lei preferiu punir o agente que cometeu um erro evitável com a pena do 
crime culposo, não significa tenha ela considerado tal crime culposo, mas apenas que 
optou por uma fórmula diferente – e equivocada, é verdade – de impor-lhe menor 
reprovação. 
Assim, correto é o entendimento de MUNHOZ NETTO e tantos outros, de que as 
descriminantes putativas, seja o erro incidente sobre pressuposto fático da justificativa, 
seja incidente sobre limites ou existência da causa de justificação, será sempre um erro 
de proibição, porque falta ao agente, em qualquer dessas hipóteses, a consciência da 
ilicitude. 
O erro, se derivado de sua desatenção, de sua negligência, de culpa stricto 
sensu, era evitável; por isso ele apenas terá a culpabilidade diminuída. Seu 
comportamento é doloso, mas não tem consciência de ser injusto, pois, em face do erro, 
 
16 A ignorância da antijuridicidadeem matéria penal. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 116. 
 
30 – Direito Penal – Ney Moura Teles 
 
crê estar realizando a vontade do Direito, amparado por uma causa de justificação que, 
na realidade, não ocorre. 
 
11.4.3 Coação moral irresistível 
O art. 22 do Código Penal contém norma penal permissiva exculpante que 
contém duas causas distintas de exclusão da culpabilidade: a coação moral irresistível e 
a obediência hierárquica. 
A coação moral irresistível está assim definida: “Se o fato é cometido sob 
coação irresistível (...) só é punível o autor da coação”. 
Trata-se, como já se disse, de coação moral, de uma violência moral imprimida 
contra o sujeito, a chamada vis compulsiva. A coação de natureza física impede o 
sujeito de ter vontade, de modo que fica excluída a própria conduta (ausência de 
conduta), pois exclui integral e totalmente a liberdade do sujeito, que, por isso, não tem 
possibilidade de ter vontade. 
A coação moral é o emprego de uma grave ameaça contra alguém, a fim de que 
ele faça ou deixe de fazer alguma coisa. Se este fizer ou deixar de fazer, se a ação ou 
omissão realizadas sob coação constituir um fato típico e ilícito, não será, entretanto, 
culpável. 
A força moral é tamanha que o sujeito não tem possibilidade de atuar como 
desejava. Trata-se de força tal que não é possível a ele resistir e agir conforme desejava. 
Na hipótese, fica suprimida a exigibilidade de conduta diversa, um dos elementos da 
culpabilidade e, de conseqüência, o coagido não pode ser reprovado, não merece 
censura, devendo ser desculpado. 
O pressuposto é a existência de alguém que coage o sujeito, de um coator, que 
será punido, como se fosse o executor do fato típico e ilícito. 
A coação deve ser, necessariamente, irresistível, daquelas capazes de atuar 
sobre a vontade do sujeito de modo insuperável, invencível, tal a violência moral e o 
perigo que significa. Algo tão poderoso ou perigoso que ao sujeito não resta outra 
alternativa senão atender aos anseios do coator, para evitar a concretização da ameaça. 
É o que acontece quando o coator ameaça familiares do sujeito, mantendo-os 
sob a mira de armas poderosas, ou amarrados em armadilhas que, a qualquer gesto, 
dispararão dispositivo que causa a morte, enfim, situações em que o sujeito tem sua 
liberdade de escolha colocada sob verdadeiro e total domínio dos desejos do coator. 
O agente não tem outra alternativa, não se podendo exigir dele um 
Culpabilidade - 31 
 
comportamento conforme o Direito; por isso, fica excluída a culpabilidade. 
A jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal, tem entendido que, 
para a configuração da coação moral irresistível, é necessário que haja o concurso de 
três pessoas: o coator, o coagido e a vítima, aniquilando o primeiro a vontade do 
coagido por meio da colocação do terceiro – vítima – em perigo concreto, a fim de 
obrigar o sujeito a realizar a conduta que não realizaria normalmente. 
Se a coação for resistível, daquelas que o sujeito podia vencer, em face de sua 
menor eficiência, ou do grau inferior de perigo, permanece íntegra a culpabilidade, 
podendo incidir, todavia, uma circunstância atenuante da pena, prevista no art. 65, III, 
c, primeira parte, do Código Penal. 
 
11.4.4 Obediência hierárquica 
No mesmo art. 22, do Código Penal, está prevista outra causa de exclusão da 
culpabilidade, a obediência hierárquica, que é uma espécie de erro de proibição, assim: 
“Se o fato é cometido (...) em estrita obediência à ordem, não manifestamente ilegal, 
de superior hierárquico, só é punível o autor (...) da ordem.” 
Ordem de superior hierárquico é um comando emanado de uma pessoa que 
exerce determinado cargo ou uma função de natureza pública, para outra pessoa que 
lhe seja, hierarquicamente, subordinada, contendo a determinação de realizar essa ou 
aquela conduta, positiva ou negativa. 
O pressuposto é que exista, entre o que ordena e aquele a quem se dirige a 
ordem, uma relação hierárquica de subordinação, relacionamento este, é claro, de 
direito público, o que leva à conclusão de que só é possível a ocorrência dessa dirimente 
que envolve servidores ou agentes do serviço público. 
A norma afirma que não será reprovado, culpado, aquele que realizar um fato 
típico e ilícito em estrita obediência a uma ordem de um seu superior hierárquico, 
desde que seja uma ordem não manifestamente ilegal. 
Para a verificação da ocorrência ou não desta causa de exclusão da culpabilidade, 
o primeiro passo é descobrir-se o que é uma ordem não manifestamente ilegal. 
Há ordens de superior hierárquico que são legais. Estas, é de todo claro, não 
interessam aqui, pois nenhuma ordem legal pode ensejar a realização de qualquer fato 
típico ilícito. Restam, então, as ordens ilegais. 
Entre estas existem as que são manifestamente ilegais, clara, indiscutível, 
32 – Direito Penal – Ney Moura Teles 
 
insofismável, total, límpida, inexorável, absurdamente ilegais. Por exemplo: ordenar o 
Delegado de Polícia, ao agente da carceragem, que mate o preso da cela nº 3, porque 
ele é portador do vírus da Aids, ou que estupre a presa da cela feminina, porque ela o 
ofendera. 
Essas ordens são, claramente, manifestamente ilegais, de modo que, se o 
carcereiro cumprir qualquer delas, não poderá alegar ter agido ao amparo da 
exculpante da obediência hierárquica, que só contempla, somente ampara, aqueles que 
realizarem um tipo ilícito no estrito cumprimento de uma ordem não manifestamente 
ilegal de superior hierárquico. 
Ordem não manifestamente ilegal é a de ilegalidade discutível, que não é patente, 
nem resplandece à primeira vista, deixando dúvidas na avaliação de quem a recebe. Por 
exemplo, um Promotor de Justiça determina ao secretário recém-empossado no 
gabinete da promotoria que – antes de iniciar-se a audiência – vá à sala das 
testemunhas e determine a uma delas que venha a falar-lhe e, caso ela se recuse, traga-
a presa em flagrante de crime de desobediência. 
Esta ordem, à primeira vista, não parece ilegal, apesar de sê-lo. O promotor de 
justiça, todos sabem, não tem poder para mandar vir a sua presença quem quer que 
seja, mormente por meio de um chamado verbal, por um simples funcionário 
burocrático, e fora de qualquer processo ou procedimento legalmente instaurado. 
Para o servidor público recentemente ingressado no serviço público, sem qualquer 
conhecimento das regras processuais e, mesmo, de Direito Administrativo, contudo, 
aquela ordem recebida é legal. Recebendo-a de seu superior, um promotor de justiça – 
alguém que lhe parece ser um “homem da lei”, aliás, é o fiscal dela –, jamais pensaria 
ser uma ordem contra a lei, de sorte que, em sua consciência, a ordem recebida é 
perfeitamente legal. 
Se ele vai à sala das testemunhas, emite a convocação e a testemunha, recusando-
se a acompanhá-lo, é trazida coercitivamente, terá havido, à toda evidência, um fato 
típico de constrangimento ilegal, definido no art. 146 do Código Penal, quando não o de 
seqüestro, definido no art. 148, Código Penal. 
Ilícito o fato, não será, todavia, culpável, amparado que estava o agente pela 
dirimente da obediência hierárquica. 
Trata-se, como se pode perceber, de verdadeiro erro de proibição, pois faltou ao 
agente a consciência da ilicitude. Era-lhe, ademais, nas circunstâncias, impossível 
alcançar a consciência da proibição. Fica, em razão disso, excluída a culpabilidade. 
Se a ordem não fosse não manifestamente ilegal, permaneceria a culpabilidade, 
Culpabilidade - 33 
 
podendo incidir, contudo, a circunstância atenuante prevista no art. 65, III, c, do 
Código Penal. 
Para que se possa reconhecer essa dirimente, é indispensável que haja relação

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