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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ- UECE CENTRO DE HUMANIDADES CURSO DE GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA GEOVANIO FERREIRA DA SILVA DIDEROT E A QUESTÃO DA PESSOA CEGA NA DESCOBERTA DO CONHECIMENTO FORTALEZA – CEARÁ 2017 GEOVANIO FERREIRA DA SILVA DIDEROT E A QUESTÃO DA PESSOA CEGA NA DESCOBERTA DO CONHECIMENTO Monografia apresentada ao Departamento do Curso de Graduação em Filosofia do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Graduado em Filosofia. Orientador: Prof. Dr. João Emiliano Fortaleza de Aquino FORTALEZA-CEARÁ 2017 GEOVANIO FERREIRA DA SILVA DIDEROT E A QUESTÃO DA PESSOA CEGA NADESCOBERTA DO CONHECIMENTO Monografia apresentada ao Departamento do Curso de Graduação em Filosofia do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Graduado em Filosofia. Aprovado em: 10 de março de 2017. AVALIAÇÃO Prof. Dr. João Emiliano Fortaleza de Aquino (Orientador) Universidade Estadual do Ceará- UECE AGRADECIMENTOS A ajuda de muitas pessoas que contribuíram direta e indiretamente para que eu conseguisse alcançar o êxito desejado, e em fim concluir todo o meu trabalho, e a seguir faço uma lista dessas pessoas abnegadas que nunca deixaram que o desânimo e as dificuldades me impedissem de chegar até aqui, culminando com a conclusão deste trabalho, e chegando a tão esperada colação de grau. Em primeiro lugar agradeço ao meu bom Deus que colocou pessoas maravilhosas no meu caminho e que me foram importantíssimas para que eu chegasse até aqui, entre elas estão: O brilhante professor doutor em filosofia Emiliano Aquino que é o meu orientador e que sempre acreditou no meu potencial como aluno e que nunca deixou que eu desanimasse, a professora doutora em história Elinalva Alves coordenadora da ACEC associação de cegos do estado do Ceará que também conteve uma contribuição fundamental e que também junto do meu orientador me ajudou de forma incessante para que eu conseguisse desenvolver o meu tema, a minha querida mãe que sempre foi a pessoa mais importante da minha vida e que sempre esteve me incentivando a estudar e chegar até aqui, a professora doutora Vera Lucia Santiago que também sempre me deu o apoio necessário quando deixou que eu usasse por muitas vezes os computadores do laboratório de letras para fazer minhas pesquisas , o senhor Ivan que é o prefeito do centro de humanidades e que sempre dispunha de uma sala para que eu pudesse estudar quando eu necessitava, todo o corpo de funcionários que também se esforçaram para me dar o devido auxilio durante a minha graduação, as minhas amigas Janaina Ortins que me auxiliou na leitura e digitação do texto, Alexandra Souza que também sempre estava ao meu lado me incentivando e por muitas vezes lendo comigo o texto para que eu obtivesse uma melhor compreensão do mesmo, a brilhante professora doutora em filosofia Eliana que foi outra abnegada e que nunca deixou que eu desanimasse e que sempre estava pronta a tirar alguma dúvida que eu tivesse quanto a formatação, e compreensão sobre a metodologia a ser empregada na confecção da monografia, a todos os professores do curso que sempre estavam prontos a me ajudar a driblar as dificuldades que apareciam na minha frente, a minha amiga Valéria marinho, ao meu grande amigo Igor Timbó, a secretaria, a toda a coordenação, e aos diretores do centro que sempre foram muito atenciosos comigo, aos meus amigos Maurí Bezzerra, Thiago Magalhães, Alan Sousa, Adalto Ângelo, a minha grande amiga Verônica Rodrigues , a minha amiga Fernanda que também sempre esteve comigo durante o tempo em que foi aluna da UECE, aos funcionários Girão e a Doris que trabalham na biblioteca e que sempre estavam procurando me ajudar; ao bolsista Alexandre Normandia, do projeto SACI de Tecnologia Assistiva . Em fim a todos e a todas que contribuíram com esse trabalho de pesquisa e que agora apresento a vocês. "Nunca um acontecimento, um fato, um feito, um gesto de raiva ou de amor, um poema, uma tela, uma canção, um livro tem por trás de si uma única razão. Um acontecimento, um fato, um feito, uma canção, um gesto de raiva ou de amor, um poema, um livro se acham sempre envolvidos em densas tramas, tocados por múltiplas razões de ser de que algumas estão mais próximas do ocorrido ou do criado, de que outras são mais visíveis enquanto razão de ser. Por isso é que a mim interessou sempre muito mais a compreensão do processo em que e como as coisas se dão do que o produto em si." (Paulo Freire) RESUMO Este trabalho versou sobre O Estágio Curricular Supervisionado no Curso de Pedagogia. Neste contexto, proporciona um diálogo entre Universidade e Escola à luz de Paulo Freire. Teve como objetivo geral compreender como se estabelece o diálogo entre Universidade e Escola de Educação Básica dos anos iniciais de Ensino Fundamental, a partir do Estágio Curricular Supervisionado no Curso de Pedagogia da Universidade Regional do Cariri- URCA, tendo por base as elaborações freireanas. E como objetivos específicos: investigar quais as percepções dos/as alunos (as) estagiários (as) sobre o acesso e sobre a realização do Estágio Curricular Supervisionado em Escolas públicas municipais de anos iniciais de Crato – CE; analisar ações e relações realizadas pela URCA/Curso de Pedagogia no sentido de aproximar a Universidade da Escola de Educação Básica dos anos iniciais de Ensino Fundamental; Identificar como os/as alunos (as) estagiários (as) são recebidos (as) pela Escola campo de Estágio e como são vistos/as em seu cotidiano. A pesquisa teve uma abordagem de cunho qualitativo, cujo método foi o estudo de caso. Fizeram parte da pesquisa de campo 10 sujeitos, estagiário e estagiárias do VIII Semestre do Curso de Pedagogia. Para coleta de dados, foram utilizados seis Círculos Investigativos Dialógicos, um procedimento inspirados nos constructos freireanos. A metodologia utilizada para a análise dos dados foi a análise de conteúdo, especificamente a categoria temática, uma aproximação com os estudos de Bardin. A análise nos permitiu inferir que todos/as os sujeitos investigados reconhecem a importância do Estágio na formação Inicial docente, e revelaram fragilidades neste campo formativo. 100% dos sujeitos apontaram as limitações existentes entre as instituições Universidade e Escola e afirmaram haver uma relação de contatos e não de diálogo na perspectiva de encontro. Partindo dos resultados alcançados, anunciamos os postulados freireanos como contribuição para a construção de uma relação dialógica entre as instituições a partir do Estágio Supervisionado, podendo, portanto, contribuir para a qualidade da formação docente. Palavras – chave: Formação Inicial Docente, Estágio Curricular Supervisionado, diálogo entre Universidade e Escola, Paulo Freire.ABSTRACT This work approached the Supervised Practice in Education in the Pedagogy Course. In this context, it provides a dialogue between University and School based on Paulo Freire‟s researches. The general aim was to understand how to establish a dialogue between University and Basic Education School in the first grades of Elementary Teaching based on the Supervised Practice in Education in the Pedagogy Course of the Regional University of Cariri (URCA), according to the elaborations of Paulo Freire. The specific aims were: investigating the perceptions of the interns about the access and accomplishment of the Supervised Practice in the first grades of municipal public schools in the city of Crato – Ceará; analyzing the actions and relationships accomplished by URCA Pedagogy Course to approximate University and Education Basic School in the first grades of elementary teaching; identifying how the interns are received by the schools (field of their practice) and how they‟re seen in this context. The research was a qualitative approach, which method was a case study. Ten people (interns of the VIII Semester of Pedagogy Course) were included in the field research. Six Investigative Dialogic Circles were used for the data collection, a procedure inspired in Freire‟s researches. The methodology used for the data study was the content analysis, specifically the thematic category, closed to the Bardin studies. The analysis permitted us to infer that all researched interns recognize the importance of the Supervised Practice in the docent initial formation and revealed the fragilities in this formative field. All interns mentioned the limitations between University and school and affirmed that exist a relation of contacts and not a dialogue in the perspective of meeting. From the obtained results we announce the Freire‟s postulates as contribution for the construction of a dialogic relationship between the teaching institutes based on supervised practice in Education and may, therefore, contribute to the quality of teachers‟ formation. Keywords: Docent Initial Formation, Supervised Practice in Education, Dialogue between University and School, Paulo Freire. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 12 2 DA PROBLEMÁTICA DA TRAJETÓRIA DA PESQUISA ................................. 13 2.1 PERCURSO METODOLÓGICO ................................................................. 26 2.2 A PESQUISA ................................................................................................ 26 2.3 A PESQUISA BIBLIOGRÁFICA ...................................................................... 28 2.4 A PESQUISA DOCUMENTAL ........................................................................ 28 2.5 A COLETA DE DADOS ................................................................................. 29 2.6 LOCALIZAÇÃO DAS INFORMAÇÕES ............................................................ 29 2.7 DOCUMENTAÇÃO DE DADOS ..................................................................... 30 2.8 ANÁLISE DOS RESULTADOS ....................................................................... 31 3 O EMPIRISMO COMO FONTE DO CONHECIMENTO SEGUNDO DIDEROT .... 31 3.1 CONHECENDO O FILÓSOFO DIDEROT ............................................................ 36 4 O ALUNO COM DEFICIÊNCIA VISUAL E SUA EXPERIÊNCIA EDUCACIONAL AO LONGO DOS TEMPOS ........................................................................... 41 4.1 DEFICIÊNCIA VISUAL: CONCEITOS, AÇÕES PREVENTIVAS EDUCACIONAIS ................................................................................................................... 42 4.2 A EDUCAÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS VISUAIS NO BRASIL...................................................................................................................47 4.3 AO ALUNO CEGO A POSSIBILIDADE DE ESTUDAR, INVESTIGAR E TEORIZAR ................................................................................................... 60 5 CONCLUSÕES .................................................................................................. 65 REFERÊNCIAS .................................................................................................... 68 12 1 INTRODUÇÃO A presente pesquisa monográfica tem por objetivo apresentar as inquietações trazidas ao longo de meu percurso escolar voltada para o tema da construção e representação do conhecimento pelas pessoas com deficiência visual. A percepção de quem escreve é a de um estudante do curso de graduação em Filosofia da Universidade Estadual do Ceará UECE em busca por respostas e/ou novas perguntas sobre o tema. Com efeito, o contexto da pesquisa é o da tarefa de conclusão da graduação em Filosofia. O estudo está dividido em quatro capítulos, citando o empirismo como fonte de conhecimento segundo Diderot, tratando a sensibilidade dada pelos sentidos para aquisição do conhecimento. A seguir, trata-se de ressaltar a linguagem como fonte de conhecimento conforme a ótica do escritor e pesquisador Diderot. E por fim é apresentada a discussão sobre a pessoa cega na questão da aquisição do conhecimento. O que se espera por meio dessa introdução, é mostrar que as pessoas com deficiência visual vivem sempre em movimento na busca de satisfazer suas necessidades elementares de sobrevivência em meio a uma sociedade que separa a todos em classes antagônicas.Com base nessa premissa, embora não se pretenda desenvolver o tema da exclusão social, é recorrente articular essa categoria com o que é propriamente o objeto dessa investigação preliminar: a obtenção do conhecimento empírico por parte de uma pessoa cega tendo como fio condutor os escritos deixados pelo filósofo Diderot nos idos do século XVIII, enveredando para uma comparação aos dias atuais. A pretensão é desenvolver uma reflexão com base no ensaio a “Carta Sobre os Cegos para Uso dos que Veem”, documento escrito em 1749, por Denis Diderot filósofo, escritor, tradutor e enciclopedista francês, que analisou o conhecimento de alguns cegos da época, pontuando os processos de sua aquisição na construção de conceitos, em todos os seus níveis, desde o mais simples até o mais abstrato, 13 encaminhando a uma discussão sobre o significado de representação mental e percepção visual, para os videntes. O presente estudo teve como objetivo principal investigar e conhecer a concepção diderotiana no que concerne a percepção das pessoas cegas ao longo do percurso do idos século XVIII e à formulação da crítica contida na obra "Cartas sobre os cegos para o uso dos que veem". Para o alcance desejado na pesquisa opta-se nopercurso metodológico a análise bibliográfica explicativa como uma das formas de coleta e tratamento dos dados. A base teórica que sustenta essa pesquisa nos permitiu estabelecer diálogos fundamentais com os estudiosos Denis Diderot (1993)em seus aportes filosóficos e John Locke, (2002), defensor da teoria do conhecimento alcançado por meio da experiência sensível do individuo, D'Alembert (1717- 1783), Quesnay (1694) dentre outros, foi o ponto de partida desse estudo. O capitulo I vem tecendo então, um breve percurso sobre o percurso pessoal, escolar e profissional do pesquisador,relatando sua trajetória enquanto pessoa cega; no capitulo II, Percursos metodológicos, no capitulo III, efetivamos uma releitura, recorrendo às postulações de Diderot na temática do empirismo; O tema não se encerra aqui, ressaltamos a necessidade de continuarmos avançando nas investigações com o intuito de reconstituir a história produzida e deixada como legado para as gerações vindouras. Do ponto de vista da produção acadêmica, esta é uma lacuna a ser preenchida. Quando se pensa em cegueira, algumas indagações são comuns: como é a vida cotidiana sem a visão? O que o cego é capaz de fazer? Que tipo de vida pode levar? Como ele é capaz de aprender? Nesta pesquisa, tais indagações são respondidas e analisadas e, a partir desta análise, a situação da pessoa cega na vida escolar passa a ser discutida. Portanto, a ampliação e a continuidade desse estudo para um grupo maior de interessados, propiciará um diálogo constante permitindo a observação do seu cotidiano, as dificuldades enfrentadas, as habilidades desenvolvidas e a percepção de mundo que esse acumula. 14 A seguir utilizando a técnica do memorial descritivo faço uma breve explanação de como é a vida de uma pessoa com deficiência visual no tocante a educação, desde a infância até chegar à vida acadêmica, relatando a experiência de vida enquanto aluno com deficiência visual na rede pública municipal e estadual. 15 2 Da problemática da trajetória da pesquisa: uma elaboração articulada ao percurso pessoal, escolar e profissional. O capitulo I tem como objetivo apresentar p percurso pessoal, escolar e profissional do pesquisador, enquanto estudante do curso de Filosofia nesse centro acadêmico. Senão, vejamos: A cegueira é uma deficiência visual, ou seja, uma limitação de uma das formas de apreensão de informações do mundo externo, a visão. Há dois tipos de limitação visual: a cegueira e a baixa visão. Costuma a sabedoria popular afirmar que em “terra de cego quem tem olho é rei”, e em terra de olho quem é cego é o quê? Por ser o mundo muito visual, as informações são tratadas como exclusivamente visuais quando, na verdade, não são. Entretanto, se pode perceber isso em algumas ações como encontrar objetos em bolsas, digitar números de telefone, tocar instrumentos, vestir-se, dentre outras ações. As pessoas cegas, frequentemente, são consideradas especiais, como aquelas com características profundamente diferenciadas das demais pessoas, tanto na literatura como na mídia em geral. Esse preconceito cria barreiras impedindo que se perceba o cego como um ser humano. Vygotsky (1934/1997) vem orientar que não se nega as limitações da cegueira enquanto restrição biológica, mas ensina que, socialmente, não há limitações, porque o cego, por meio da palavra, pode se comunicar e apreender significados sociais. Dai a razão de que para a pessoa com limitação visual vai precisar de um ambiente diferenciado e adaptado, que possa garantir a satisfação de suas necessidades enquanto estudante. A opinião aqui pontuada a respeito da aquisição do conhecimento é vivenciada na caminhada escolar desse pesquisador e serviu para identificar as potencialidades e limitações deixadas pela falta da visão marcando o seu cotidiano utilizando o tato enquanto principal sentido para a escrita e para a leitura. 16 O que se pode pontuar de antemão, é que apesar da discussão em torno da acessibilidade para as pessoas com deficiência ter tido um relevante crescimento no campo educacional, ainda permanece longe o atendimento ideal para satisfazer a demanda em razão de existir um cenário de difícil acesso às diversas ferramentas de inclusão, onde a exclusão é muito presente na realidade desse segmento, inclusive as com limitação visual. Iniciamos nossas considerações pontuando que as necessidades especiais não são próprias do ser humano, tampouco nasce com esses, porém tem origem na trajetória processual da convivência social. De modo que o elemento biológico não se constitui em único determinante para as necessidades humanas. Traçar nesses escritos o relato da minha trajetória de vida, sob um olhar sensível, reflexivo e profundo, me leva a revisitar meus dias passados e rememorar o presente. É um grande intento, pois, sinto-me desafiado e, ao mesmo tempo, tomado por uma forte emoção ao mergulhar no passado, relembrar e relatar os idos de minha infância, adolescência e idade adulta. Realmente não é tarefa das mais fáceis, uma vez que terei que superar certos obstáculos para discorrer sobre minha história em seus muitos contextos. Assim, passo a descrever conforme os períodos: a infância que foi cercada de dúvidas e a incertezas sem um diagnóstico da limitação visual; uma adolescência de inatividade dentro de casa; e uma vida adulta dedicada à busca da independência. “De lá para cá, luto para obter mudanças, saí do marco zero enfrentando muitas barreiras, porém, hoje me encontro no patamar de um curso superior”. Os processos superiores do pensamento infantil conforme nos ensina o pensador Lev Vygotsky (1997), surgem a partir da interação com o meio social circundante. Se não houver a mediação nesse processo, as dificuldades derivadas do que ele denominou defeito, no caso em questão, a deficiência visual, originam estímulos para a formação de outras formas. Desde criança sempre tive dificuldade de aprendizagem e eu sentia algo errado com minha visão, tinha dificuldade de transcrever a matéria do quadro negro, e isso foi percebido pela professora. Mas nessa época, ainda criança não era possível entender que o hábito da professora escrever a matéria na lousa como 17 único recurso, era também um ato de discriminação. Se fosse hoje, com certeza argumentaria e requeria da mesma, adaptações de materiais enquanto aluno cego nessa sala de aula. É simples dizer da dificuldade do professor em saber atender o aluno com deficiência, mas acentuar atitudes de preconceitos leva esse aluno à exclusão à luz da lógica inclusiva: ele está em sala de aula, mas as barreiras atitudinais são tamanhas que não favorecem seu aprendizado. Vale ressaltar que a professora deu conhecimento de minhas dificuldades visuais aos meus familiares e assim fui levado a uma consulta com o oftalmologista que apenas receitou óculos para eu enxergar melhor, facilitando o acompanhamento das aulas. Mas, não era somente na escola que a minha dificuldade persistia, era no dia a dia que complicava e isso exigia o máximo de cuidado ao andar em ambientes com pouca iluminação. Aqui, era um sinal de que as coisas um dia mudaria como de fato veio a mudar de maneira drástica, mas que na minha inocência e desconhecimento dos familiares, não foi cuidada como devia. No ambiente escolar, o desempenho do ir e vir era difícil, não conseguia ver com perfeição o quadro negro, mesmo depois de passar a usar óculos, tinha que sentar nas primeiras fileiras de carteira para tentar escrever no caderno a matéria que era escrito na lousa. A educação da pessoa com deficiência visual é marcada pela relação intrínseca com o atendimento especializado, ação capaz de suprir as necessidades especiais advindas da falta de visão e assegurar o ensino formal desse aluno. Esse atendimento especializado deve ser garantido pela chamada educação especial. Esse aparato educacional não o tive na minha trajetória. Os anos foram se passando, e a minha limitação visual só agravava e lógico acentuava a não aprendizagem que tornou minha vida de estudante difícil. Quandoconcluir a quarta série driblando todas as barreiras e as repetições de ano, a professora chamou minha mãe, e a aconselhou que eu fosse estudar em outra escola dizendo a mesma “eu não iria acompanhar a turma da quinta série devido a minha limitação de visão, e naquela escola essa série era ministrada pelo sistema de 18 televisão através da TV Cultura, e eu iria ter uma defasagem bem acentuada em relação aos outros alunos”. Isso foi o que concluiu a professora da rede regular de ensino. Sobre isso, afirmo que a concepção que todos faziam a meu respeito enquanto pessoa cega era com base na pessoa com visão, além de diminuir as possibilidades de entendimento como ele realmente é, destaca suas limitações e não suas possibilidades. E isso, em um mundo de pessoas que enxergam faz com que o deficiente visual seja mais penalizado. Entretanto, o que esperar de um professor que desconhece a educação especial poder ensinar um aluno cego? E os dias foram passando, me mudaram de escola, e lá fui eu e os meus problemas visuais que se agravavam, e me deixava desestimulado a estudar, passando a repetir a mesma série. Não conseguia ser incluído na sala de aula, tampouco na socialização do recreio, por exemplo. Tinha temor em cair, topar em algum obstáculo. Nesse cenário, segui a vida escolar, hoje percebo que a escola poderia ter me auxiliado a enfrentar essas dificuldades impostas pela diferença visual, mas as recordações que guardo são as de que vivenciei muito preconceito, estigma, a falta de materiais adaptados fazia com que eu tivesse somente a fala da professora como único recurso pedagógico. Tive solidariedade somente de alguns alunos que se tornaram meus amigos e ai sim, tive apoio. Depois de muita luta de altos e baixos, consegui chegar ao ensino médio. Antes de chegar lá, em um exame de rotina para a verificação do grau dos óculos que não estavam ajustados, sentia não está auxiliando como devia, volto ao oftalmologista e ao chegar à sala do especialista, fui surpreendido pela afirmação de que o uso de óculos, era um paliativo, havia algo de mais grave e o diagnóstico apontava para uma patologia denominada “Retinose Pigmentar” um tipo de degeneração do tapete retiniano, ou seja, doença progressiva que certamente me deixaria cego. Essa revelação foi um choque e de imediato não queria aceitar aquela verdade de ter uma doença que me levaria à cegueira. 19 Procurei ouvir outras duas opiniões médicas que me foram contundentes a afirmar que eu realmente tinha essa patologia e que a deficiência visual era iminente. Fui então aconselhado a usar uma lupa, que é uma lente de aumento que iria me ajudar a enxergar as letras dos livros e TDs que eram entregues pelos professores, mais a dificuldade de escrever o que estava no quadro foi só aumentando, já que a lupa era para uso de perto me ajudar. Quanto aos livros e provas que eu tinha de ler, mais quanto ao quadro negro, ficava desprovido tendo de recorrer ao caderno dos colegas de sala de aula para com muita dificuldade copiartoda a matéria em outra oportunidade, e assim poder estudar. Nesse período, percebi que as professoras da sala comum demonstraram incertezas sobre como lidar com essealuno e o desconhecimento de que poderiam adaptar materiais para facilitar o processo de aquisição do conhecimento, inclusive aprenderem o braille. Portanto,estão cristalinos nesse relato, em decorrência do pouco conhecimento sobre a deficiência visual, os professores frequentemente dedicam uma baixa expectativa quanto à aprendizagem do aluno e, comigo não foi diferente. Mas, não é regra que todos os alunos com deficiência visual tenham baixo desempenho escolar, prova disso é que é possível enumerar conforme "A Epopeia Ignorada" (1986), Otto Marques da Silva, apresenta alguns exemplos de cegos "brilhantes", como: Dídimo de Alexandria, Nicolas Saunderson, John Metcalf, Leonhard Euler, Thomas Blacklock, Maria Tereza Von Paradis, Louis Braille. Todos esses cegos, destacaram-se como professor, engenheiro, concertistas, teólogo dentre outras atividades de posição na sociedade. Isso só reforça a tese do pensamento sobre a cegueira. Sobre esse pensar o Imperador D. Pedro II, certa feita exclamou: “a cegueira não é nenhuma desgraça”. Comprova-se então que a reflexão a ser lançada não é se a pessoa é ou não, cega. O certo é saber a que classe social ela pertence. O desempenho das pessoas cegas acima citadas foi coroado de êxitos porque não foram abandonados na caminhada e nem entregues à própria sorte. 20 Minha visão foi ficando cada vez mais complicada, e mesmo com a ajuda de muitos amigos e a migas que fiz em sala de aula, a coisa foi se tornando cada vez mais difícil para mim. Chegar à escola também era uma luta, pois às vezes tropeçava em algumas coisas que não conseguia ver, já que muitas vezes ia a pé, e eu estudava a noite, coisa que para quem tem retinose pigmentar é um tormento, e eu passei a não aceitar por muito tempo a situação da perca progressiva da visão, escondendo ao máximo o problema e arranjando desculpas todas as vezes que esbarrava em alguém, tropeçava em alguma coisa, quando não conseguia ver algo no chão durante a noite, e até quando não conseguia identificar alguém nesse horário. Nesse intervalo de tempo, busquei a inserção ao mundo do trabalho, pois, desde a idade de 15 anos de idade decidir ter meios próprios para ajudar no meu sustento, tamanha não foi essa barreira. Sabe-se que a educação e o trabalho estiveram e ainda estão sempre presentes objetivamente, entre as preocupações que levam a romper com a discriminação e o forte preconceito. Mas não obtive o alcance desejado, tive de dividir meu tempo entre trabalhar, estudar, esquecendo ai os momentos para o lazer. Então faltou garra e determinação para seguir adiante como também a oportunidade laboral o que reforçou o sentimento de medo e insegurança. Voltando ao meu relato de vida escolar,depois de muita luta consegui terminar o ensino médio. Por razões outras, aliadas ao cansaço da árdua luta desestimulado devido a falta de preparo dos professores que encontramos nas instituições de ensino espalhadas em nosso país, fiquei afastado dos estudos. Em fim, de 2006, estimulado por alguns amigos com deficiência visual retomo ao ambiente escolar e ingresso em um cursinho pré-vestibular na Associação de Professores do Ensino Superior do Ceará (APESC) onde fui acolhido de uma forma surpreendente, pois nessa instituição os professores se esforçavam juntamente com a coordenação formada por pessoas comprometidas a nos ajudar a entrar na vida acadêmica, e que sempre estavam nos incentivando a nunca desistir por causa da deficiência, procuravam a toda hora ressaltar o potencial que tínhamos e que era possível ir em busca da realização dos sonhos em chegar à Universidade. E foi na 21 (APESC) através desse esforço coletivo e também dos demais colegas de sala que consegui a inserção acadêmica. Que a vida de uma pessoa com deficiência visual é bem difícil no interior da escola regular, isso já comprovei. Por um longo período da história aqueles com diferenças visuais, ao lado de outras pessoas consideradas “deficientes”, experimentaram um duro processo de extermínio, abandono, desvalorização e de exclusão social. Apesar do passar dos tempos, essas atitudes permanecem em nosso meio, pois segue o pensamento de que a falta de visão é percebida, antes de qualquer habilidade como sendo o ponto frágil e vulnerável, por isso causa curiosidade, piedade, surpresa e admiração, o desenho traçado é de uma pessoa dependente, precisando ser guiada, protegida e amparadapar sempre. Muitos desconhecem que a criação do sistema Braille permitiu aos cegos uma participação maior na vida social e cultural. E assim ao ser aprovado no vestibular da Universidade Estadual do Ceará (UECE) tamanha não foi a satisfação de muitos e a minha também, mas lá na academia, não foi diferente. Ao ali ingressar, fiquei apreensivo diante de tantas incertezas que me ocorreram, especialmente, pela trajetória já vivenciada na vida escolar, percebi logo que estudar esse recinto não seria uma tarefa sem muita barreira a enfrentar. Essa deficiência me impossibilita, basicamente, ler obras em papel e a tela do computador sem o auxílio de programas adaptados (por meio de voz sintetizada). No entanto, quem não enxerga pode viver quase normalmente: exercer diversas profissões, praticar atividades físicas, constituir família de modo independente, viajar, enfim, fazer muitas atividades. Mas, meu interesse de cursar universidade me fez prosseguir. A decisão da escolha da profissão floresceu no cursinho pré– vestibular, período em que percebi, a preferência e, uma enorme tendência pelo campo filosófico, tanto em teoria como na prática. 22 Minha entrada na universidade foi cercada por inúmeras curiosidades, tanto minhas, para saber mais sobre a grade curricular do curso; quanto por parte dos colegas, que ficavam admirados em constatar uma pessoa cega aprovada no curso. Para lá segui sozinho desde o momento da inscrição no vestibular, até a conclusão da matrícula. Sei que muitos conhecidos e amigos, assim como membros de minha família não acreditavam muito na possibilidade de eu vir a cursar uma universidade, dada a imensa concorrência. Porém, com o tempo, eles passaram a acreditar que quase tudo é possível a uma pessoa cega. Os professores como já citei me receberam com certa preocupação, porém, alguns foram solícitos e abertos às sugestões que lhes pudessem ser dadas, quanto à melhor forma de trabalhar com alunos com deficiência. Os funcionários do Centro foram receptivos e auxiliaram no que lhes foi possível. Os colegas, além de curiosos, tiveram receio inicial de formar equipe comigo, sentiam pena, ou queriam nos proteger. Com o passar do tempo, essa mentalidade foi sendo alterada e, formamos uma boa equipe de estudos. E de fato, as dificuldades encontradas não resultaram em uma compensação exitosa, os professores se mostraram apáticos frente às possibilidades, as mediações não possibilitam aprendizagens, justificavam o despreparo para lidar com esse público, quando estávamos frente a frente não sabiam o que fazer, e o que é pior:sentir em muitos deles, menosprezos, nos trataram como incapazes, revelaram um assistencialismo compensatório, ignorando nosso potencial. Esqueceram termos somente uma limitação visual, portanto, capazes de ter uma vida normal e digna como qualquer outra pessoa. As primeiras dificuldades encontradas foram quanto à acessibilidade dos textos, que não eram em formato digital ou em Braille e a incerteza inicial dos colegas, sobre meu desempenho nos trabalhos em equipe. As primeiras providências para me incluir no curso foi tentar conversar com os professores, para que estes conhecessem minhas dificuldades e possibilidades. Também dei minha parcela de contribuição com a equipe na qual estava, enviando textos que encontrava na internet, debatendo os temas propostos dentro e fora da sala de aula. Mas, chego ao final do curso, e nunca tive o apoio necessário para me sentir incluído nesse espaço acadêmico. 23 Mas, será que a Universidade segue como a maioria das instituições públicas despreparada para receber uma pessoa com deficiência, falo por experiência,embora alguns tenham dedicação, empenho e Boa vontade, posso lhes dizer que vivi um grande improviso que não atendeu nem favoreceu o conhecimento que eu ansiava obter, tampouco permitiram desenvolver a capacidade intelectual em busca do saber. E seria tão simples. Para o aluno com deficiência visual necessário se faz, dispor de material em formatos diversos como textos em braille, ampliados e mídias acessíveis. Com esses recursos disponíveis terá o aluno um bom desempenho, acompanhará de forma igualitária com os demais alunos, tendo as mesmas oportunidades de condições e acesso a informação. A tecnologia vem facilitando em muitoa vida das pessoas com deficiência visual, dando a elas a oportunidade de estudar com o uso de computadores com leitores de tela permitindo ouvir textos, livros, acessar e-mails, digitar e imprimir seus trabalhos de pesquisas, dentre outros. Na Universidade me deparei com desafios da não formação do professor, e logo procurei mostrar que é possível lidar com qualquer tipo de deficiência, mas é preciso apenas romper abarreira da experiência sensível. Em tempos passados, as pessoas com deficiência visual só tinham o braille eo auxílio de professores itinerantes que transcreviam parte daquilo que eles precisavam em formato acessível ou por meio de gravações de fitas de áudios para facilitara compreensão das disciplinas como português, matemática e as avaliações. Ter acesso a escola ainda é difícil, principalmente para uma pessoa com deficiência visual, em virtude de ainda existir escolas que não aceitam esse alunado, alegando falta de preparo, constata-se, porém que a rejeição se dá por preconceito, apesar de está caracterizado como crime perante a legislação brasileira que zela pela defesa da pessoa com deficiência. Para que hoje eu apontasse uma experiência exitosa na Universidade, esta deveria ter sido mais amigável e inclusiva desde minha chegada, os diretores poderiam ter promovido alguma intervenção falando de atitudes e barreiras 24 atitudinais, uma vez que por lá já havia passado um aluno cego. Também poderiam ter mantido atualizados os programas nos computadores com sintetizadores de voz. Poderiam, fazer funcionar uma impressora em braille adquirida e conservada na embalagem até os dias de hoje, por fim, terem preparado o refeitório, a biblioteca, a entrada com piso podo tátil e calçamento adequado em todo o Centro, uma vez que alunos cegos já transitaram por lá. Enfatizo a importância e a necessidade de participação dos alunos com deficiência nas discussões sobre qualquer forma de política, projeto ou ações a serem pensadas e/ou implantadas visando à acessibilidade, pois ninguém melhor do que nós enquanto atores sociais para descrever as reais necessidades e indicar as melhores providências para tornar o ambiente acessível. Para uma criança que não enxerga seu aprendizado deve começar bem cedo, logo que a necessidade de se comunicar apareça em sua vida, seja para expressar sentimentos, seja para a obtenção de alguma coisa que tanto querem. Essas experiências devem começar em casa com o auxílio dos pais, por meio dos sentidos remanescentes deverão oportunizar conhecer o mundo, explorar o tato, a audição, o olfato e o paladar. Tudo isso será meio de leva-las ao conhecimento e ao saber. Essa tarefa não é fácil, precisa dedicação e esforço dos professores, para tornar esse aluno tão capaz como os demais. Através da digitalização de obras literárias, bem como textos e livros, também com o auxílio do braille, e de outras tecnologias assistivas, as pessoas com deficiência visual tem tido uma nova perspectiva no campo do conhecimento. Essas tecnologias vieram ajudar na descoberta de outras áreas e vertentes, bem comoa quebra das barreiras atitudinais nas escolas e universidades fortalecendo o processo de construção do conhecimento no contexto educacional. Essas questões me levaram a escolher o tema, par conhecer e deixaregistrada essa descoberta no campo do empirismo, uma vez que JohnLookensina que todo o conhecimento é formado a partir das experiências empíricas, e que para isso é necessário que se faça uso de todos os sentidos, levando o individuo a chegar o mais perto possível do que conhecemos por realidade, e assim usar todos os sentidos que lhe restam os quais irão possibilitar a uma pessoa com deficiência 25 visual como eu, por exemplo, venha ter uma noção do que acontece ao seu redor, e atingir o que se pode chamar de plena satisfação do intelecto. Esse foi o motivo e o caminho percorrido até aqui para realizar esse trabalho alicerçado na obra de Denis Diderot, "CARTA SOBRE OS CEGOS PARA O USO DOS QUE VEEM”, cujo relato diz da retirada da catarata de pessoas cegas, que voltaram a enxergar e tiveram de usar um sentido que até então não tinham, devendo, pois aprender a usá-lo, fazendo redescobrir o mundo em que viviam, abrindo os olhos para uma nova perspectiva de conhecimento antes desconhecida. Confirmamos que mesmo sem um dos sentidos, a pessoa pode sim alcançar o conhecimento, e aqueles com todos os sentidos pode se tornar cego para muitos aspectos, por exemplo, a questão de algumas cores. Dependendo de como alguém chama uma determinada tonalidade de verde: o verde lodo, por exemplo, muitos conhecem por verde musgo, e outros vão chamá- lo de verde fosco, assim o vermelho escuro, que muitos conhecem como encarnado, isso mostra que mesmo com o sentido da visão, o conhecimento que um indivíduo tem sobre um determinado objeto pode ser diferente do conhecimento do outro sobre o mesmo objeto. A partir deste estudo inicial, procurei externar a trajetória de uma pessoa com deficiência visual adquirida por uma degeneração retiniana, e que ainda luta para internalizar redescobertas do conhecimento, uma vez que muitas coisas e lugares passaram a ser algo novo. Diante da recente condição, percebo que a tecnologia nos dias de hoje, estampa o mundo globalizado, dando acessibilidade ao universo do saber, ampliando horizontes capazes de romper com a cegueira intelectual, levando-os a interagir de uma forma aproximada das demais pessoas consideradas “normais”. Fica mais uma indagação: será que o direito do aluno com deficiência está de fato garantido na prática? Se não são dadas condições adequadas de preparação do professor e se não ocorrem às adaptações necessárias para que ele seja um aluno regular realmente incluído em sala de aula comum, como dizer que há inclusão? Vale dizer que a pessoa cega é capaz de aprender, ele é um ser de 26 aprendizagem. Portanto, pais, professores e profissionais se facilitarem o acesso e oferecer possibilidades de aprendizagem, com certeza, vamos aprender. Em resumo, vimos que a educação do aluno com deficiência visual, traz ainda dificuldades que são pontos comuns: falta de recursos, falta de preparo do professor especialmente quanto ao conhecimento sobre a capacidade de aprendizagem da pessoa cega. Quanto à falta de recursos, posso afirmar que a fala do professor se tornou o único recurso nessa minha caminhada escolar. Embora seja a linguagem fundamental no desenvolvimento, não consegue e nem deve substituir os demais recursos, por isso é essencial utilizar outros materiais adaptados. 2.1 PERCURSO METODOLÓGICO Neste capítulo apresentaremos os caminhos trilhado para o alcance maior conforme os objetivos traçados anteriormente. Definidos os objetivos, as questões norteadoras da investigação, explicitaremos e justificaremos as opções metodológicas e a perspectiva na qual a pesquisa se insere. Em seguida, descreveremos e comentaremos os critérios de escolha da escola, e os procedimentos para construção do corpus da pesquisa. As categorias de análise serão delineadas em função de conceitos, teorias e estudos apresentados na parte inicial de cada capítulo. A Metodologia é o tópico do projeto de pesquisa que abrange maior número de itens, pois responde às seguintes questões: Como? Com quê? Onde? Quanto? (LAKATOS; MARCONI, 2003, p. 221). A pesquisa Investigar os conhecimentos sobre alfabetização, mobilizados por professores de segundo, terceiro e quarto anos do Ensino Fundamental/alfabetização implica pesquisar situações complexas e atuais, tornando pertinente a estratégia de investigação adotada neste estudo. Em nosso caso específico, trata-se de uma 27 investigação a partir de diferentes fontes de dados sobre um tema ainda pouco explorado, o que pode ser visto a partir do levantamento dos estudos apresentados na sessão anterior. Pesquisa Bibliográfica: é desenvolvida a partir de materiais publicadas em livros, artigos, dissertações e teses. Ela pode ser realizada independentemente ou pode constituir parte de uma pesquisa descritiva ou experimental. Segundo Cervo, Bervian e da Silva (2007, p.61), a pesquisa bibliográfica “constitui o procedimento básico para os estudos monográficos, pelos quais se busca o domínio do estado da arte sobre determinado tema.”; Pesquisa Documental: é realizada uma investigação, por meio de documentos, com o objetivo de descrever e comparar os costumes, comportamentos, diferenças e outras características, tanto da realidade presente, como do passado; Conforme Andrade (1997) uma pesquisa bibliográfica pode ser desenvolvida como um trabalho em si mesmo ou constituir-se numa etapa de elaboração de monografias, dissertações, etc. Enquanto trabalho autônomo, a pesquisa bibliográfica compreende várias fases, que vão da escolha do tema à redação final. De modo geral, essas fases apresentam algumas semelhanças como as da elaboração dos trabalhos de graduação. Pesquisar a acessibilidade a uma bibliografia sobre o assunto, pois todo trabalho universitário baseia-se, principalmente, na pesquisa bibliográfica. Outros requisitos importantes são: a relevância, a exequibilidade, isto é, a possibilidade de desenvolver bem o assunto, dentro dos prazos estipulados, e a adaptabilidade em relação aos conhecimentos do autor. O desenvolvimento deste estudo compreendeu três fases: numa primeira, ao final do primeiro semestre letivo de 2011, voltamo-nos à caracterização e à identificação dos sujeitos – questionário e entrevistas com os professores e atividades diagnósticas com os alunos – e à conquista de confiança dos docentes e alunos para que pudéssemos participar com eles das aulas em momento posterior. Na segunda fase, durante o segundo semestre de 2011, iniciamos a produção de dados a partir de observações e análise de aulas (setembro a novembro) e das entrevistas com as professoras (agosto a dezembro). Finalmente, no primeiro bimestre letivo de 2012 (março e abril), realizamos as entrevistas finais com elas (as professoras). Empregamos um tempo significativo de observações in lócus desde o final do primeiro semestre letivo de 2011, junto às professoras participantes deste estudo, o que possibilitou situar histórica e socialmente as análises. 28 Para constituir o corpus de análise desta pesquisa, portanto, valemo-nos dos seguintes procedimentos metodológicos: (a) questionário e entrevistas com as professoras, (b) observação, registro e análise de aulas e (c) sondagem da escrita dos alunos realizada ao início do semestre. Acreditamos que esses diferentes procedimentos favoreceram elucidar a análise e compreensão a respeito de saberes docentes mobilizados durante as aulas. Ressaltamos, assim como André (2001), que a caracterização desta pesquisa leva o pesquisador a um grau de interação com a situação investigada, de modo que ele (pesquisador) tanto afeta como é afetado por ela (situaçãoinvestigada). A partir dos procedimentos adotados objetivamos analisar as práticas de ensino da língua escrita no segundo semestre letivo de 2011. A Coleta De Dados De posse do tema, deve-se procurar na biblioteca, através de fichários, catálogos, abstracts, uma bibliografia sobre o assunto, que fornecerá os dados essenciais para a elaboração do trabalho. Selecionadas as obras que poderão ser úteis para o desenvolvimento do assunto, procede-se, em seguida, à localização das informações necessárias. Localização Das Informações Tendo em mãos uma lista de obras identificadas como fontes prováveis para determinado assunto, procura-se localizar as informações úteis, através das leituras: Leitura prévia ou pré-leitura: procura-se o índice ou sumário, lê-se o prefácio, a contracapa, as orelhas do livro, os títulos e subtítulos, pesquisando-se a existência das informações desejadas. Por meio dessa primeira leitura efetua-se uma seleção das obras que serão examinadas mais detidamente; eitura seletiva: objetiva verificar, mais atentamente, as obras que contêm informações úteis para o trabalho. Aqui, ocorre uma leitura mais detida dos títulos, subtítulos e do conteúdo das partes e capítulos, procedendo-se, assim, a uma nova seleção. 29 Leitura crítica/analítica: agora a leitura deve objetivar a intelecção do texto, a apreensão do seu conteúdo, que será submetido à análise e à interpretação; Leitura interpretativa: entendido e analisado o texto, procura-se estabelecer relações, confrontar ideias, refutar ou confirmar opiniões. Se necessário for podemos ampliar o levantamento bibliográfico, deve-se procurar na bibliografia de cada obra, nas notas de rodapé, nas referências bibliográficas, a indicação de outras obras e autores que poderão ser consultados. Documentação Dos Dados As anotações e fichamento das leituras realizadas numa pesquisa bibliográfica devem ser registradas, documentadas, através de anotações. As anotações tornam-se mais acessíveis, funcionais, se forem feitas em fichas. Fichar é transcrever anotações em fichas, para fins de estudo ou pesquisa. A vantagem de se utilizar o método de fichamento para a documentação dos dados está na possibilidade de obter-se a informação exata, na hora necessária. Além disso, pela facilidade do manuseio, remoção, renovação ou acréscimo de informações, o uso de fichas é indispensável na tarefa de documentação bibliográfica. As fichas ocupam pouco espaço, podem ser facilmente transportadas, possibilitam a ordenação do material relativo a um tema, facilitando o estudo e a elaboração de trabalhos. Análise dos resultados Os dados coletados, para este trabalho através das leituras, observações, e outras anotações pessoais, possibilitaram o aprofundamento dos mesmos. Assim, selecionando-se o essencial de cada dado, como por exemplo, a identificação do empirismo e do conhecimento, das práticas de ensino, os valores, os conhecimentos, as insatisfações do professor frente ao sistema massacrante e a situação salarial. Todas as variáveis constituem-se no objeto de estudo deste trabalho, encaminhando-se assim para a construção dos resultados. 30 3 O EMPIRISMO COMO FONTE DO CONHECIMENTO SEGUNDO DIDEROT Nesse capítulo abordaremos o conceito de Diderot sobre o empirismo como fonte do conhecimento expostos no texto "Carta sobre os cegos para o uso dos que vêem". Desta forma, almejamos compreender como se dá a questão do empirismo como fonte do conhecimento segundo o filósofo francês. Para que o percurso da pesquisa esteja embasado na teoria empirista é preciso revisar antes alguns filósofos simpatizantes dessa corrente desde a antiguidade até chegar até em John Locke, considerado o pai do empirismo Inglês. Portanto, antes de adentrar nessa temática, vamos traçar um breve histórico sobre o empirismo desde a antiguidade até a modernidade, chegando assim à concepção de John Locke. Este percurso será necessário para compreendermos como se chegava ao conhecimento a partir das impressões sensíveis, culminando assim no empirismo inglês que teria vários seguidores. Seguindo a premissa de compreender as raízes do empirismo desde os seus primórdios iniciaremos com Aristóteles, por ter sido um filósofo que retirou a filosofia platônica do céu das ideias e a colocou na realidade das coisas. Apesar de sua atitude acerca de uma, outra epistemologia, ainda não pode ser considerado um empirismo propriamente dito. De fato, é preciso reconhecer que foi com a sua filosofia que se forma uma nova dimensão entre teoria e prática. Aristóteles (384 a 322 a.C), discípulo de Platão, tinha um posicionamento contrário ao do seu mestre que pregava a teoria das ideias. Aristóteles dizia que pela observação da natureza poderíamos chegar ao conhecimento que ele chamou de realismo, conhecimento esse que provinha dos sentidos. A partir de Aristóteles os filósofos do período Helênico se dedicavam ao estudo de matérias mais práticas como por exemplo a ética e a física, no entanto buscando uma perspectiva interpessoal da filosofia. As principais correntes filosóficas que representam o empirismo nessa época são: Cirinaica fundada por Aristipo de Cirene (435 a. C.-356 a.C.), os Cínicos que foi fundada por Antistenes (444 a.C.-365 a.C.) e com os estóicos que tinham em Zenom de sítium (334 a.C.-262 a.C.) seu iniciador. Essa escola filosófica afirmava antes mesmo do filósofo John Locke que o conhecimento 31 só poderia ser alcançado por meio de experiências sensíveis. Também temos o epicurismo, fundada por Epicuro de Samos( 341 a.C-271 a.C.), a última escola empirista da antiguidade e o ceticismo que foi fundada por Pirro de Elis ( 360 a.C- 270 a.C). No século XVII surge o filósofo John Locke defensor de que o indivíduo poderia alcançar o conhecimento por meio da experiência sensível, pois para ele a mente era como uma cera passiva onde as ideias eram inseridas a partir das experiências realizadas por meio dos sentidos. Essa tese foi formulada por Locke a partir da teoria de Aristóteles, que dizia que a mente era como uma tábula rasa1 onde as ideias eram depositadas pelas experiências sensíveis. Locke refuta a ideia do inatismo, pois afirma que é impossível alcançar o conhecimento da substância, já que essa estaria longe do alcance da experiência humana e jamais poderia ser atingida.O sucessor de John Locke foi Francis Bacon (1561-1626). O filósofo Diderot lidera uma das correntes mais importantes do século XVII na França, pois fazendo não apenas questionamentos acerca da ordem das coisas científicas, mas também políticas, suas enciclopédias o consagrou enquanto teórico e crítico da sociedade medieval. A sua preocupação com o empirismo surge em um período medieval abalado pelas amálgamas do poder da igreja que se preocupava apenas com problemas divinos. Aqui, dissertamos sua preocupação fundamentada nas teorias empiristas a partir de seu ensaio "Carta sobre os cegos para o uso dos que veem", considerada uma obra perigosa,por seu conteúdo sensualista epistemológico. Em "Carta sobre os cegos para o uso dos que veem", Diderot mostra um tipo de materialismo organicista que diz que tudo e todos seguem uma ordem natural das coisas. Essa ordem natural pode ser vista como um evolucionismo que leva as transformações da matéria e do pensamento dentro de uma perspectiva física e biológica. 1 Conceito antigo- Placa (de argila ou madeira) revestida de cera na qual os antigos povos (assírios, sumerianos) faziam inscrições. Considerar como nulotudo quanto se há dito, escrito ou feito anteriormente; desprezar, ignorar. Fonte: Dicionário Online de Português-2017. 32 Também refuta os conceitos racionalistas, de que o conhecimento é inato, já que para Diderot todo o conhecimento provém de experiências sensíveis. Suas análises dispensam os conceitos de fé, superstições, mitos e de censo comum como fonte de obtenção do conhecimento, já que para ele isso se dá por meio de uma evolução química e física da natureza. É preciso ter clareza da natureza do conhecimento do qual Diderot procura fundamentar a sua teoria empirista. Para ele a visão não pode ser a única detentora do conhecimento, mas um conjunto de sentidos dependentes entre si que formaram o conjunto da compreensão das coisas em sua realidade: É isto que nos leva a confundir juízo com percepção. Adicionalmente, não é somente a visão que nos fornece a ideia de uma figura convexa de cor uniforme; esta ideia nos é dada pela visão em conjunto com juízos baseados em percepções anteriores. (ADELE,p.24, 2010) Portanto, a visão não pode agir de forma isolada, mas em conformidade com o juízo para assim poder articular uma dimensão mais aproximada da realidade. Adele (2010) ainda complementa com o exemplo da visão das cores de que o nosso olhar identifica um arranjo de cores, mas o que faz a coisa da qual percebemos se aproximar da realidade é a sua unidade que está articulado entre espaço, luz e dimensão, ou seja, um conjunto de sentidos. Assim, um conhecimento que leva em consideração apenas a visão poderá também acarretar limites para a atividade perceptiva do homem. Diderot começa o ensaio falando sobre como teria mostrado ao senhor de Réaumur o interesse de acompanhar a cirurgia de retirada da catarata dos olhos da filha desse magistrado. Destacou a sua decepção por não ter sido chamado para testemunhar o acontecimento, mesmo depois de mostrar respeitosamente que gostaria de estar presente a tal feito. 33 Logo em seguida mostra-se indiferente por não ter ido na casa do magistrado durante a operação de retirada da catarata da filha do mesmo, pois tal evento não teria cunho filosófico, mas somente seria tratado de forma médica e tratariam somente da cura de uma patologia. No entanto, Diderot estava mesmo interessado em algo mais profundo do que somente a cura de uma doença, mas sim de observar a seguinte questão: Como um cego de nascença reagiria quando lhe recobrassem a visão? Nesse sentido, compreendemos que o interesse do filósofo está para além de um evento físico, mas sim é de natureza epistemológica. Para tanto, podemos observar que suas conclusões rompem até com algumas questões da problemática empirista. “Para chegar a esta conclusão, como veremos, Diderot percorre um caminho interessante e genial, e concede ao cego uma função mais profunda do que a consideração simples de uma dimensão experimental dentro da filosofia moderna. Esta mudança de perspectiva, do campo de uma interpretação empírica em que o espaço é considerado como principal elemento que conduz à aquisição de conhecimentos de um cego de nascença, para um campo mais especulativo, em que se questionará o cego sobre como ele concebe a luz e a visão, abre a possibilidade para que se explique, por meio da privação de visão, o próprio mecanismo da visão de uma forma mais abrangente e profunda.” (ADELE, 2010, P.32) O interesse pela investigação do conhecimento não será o único interesse do filósofo. Essas considerações são também importantes para compreender o intercâmbio dos sentidos para o conhecimento. Segundo Adele (2010) esta relação será importante para definir o lugar que a experiência ocupa entre os sentidos e o conhecimento. Diderot começa o ensaio falando sobre a rotina do cego de Puissieux, mostrando que o mesmo não era um personagem fictício, mais sim um homem que tinha algum conhecimento sobre botânica, sobre outros assuntos, era filho de um professor de filosofia e que também era casado. Diderot então faz referência de como os cegos são amigos da ordem, usando como exemplo o cego de Puissieux e 34 de que todos os que o rodeiam passam a desfrutar dessa ordem, seja pela convivência, ou seja, por um sentimento de solidariedade para com eles. “A dificuldade que o cego têm em recuperar as coisas perdidas torna-os amigos da ordem; e eu me apercebi que os que dele se aproximam familiarmente partilham dessa qualidade, seja por efeito do bom exemplo que proporcionam, seja por um sentimento de humanidade que alimentam para com eles”. (DIDEROT 1979, P.27/28) Chegamos à casa de nosso cego por volta das cinco horas da tarde e encontramo-lo ocupado em fazer o filho ler com caracteres em relevo: não havia mais de uma hora que se levantara; pois deveis saber que o dia começa para ele quando termina para nós. Seu costume é dedicar-se a seus negócios domésticos e trabalhar enquanto os outros descansam. À meia-noite, nada o perturba; e ele não constitui incômodo a ninguém. Seu primeiro cuidado é pôr no lugar tudo quanto foi posto fora do lugar durante o dia; e quando sua mulher acorda, encontra comumente a casa arrumada de novo. A dificuldade que os cegos têm em recuperar as coisas perdidas torna-os amigos da ordem; e eu me apercebi que os que deles se aproximam familiarmente partilham dessa qualidade, seja por efeito do bom exemplo que proporcionam, seja por um sentimento de humanidade que alimentam para com eles. Como seriam infelizes os cegos sem as pequenas atenções dos que os rodeiam. Nós próprios, como seríamos de lastimar sem elas! Os grandes serviços são como grandes peças de ouro ou de prata que a gente raramente tem ocasião de empregar; mas as pequenas atenções são moeda corrente que se tem sempre à mão. Em seu ensaio pontuado na Carta sobre os cegos, o filosofo explora o exemplo do ilustre matemático cego Nicolas Saunderson, professor em Cambridge e inventor de uma aritmética palpável professando as matemáticas na universidade de Cambridge com um êxito espantoso. Deu lições de óptica; pronunciou discursos 35 sobre a natureza da luz e das cores; explicou a teoria da visão; tratou dos efeitos das lentes, dos fenômenos do arco-íris e de várias matérias relativas à vista e a seu órgão. Nas Adições à carta, Diderot relembra e sintetizam suas discussões com a jovem cega Mélanie de Salignac que considerava a geometria a verdadeira ciência dos cegos na qual acrescentava: “O geômetra passa quase toda a sua vida de olhos fechados.” (Diderot, 1998, p. 161). Ao propor -lhe um problema de geometria a partir de um cubo – questão que a jovem cega resolveu brilhantemente, sem titubear, o filósofo, fascinado, lhe pergunta: “onde a senhora vê isso?”. Como resposta, a jovem cega responde de modo direto e apropriado: “Em minha cabeça, como o senhor.” (Diderot, 1998, p. 161). Nas Adições à carta(1782), publicadas por Diderot décadas mais tarde, o olho é explicitamente tratado como uma “tela viva”, uma tela de uma delicadeza e perfeição extremas. Aliás, o próprio privilégio do sentido da visão, pelo menos desde a filosofia socrático-platônica, auxiliou e permitiu uma matematização das relações de percepção (e de conhecimento) apta a evacuar as incertezas próprias ao puro sensível. Esse mesmo privilégio direcionou o tratamento da percepção para o campo do espaço, esquivando o vetor (e o complicador) da temporalidade. A analogia visão/tato, o modelo da câmera obscura, a noção espacializada da percepção e o exemplo da cegueira prevaleceram também ao longo do século XVIII. Evidenciam-se, por exemplo,na Carta sobre os cegos para o uso dos que veem, de Denis Diderot (1749). Embora Descartes e Diderot possam ser situados no mesmo modelo da câmera obscura, há, entretanto, algumas diferenças interessantes, no tocante ao tema da produção de imagens, entre a Dióptrica e a Carta sobre os cegos. Traçando um contraponto nesse episódio, supõe-se que a causa desta detenção se vista mais aprofundada revela ir de encontro a situação política e social da França de Luís XV. Época em que havia a cobrança de pesadas cargas tributárias decorrentes das despesas bélicas contraídas,assim como ao luxo da corte 36 e as ostentações sem medida de Madame Pompadour2, provocando violentas murmurações populares, seguida de sátiras e panfletos escritos pela classe dos intelectuais divulgando os desmandos reais. O governo replica com severa repressão, em cujo âmbito foi provavelmente enquadrado o autor de LesBijouxIndiscrets, sendo a sua Carta Sobre os Cegos, que foi publicada anonimamente, incluída entre as obras que estariam exercendo efeitos deletérios, por seu chocante sensualismo epistemológico. Enquanto em Descartes prevalece a metáfora da impressão – os objetos externos se imprimiamno fundo do olho –, em Diderot a produção de imagens passa a ser remetida ao mimético, mais especificamente à pintura: no fundo dos olhos, como em uma tela, miniaturas do mundo visível seriam pintadas com admirável exatidão (Diderot, 1998, p. 136-138). Nas Adições à carta (1782), publicadas por Diderot décadas mais tarde, o olho é explicitamente tratado como uma “tela viva”, uma tela de uma delicadeza e perfeição extremas. Em conformidade com as mesmas leis da reflexão e da refração de base newtoniana, Diderot explica então que o ar que atinge o objeto se reflete em direção ao olho, que recebe assim uma infinidade de impressões diversas. Essa variedade pintaria,segundo o autor, os objetos miniaturizados na tela viva do olho. 3.1 CONHECENDO O FILÓSOFO DIDEROT Diderot nasceu na pequena cidade francesa de Langres, a 8 de outubro de 1713, filho de um cuteleiro chamado Didier e sua mãe, chamava-se Angélica. Desde cedo seus familiares, pensaram em encaminhá-lo ao sacerdócio, isso porque na sua descendência do lado materno, havia vários deles, na função clerical. 2 Jeanne-Antoinette Poisson, ou Madame de Pompadour, apelidada como Reinette ("rainhazinha" em francês), foi uma cortesã francesa e amante do Rei Luís XV da França considerada uma das figuras francesas mais emblemáticas do século XVIII. Dotada de inteligência, encanto, beleza, era ao mesmo tempo uma mulher fria, em termos físicos e na alma, vivia seu papel como de uma secretária confidencial do Rei. 37 Em assim sendo, ingressa no colégio jesuíta da cidade natal, onde se revela brilhante aluno, sobretudo em latim e matemática e na tenra idade de treze anos, recebe a tonsura, veste a sotaina e é chamado senhor abade. Essa nova função, agrada a todos os parentes, que pensam está o pequeno Diderot disposto a seguir a carreira eclesiástica, no que são de plano, desiludidos, pois este desejava tão somente estudar e seguir a Paris para ali, ingressar no Colégio Louis, Le Grand, onde estudara anos antes, Voltaire. O estudioso Diderot se entrega aos estudos da lógica, física, moral, matemática e metafísica, disciplinas curriculares do ensino da época, revestidas em roupagem aristotélica e teológica. Em 1732 torna-se “maîtredesarts” pela Universidade de Paris revelando-se um autodidata era possuidor de considerável erudição nos idiomas da língua grega, italiana e inglesa, fruto do esforço pessoal dispendido. Em virtude de não seguir a caminhada sacerdotal e as necessidades da vida cotidiana, necessitando ser satisfeitas, não pode contar com o apoio familiar que se opunham a sustentar um intelectual, fazendo com que Diderot se torne procurador, mas essa profissão lhe foi tão desagradável que a abandona dois anos depois. Passa necessidades e até fome. Chega a pedir dinheiro emprestado, sem poder quitar as dívidas contraídas. Então para matar sua fome e ter suas carências saciadas, leciona aulas de matemática e passa a redigir sermões para sobreviver. Em 1741, encontra uma atraente mulher com apenas 31 anos de idade, Antoinette, filha de uma pequena comerciante de confecções. Decide casar-se com ela, mesmo sob os protestos do pai, que chega a solicitar sua prisão. No ano de 1744, nasce sua primogênita filha aquém deu o nome de Angélica, talvez em homenagem a sua mãe. Mesmo assim, não lhe faltaram problemas de subsistência que voltam a lhe atormentar. Em virtude dessa problemática, surge um abismo entre o casal que se intensifica cada vez mais: Antoinette, era aquela mulher que representava o prosaico, a ordem, a limpeza, a ignorância, enquanto nosso filósofo Diderot é boêmio, desordenado e muito inteligente.Não satisfeito com sua desagregada vida, Diderot arranja uma amante, a Senhora de Puissieux, esta também era possuidora de firmes problemas econômicos. 38 Em 1746, escreve e publica Os Pensamentos Filosóficos, que lhe rendem cinquenta luíses provocando sua condenação pelo Parlamento de Paris. Nesses escritos, estavam estampados os direitos da razão e da crítica diante da fé e da revelação, e isso soou altamente perigoso às autoridades. Da mesma época, datam peças de teatro (O Filho Natural e O Pai de Família), novelas (A Religiosa e O Sobrinho de Rameau) e outros escritos como Carta sobre os Surdos-Mudos, Pensamentos sobre a Interpretação da Natureza, Discurso sobre a Poesia Dramática e os Salões. Em 1769 escreve Diálogo entre D‟Alembert e Diderot, O Sonho de D‟Alembert, e a Continuação do Diálogo. Na década seguinte, continua a extensa obra: Suplemento à Viagem de Bougainville, Diálogo de um Filósofo com a Marechala, Ensaios sobre os Reinados de Cláudio e Nero, Lamentações sobre o meu Velho Chambre, Colóquios de um Pai com seus Filhos, Paradoxo sobre o Comediante; Jacgues, o Fatalista e Elementos de Fisiologia. Além do trabalho na Enciclopédia e da redação desse extenso número de obras (e a lista não inclui tudo, tendo boa parte permanecida inédita até o século passado), Diderot viaja bastante e mantém muitas relações de amizade fora da França. Em 1772, passa pela Holanda e dirige-se para São Petersburgo, onde é acolhido pela Imperatriz de Todas as Rússias, Catarina, a Grande. A imperatriz compra sua biblioteca (devendo ser entregue após sua morte) e o encarrega de redigir um programa para a organização das universidades russas e uma edição abreviada da Enciclopédia. Quando Diderot regressa, em 1774, encontra bem mudada a atmosfera da França, com a ascensão de Luís XVI ao trono. Procura, então, viver mais tranquilamente, refugiando-se no ambiente campestre. Corresponde-se com a última amante, Sophie Volland, e as cartas formam um conjunto extremamente interessante, do ponto de vista do pensamento de seu tempo. A morte de Sophie, em 1784, abate-o profundamente. E, cinco meses depois, no dia 30 de julho, morre ao sofrer um ataque de apoplexia. Um dia antes, no apartamento que tinha sido colocado à sua disposição pela imperatriz 39 Catarina, afirmara a um dos amigos que viera fazer-lhe uma visita: “O primeiro passo para a filosofia é a incredulidade”. O que é o mundo? Essa indagação e incerteza em Diderot, contudo, não significa que ele tenha sido dentro da história da filosofia, um representante das doutrinas céticas. Seu pensamento se insere nas correntes materialistas resultantes do desenvolvimento das ciências naturais. Estas,por sua vez, têm suas origens nos fins da Idade Média, quando o homem europeu deixava de organizar-se exclusivamente em torno da ideia de Deus e voltava suas atenções para o mundo material. Estava ainda em pleno gozo de suas faculdades mentais quando escreveu: “eu ajo e reajo como uma massa; morto, eu ajo e reajo sob a forma de moléculas. Nascimento, vida, decadência são apenas mudanças de forma”. Nesse estudo filosófico irrompido intimamente e associado ao surgimento da concepção de indivíduo moderno refletindo acerca da singularidade que o sujeito estabelece em relação ao mundo. Se pode afirmar que o século XVIII foi de grande importância para o saber e a cultura, pelas transformações no pensamento, propiciando o desenvolvimento acerca da arte e no modo diferente de expressar-se. É na história do pensamento que se percebe a mudança de perspectiva, passando por um processo de transformações e adequação ao contexto histórico, dai ser importante analisar o que ocorreu no mundo da cultura especificamente no campo filosófico. Na análise das questões de sua época na tentativa de refletir acerca da realidade, Denis Diderot trabalha a problemática por meio da reflexão filosófica cujos questionamentos continuam dialogando e discutindo com a atualidade. Suas obras reveladoras traz um panorama da situação em que se encontra a sociedade do século em que viveu, abordando a moral, os costumes e a organização social nos povos, porém apesar desta gama de interpretações, o foco desse estudo,procurou identificar os elementos primordiais à compreensão do empirismo na Idade Moderna apresentados por Denis Diderot no cenário histórico da (Revolução Industrial na Inglaterra - 1760, da Revolução Francesa - 1789, da consolidação do capitalismo industrial e liberal, a questão social, dentre outros). 40 Foi considerado um século revolucionário caracterizado por um grande desenvolvimento cultural, é neste contexto que esse pensador desenvolveu suas diversas e polêmicas reflexões. 41 4 O ALUNO COM DEFICIÊNCIA VISUAL E SUA EXPERIÊNCIA EDUCACIONAL AO LONGO DOS TEMPOS. Neste capítulo será abordado o processo de aprendizagem do aluno com deficiência visual ao longo dos tempos, caracterizando-se esse estudante em sua limitação visual. A comunicação teve um papel preponderante ao longo da evolução humana, pois desde a pré-história até os dias atuais percebe-se a necessidade humana em se comunicar. Por esse meio, a comunicação, foi possível estabelecer relações socioculturais que culminaram no crescimento e na evolução da sociedade. Vivemos atualmente na era da informação, da comunicação, das redes sociais e da tecnologia que avança em ritmo acelerado, por isso mesmo, os desafios que se apresentam, faz surgir uma nova sociedade, gerando constante mudança. É do mesmo modo, sabido e afirmado pela ciência que o homem foi o iniciador e é aquele que perpétua e continua a construir sua História, conjunto de ações transformadoras que geram os fatos sociais tornando-se marco referencial das várias épocas e situações. Por isto, em meio a esse celeiro de inovações tecnológicas, a presença do homem jamais deve ser esquecida ou dispensada nesse fazer social. Sabemos ainda que a visão é o mais importante canal de relacionamento do individuo com o mundo exterior. Nessa perspectiva a cegueira sensorial vem sendo tratada e representada através dos tempos, como sinônimo do medo, superstição e ignorância. Tanto é que na Idade Média, a cegueira chegava a ser considerada castigo ou bênçãos dos céus. E nesse panorama se encontram as pessoas com deficiência experimentando indiferenças, exclusão e preconceitos diante de um Estado que ainda se mostra incapaz de garantir igualdade de oportunidades no acesso à educação, a empregabilidade, ao lazer, a informação, a acessibilidade. Em meio a tanta inovação, ainda há um mundo de escuridão para as pessoas cegas, basta presenciar as representações sociais, a elas destinadas, nesse sentido, certo está 42 Lukes (1973, p. 149) ao afirmar que "qualquer forma de ver é igualmente uma forma de não ver". 4.1 DEFICIÊNCIA VISUAL: CONCEITOS, AÇÕES PREVENTIVAS EDUCACIONAIS Em nossa face, simetricamente dispostas, encontram-se duas cavidades ósseas a que chamamos órbitas, que visam melhor acomodar os globos oculares e seus acessórios. Com uma constituição inicial de três túnicas concêntricas localizadas na parte da frente do crânio que são: túnica externa protetora composta pela córnea e a esclera ou esclerótica; túnica média ou vascular que compreende a caróide, corpo ciliar e íris; e túnica interna que corresponde à retina. Os olhos são considerados quase esféricos e, em um adulto, tem por volta de 24 mm de diâmetro ântero-posterior e 12 mm de largura. Eles podem mover-se livremente. As sobrancelhas, os cílios e as pálpebras funcionam como protetores do globo ocular, impedindo que corpos estranhos, poeira, caiam dentro dos olhos, e ainda funcionam como proteção e diminuição de exposição aos raios solares e para que líquidos não cheguem aos olhos. O seu funcionamento é comparado ao de uma câmara fotográfica e seus componentes: filmes, lente e luz, no olho, associam-se à lente da câmara ao cristalino e o filme à retina; quanto à luz, desempenha a mesma função em ambas as situações. O Conselho Brasileiro de Oftalmologia (1988) nos mostra que “as qualidades ópticas do olho são tais que a imagem de um objeto situado longe do olho, forma-se sobre a retina. O raio incidente é focalizado sobre a mácula, graças ao poder convergente da córnea e do cristalino” (p. 14). A acomodação tem que ser tanto maior quanto mais próximo do olho estiver o objeto. Esse poder de acomodação do cristalino diminui com a idade. Assim, a partir dos 40 anos, a pessoa fica présbita e para conseguir ler, tem que afastar dos olhos o objeto que pretende ler. Isso decorre da perda da elasticidade do cristalino, o qual se corrige por lentes convergentes, montadas em óculos para leitura. 43 Cada olho recebe e emite uma imagem; mas, ao fixar-se um objeto, nós o vemos como um só. Para que as imagens se cruzem, é necessário que elas sejam o mais semelhantes possíveis, em forma, tamanho, cor e intensidade; e que estas, pressionem o mesmo local do cérebro, isto é, o sistema sensorial deve estar íntegro, assim como o sistema motor; que o cérebro realiza a visão binocular, isto é, fundir as duas imagens em uma percepção visual única. Nas crianças, a visão binocular se completa por volta dos cinco anos de idade, ela se desenvolve progressivamente e possibilita a dimensão do campo visual. Sabemos que 85% do relacionamento com o ambiente em que vivemos é feito através da visão, isso porque o ser humano já nasce programado para enxergar, dependendo por isso, do sentido da visão mais do que dos demais, para a relação com o meio ambiente. São os olhos que captam uma enorme quantidade de informações, portanto, qualquer „defeito‟ nesse órgão compromete, em maior ou menor extensão, o desenvolvimento das aptidões intelectuais e psicomotoras, interferindo na vida escolar e profissional daquele que possui uma deficiência visual. Conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), e o Conselho Internacional para a Educação de Pessoas com Deficiência Visual (ICEVI) em reunião promovida em julho de 1992, em Bangkok, Tailândia, com base em diagnóstico médico oftalmológico, discutiram e elaboraram uma nova definição, consubstanciada em: Cego: o indivíduo que possui
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