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1 MÉTODOS DE INTERVENÇÃO COMPORTAMENTAL II - FLOORTIME e MONTESSORIANO 2 MÉTODOS DE INTERVENÇÃO COMPORTAMENTAL II - FLOORTIME e MONTESSORIANO DÚVIDAS E ORIENTAÇÕES Segunda a Sexta das 09:00 as 18:00 ATENDIMENTO AO ALUNO editorafamart@famart.edu.br 3 Sumário MÉTODO FLOORTIME .............................................................................................................. 4 ESTRATÉGIAS PARA A COMUNICAÇÃO ............................................................................... 6 ESTRATÉGIAS PARA AJUDAR A CRIANÇA A CONSTRUIR PALAVRAS SIMBÓLICAS ..... 7 ESTRATÉGIAS PARA DESENVOLVER O PENSAMENTO ABSTRATO ................................ 8 ESTRATÉGIAS PARA DESENVOLVER HABILIDADES MOTORAS ...................................... 9 MÉTODO MONTESSORIANO ................................................................................................ 11 LEITURA COMPLEMENTAR ................................................................................................... 18 SURGIMENTO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NA MODERNIDADE ........................................ 19 MONTESSORI E A EDUCAÇÃO DOS DEFICIENTES MENTAIS ......................................... 24 A EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS RETARDADAS ‐ A OBRA DE ALICE DESCOEUDRES ... 31 REFERÊNCIA ........................................................................................................................... 38 4 MÉTODO FLOORTIME https://sites.google.com/site/desvendandooautismo/floortime O método “floortime” tem como meta ajudar a criança autista se tornar mais alerta, ter mais iniciativa, se tornar mais flexível, tolerar frustração, planejar e executar sequências, se comunicar usando o seu corpo, gestos, língua de sinais e verbalização. Se a criança já souber o PECS e a língua de sinais, trabalhe com isso no “floortime”. Se a criança ainda não conhecer nem a linguagem de sinais e nem o PECS, não use o “floortime” para começar esses métodos, uma vez que “floortime” não é hora de ensinar, mas explorar a espontaneidade, iniciativa da criança e a verbalização. O mais importante é despertar na criança o prazer de aprender. Faça da hora do floortime uma hora de diversão, risos, brincadeira e reconheça as oportunidades do dia a dia para solucionar problemas e conseguir suportar mudanças. Use isso na sua rotina trabalhe as expectativas da criança, o que a criança faz por ela. Sugestões para Brinquedos: comida de mentirinha, caixas de produtos de mercado como: cereal, sabão em pó, coisas de casa. Roupas e móveis para bonecos, roupas suas, carinhos, ferramentas de plásticos, animais de vários tipos, quadro negro, giz, tinta, massinha, telefone, bonecos de plásticos que representem a família, pessoas da comunidade (como policial, bombeiro), blocos, crayons, bola e muitos outros brinquedos que estimule a imaginação e criatividade. 5 Comunicação: Depois de observar a criança você pode usar as palavras, gestos (apropriados), língua de sinais, PECS. Use o interesse da criança para construir a comunicação. No começo a criança pode não aceitar esta troca, insista e, com o tempo, notará que ela não só aceita, mas que estabelece troca e crescimento na comunicação. Deixe a imaginação da criança fluir: Deixe a criança ser líder da brincadeira (Criar). O seu papel é o de (faça comentários instrutivos, perguntas que estimulem a criação e a compreensão dos sentimentos). Estratégias para intervenção: Não importa o tipo de brincadeira o importante é que seja iniciada pela criança. Não se intimide com a possível rejeição, tente novamente. Insista em uma resposta para as perguntas. Se ela está interagindo com uma atividade, não mude para outra. Explore aquela iniciada. Saiba diferenciar quando deve usar a brincadeira para ensinar ou só criar e explorar situações sociais. Oportunidades para praticar Floortime com a criança: Dê assistência para solucionar problemas do dia-a-dia e suportar mudanças (identifique estas oportunidades e as use). Sugestões: na rotina diária, nas expectativas, nas atividades que a criança faz, crie desafios com pequenos passos. Oportunidades do dia a dia para praticar Floortime com a criança: Tirar e vestir a roupa: ofereça a opção de fazer uma escolha e, se for muito difícil escolher sozinha (a camisa verde ou azul, calça branca ou preta), ajude-a. O mesmo para tirar a roupa, deixe escolher o que vai tirar primeiro. Nas refeições converse com a criança sobre a comida (quem gosta de cenoura? O coelho, onde o coelho mora?), sempre assuntos relacionados. No carro ou ônibus puxe assunto (olha o cachorro, ele faz “au-au”), cante músicas que a criança goste, insista na participação da criança. Quando deixar a criança na escola dê o seu tempo e atenção. Pergunte sobre os projetos de arte na sala, os alunos e outras coisas que chamem a atenção. Mostre seu carinho e diga sempre “até-logo”. Ao retornar, pergunte como foi o seu dia (mesmo que normalmente não obtenha resposta) e deixe-a contar, de alguma forma, o que fez. Na hora do banho brinque com a criança na banheira. No chuveiro cante uma 6 música que demonstre os passos para se lavar. Leia um livro e ao ler preste atenção na emoção da criança. Faça perguntas, mostre situações, discuta a história. Aproveite para usar este momento para se aproximar, chame-a para se sentar no seu colo ou ao seu lado. Livros com figuras serão mais bem recebidos, pois despertam o interesse apelando para o sentido da visão. (Leia sempre, mesmo que ache que não está prestando atenção). Na hora de dormir tente se aproximar, fazer carinhos; cante cantigas de ninar até a criança dormir. Usar atividades do dia a dia para solucionar problemas: Mude de lugar a cadeira nas horas das refeições. Deixe-a resolver como pode comer (ter a ideia de pegar a cadeira). Deixe a jarra de água fechada quando colocar água (deixe-a perceber qual é o problema, se for difícil, sutilmente dê uma sugestão). Na hora de tomar banho não ponha água na banheira (deixe-o perceber o problema e tentar uma solução). Mude os livros, brinquedos, fitas de vídeo, sapatos, etc. de lugar. Coloque duas meias no mesmo pé e deixe a criança perceber que está errado. Coloque a meia na mão (deixe perceber que está errada). Dê um sapato de adulto para usar. Deixe o copo virado para baixo ao oferecer bebida. Coloque brinquedos em uma caixa que a criança possa ver e tenha dificuldade de abrir. Misture o quebra-cabeça com outras peças para dificultar a sua solução. ESTRATÉGIAS PARA A COMUNICAÇÃO Brincadeiras sensoriais como pular, fazer cócegas, balanço. Use brinquedos como causa e efeito (esconda e deixe aparecer depois como mágica. Faça cócegas com uma pena ou com algo delicado para estimular os sentidos). Brinque de esconde-esconde, brincadeiras com as mãos e que usem 7 cantigas. Brinque de ping-pong usando a verbalização. Responda a qualquer som que a criança faz. Use gestos (apropriados), tom de voz, linguagem do corpo para acentuar as emoções. Aceite as frustrações da criança da mesma maneira que você aceita as emoções positivas. Ajude-a lidar com a ansiedade (separação, se machucar, agressão, perda, medo), solução de problemas. (A criança deve solucionar sozinha e você pode sutilmente ajudar, não solucione por ela). ESTRATÉGIAS PARA AJUDAR A CRIANÇA A CONSTRUIR PALAVRAS SIMBÓLICAS Identifique situações do dia a dia que a criança reconheça e goste e mantenha brinquedos disponíveis para poder brincar sobre essas situações. Crie situações de faz-de-conta que despertem o interesse da criança. Deixe a criança descobrir o que é real e o que é ilusão. Deixe-a tentar vestir aroupa da boneca mesmo que não caiba; vestir-se de pirata e faça de conta que ela é o pirata. Se estiver com sede convide para tomar um chá, sente- se e brinque pretendendo ser uma festinha. Quando ela estiver com fome brinque de cozinhar invente ou crie um banquete real com comida. Estimule brincadeiras em que pretenda ser outra pessoa, se subir na suas costas finja ser um cavalo, no sofá uma montanha, ao brincar na piscina faça de conta que esta é ser o mar. Use bonecos para representar a família. Crie símbolos para os objetos ao brincar: p. e., a bola é um bolo. Ajude a criança a elaborar as direções ao brincar: quem está dirigindo; onde está indo; porque está indo embora (mantenha a conversa o máximo possível e use palavras como: quem, o que, onde, por que). 8 Quando aparecerem problemas crie uma solução simbólica para ajudar a resolvê-los. Brincando crie situações como se a boneca estivesse doente fazendo de conta que você e a criança são médicos, usando brinquedos iguais aos instrumentos dos médicos para ajudá-la. Crie situações em que o carro quebre e use as ferramentas para concertar (se envolva na trama, encoraje a imaginação). Faça perguntas a bonecas. Crie obstáculos na brincadeira, mude sua voz para ser outra pessoa. Use figuras que a criança goste como Barbie, Mônica, Homem-Aranha. Adote um tema para trabalhar. Trabalhe a fantasia e a realidade. Deixe a criança dirigir, a brincadeira não precisa ser real, mas dê encorajamento à lógica. Foque no processo, identifique começo, meio, fim. Qual será o seu personagem (chore quando se machucar, mostre felicidade em situações felizes, dê risadas, faça “voz de mau”. Dramatize para caracterizar e reconhecer as emoções. Reflita ideias e sentimentos brincando e no dia-a-dia). Discuta situações abstratas como homem malvado, o mocinho da história, separação, ciúme, medo, ódio e outros. Brincando simbolicamente e conversando, deixe a criança atuar para compreender e superar obstáculos e, assim, alcançar o controle das emoções e das novas experiências. ESTRATÉGIAS PARA DESENVOLVER O PENSAMENTO ABSTRATO Siga a ideia da criança e ajude na construção desta ideia. Desafie a criança a criar novas ideias na brincadeira (“faz-de-conta”– “Pretenda”). Pratique e amplie a interação (conversas, gestos, verbalização). Mantenha uma conversa lógica sempre (carro, ônibus, comendo, tomando banho, até mesmo brincando). Estimule a compreensão da fantasia e da realidade. 9 Use brinquedos como sendo reais (usar roupas fantasias). Brinque com fantoches. Crie uma situação segura para brincar de agressão e poder. Reconheça medo e evite certos sentimentos envolvendo-os em temas e caracteres. Durante a brincadeira e conversa siga o começo, meio e fim da História (a ideia). Identifique problemas para serem resolvidos, motivos e sentimentos (aceite todos os sentimentos e encoraje a ênfase). Escolha livros para ler que tenham temas, motivos e problemas resolvidos. Discuta o que acontece e os sentimentos, pergunte porquê e as opiniões. Encoraje pensamentos abstratos. Compare e contraste diferentes ideias, Reflita os sentimentos com expressões. Use visualização (fotos, gestos). Evite mecanismos prontos, fragmentos, questões acadêmicas (seja criativo), Tome a posição de ator, represente a família. Se envolva no drama, seja um personagem, fale com as bonecas faça perguntas mantenha uma conversa. ESTRATÉGIAS PARA DESENVOLVER HABILIDADES MOTORAS Encorajar desfazer (desconstruir coisas, ideias, etc.) Mover objetos em uma linha. Cobrir objetos desejados. Montar errado um quebra-cabeça. Colocar um brinquedo dentro de outro brinquedo. Mudar o brinquedo do último lugar em que a criança o colocou. Agir sempre de forma intencional e simbólica. Segurar um brinquedo com a figura de um animal e passear por 10 outros lugares com ele. Brincar com tamborim (este tipo de movimento é muito estimulante). Brincar com carrinho, levar o carrinho para a garagem. Brincadeiras que usem as mãos (a canção da arranha, p.ex., e outras). Criar soluções a problemas que requerem vários passos para serem resolvidos. Colocar um objeto desejado dentro de uma caixa dificultando a sua abertura. Consertar brinquedos usando ferramentas de brinquedo. Criar obstáculos para criança pegar um objeto ou colocá-lo na posição correta: dê um livro para ler no lado ao contrário, um jogo que não funcione, sente-se no lugar favorito dela, tente chegar primeiro ao lugar que ela quer ir. Colocar um objeto dentro da sua mão e deixar a criança escolher a mão em que acha que está o objeto. Colocar fotos de revistas (mostre situações sociais) no nível dos olhos da criança Mude sempre as fotos, espalhe-as pela casa. Encorajar investigação de pistas e sinais. Usar sugestões indiretas (cadê você?). Arremessar uma bola em uma cesta. Modelar/mediar uma sequência do que se deve fazer. Planejar suas ideias - conversar sobre o que a criança necessita para o seu dia. Guardar os brinquedos depois de brincar. (Noção de ordem). Desafiar, apresentar razões, negociar. Brincar interativamente. (Música use as mãos). Brincar de procurar o tesouro e use um mapa que explore o visual, verbal e as pistas. Brincar com jogos cognitivos. (Parque, cozinhar). Atividades que 11 usem as artes e manufaturas (corte e cola, pinturas, etc.). Encorajar atividades atléticas (futebol, natação, ginástica e outros). Como as oportunidades de praticar essas brincadeiras educativas são muitas, deve-se explorá-las durante o seu dia-a-dia, espontaneamente fazendo perguntas, sutilmente dando sugestões. Quando estiver no carro, converse com a criança sobre algo que ela goste, cante músicas que ela goste. Na hora do banho e de escovar os dentes use música e PECS para ele/ela realizar as sequências sozinho/a. Na hora de dormir leia um livro e discuta a história (deve-se fazer perguntas: o que é isso, o que você acha que vai acontecer) se você não estimular, a conversa será curta, pois suas respostas são muito diretas. MÉTODO MONTESSORIANO Método Montessori é o nome que se dá ao conjunto de teorias, práticas e materiais didáticos criado ou idealizado inicialmente por Maria Montessori, médica e pedagoga italiana. De acordo com sua criadora, o ponto mais importante do método é, não tanto seu material ou sua prática, mas a possibilidade criada pela utilização dele de se libertar a verdadeira natureza do indivíduo, para que esta possa ser observada, compreendida, e para que a educação se desenvolva com base na evolução da criança, e não o contrário. Montessori escreveu que o desenvolvimento se dá em “planos de desenvolvimento”, de forma que em cada época da vida predominam certas características e necessidades específicas. Sem deixar de considerar o que há de individual em cada criança, Montessori pôde traçar perfis gerais de comportamento e de possibilidades de aprendizado para cada faixa etária, com base em anos de observação. A compreensão mais completa do desenvolvimento permite a utilização dos recursos mais adequados a cada fase e, claro, a cada criança individualmente. Dando suporte a todo o resto, os seis pilares educacionais de Montessori são: 12 Autoeducação É a capacidade inata da criança para aprender. Por desejar absorver todo o mundo à sua volta e compreendê-lo, a criança o explora, investiga e pesquisa. O método Montessori proporciona o ambiente adequado e os materiais mais interessantes para que a criança possa se desenvolver por seus próprios esforços, no seu ritmo e seguindo seus interesses. Atividades pedagógicas Um dos princípios fundamentais sobre os quais repousava o uso de material didático era que as atividades deveriam ser metodicamente coordenadas,de maneira que as crianças pudessem facilmente avaliar seu grau de êxito enquanto as realizavam. Era pedido às crianças, por exemplo, que andassem ao longo de grandes círculos traçados no chão, que formavam uma série padronizada de desenhos interessantes, segurando uma vasilha cheia até a borda de tinta azul ou vermelha; se transbordasse, elas podiam perceber que seus movimentos não eram suficientemente coordenados e harmoniosos. Da mesma forma, todas as funções corporais eram conscientemente desenvolvidas. Para cada um dos sentidos, havia um exercício cuja eficácia poderia ser ainda aumentada pela eliminação de outras funções sensoriais. Por exemplo, existia um exercício de identificação pelo toque de diferentes tipos de madeira, que era possível tornar ainda mais eficaz vendando os olhos das crianças. Esses exercícios eram praticados em grupo e seguidos de uma discussão, o que reforçava seu alcance do ponto de vista dos aspectos sociais da educação das crianças. É assim que as diferentes atividades eram destinadas a conjugar seus efeitos; como Montessori escreveu “para [que a criança] progrida rapidamente, é necessário que a vida prática e a vida social estejam intimamente. 13 Educação como ciência É a maneira de compreender a criança e o fenômeno educativo de acordo com Montessori, e defendida pela ciência de hoje. Em Montessori, o professor utiliza o método científico de observações, hipóteses e teorias para entender a melhor forma de ensinar cada criança e para verificar a eficácia de seu trabalho no dia a dia. Montessori foi uma das primeiras a tentar fundar uma verdadeira ciência da educação. Sua abordagem consistiu em instaurar a “ciência da observação” (Montessori, 1976, p. 125). Exigia dos educadores e de todos os participantes do processo educativo que recebessem uma formação nesses métodos, e que o próprio processo educativo se desenvolvesse em um quadro permitindo controle e verificação científica. A possibilidade de observar como fenômenos naturais e como reações experimentais o desenvolvimento da vida psíquica na criança transforma a própria escola em ação, em uma espécie de gabinete científico para o estudo de psicogenética do homem. (Montessori, 1976, p. 126) A arte fundamental da observação precisa recorre à precisão da percepção e da observação. Montessori imaginou um “novo tipo de educador”: “No lugar da palavra [ele deve] aprender o silêncio; no lugar de ensinar, ele deve observar; no lugar de se revestir de uma dignidade orgulhosa que quer parecer infalível, se revestir de humildade” (Montessori, 1976, p. 123). Esse tipo de observação atenciosa à distância não é uma aptidão natural: é necessário aprender e saber observar é a verdadeira marcha rumo à ciência. Porque se não vemos os fenômenos, é como se eles não existissem. Ao contrário, a alma do sábio é feita de interesse apaixonado pelo que ele vê. Aquele que é iniciado a ver começa a se interessar, e esse interesse é a força motriz que cria o espírito do sábio. (Montessori, 1976, p. 125). 14 Educação Cósmica É a melhor forma de auxiliar a criança a compreender o mundo. De acordo com este princípio, o educador deve levar o conhecimento à criança de forma organizada – cosmos significa ordem, em oposição a caos -, estimulando sua imaginação e evidenciando que tudo no universo tem sua tarefa e que o ser humano deve ser consciente de seu papel na manutenção e melhora do mundo. “Uma vez que foi necessário dar tanto à criança, deixe-nos dar-lhe uma visão de todo o Universo. O Universo é uma realidade imponente e uma resposta a todas as perguntas… Todas as coisas fazem parte do Universo e estão conectadas umas com as outras para formar uma unidade inteira. A ideia ajuda a mente da criança a se tornar focada, a parar de andar em uma busca sem rumo ao conhecimento. Ela está satisfeita por ter encontrado o centro universal de si mesma com todas as coisas.” Maria Montessori Essa é a ideia básica da Educação Cósmica, sob o enfoque de Maria Montessori. Cósmica significa abrangente, holística e com propósitos. “Educação Cósmica” difere da Educação Tradicional, pois tem como objetivo ir muito além da aquisição de conhecimento e do desenvolvimento de uma criança ou de um adolescente. Para Montessori, crianças que recebem uma Educação Cósmica têm uma compreensão mais clara do mundo natural e, também, delas próprias. Ela acreditava que crianças que recebessem uma Educação Cósmica na infância estariam mais bem preparadas para entrarem na adolescência como indivíduos independentes, confiantes, responsáveis, emocionalmente inteligentes e equilibrados em realizações físicas, intelectuais e sociais. Também estarão preparadas para tomar decisões responsáveis e agir sobre os adultos de forma responsável — a fim de reconhecer os limites: dar, pedir e 15 receber ajuda, conforme necessário. Para entender melhor a base para a Educação Cósmica, é necessário compreender a visão de Montessori sobre o desenvolvimento humano. Ela acreditava que o mundo era um lugar altamente ordenado e proposital; que a guerra e a pobreza, a ignorância e a injustiça eram desvios desse efeito. Acreditava também que o caminho de volta para a harmonia e a ordem ocorreria por meio das crianças. Acreditava ainda que havia duas coisas necessárias para desenvolver a relação pacífica dos seres humanos: a consciência da interdependência e o sentimento de gratidão que vem dessa consciência. Abordando os temas do conhecimento do mundo de uma forma holística, as crianças que recebem essas lições e aprendem a ser gratas às gerações anteriores, compreendendo que elas podem se beneficiar de seus conhecimentos. As crianças aprendem Ciências, História e Geografia, transitando entre todos os elementos e forças da Natureza, as plantas, os animais (existentes e extintos), as rochas, os oceanos, as florestas partículas atômicas. A história do mundo e da humanidade é apresentada a partir dos 6 (seis) anos, dando a cada criança a possibilidade de ir percebendo o “trabalho” do homem em sua existência e o percurso de sua vida no planeta. Ao invés de ensinar o currículo por áreas, abstrata e desconectadamente; as grandes lições oferecem uma visão abrangente das diversas disciplinas combinadas, da mesma forma que estão conectados os acontecimentos sobre a história da Terra e dos homens. Assim, as crianças são capazes de desenhar conexões do mesmo jeito que a narrativa se desenrola, naturalmente, do todo à parte e vice-versa. Acima de tudo, a Educação Cósmica apresenta o Universo e suas interconexões. O saber transita por todas as áreas e, no estudo da história e da cultura, pretende ir além do superficial, do racial ou das diferenças culturais a fim de mostrar como todos os seres humanos são movidos pelo mesmo conjunto de necessidades fundamentais que os tornam semelhantes e que constituem a raça humana. 16 Ambiente Preparado É o local onde a criança desenvolve sua autonomia e compreende sua liberdade em escolas e lares montessorianos. O ambiente preparado é construído para a criança, atendendo às suas necessidades biológicas e psicológicas. Em ambientes preparados encontram-se mobília de tamanho adequado e materiais de desenvolvimento para a livre utilização da criança. Maria Montessori começou, pois, a estudar um padrão de mobília escolar que fosse proporcionada à criança e correspondesse à sua necessidade de agir inteligentemente. Mandou construir mesinhas de formas variadas, que não balançassem, e tão leves que duas crianças de quatro anos pudessem facilmente transportá-las; cadeirinhas, de palha ou de madeira, igualmente bem leves e bonitas, e que fossem uma reprodução, em miniatura, das cadeiras de adultos, mas proporcionadas às crianças. Encomendou poltroninhas de madeira com braços largos e poltroninhas devime, mesinhas quadradas para uma só pessoa e mesas com outros formatos e dimensões, recobertas com toalhas brancas, sobre as quais seriam colocados vasos de folhagens ou de flores. Também faz parte dessa mobília uma pia bem baixa, acessível às crianças de três ou quatro anos, guarnecida de tabuinhas laterais, laváveis, para o sabonete, as escovas e a toalha. Todos esses móveis devem ser baixos, leves e muito simples. Pequenos armários, fechados por cortina ou por pequenas portas, cada um com sua chave própria; a fechadura, ao alcance das mãos das crianças, que poderão abrir ou fechar esses móveis e acomodar dentro deles seus pertences. Em cima da cômoda, sobre uma toalha, um aquário com peixinhos vermelhos. Ao longo das paredes, bem baixas, a fim de serem acessíveis às crianças, lousas e pequenos quadros sobre a vida em família, os animais, as flores, ou ainda quadros históricos ou sacros, variando-os em conformidade com as diferentes datas ou comemorações. As crianças pequenas revelam um amor característico pela ordem. Já entre um ano e meio e dois anos de idade elas demonstram claramente, embora de forma confusa, sua exigência de ordem no ambiente. A criança não pode viver na 17 desordem porque está lhe causa um sofrimento que se manifesta através do choro desesperado e até mesmo de uma agitação persistente que pode assumir o aspecto de verdadeira doença. A criança pequena observa de imediato a desordem que os adultos e as crianças maiores ignoram com facilidade. Evidentemente, a ordem no ambiente exterior toca-lhe uma sensibilidade que vai desaparecendo com a idade, uma das sensibilidades temporárias próprias aos seres em evolução, que nós denominamos períodos sensíveis. Este é um dos períodos sensíveis mais importantes e mais misteriosos. A ordem, para as crianças, é comparável ao plano de sustentação sobre o qual devem apoiar- se os seres terrestres para conseguirem caminhar, equivale ao elemento líquido no qual vivem os peixes. Nos primeiros anos de vida recolhem-se os elementos de orientação do ambiente no qual o espírito deverá atuar para as suas futuras conquistas. Adulto Preparado É o nome que damos, em Montessori, para o profissional que auxilia a criança em seu desenvolvimento completo. Esse adulto deve conhecer cientificamente as fases do desenvolvimento infantil e, por meio da observação e do domínio de ferramentas educativas de eficiência comprovada, guiar a criança em seu desabrochar, de forma que este se dê nas melhores condições possíveis. Fale baixo. Escute. Preste atenção. A família muitas vezes é quem melhor entende as primeiras palavras e a fala inicial de uma criança. É muito importante deixá-la falar. Se queremos ter diálogo em nossos lares, esse diálogo precisa começar muito cedo, com respeito, com atenção e cuidado. Às vezes as crianças não querem brincar do que nós queremos brincar. Às vezes elas não querem brincar em absoluto. Só ficar em paz, agasalhadas por você, ou te mostrar alguma coisa interessante que fizeram ao longo do dia. 18 LEITURA COMPLEMENTAR Trabalho didático na educação de alunos com deficiência mental‐ as experiências modelares de montessori e descoeudres Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 –Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5 A educação especial emergiu no século XVIII como parte do movimento de expansão da educação escolar burguesa. Surgiu a partir de iniciativas médicas como alternativa educacional para pessoas com deficiência, alijadas da escola comum, organizada para o ensino homogêneo. No início do século XX, o enfoque médico‐pedagógico, que caracterizava a educação especial, foi dando lugar ao enfoque psicopedagógico sob o influxo do movimento da Escola Nova. Essa influência se fez sentir na educação em geral e contou com ampla contribuição de médicos, psicólogos e educadores europeus, dentre os quais destacamos, para esta análise, Maria Montessori e Alice Descoeudres. A relevância dos trabalhos dessas autoras se deve ao fato de que ambas ainda embasam fortemente a educação ofertada a alunos com deficiência mental, particularmente no âmbito das instituições especializadas. Suas propostas serão analisadas com vistas a indicar de que modo conformaram, no primeiro terço do século XX, o trabalho didático voltado para esse alunado. A análise toma por objeto as obras: Pedagogia Científica, de Maria Montessori e A educação das crianças retardadas, de Alice Descoeudres. Destaca‐se, como ponto comum, o caráter individualizado e ativo dessa educação que é guiada por parâmetros psicológicos, com vistas ao desenvolvimento natural dos alunos, de conformidade com as ideias pregadas pelo movimento escolanovista, que advogava o ensino centrado no aluno. Esse é um discurso que permeou a educação como um todo, mas ganhou espaço privilegiado no campo da educação especial, vindo a nortear as práticas educacionais. Essa penetração foi favorecida, em grande medida, pela conformação periférica da educação desses alunos, no sentido de que a demanda social mais restrita e o caráter mais idiossincrásico desse 19 atendimento escolar impôs o trabalho com pequenos grupos, sendo a pequena escala uma condição indispensável à aplicação dos princípios escolanovistas. Palavras‐chave: Trabalho didático. Educação especial. Montessor; Descoeudres. Individualização do ensino. SURGIMENTO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NA MODERNIDADE Até o século XVIII, as noções acerca da deficiência foram muito marcadas pela visão teológica. A superação dessa perspectiva arrastou‐se por um longo tempo e teve seu primeiro marco no início do século XVI, com a obra do médico e alquimista Philipus Aureolus Paracelso (1493‐1541), Sobre as doenças que privam o homem da razão, escrita em 1526 e publicada em 1567, postumamente. Pela primeira vez, uma reconhecida autoridade da medicina considerou a deficiência mental como um problema médico e não teológico; para o referido autor, o louco e o idiota seriam “[...] doentes ou vítimas de forças sobre‐ humanas cósmicas ou não, e dignos de tratamento e complacência” (PESSOTTI, 1986, p.15). Essa visão foi referendada por Jerônimo Cardano (1501‐1576), filósofo, matemático e médico que, além de reconhecer implicações orgânicas nos quadros de deficiência mental, se preocupava com a questão da instrução dessas pessoas. Em Londres, no ano de 1664, foi publicado o trabalho de Thomas Willis (1621‐1675), Cerebri Anatome, no qual o autor assumiu uma postura organicista diante da deficiência mental, para ele resultante de lesões ou disfunção do sistema nervoso central. Sua análise foi enriquecida e complementada pelo trabalho de Francesco Torti (1658‐1741) que, ao relacionar os quadros de deficiência com mala aira (malária, ou mau ar dos pântanos) apontou, pela primeira vez, a concorrência de fatores ambientais como determinantes da deficiência mental (PESSOTI, 1986,p.20). Contudo, foi apenas com a superação da doutrina vigente sobre a mente humana e suas funções que essas ideias começaram a penetrar o senso comum. Essa superação está demarcada pelos trabalhos de John Locke (1632‐ 1704), filósofo, médico e político inglês, que sistematizou em uma de suas principais obras 20 “Essay concerning Human Understanding”, editada em 1690, sua filosofia empirista. Para ele, uma das fortes evidências de que as ideias não são inatas está no fato de que tanto as crianças como os apreendem. Se, portanto, as crianças e os idiotas possuem almas, possuem mentes, dotadas destas impressões, devem inevitavelmente percebê‐ las, e necessariamente conhecer e assentir com estas verdades; se, ao contrário, não o fazem, tem‐se como evidente que essas impressões não existem (LOCKE, 1978, p.146). Locke considerou que a mente equivaleria a uma tábula rasa na qual as ideias seriam impressas a partir das sensações.Suponhamos, pois, que a mente é, como dissemos, um papel branco, desprovida de todos os caracteres, sem quaisquer ideias; como ela será suprida? De onde lhe provém este vasto estoque, que a ativa e que apreende todos os materiais da razão e do conhecimento? A isso respondo, numa palavra, da experiência. Todo o nosso conhecimento está nela fundado, e dela deriva fundamentalmente o próprio conhecimento (ibid., p. 159). De acordo com Pessotti, Locke inaugura simultaneamente uma teoria do conhecimento e uma doutrina pedagógica; o primado da sensação passa de preceito pragmático a princípio filosófico e pedagógico geral, com uma didática decorrente (1986, p. 22). Essas ideias influenciaram, sobremaneira, o pensamento e a educação que se seguiram. Ressalte‐se que, nesse período, a educação ainda se estabelecia, predominantemente, por meio de uma relação individualizada entre preceptor e discípulo, só estando disponível para os mais abastados (ALVES, 2001). Sendo essa a relação educativa dominante, fica evidente que a educação de pessoas com deficiência era organizada nos mesmos moldes. Lacerda coloca o fato em destaque, ao abordar a educação de surdos: É no início do século XVI que se começa a admitir que os surdos podem aprender através de procedimentos pedagógicos sem que haja interferências sobrenaturais. [...] A figura do preceptor era muito frequente em tal contexto educacional. Famílias nobres e influentes que tinham um filho surdo contratavam os serviços de professores/preceptores para que ele não ficasse privado da fala e 21 consequentemente dos direitos legais, que eram subtraídos daqueles que não falavam. (LACERDA, 1998, não paginado). Na transição do século XVIII para o XIX, Jean Marc Gaspard Itard (1774‐ 1838) propôs um programa educativo individual para o menino Victor de l’Aveyron. Galvão e Dantas (2000) assinalam que ele seguia o modelo educacional dominante à época que era, justamente, o preceptorado, e afirmam que “a consolidação de instituições de educação coletiva só foi ocorrer ao longo daquele século, com a progressiva organização dos Estados nacionais e dos sistemas públicos de educação.” (GALVÃO; DANTAS, 2000, p.86). Segundo Bueno, A educação especial surge nas sociedades ocidentais industriais no século XVIII, como parte pouco significativa de um conjunto de reivindicações de acesso à riqueza produzida (material e cultural) e que desembocou na construção da democracia republicana representativa, cujo modelo expressivo foi o implantado na França pela Revolução de 1789. [...] o acesso à escolarização dos deficientes foi sendo conquistado ao mesmo tempo em que se conquistava este mesmo acesso para as crianças em geral. [...] A Educação Especial nasceu voltada para a oferta de escolarização de crianças cujas anormalidades foram aprioristicamente determinadas como prejudiciais ou impeditivas para sua inserção em processos regulares de ensino. E esta não é uma mera diferença de ênfase na análise do percurso histórica da Educação Especial, mas uma diferença de fundo, demonstrativa do caráter de segregação do indivíduo anormal e dos processos exigidos pelas novas formas de organização social (1994, p. 37,). Fica, então, marcada a oposição anormalidade/normalidade como distintiva entre as duas propostas educacionais. A educação geral, regular, incumbir‐se‐ia de atender o aluno normal, que respondia ao padrão esperado para seu tempo, e a educação especial atenderia o aluno anormal, que diferia daquele padrão. As primeiras instituições voltadas ao atendimento de crianças com deficiência surgiram na segunda metade do século XVIII. Em Paris, em 1760, surgiu a escola do Abade Charles M. Epée, voltada ao atendimento da criança surda, que, posteriormente, foi transformada no Instituto Nacional de Surdos‐Mudos. A escola 22 para cegos foi instituída por Valentim Haüi, em 1784 e, após a Revolução Francesa, passou a chamar‐se Instituto dos Jovens Cegos de Paris. O atendimento escolar de pessoas com deficiência física e mental tardou mais; apenas em 1832 surgiu em Munique, na Alemanha, uma instituição voltada ao atendimento do deficiente físico. A primeira instituição, bem sucedida, no atendimento de alunos com deficiência mental foi a Escola de Abendberg, criada em 1840, por um médico suíço de nome Guggenbühl, alojada em uma montanha no Cantão de Berna, (MAZZOTTA, 1996, p.22). É importante assinalar que, desde 1816, já haviam sido feitos ensaios, malfadados, de criação de serviços educacionais para os imbecis e idiotas, o primeiro deles, em 1816, em Salzburgo. Outras experiências foram feitas na década de 1830, em França, no hospital de Bicêtre e em Salpêtrière, também mal sucedidas por falta de apoio financeiro (PESSOTI, 1984, p.95). O movimento de ampliação da educação especial se deu na mesma medida em que ocorreu a expansão da educação geral; não aconteceu, porém, no mesmo ritmo. O atendimento manteve‐se, por longo tempo, em escolas e instituições paralelas, no mais das vezes, de caráter privado. Essa pode ser apontada como uma marca da educação especial, pois o subsídio público nunca foi o bastante para atender, minimamente, a demanda dos necessitados desse ensino. A escola comum não era lugar para o aluno anormal, pois ele perturbaria a ordem estabelecida e não teria atendimento adequado às suas necessidades específicas. Sobre o atendimento educacional do deficiente mental, Carneiro Junior assim se expressou: Si aprofundarmos as nossas observações sobre as crianças que frequentam escolas públicas, nos convenceremos de que, além dos idiotas profundos e semi idiotas, cretinos e imbecis, que geralmente são delas afastados, — há ainda phrenastenicos ou deficientes, tardios ou fracos de espírito, tarados e instáveis que as frequentam com perda de tempo, perturbação para o regimento e disciplina da escola e prejuízo certo para sua mentalidade defeituosa (1913, p.27). Saliente‐se que o atendimento da escola comum tomava como referência o aluno médio, pois só assim seria possível a instituição do ensino coletivo. Se o 23 mestre artesão, a seu tempo, voltava‐se ao atendimento individualizado de seu discípulo, o professor, por sua vez, passou a utilizar ferramentas como o quadro de giz e o livro didático, que lhe permitiram atender coletivamente a todos os alunos. Comenius indicava esse caminho em sua Didática Magna: [...] o nosso método encontra‐se adaptado às inteligências médias (das quais há sempre muitíssimas), de tal maneira que nem faltem os freios para moderar as inteligências mais subtis (para que não enfraqueçam prematuramente), nem o acicate e o estímulo para incitar os mais lentos. [...] no exército escolar, convém proceder de modo que os mais lentos se misturem com os mais velozes, os mais estúpidos com os mais sagazes, os mais duros com os mais dóceis, e sejam guiados com as mesmas regras e com os mesmos exemplos, durante todo o tempo em que tem necessidade de ser guiados. (COMÉNIO, 1985, p.177‐178). Na transição do século XIX ao XX, o enfoque médico‐pedagógico, que caracterizava a educação de crianças com deficiência mental, foi dando lugar, ao enfoque psicopedagógico (JANNUZZI, 2004), que avançava na educação como um todo, sob o influxo de um amplo movimento de reforma pedagógica que, a despeito de diferenças internas, ficou conhecido sob a denominação genérica de Escola Nova. Essa influência se fez sentir, particularmente, por meio das experiências desenvolvidas por médicos e educadores europeus, dentre os quais destacamos, para essa análise, Maria Montessori e Alice Descoeudres. A relevância dos trabalhos dessas autoras se deve ao fato de que ambas ainda embasam fortemente as práticas educacionais voltadas para alunos com deficiência mental, particularmente aquelas que se desenvolvem no âmbito das instituições especializadas, como APAE e Pestalozzi.Foram também inspiradoras para a educação regular, como se pretende evidenciar. Suas propostas serão analisadas, com vistas a indicar de que modo conformaram o trabalho didático voltado à educação de pessoas com deficiência mental, no primeiro terço do século XX. 24 MONTESSORI E A EDUCAÇÃO DOS DEFICIENTES MENTAIS Maria Montessori (1869‐1952) foi a primeira médica formada na Itália, pela Universidade de Roma – por isso ser conhecida como a ‘doutora’ –, e destacou‐ se na educação do período por conseguir avançar na proposição de uma educação de caráter individualizado. Montessori articulou‐se com os esforços do movimento de renovação educacional, tendo por base os princípios froebelianos e os avanços da ciência psicológica. Seguindo os passos de Édouard Séguin, manteve foco inicial na educação de crianças com deficiência mental; foi sobre essa experiência que a autora fundou um método de educação adequado ao pré‐escolar, pelo qual é mundialmente reconhecida. Na terceira edição, corrigida e ampliada, do livro Pedagogia Científica, Montessori indica que seu método nasceu da experiência com crianças anormais, desenvolvidas nos orfanatos e classes de alunos lentos. Indica ainda que: [...] o sistema educativo oferecido nas Case dei Bambini nasceu de fato e deve sua existência a causas muito mais distantes; e se o processo da presente experiência com crianças normais foi tão breve, se deve ao fato de ter sido precedida de muitas outras feitas com crianças anormais e que representam um longo trabalho intelectual. (MONTESSORI, 1937, p.33). Trabalhou como professora auxiliar em clínica de psiquiatria na Universidade de Roma, ocasião em que tomou contato estreito com os pacientes dos manicômios, e entre suas funções estava a de selecionar aqueles pacientes elegíveis para ensino clínico. Foi nesta ocasião que conheceu o ensino de crianças idiotas e se interessou por ele. Naquele período estava em pauta a organoterapia tireoidiana, e a autora assinala que, entre confusões e exageros, o êxito no tratamento de alguns pacientes alertava os médicos para as necessidades das crianças com idiotia. Foi a partir deste primeiro contato que tomou conhecimento do método educacional desenvolvido por Édouard Séguin e desenvolveu interesse pela eficácia dos tratamentos pedagógicos, com vistas a curar condições mórbidas como surdez, paralisia, idiotismo, raquitismo, entre outros Considerou que a articulação da 25 pedagogia com a medicina era uma conquista da modernidade e sobre essa base se estabeleceria uma terapia pelo movimento. Em oposição à maioria de seus colegas, afirmou que a questão dos deficientes era antes uma questão pedagógica do que médica. Foi assim que propôs no Congresso Pedagógico de Turin, em 1898, um método de educação moral, que ganhou divulgação e alcançou grande interesse por parte das escolas. Desse modo, Montessori passou a realizar uma série de palestras para professores sobre a educação de crianças anormais. Com o tempo, seu curso levou à proposição de uma Escola Normal Ortofrênica, que foi dirigida por ela durante dois anos. A escola era mantida por um Instituto que, além de oferecer um externato, passou a atender crianças com deficiência mental nos manicômios de Roma. Foi um período de trabalho febril, no qual a própria Montessori, depois de uma estadia em Londres e Paris estudando a educação dos anormais, se colocou em posição de ensinar as crianças e dirigir a obra das educadoras de crianças anormais do Instituto. Nesse período, passou a ensinar pessoalmente as crianças, das oito da manhã às sete da noite, sem interrupção. A própria autora considera que esses dois anos de prática a credenciaram como pedagoga. A partir dessa experiência, começou a intuir que aqueles métodos de ensino não tinham nada de especial para a instrução de deficientes: eram métodos adequados à educação de qualquer um, já que se assentavam sobre princípios de educação mais racionais do que os vigentes. Montessori credita os avanços da educação especial aos trabalhos pioneiros de Peréire, do Instituto de Surdomudos de Paris e ao trabalho de Itard com o Selvagem de Aveyron, mas, considera que a Édouard Séguin corresponde o mérito de haver completado um verdadeiro sistema educativo para crianças anormais. Seu método foi exposto em um livro de mais de seiscentas páginas, publicado em Paris, em 1846, sob o título: Tratamento Moral, Higiene e Educação dos Idiotas. (MONTESSORI, 1937, p.35‐36). Após a publicação da obra, Séguin migrou para os EUA onde, depois de outros vinte anos de experiência, publicou uma segunda edição de seu método com novo título: Idiotia ‐ tratamento pelo método fisiológico. 26 A pequena penetração da obra de Séguin nos países europeus levou Montessori a considerar que sua obra havia sido mal compreendida. Verificou que era frequente o uso do material indicado por ele, contudo, seu uso era feito de forma mecânica, cada professor seguia seus próprios hábitos, motivo pelo qual, na prática, o método se revelava infrutífero. Para a autora, o que não permitia aos professores retirar proveito do método era a forma como compreendiam a indicação de que se deveriam colocar no nível dos alunos. Sabe que vai educar crianças deficientes e por isso não consegue educá‐ los, assim ocorre que muitos professores de deficientes acreditam educar as crianças colocando‐se a seu nível com jogos e bufonadas, e às vezes dizendo puras bobagens (MONTESSORI, 1937, p.37). Considerou que, muito ao contrário, o importante era despertar o homem que dorme na alma da criança. A partir da obra de Séguin, Montessori começou a desenvolver suas próprias reflexões que resultaram em seu método original. Uma das suas contribuições diz respeito ao ensino simultâneo de leitura e escrita que, segundo considerou, constava defeituosa tanto nos trabalhos de Itard como nos de Séguin. As crianças deficientes foram auxiliadas por ela no seu desenvolvimento psíquico, e conseguiram aprender leitura e escrita; algumas delas prestaram exames em escolas públicas e conseguiram aprovação junto com outras crianças normais. Seu trabalho foi tecido nos mesmos moldes da educação de Séguin que conduzira o deficiente de uma vida limitada a uma vida de relações. “Da educação dos sentidos às noções; das noções às ideias e das ideias à moralidade” (SÉGUIN apud MONTESSORI, 1937, p. 40). A autora considerou a necessidade de refletir demoradamente sobre as obras de Itard e Séguin e, para tanto, tratou de copiar suas obras com escrita caligráfica. Afirma que o fez devagar e com boa letra para ter tempo de refletir sobre cada ideia e consideração dos mestres. Quando estava por terminar a cópia do primeiro livro de Séguin, chegou‐lhes às mãos sua segunda obra, em inglês, que começou a traduzir com auxílio de uma senhora inglesa. 27 Para ela, a segunda obra trazia a filosofia das experiências expostas na primeira obra, pelo que observa: O homem, que havia estudado, durante trinta anos, as crianças anormais expunha a ideia de que o método fisiológico isto é, o método que tivesse por base o estudo individual do aluno e, nos procedimentos educativos, tivesse em conta a análise dos fenômenos fisiológicos e psíquicos, também devia ser empregado para as crianças normais, do que resultaria a regeneração de toda a humanidade. (MONTESSORI, 1937, p.41). Montessori viu nessas palavras a expressão de um visionário que conseguira abarcar com o pensamento a ação que seria capaz de reformar a escola e a educação. A despeito de todo o crédito conferido por ela às obras do autor, Montessori acabou por abandonar o método de Séguin, por considerá‐lo trabalhoso e pouco efetivo. Em suas palavras: “[...] a enorme quantidade de procedimentos e de esforços que exigia era desproporcional, em vista dos exíguos resultados. Todos me repetiam: sobram muitas coisaspara fazer na educação das crianças anormais” (ibid.; p. 40). Tomando por base as ideias de Séguin, desenvolveu seu próprio método, de educação para os anormais, enfatizando a individualidade do aluno. Ao cabo de algum tempo ponderou que seu método poderia contribuir para o desenvolvimento infantil, de forma geral, constituindo‐se em “higiene da personalidade humana normal” (ibid., p.43) e, a partir dessas considerações, lançou‐se em definitivo, na experimentação de seus métodos nas classes elementares da escola primária, com alunos normais. Toda a proposta educacional desenvolvida por Montessori assentou‐se sobre a educação dos sentidos. A autora destacou a necessidade de avançar na preparação metódica dos indivíduos para as sensações. Considerava que a educação dos sentidos tinha enorme importância pedagógica, seria a base necessária ao pleno desenvolvimento biológico sobre o qual se assentaria a adaptação social dos sujeitos. Segundo ela: Nosso objeto educativo deve ser o de ajudar o desenvolvimento da infância, não o de dar‐lhe cultura. Por isto, depois de haver oferecido à criança o material didático adequado para provocar o desenvolvimento dos sentidos; devemos 28 esperar que se desenvolva a atividade de observação. (ibid., p. 199). A educação montessoriana funda‐se no princípio de apoio ao desenvolvimento natural do indivíduo, sem preocupar‐se com a transmissão cultural, sobre a qual estava assentada a educação de seu tempo. Para alcançar tal intento, a autora propôs a adaptação do ambiente às necessidades e personalidade dos alunos. Considerou que a vigilância do adulto e os ensinamentos deveriam ser reduzidos ao mínimo necessário. Quanto ao espaço físico propôs a utilização de móveis e objetos simples, atraentes e práticos, que fosse estimulantes e seguros para a atividade infantil. A tarefa da educação se divide entre a mestra e o ambiente. A antiga mestra ‘ensinante’ foi substituída por um conjunto muito mais complexo; quer dizer, coexistem com a mestra muitos objetos (os meios de desenvolvimento) que contribuem para a educação da criança. A profunda diferença que existe entre nosso método e as chamadas ‘lições de coisas’ dos métodos antigos reside em que os ‘objetos’ não são uma ajuda para a mestra que há de explicar suas lições, ou seja, não são ‘meios didáticos’. São, em contrapartida, uma ajuda para a criança que os escolhe, que se apropria deles, os utiliza e se exercita segundo suas próprias tendências e necessidades e conforme os impulsos que o objeto desperta. Desta feita, os objetos se convertem em ‘agentes estimulantes de sua própria atividade’. Os objetos, não o ensino da mestra, são o principal; e, como quem os utiliza é a criança, este é o ente ativo, não a mestra. (MONTESSORI, 1937, p. 176). Como se observa, os meios de trabalho adquirem preponderância no método montessoriano, nessas condições o papel do mestre se restringe ao apoio no uso do material disponível. Considera a autora que as professoras das escolas montessorianas, deveriam renunciar à posição de ‘ensinantes’ e adotar uma nova postura: auxiliar as crianças a explorar plenamente o material disponível. A mestra deve conhecer muito bem o material, tê‐lo sempre muito presente na memória e aprender com exatidão a técnica experimentalmente determinada de apresentar o material e tratar a criança convenientemente para guiá‐la com eficácia. Isto é o essencial na preparação da mestra. Poderá estudar teoricamente alguns princípios gerais utilíssimos para orientar‐se na prática, mas só com a experiência 29 adquirirá as delicadas modalidades que variam tratando com indivíduos distintos, para não entreter mentes já desenvolvidas com materiais inferiores às capacidades individuais, provocando o fastio, e não oferecer objetos que a criança não pode apreciar ainda, esfriando assim o primeiro entusiasmo infantil. (ibid., p. 177). Para a autora, quando uma criança se auto‐educa e o próprio material lhe indica os erros, resta muito pouco à professora, nessas condições sua ação se restringe à observação e direção da atividade psíquica e do desenvolvimento fisiológico da criança. O método montessoriano também confere grande destaque à ordenação do ambiente educacional, os objetos presentes nas classes devem ser cuidadosamente dispostos, ao alcance das crianças e devem ser definidos a partir das necessidades e possibilidades de cada etapa do desenvolvimento infantil. De cada objeto particular deverá existir apenas um exemplar; o material deve ser atrativo, colorido, simples, leve e, ao mesmo tempo, resistente. Cada criança poderá utilizar os brinquedos e objetos disponíveis segundo seu próprio interesse e ritmo. Após o uso, deverá limpá‐lo e devolve‐lo ao lugar de origem, para que possa ser utilizado por um colega. Montessori pretende eliminar as disputas infantis por meio da instauração de uma regra simples: caso uma criança queira utilizar qualquer objeto que esteja de posse de um colega, deverá aguardar que seja disponibilizado, esse expediente também permitiria exercitar a disciplina e a paciência. Considera a autora que seu método oferece resposta para o problema da educação individual podendo servir tanto ao atendimento educacional de alunos normais como dos deficientes, com um mínimo de gasto e energia, superando os limites das propostas de seus contemporâneos que se assentaram na redução do número de alunos por classe. Ponderou que, sob seu método, fundado na autoeducação, não seria necessário reduzir o número de alunos por classe nem dispor de grande volume de recursos didáticos, tampouco seria necessário recorrer a profissionais altamente especializados. Muito ao contrário, seria possível atender ao menos quarenta alunos por classe, sem que o mestre necessitasse qualquer preparação científica, bastaria que soubesse aplicar bem a arte de eliminar‐se, e não obstaculizar o 30 desenvolvimento natural da criança. Esse processo seria guiado pela identificação e uso dos períodos sensitivos, referências psicológicas da nova educação. Oferecer à criança as atividades atinentes às necessidades de cada etapa, este seria o problema da nova pedagogia. Montessori reconheceu que essa tarefa não seria fácil, pois grande parte dos conteúdos escolares são definidos a partir de critérios culturais e não psicológicos. Ao comparar seu método com as demais experiências modernas de educação, a autora destaca: Até nas escolas chamadas modernas, onde se acredita oferecer educação individual, existe uma marcada diferença com as escolas Montessori. Ali existe um professor que ensina uniformemente a coletividade, conceito profundamente diferente do aluno no método Montessori, que consiste em livrar a criança do professor que ensina e substituí‐lo por um ambiente onde a criança possa escolher o que é adequado a seu próprio esforço e às necessidades íntimas de sua personalidade. (MONTESSORI, 1965, p. 93) Destaca que em seu método parte‐se do princípio de que é a pedagogia que revela a psicologia e não o contrário, ou seja, considera que as atividades psíquicas só se revelariam pela atividade espontânea do aluno e não a partir de um a priori, desse modo estabelece uma crítica a outras formulações pedagógicas que consideram possível conhecer o educando de antemão a partir da ciência psicológica (ibid., p. 94). No que tange aos programas de estudo e instrução, a autora defende que sejam definidos a partir da personalidade de cada aluno tomando por guia sua idade e nível de desenvolvimento, ao invés do ano escolar. Com respeito às marcas distintivas entre alunos com deficiência e os normais destacou a autora: A primeira e fundamental diferença entre uma criança mentalmente inferior e uma criança normal, quando colocadas diante de um mesmo material, é que o deficiente não manifesta um interesse espontâneo e é necessário chamar‐lhecontinuamente a atenção, instigando‐o a observar e comparar, exortando‐o à ação (MONTESSORI, 1937, p. 207). A autora considerou que, com seu método, seria possível atender na mesma classe, alunos com perfis diferentes, quando o contexto não permitisse a instituição 31 de escolas graduadas. Nossos métodos têm a vantagem, para sua aplicação nas escolas, de poder reunir em uma única classe crianças que tenham alcançado distintos graus de adiantamento. Em nossas primeiras “Case dei Bambini” estão reunidas crianças de dois anos e meio, que apenas chegam à realização dos primeiros exercícios sensoriais, com crianças de mais de cinco anos, que em pouco tempo poderiam passar à terceira classe da escola pública. Cada um se aperfeiçoa por si mesmo e avança segundo sua potencialidade individual. Este método seria muito vantajoso e facilitaria o ensino nas escolas rurais e naquelas localidades onde a escola não pode graduar‐se. [...] Outra de suas vantagens consiste em que a professora pode passar o dia todo sem fatigar‐se, nem consumir suas forças com crianças que tenham alcançado distintos graus de desenvolvimento; assim como uma mãe que vive sem cansar‐se entre seus filhos de distintas idades (ibid., p. 336). A partir dessas considerações nos parece legítimo inferir que, a despeito de reconhecer diferenças entre as crianças normais e anormais, a autora admitiria a possibilidade de atender alunos com deficiência em classes normais, naquelas condições em que a proposição das classes graduadas não fosse possível e desde que o professor atentasse às necessidades e ritmos particulares de seus alunos. Montessori ponderou que seu método não elimina o professor, mas lhe propõe um novo papel: de guia dirigente e animador. Segundo a autora, o professor deve manifestar genuíno interesse pelos progressos dos seus alunos, deve ser inteligente, sensível e vivaz, com grande saber e experiência, de modo a infundir respeito e admiração nas crianças. A EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS RETARDADAS ‐ A OBRA DE ALICE DESCOEUDRES Alice Descoudres (1877‐1963), pedagoga genebrina, é importante referência da educação especial no campo da deficiência mental. Foi uma das fundadoras do Instituto Jean Jacques Rousseau, em Genebra, onde atuou como assistente de Édouard Claparède A autora iniciou a prática na área em 1909, quando aceitou a 32 direção de uma classe de alunos retardados, em Genebra. De 1912 a 1947, manteve um curso sobre a educação de alunos com deficiência mental e organizou, no referido Instituto, estágio para estudantes que pretendiam aprofundar seus conhecimentos nessa área. Descoeudres recebeu forte influência dos trabalhos de Ovide Decroly, psiquiatra e pedagogo com quem tivera contato nas escolas belgas, voltadas ao atendimento de deficientes mentais, na condição de estagiária. Teve importante papel na construção de instrumentos e técnicas de psicologia aplicada à educação, e na realização de experiências psicológicas não apenas na sua escola, mas também “[...]nos lares familiares, nos jardins públicos, nos ônibus ... em todo o ambiente natural onde pôde encontrar crianças para observar, indagar, registrar seus comportamentos e respostas”. (ANTIPOFF, In: DESCOEUDRES, 1963, p. 8). Seu livro Education des Arriéres teve sua primeira edição publicada em 1916, em Neuchâtel, sob o título L'éducation des enfants anormaux pela editora Delachaux & Niestlé S.A. A versão que foi publicada no Brasil, em 1968, corresponde à 3ª edição da mesma obra, revista e rebatizada pela autora. A edição em português foi traduzida e publicada por iniciativa da Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais, à época sob a direção de Helena Antipoff, e teve amplo apoio do Governo Estadual, com a intenção de divulgar mais amplamente os métodos da pedagogia moderna. No primeiro capítulo da obra, a autora trata de definir quem são as crianças anormais, e apoia‐se em outros autores (Ley, Binet e Simon) para indicar que anormal ou débil é a criança que: [...] chega a comunicar verbalmente e por escrito com os seus semelhantes, mas que apresenta um retardamento escolar de dois anos – se tem menos de 9 anos – e de 3 anos, se tem mais de 9 anos – contanto que esse retardamento não ocorra por conta de uma insuficiência de escolaridade. (DESCOEUDRES, 1968, p. 25). A partir da citação, fica claro que Descoeudres faz referência ao alunado que, comparado à criança‐tipo, apresenta atraso sistemático nas aquisições acadêmicas, dando lugar a uma nova categoria no âmbito da deficiência mental, o anormal ou débil, que se somaria aos imbecis e idiotas, dos quais se diferenciam por apresentarem habilidades sociais de base; no entanto, indica a autora que esses 33 quadros são de difícil diagnóstico por diferirem muito pouco de seu grupo etário (ibid., p. 25). Com respeito ao atendimento escolar de alunos com deficiência mental, em geral, Descoeudres assinala que os sistemas escolares preveem atendimento diferenciado, a depender do grau de comprometimento. Para os profundamente anormais, estariam disponíveis os internatos e para os retardados, os externatos. A autora considerou que a condição ideal para o regime de internato seria o funcionamento em uma casa de campo, com regime familiar, onde cada professor assumiria a posição de pai de família de um grupo de até dez crianças. Já no caso dos externatos, assinalou a existência de dois sistemas: a) classes especiais anexas a escolas de normais; b) escolas autônomas para retardados e anormais. As classes especiais reuniriam crianças retardadas e anormais entre 06 e 15 anos, seriam classes mistas (meninos e meninas), das quais estariam excluídos os idiotas e os viciosos ou todos aqueles que, por seu comportamento ou por sua saúde, acarretariam graves inconvenientes ao atendimento conjunto. Por outro lado, poderiam ser incorporados alunos com deficiência física (que não seria seguro integrar nas classes normais), surdos‐mudos com deficiência mental associada e, também, os indisciplinados. A despeito das idiossincrasias que podem marcar o desenvolvimento dessas crianças a autora enfatizou que a formação de grupos homogêneos é um dos elementos preponderantes a se considerar na formação das classes especiais. Destacou, também, a importância de favorecer o A despeito das idiossincrasias que podem marcar o desenvolvimento dessas crianças a autora enfatizou que a formação de grupos homogêneos é um dos elementos preponderantes a se considerar na formação das classes especiais. Destacou, também, a importância de favorecer o convívio com alunos normais, principalmente alunos mais desenvolvidos, que poderiam assumir responsabilidade pela vigilância ou cuidado dos anormais nos momentos de recreação. Com respeito às escolas autônomas para o atendimento de retardados e anormais, indicou que essas poderiam variar muito nos graus de ensino oferecidos e 34 no modo de organização, o que estaria na dependência do número e da qualidade das crianças (DESCOEUDRES, 1968, p.37), podendo funcionar, algumas vezes, como semi‐internatos. Seja nas classes especiais ou nas escolas autônomas, um aspecto destacado pela autora é a prática da coeducação dos sexos, mais no sentido de obter grupamentos homogêneos, do que por princípio. Outro elemento característico dessa educação seria a ênfase na educação em detrimento da instrução: Com anormais, se cuide mais da educação do que da instrução, que, do ponto de vista do desenvolvimento intelectual e da utilização social, revela apenas valor muito relativo. Como bem disse Binet, a vida representa mais uma luta de caracteres do que de inteligências. E, pois, o que cumpre ensinar às crianças não são tais ou tais noções, por mais interessantes que sejam estas, mas sim, dar‐lhes lições de atenção, de vontade, de disciplina. (ibid., p.40). Com essa afirmação, a autora indica claramente o caráterutilitarista de sua posição, em acordo com o pensamento de grande parcela dos reformadores educacionais de seu tempo, que também pregavam esses valores para a educação comum. Com respeito à formação dos mestres, Descoudres tece considerações que merecem destaque. Considera imprescindível que o trabalho nessa área seja uma escolha pessoal e destaca o caráter do mestre como a questão preponderante, com ênfase nos seguintes aspectos: Faz‐se necessária uma preparação científica que abarque noções de psiquiatria, psicologia, e pedagogia especial, higiene escolar, medidas ortopédicas, anatomia e fisiologia dos órgãos da palavra; cumpre ainda conhecer as formas de tratar vícios de linguagem, ter conhecimento de leis, de instituições econômicas e sociais que possam ser de interesse dos excepcionais. É fundamental que os professores tenham uma preparação técnica para trabalhos manuais (cartonagem, cestaria, marcenaria, etc.), além de conhecimento do trabalho froebeliano. Impõe‐se uma preparação prática que implica um estágio em classes especiais, instituições especializadas, ou em jardins de infância, além do 35 conhecimento prático de obras de caráter filantrópico. (DESCOEUDRES, 1968, p.40‐41). No que concerne ao trabalho didático, propriamente dito, Descoeudres destacou alguns princípios norteadores, sendo que o primeiro e principal seria alicerçar o processo educacional especial na atividade do aluno, abarcando a esfera corporal, intelectual e manual. Esse princípio valeria para todo e qualquer aluno (inclusive os normais) e deveria orientar o trabalho didático em todos os graus. Um corolário desse primeiro princípio seria a garantia do máximo de liberdade compatível com uma boa disciplina (1968, p.51); por decorrência, as atividades escolares deveriam ser desenvolvidas em jardins, passeios e logradouros públicos, sempre que as lições se prestassem a isso, considerando, a autora, que a disciplina não se perderia em uma classe pequena. Um segundo princípio de particular importância para o ensino especial seria a educação sensorial e intuitiva. Os órgãos dos sentidos, compreendidos como portas de entrada da inteligência deveriam ser exercitados amplamente de modo a que as crianças adquirissem consciência das sensações que lhes fossem transmitidas. A intuição descerá até aos últimos elementos em que se firmam as percepções: ela analisará, dissecará, esquadrinhará; terá por fim 1º ‐ precisar as noções adquiridas; 2º‐ criar novas; 3º ‐ melhorar, enobrecer e enriquecer a expressão verbal, ligando o mais intimamente possível as representações verbais às coisas que elas exprimam, o que será o melhor meio de não se deixar enganar pela habilidade dos débeis em servir‐se de palavras vazias de sentido. (ibid., p. 52‐53). A autora enfatizou a importância do ensino intuitivo para os débeis que, por apresentarem baixa responsividade à excitação exterior, armazenam poucas imagens. Considerou que o ensino intuitivo intenso seria a resposta a essa debilidade, sobretudo se assentado no contato estreito com a natureza. Outro princípio essencial a ser considerado para a educação desses alunos seria a união estreita com a vida. Queremos preparar nossos alunos para a vida: cumpre, pois, que a escola deixe – prouvesse aos deuses que ela deixasse de o ser para todas as crianças! 36 Mas que ao menos deixe para os nossos retardados – de ser uma escola escolástica, para se tornar um centro de vida.(DESCOEUDRES, 1968, p.53). Descoeudres apontou que essa proposição de articulação com a vida teria várias interpretações entre os educadores seus contemporâneos, referiu, aos “Centros de interesse” utilizados na Bélgica com essa finalidade; fez, também, referência ao método Freinet, que introduziu a imprensa na escola, e que, segundo ela, abarcaria tudo o que pudesse vir a atingir o interesse da criança no percurso dos graus escolares. Outro princípio de suma importância para o ensino especial seria o da individualização que, para a autora, não implicaria um atendimento individual, mas sim que, ao atender um grupo, o professor consideraria as necessidades individuais dos alunos, por exemplo: em uma lição de coisas, atentaria para que os deficientes visuais tivessem enfatizada a sensibilidade tátil, os surdos aproveitassem a mesma atividade do ponto de vista da linguagem e os deficientes mentais fossem exigidos nas noções mais elementares. Finalmente, destacou de forma explícita o princípio do utilitarismo, enfatizando a necessidade de ter em conta a utilidade imediata das noções adquiridas durante o ensino. “[...] cumpre que a criança disponha, quanto antes, dos meios de ganhar a vida; e, devemos descobrir e desenvolver lhe as aptidões, utilizar a sua exígua mentalidade com parcimônia, orientando‐a para um fim prático” (ibid., p. 55). As propostas de Maria Montessori e Alice Descoeudres para a educação de alunos com deficiência mental foram desenvolvidas no primeiro terço do século XX, sob influxo do amplo movimento de reforma educacional que ficou conhecido como Escola Nova, cujo ideário impactou as práticas pedagógicas ao longo do século e ainda tem grande influência na educação contemporânea, com particular destaque no campo da educação especial. Dentre os princípios norteadores desse movimento, destaca‐se a individualização do ensino, ponto comum nas propostas analisadas. Ao longo de todo o século XX, foram envidados esforços no sentido de individualizar o ensino, sempre na intenção de articular forma e conteúdo adequados 37 à educação liberal. Esse foi o mote do movimento reformador que estabeleceu severas críticas à educação tradicional, considerada verbalista, cujo acento se colocava na formação moral do homem, a qual foi substituída pela educação ativa, com foco na “formação do indivíduo egoísta e independente, membro ajustado da sociedade burguesa” (SAVIANI, 1999, p. 192). Desde o princípio, o grande desafio posto aos educadores escolanovistas foi a compatibilização da expansão da escola burguesa, com o ensino individualizado. No decurso do século XX as ideias desses reformadores tiveram ampla penetração no ensino comum; entretanto, a formidável e crescente demanda por ensino escolar inviabilizou a implementação desses princípios, por um simples motivo: nas condições materiais dadas a educação individualizada seria economicamente inviável. A despeito de todas as críticas o que prevaleceu na educação comum foi o ensino coletivo, que se consolidou como a forma mais adequada à universalização da educação escolar. Se o ritmo de expansão da escola comum não permitiu a individualização do ensino, não foi isso o que ocorreu na educação especial, particularmente na dos alunos com deficiência mental. Nesse campo, a proposta escolanovista ganhou espaço privilegiado e foi possível transformar princípios em prática. A nosso juízo, isso foi favorecido, em grande medida, pela conformação periférica da educação desses alunos, no sentido de que a demanda social restrita e o caráter mais idiossincrásico desse atendimento escolar impôs o trabalho com pequenos grupos. A despeito das considerações de Montessori sobre a possibilidade de universalização de seu método, a pequena escala se revelou uma condição imprescindível para a efetiva implementação do ensino individualizado. 38 REFERÊNCIA ALVES, G. L. A produção da escola pública contemporânea. Campo Grande, MS: Ed. UFMS; Campinas, SP: Autores Associados, 2001. BANKS‐LEITE, L.; GALVÃO, I. (orgs.) A educação de um selvagem: as experiências de Jean Itard. São Paulo: Cortez, 2000. BUENO, J. G. S. A educação do deficiente auditivo no Brasil. In: SORIANO DE ALENCAR, E.L.M. (org.). Tendências e Desafios da educação especial. Brasília: MEC/SEESP, 1994. CARNEIRO JUNIOR, M. Educação das Creanças Anormaes. São Paulo: Typ. Siqueira.1913. 39
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