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RESUMO CURRÍCULO Texto de... ILVA, Tomaz Tadeu da. Diferença e identidade: o currículo multiculturalista. In: ______. Documentos de identidade: uma introdução ás teorias do currículo. 2. ed. Belo Horizonte: Autentica, 2007. p. 85-90. Diferença e identidade: o currículo multiculturalista. · Multiculturalismo e um movimento legítimo de reivindicação dos grupos culturais dominados no interior daqueles países dominantes para terem suas formas culturais reconhecidas e representadas na cultura nacional. · Compreensão antropológica: devesse tolerar e respeitar a diferença porque sob a aparente diferença ha uma mesma humanidade. · São as relações de poder que fazem côn que a “diferença” adquira um sinal, que o “diferente” seja avaliado negativamente relativamente ao “não- diferente”. · Nos Estados Unidos, o multiculturalismo originou-se exatamente como una questão educacional ou curricular. · A perspectiva liberal ou humanista enfatiza um currículo multiculturalista baseado nas ideias de tolerância. · Da perspectiva mais crítica, focaliza se nas relações de poder, e a tolerância é colocada permanentemente em questão. · No haverá “justiça curricular” se o cânon curricular no for modificado para refletir as formas pelas quais a diferença e produzida por relações sociais de assimetria. As relações de gênero e a pedagogia feminista. · O termo “gênero” refere-se aos aspectos socialmente construídos do processo de identificação sexual. · O currículo produz relações de gênero. · O feminismo vinha mostrando que as linhas do poder da sociedade estão estruturadas não apenas pelo capitalismo, mas também pelo patriarcado. · Há uma profunda desigualdade dividindo homens e mulheres, e estende-se a educação e ao currículo. · Há desigualdade do gênero com questões de acesso, sobretudo nos paises periféricos do capitalismo. · O mundo social está feito de acordo com os interesses e as formas masculinas de pensamento e conhecimento. · Não existe nada mais masculino que a própria ciência. · A pedagogia feminista tentava construir um ambiente de aprendizagem que facilite o desenvolvimento de uma solidariedade feminina. O currículo como narrativa étnica e racial. · As teorias críticas focalizadas na dinâmica da raça e da etnia se concentram em questões de acesso a educação ao currículo. · A identidade étnica e racial está estreitamente ligada às relações de poder que opõem o homem branco europeu às populações dos países por ele colonizados. · Raça – cor da pele. · Etnia – características mais culturais. · O texto curricular está recheado de narrativas nacionais, étnicas y raciais, e conserva as marcas da herança colonial. · A questão torna-se então: como desconstruir o texto racial do currículo. · Um curriculo multiculturalista desse tipo deixaria de ser folclórico para se tornar profundamente político. Um currículo crítico deverá centrar-se na discussão das causas institucionais, históricas e discursivas do racismo. · A questão do racismo não pode ser analisada sem o conceito de representação, depende de relações de poder. Uma coisa “estranha” no currículo: a teoria queer. · A teoria queer surge, em países como Estados Unidos e Inglaterra, como uma espécie de unificação dos estudos gays y lésbicos. · Queer – “estranho”. · Através da “estranheza” quer-se perturbar a tranquilidade da “normalidade”. · O conceito de gênero foi criado para enfatizar o fato de que as identidades masculina e feminina são historicamente e socialmente produzidas. · A teoria queer começa por problematizar a identidade sexual considerada normal, ou seja, a heterossexualidade. · A identidade é sempre una relação: o que eu sou só se define pelo que não sou. · A homossexualidade torna-se como um desvio da sexualidade dominante, hegemônica, normal, isto é, a heterossexualidade. · A teoria queer quer nos fazer pensar o impensável, o que é proibido pensar, questionar todas as formas bem-comportadas de conhecimento e de identidade. · Estimula que a questão da sexualidade seja seriamente tratada no currículo como uma questão legítima de conhecimento e de identidade. O fim das metanarrativas: o pós-modernismo. · É um conjunto variado de perspectivas, abrangendo uma diversidade de campos intelectuais, políticos, estéticos, epistemológicos. · A educação tal como a conhecemos hoje é a instituição moderna por excelência, o questionamento pós-modernista constitui um ataque à própria idéia de educação. · A teorização crítica da educação e do currículo segue os da grande narrativa da modernidade, o pós-modernismo constitui uma radicalização dos questionamentos lançados às formas dominantes de conhecimento pela pedagogia crítica. · Para o pós-modernismo, o progresso não é algo necessariamente desejável ou benigno. · O pós-modernismo, inspirado no pós-estruturalismo, o sujeito não é o centro da ação social. Ele não pensa, fala e produze: ele é pensado, falado e produzido. · O pós-modernismo não rejeita simplesmente aquilo que critica: ele, ambígua e ironicamente, imita, incorpora, inclui. Não apenas tolera, mas privilegia a mistura, o hibridismo e a mestiçagem – de culturas, de estilos, de modos de vida. Inclina-se para a incerteza e a dúvida. A crítica pós-estruturalista do currículo. · O pós-estruturalismo é frequentemente confundido com o pós- modernismo. Embora partilhem certos elementos, o pós-modernismo define- se relativamente a uma mudança de época, o pós-estruturalismo limita-se a teorizar sobre a linguagem e o processo de significação. · Para o estruturalismo a língua é a estrutura, a fala é a utilização concreta, pelos falantes de uma língua particular, desse conjunto limitado de regras. · O pós-estruturalismo partilha com o estruturalismo a mesma ênfase na linguagem como um sistema de significação. · O processo de significação continua centra, mas a fixidez do significado que é, de certa forma, suposta no estruturalismo, se transforma, no pós-estruturalismo, em fluidez, indeterminação e incerteza. · Foucault: não existe saber que não seja a expressão de uma vontade de poder. Ao mesmo tempo, não existe poder que não se utilize do saber. · Como campos de significação, o conhecimento e o currículo são caracterizados também por sua indeterminação e por sua conexão como relações de poder. · Uma perspectiva pós-estruturalista sobre o currículo questionaria os “significados transcendentais”, ligados a religião, a pátria, a ciência, que povoam o currículo. Buscaria perguntar: onde, quando, por quem foram eles inventados. Uma teoria pós-colonialista do currículo. · O mundo contemporâneo, globalizado, só pode ser adequadamente compreendido se consideramos todas as consequências da chamada “aventura colonial européia” desde o século XV. · A análise pós-colonial busca examinar tanto as obras literárias escritas do ponto de vista dominante, quanto àquelas escritas por pessoas pertencentes às nações dominadas. · A teoria pós-colonial é um importante elemento no questionamento e na crítica dos currículos centrados no chamado “cânon ocidental”. · A análise pós-colonial se junta às análises pós-moderna e pós- estruturalista, para questionar as relações de podere as formas de conhecimento que colocaram a sujeito imperial europeu na sua posição atual de privilégio. · O conceito de “representação” ocupa um lugar central na teorização pós-colonial (aquelas formas de inscrição através das quais o Outro é representado). · Foi através da representação que o Ocidente construiu um “outro” como supostamente irracional, inferior e como possuído por uma sexualidade selvagem e irreferida. Era através da dimensão pedagógica e cultural que o conhecimento se ligava ao complexo das relações coloniais de poder. · A crítica pós-colonial permite focalizar tanto processos de dominação cultural quanto processos de resistência cultural, bem como sua interação. O híbrido carrega as marcas do poder, mas também as marcas da resistência. · As formas culturais que estão no centro da sociedade de consumo contemporânea espessam novas formas de imperialismo cultural?. · Uma perspectiva pós-colonial exige um currículo multicultural que não separe questões de conhecimento, cultura e estética de questões de poder, política e interpretação. Os Estudos Culturais e o currículo. · O campo de teorização conhecido como Estudos Culturais tem sua origem na fundação, em 1964, do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos, na Inglaterra. · Os esforços iniciais do Centro concentraram-se no estudo de formas culturais urbanas, sobretudo das chamadas “subculturas”. · Os Estudos Culturais concebem a cultura como campo de luta em torno da significação social. A cultura é um jogo de poder. · Os Estudos Culturais estão preocupados com questões que se situam na conexão entre cultura, significação, identidade e poder. · Nessa perspectiva, a “instituição” do currículo é uma invenção social como qualquer outra, o “conteúdo” do currículo é uma construção social. · Não há uma separação rígida entre o conhecimento tradicionalmente considerado como escolar e o conhecimento cotidiano das pessoas envolvidas no currículo, ambos buscam influenciar e modificar as pessoas, estão ambos envolvidos em complexas relações de poder. A pedagogia como cultura, a cultura como pedagogia. · Todo conhecimento, na medida em que se constitui num sistema de significação, é cultural. · Tal como a educação, as outras instancias culturais também são pedagógicas, também ensinam alguma coisa. O cultural torna-se pedagógico e a pedagogia torna-se cultural. · Aprende-se vendo, por exemple, um noticiário ou uma peça de publicidade de na televisão. Do ponto de vista pedagógico e cultural, não se trata simplesmente de informação ou entretenimento: trata-se de formas de conhecimento que influenciarão o comportamento das pessoas de maneiras cruciais e até vitais. · O currículo e a pedagogia dessas formas culturais mais amplas diferem, entretanto, da pedagogia e do currículo escolares, num aspecto importante, pelos imensos recursos econômicos e tecnológicos que mobilizam, elas se apresentam de uma forma sedutora e irresistível. · Henry Giroux tem se voltado para a análise da pedagogia da mídia (filmes produzidos pela Disney). · Joe Kincheloe analisa as peças publicitárias da McDonald’s e Shirley Steinberg os valores morais e sociais da boneca Barbie. · As pedagogias culturais tem sido exploradas pelas próprias indústrias culturais. · A teoria curricular crítica vê tanto a indústria cultural quanto o currículo propriamente escolar como artefatos culturais, no contexto de relações de poder. Currículo: uma questão de saber, poder e identidade. · Embora seja evidente que somos cada vez mais governados por mecanismos sutis de poder tais como os analisados por Foucault, é também evidente que continuamos sendo governados por relações e estruturas de poder baseadas na propriedade de recursos econômicos e culturais. · Depois das teorias críticas y pós-críticas do currículo torna-se impossível pensar o currículo simplesmente através de conceitos técnicos como os de ensino e eficiência ou de categorias psicológicas como as de aprendizagem. · Nas teorias pós-críticas o conhecimento não é exterior ao poder, não se opõe ao poder, é parte inerente do poder. CURRÍCULO Resumo - Currículo - aula 9 - carta de intenções curriculares – Andréa Rosana Fetzner Todo Projeto Político-Pedagógico precisa identificar qual a leitura que a instituição tem da sociedade atual e qual a função da educação escolar nessa sociedade. Este é um dos primeiros elementos de uma proposta pedagógica: a quem servirá a escola e com qual sociedade e sujeito ela está comprometida. É, ao termos a ideia de aonde queremos chegar e (sociedade e sujeito que pretendemos favorecer com esta formação), ao mesmo tempo, de onde estamos (a escola que temos, seu funcionamento, seus pontos fortes e fracos e como queremos que ela seja), que o Projeto passa a ter que responder: o que entendemos por currículo? São os compromissos e as leituras (de sociedade, de sujeito, de escola), que fazem a escola definir sua compreensão de currículo. O Projeto Político Pedagógico (tanto de uma rede de ensino quanto de uma escola em particular) precisa expressar o que é entendido como currículo, por exemplo, se a compreensão da escola o percebe como transmissão cultural, como treinamento de habilidades, como fomento do desenvolvimento natural ou como produção de mudanças conceituais, permeadas pela cultura. A escola (ou rede de ensino) precisa definir em seu Projeto Político- Pedagógico como será organizado o tempo escolar: como serão enturmadas as alunas e os alunos, com que critérios (conhecimento anterior, fase de formação, escolaridade, dificuldades). Outro aspecto relevante do Projeto Político-Pedagógico trata da forma de participação dos segmentos da escola (famílias, professoras e professores, estudantes, funcionárias e funcionários) na vida da escola: assembleias, atribuições, composição dos fóruns de representação, forma como se dará a gestão e a distribuição dos cargos. Imprescindível a todo Projeto Político Pedagógico também é a expressão da forma e finalidade da avaliação escolar, em que um dos maiores desafios encontra-se em mantermos coerência entre a avaliação e as concepções expressas na construção do Projeto. Afirmando o anúncio do título de nossa aula, o Projeto Político Pedagógico da escola é a bússola que orienta (ou deveria orientar) as práticas curriculares, não apenas por apresentar uma proposta curricular, mas, também, porque tudo que se organiza no PPP apresenta-se relacionado ao currículo: - as intencionalidades da escola quanto à sociedade que pretende construir e os sujeitos que pretende formar; - o próprio entendimento de currículo e aprendizagem que a escola possui; - a forma como a escola organiza seus tempos e espaços; - o tipo de planejamento do ensino que é adotado; - a participação que é incentivada (de quem, como); - a avaliação praticada. Podemos dizer, portanto, que qualquer prática curricular a ser proposta precisa ter conhecimento e dialogar com o Projeto Político- Pedagógico da Escola. O Projeto Político Pedagógico busca orientar os fazeres da escola de acordo com suas intenções, ou seja, aproximar a educação que se praticadaquilo a que esse processo (da educação) se propõe. Em síntese, o PPP busca dirigir as práticas para uma intencionalidade de futuro, daí o nome “Projeto”. Ele pode ser proposto orientado por uma concepção mercadológica de escola ou por uma concepção transformadora (libertadora). Ao ser construído, o Projeto Político Pedagógico apresenta as suas finalidades e a organização da escola com vistas a atender essas finalidades. Os aspectos apresentados que se referem à organização da escola referem-se, também, ao currículo praticado. Resumo Currículo - aula 10 Ciclos de sete cabeças: que organização escolar é esta? – Andréa R. Fetzner A escola não é o único instrumento de superação dos desafios sociais (violência e fome, por exemplo), econômicos (desigualdade, desemprego, entre outros) e culturais (preconceito, falta de acesso aos instrumentos da cultura, para citar alguns), mas é um importante instrumento de superação desses desafios, na medida em que as formas de ensino e o conteúdo curricular que oferece podem contribuir em maior ou menor grau para a manutenção e/ou a superação de algumas dessas dificuldades. OS CICLOS NO BRASIL A escola de Ensino Fundamental no Brasil organiza-se predominantemente em séries. Segundo dados do INEP (2005), no Ensino Fundamental, em 2005, tínhamos 64,84% das matrículas em séries, 19,64% das matrículas em ciclos e 15,52% das matrículas em sistemas que mesclavam séries e ciclos. As séries consistem em oferecer para um grande número de pessoas um mesmo ensino, com os mesmos conteúdos e ao mesmo tempo. De acordo com o ano letivo, nas escolas seriadas, dividem-se os conhecimentos em séries, e algumas séries em disciplinas. A atividade escolar constitui-se na tentativa de repassar conhecimentos seriados aos alunos durante um ano letivo. As séries se organizam por meio da divisão dos fazeres e da fragmentação dos conhecimentos a serem trabalhados, reprovando os alunos que não atingem o esperado em alguns dos conteúdos de cada série. O anúncio de outra organização possível para o Ensino Fundamental tem como princípio a necessidade de criar um sistema escolar democrático e comprometido com aprendizagens importantes, capazes de instrumentalizar os estudantes a lidarem com problemas socioeconômicos e ambientais que se apresentam atualmente. Em municípios como São Paulo (1992), Belo Horizonte (1995) e Porto Alegre (1995), propostas de organização escolar por ciclos de formação destacaram-se por unir o agrupamento escolar etário a uma intensa transformação curricular. Nos ciclos de formação, a turma escolar é organizada com predominância da idade aproximada entre os pares. Essas turmas deixam de ser séries de conteúdos e passam a ser consideradas como agrupamentos escolares em que a turma se organiza com base na idade dos alunos. Por consequência, os conteúdos serão trabalhados de acordo com os saberes e não saberes presentes nesse agrupamento. No caso dos ciclos de formação, esses agrupamentos buscam considerar os contextos de idade ao propor as atividades escolares. Por contexto de idade entende-se a prática de considerar, ao propor o ensino, a forma como os alunos se relacionam no meio, seus interesses, a maneira como elaboram suas hipóteses, lidam com o corpo, suas interações na família e na escola, suas curiosidades, suas crises no desenvolvimento. Essas características não são iguais em todos os estudantes, mas se transformam em cada um deles com o passar das idades. Os ciclos de formação reúnem alunos entre 6 e 8 anos no primeiro ciclo (ciclo da infância), entre 9 e 11 anos no segundo ciclo (ciclo da pré- adolescência) e entre 12 e 14 anos no terceiro ciclo (ciclo da adolescência). Os ciclos, basicamente, propõem a superação dos agrupamentos propostos pela escola seriada, agrupamentos esses que se baseavam no conhecimento anterior adquirido. Nesse sentido, a opção por agrupamentos não seriados gera a necessidade de providências para atender àqueles que são considerados pela escola defasados em suas aprendizagens e se oportunize, a todos, o avanço contínuo com atendimento às suas diferenças. Os conceitos de ciclos hoje podem ser compreendidos, no mínimo, em três perspectivas diferentes que, tendo em comum o rompimento com a série, propõem agrupamentos: • como uma extensão do tempo de alfabetização inicial na escola (os ciclos básicos de alfabetização); • com predominância na idade aproximada (ciclos de formação); • com certa referência na idade, mas considerando, ao final de um determinado tempo escolar de dois, três ou quatro anos, o conteúdo anterior adquirido (definidos, por alguns autores, como Ciclos de Aprendizagem). Em comum, as três perspectivas de ciclos apresentam a proposta de rompimento com a possibilidade de reprovação dos alunos ano a ano. Acredita-se que a participação popular (da comunidade e dos alunos) na escolha do conteúdo e no planejamento das atividades (bem como na formulação e execução dos processos de avaliação) contribui com a superação da consciência ingênua e a formação da CONSCIÊNCIA CRÍTICA (ver FREIRE, 1975). Os ciclos são uma forma de organização escolar que propõe a transformação da sociedade e da escola, buscando oferecer uma educação mais democrática e com a vivência de processos mais participativos na escola: desde a escolha do conteúdo programático até os processos de avaliação escolar. Não se trata de uma proposta nova, pois várias experiências têm acontecido na tentativa de mudança dos princípios de organização escolar. No Brasil, existem propostas de ciclos de alfabetização, ciclos de formação e ciclos de aprendizagem. As condições de implementação indicam a necessidade de pensar-se sobre a metodologia a ser adotada, o número de recursos humanos necessário ao projeto, a formação docente a ser oportunizada e o entendimento do projeto pelos gestores. Resumo Currículo- aula 11- Organizando o ensino por meio do diálogo: os temas geradores - Andréa R. Fetzner Do ponto de vista das teorias curriculares críticas e pós-críticas, podemos dizer que o currículo escolar não é neutro; seus conteúdos e práticas estão permeados de intencionalidades nem sempre reveladas e muitas vezes afirmadas sem que estas sejam sequer reconhecidas (pela escola) como valores (o princípio de levar vantagem, o princípio de desvalorizar o conhecimento daquele que é mais diferente que os demais, o princípio de que as pessoas mais empobrecidas são as que têm dificuldades de aprender, entre outros). Uma das formas de tentarmos, nas escolas, desvelar as intencionalidades de nossas ações está na prática de uma educação dialógica, isto é, compartilhada no planejamento, nas ações e nas avaliações com aqueles que usufruem do processo da educação escolar: estudantes, famílias, comunidade e trabalhadores da educação (professores, funcionários, gestores, entre outros). Podemos chamar de planejamento dialógico aquele que, na escola, se organiza com base no diálogo entre os alunos e os professores. Do ponto de vista social, o diálogo é igualmente importante, pois implica (segundo Freire)uma relação horizontal (monólogo não é diálogo, dar ordens ou obedecer ordens não são diálogos, nessa perspectiva). É a relação horizontal, o estar junto ao outro, com disponibilidade de trocar saberes, percepções e hipóteses, condição primeira para que o diálogo possa existir. É quando eu permito que o outro seja (ele mesmo: sua palavra, suas questões, suas percepções) que eu me autorizo, também, a ser (minhas palavras, minhas questões e minhas percepções). A relação pedagógica que toma o diálogo como método começa na escolha do conteúdo da educação. Não é um diálogo sobre os conteúdos predefinidos do ensino. É um diálogo que busca a construção de uma compreensão crítica com e na realidade, por meio de: (a) distinguir natureza e CULTURA; (b) destacar o papel ativo que o ser humano tem na sua realidade e com a sua realidade; (c) identificar o sentido da natureza em nossas relações de comunicação; (d) perceber a cultura como o acréscimo que fazemos ao mundo, em nossa existência; (e) reconhecer, também, na cultura, o resultado de nosso trabalho, de nosso esforço criador e recriador; (f) destacar a dimensão humanista da cultura; (g) compreender a cultura como, também, aquisição da experiência humana (FREIRE, 1985). As Artes, a Educação Física, as Matemáticas, a Língua Portuguesa e suas variações linguísticas, as Ciências, as Histórias, as Geografias, tornam-se, nessa perspectiva dialógica, instrumentos de potencialização do diálogo, de enriquecimento das perguntas que nos faremos sobre o mundo, a história, a cultura e sobre nós mesmos. Agora veremos uma forma de organização do ensino que, partindo da ideia de planejamento dialógico, é adotada em algumas experiências escolares que tentam romper com as perspectivas tradicionais de ensino. Esse tipo de planejamento pode ser adotado em qualquer sala de aula, de qualquer disciplina escolar, em qualquer tempo. Trata-se de uma possibilidade de organização dos estudos dos conteúdos escolares que parte de um problema (uma questão social relevante para o grupo da escola). Seus passos básicos seriam: 1. Escolher, com os alunos ou com a comunidade escolar, um problema a ser estudado, que: a. apresente relevância social; b. seja importante para a compreensão de questões locais e globais; c. seja gerador de ação (o seu estudo possibilite aos alunos fazer algo a respeito, o que não significa, necessariamente, resolver o problema, mas tomar algumas atitudes ou desenvolver algumas práticas que possam colaborar para o entendimento e a superação do problema); d. provoque uma vida melhor para os envolvidos; e. necessite do estudo de várias disciplinas escolares para sua compreensão. 2. Buscar, como início das atividades de estudo do problema, o entendimento que os alunos e a comunidade já têm do tema, como ele se apresenta nos grupos sociais que participam da escola, quais são os saberes e os limites de compreensão nos saberes existentes. Quais seriam as questões geradoras (perguntas da turma sobre o problema) que orientariam o estudo. 3. Aprofundar os entendimentos já existentes, confrontar com outros entendimentos, problematizar possíveis percepções mágicas do problema, analisar de forma crítica diferentes percepções do problema, recorrer às Artes, às Matemáticas, às Ciências e a todas as disciplinas escolares disponíveis para ampliação do entendimento do problema. 4. Diante dos estudos realizados, propor ações de intervenção na realidade existente. Planejar o ensino em diálogo com os alunos e a comunidade escolar exige, do docente, uma abertura para investigar, aprender, refletir sobre temas ainda não convencionais às escolas. Implica perceber o ato de ensino como concomitante ao ato de aprender, em que as formas de ver a vida e os problemas passam a ser dialogadas, e em que as disciplinas escolares ganham sentido na compreensão/solução dos problemas estudados. Para o exercício do diálogo, e das formas de planejamento que dele decorrem (onde o tema gerador é uma destas formas de planejamento), é imprescindível compreender a natureza social e cultural do ser humano. O quanto somos produzidos pela cultura e, ao mesmo tempo, a produzimos e, também, a reproduzimos. A potencialidade transformadora do diálogo (e do planejamento dialógico, por consequência) está nas interrogações que nele se constroem, nos conhecimentos que com ele (diálogo) construímos e nas possibilidades que se abrem quando percebemos que contribuímos tanto com a inércia das ações como com a ação consciente, para a conservação ou para a mudança da sociedade. Resumo Currículo - aula 12- Organizando o ensino por meio do diálogo: os complexos temáticos – Andréa R. Fetzner O complexo temático é uma forma de planejamento do ensino que tem origem nas contribuições de Pistrak, encontradas em seu livro Fundamentos da escola do trabalho (temos a edição de 1981, mas o livro foi escrito na época da Revolução Russa) e, também, nas contribuições do tema gerador de Paulo Freire. A influência marxista dessa forma de organização do ensino lhe é atribuída porque seus fundamentos político-pedagógicos buscam dar conta de transformar os programas educacionais em programas críticos, na medida em que possibilitem aos professores tomar como conteúdo dos estudos a compreensão (crítica) das relações sociais e de produção e, portanto, instrumentalizem a população para a revolução social (entendida como a formação de uma sociedade justa e igualitária). Para isso, o complexo temático propõe que os fenômenos sejam estudados: Como processos em movimento e mudança, com sua história caracterizada por mudanças qualitativas e quantitativas, o trabalho humano e o uso de instrumentos como meios pelos quais o homem transforma a natureza e, ao fazê-lo, transforma a si próprio (KRUG, 2001, p. 57). Em nossa aula anterior, definimos: • A educação dialógica como aquela que é compartilhada no planejamento, nas ações e nas avaliações com aqueles que usufruem do processo da educação escolar: estudantes, famílias, comunidade e trabalhadores da educação (professores, funcionários, gestores, entre outros). • O planejamento dialógico como aquele que, na escola, se organiza com base no diálogo entre os alunos e os professores. Por sua vez, o planejamento do ensino por meio do complexo temático tem finalidades semelhantes ao planejamento por complexos, apresentados no livro de Pistrak (1981): “preocupação com a autonomia dos alunos, a auto- organização, o mundo do trabalho, a vivência do trabalho, a consciência e a socialização” (KRUG, 1981, p. 57). Do tema gerador, o complexo temático incorpora a preocupação com a escolha do tema do complexo (problema principal, foco); a significância do mesmo para o grupo/comunidade de trabalho; a abordagem crítica desses temas e a capacidade dos mesmos de problematizarem a forma de pensar a realidade trazida pelos alunos (KRUG, 1981). O complexo temático pode ser definido como uma forma dialógica de planejamento escolar, que busca dotar os conhecimentos a serem trabalhados na escola de um sentido para os alunos e para a sua comunidade, e que articula as diferentes disciplinas escolares no estudo de problemas sociais relevantes.Diferente do tema gerador, o complexo temático constitui um planejamento de médio ou longo prazo (seis meses ou um ano), que pode envolver, em um mesmo trabalho, todas as turmas de uma escola. Para que possa envolver todas as turmas de uma escola, o complexo temático apresenta uma metodologia de construção do planejamento que prevê, após uma proposta inicial a ser desenvolvida com todas as turmas, o desdobramento do planejamento adequando-o às diferentes faixas etárias. Os objetivos do planejamento por meio de complexos temáticos são: • superar o ensino descontextualizado dos conteúdos escolares; • relacionar o sujeito à sua realidade contextual; • trabalhar com a percepção e a compreensão dessa realidade; • estabelecer relações entre fazer e pensar, agir e refletir, teoria e prática; • compreender a realidade enquanto uma totalidade (em sua dimensão ampla); • provocar o olhar particular de cada área do conhecimento sobre um problema a ser estudado; • explicitar as relações entre os conhecimentos que serão trabalhados em diferentes áreas do conhecimento; • articular as quatro fontes do currículo: socioantropológica, sócio psicopedagógica, epistemológica e filosófica, a serem apresentadas a seguir (KRUG, 2001; CICLOS, 1996; ROCHA, 1999). O complexo temático articula quatro fontes curriculares (orientações curriculares oriundas de diferentes campos do saber): socioantropológica, epistemológica, sócio psicopedagógica e filosófica. FONTE SOCIOANTROPOLÓGICA, Implica a compreensão: - dos significados socioculturais de cada prática no conjunto das condições de existência em que ocorrem; - dos sistemas simbólicos que constituem a visão de mundo da comunidade. FONTE SOCIOPSICOPEDAGÓGICA Resulta: - no estudo das relações entre aprendizagem e desenvolvimento; - na compreensão do desenvolvimento intelectual na e com a relação com o mundo; - no espaço escolar organizado de forma cooperativa e coletiva. FONTE EPISTEMOLÓGICA Por sua orientação interdisciplinar, propõe a reorganização do conteúdo e do trabalho escolar de forma a favorecer a autonomia dos estudantes na compreensão da realidade. Esta fonte curricular também propõe o trabalho orientado para a compreensão e transformação da realidade vivida. FONTE FILOSÓFICA Propõe um movimento pedagógico flexível, voltado para a aprendizagem de todas as crianças e os adolescentes na escola. Do ponto de vista filosófico, o complexo temático considera como princípio a capacidade, inerente a todo ser humano, de aprender e a necessidade de organizar-se o ensino com esse pressuposto. O complexo temático é uma forma de planejamento escolar dialógica, isto é, promove a participação dos alunos no planejamento e na execução das atividades escolares. Também se preocupa com propor o estudo de temas socialmente relevantes para os alunos e sua comunidade e promove a aprendizagem em diferentes disciplinas escolares de forma interdisciplinar e consequente para a construção da autonomia dos alunos. Resumo Currículo aula 13 Organizando o ensino por meio de projetos de trabalho: desafios para a compreensão da proposta – Andréa R. Fetzner Vamos retomar as contribuições de Gimeno Sacristán (2007), no entendimento do currículo como texto da experiência, e de autores como Carlini (2004), Machado (2000) e Hernández (1998) na definição de projetos de trabalho. Todo projeto educacional possui uma finalidade, tanto na Colônia Gorki, no início do século passado, com os agrupamentos produtivos (BERNET, 2003), quanto na experiência contemporânea da Escola da Ponte, com os grupos de desenvolvimento (PACHECO, 2007); as finalidades da educação orientam (ou deveriam orientar) os meios a serem adotados para o alcance das mesmas. Na busca de concretizar sua proposta educativa, toda escola precisa articular um conjunto de instrumentos que, efetivamente, deveriam oportunizar a formação a qual se propõe: currículo, formas avaliativas, organização dos tempos e espaços, entre outros. Carlini, ao definir o ensino por projetos, como um dos procedimentos de ensino disponíveis ao docente, assim o resume: O ensino por projetos organiza-se com base em um problema concreto, presente na realidade do aluno, que pede a busca de soluções práticas. Em parte, é semelhante ao ensino com pesquisa, na fase de coleta e organização de informações, na consulta a fontes e no trânsito por espaços educativos. No entanto, o ensino por projetos não finaliza com um relatório de pesquisa, mas com a elaboração de uma proposta de intervenção na realidade, um projeto (2004, p. 52). Os projetos precisam, para Hernández, contribuir com os alunos para o desenvolvimento das capacidades relacionadas com: • a auto direção: favorece as iniciativas para levar adiante, por si mesmo e com os outros, tarefas de pesquisa; • a inventiva: mediante a utilização criativa de recursos, métodos e explicações alternativas; • a formulação e a resolução de problemas, diagnóstico de situações e o desenvolvimento de estratégias analíticas e avaliativas; • a integração, pois favorece a síntese de ideias, experiências e informação de diferentes fontes e disciplinas; • a tomada de decisões, já que será decidido o que é relevante e o que se vai incluir no projeto; • comunicação interpessoal, posto que se deverá contrastar as próprias opiniões e pontos de vista com outros, e tornar-se responsável por elas, mediante a escrita ou outras formas de representação (1998, p. 73-74). Em toda a turma escolar, os estudantes trazem diferentes saberes e uma diversidade de culturas, o que gera a necessidade de abordarmos o currículo escolar como um texto da experiência (GIMENO SACRISTÁN, 2007), em que o espaço para as diferentes falas, experiências e saberes exista de forma consistente e coerente com a proposta educacional a qual dedicamos nosso trabalho. Compartilhando deste entendimento, os projetos de trabalho precisam ser compreendidos como instrumentos para a realização desta diversidade. Identificamos algumas dificuldades docentes no trabalho com projetos: • definir o que é um problema desencadeador de um projeto de trabalho; • estabelecer com quem o problema deve ser definido; • distinguir estratégias de ensino-aprendizagem de problemas desencadeadores de projetos; • articular os conhecimentos escolares a serem sistematizados por meio do projeto, de forma a incentivar o desenvolvimento de capacidades como autodireção, criação, formulação e resolução de problemas, integração, tomada de decisões e comunicação interpessoal. A superação destes problemas exige estudo, mas também prática nestas possibilidades de planejamento, isto quer dizer que, embora o estudo seja importante, ele não é suficiente: o exercício destas possibilidades (tema gerador, complexo temático, projetos de trabalho) torna-se imprescindível. Como você faria para construir uma proposta por meio de projetos de trabalho? Por onde começaria? Quais seriam seus objetivos, ao trabalhar com projetos? O primeiro movimento a fazer no planejamento do ensino por meio de projetos de trabalho é, com os alunos, verificar possíveis problemas a serem estudados. Ao levantá-los, precisamos discutir, com os alunos, se estes problemas “rendem” um projeto de trabalho, ou seja, se atendem às características de relevância,envolvimento/mobilização do grupo e possibilidade de estudo em diferentes disciplinas escolares. Os objetivos do trabalho com projetos é envolver os alunos, atender as diferentes necessidades dos estudantes, tornar os estudos relevantes para a vida e possibilitar a aplicação dos conhecimentos trabalhados. Resumo Currículo - aula 14 - A natureza política do trabalho do professor, sua formação e as políticas curriculares – Andréa R. Fetzner A ação docente é sempre uma ação política, podendo expressar-se pela concordância, discordância ou ignorância das políticas educacionais e seus desdobramentos cotidianos na escola. Dito de outra forma, tudo o que o professor faz, ao apoiar ativamente, ao contrapor-se ou, ainda, ao demonstrar-se alheio às pretensões, propostas e práticas educacionais que lhes são impostas ou oferecidas, é ação política. Quanto às concepções de formação de professores, podemos considerar em nossas discussões que existem, no mínimo, três modelos: (1) o modelo clássico: onde quem supostamente sabe (um palestrante, por exemplo) ensina aos professores que trabalham nas escolas, os quais, supostamente, não sabem, pois só teriam os saberes da sua prática e não os saberes teóricos (mais valorizados, segundo esta ótica); (2) o modelo pesquisa-ação: onde um pesquisador (geralmente da Universidade) atua de forma participativa na escola, pesquisando e interferindo nas práticas cotidianas; (3) o modelo projeto-escola: quando a comunidade escolar constrói seu projeto de educação a ser desenvolvido na instituição e por meio do qual a formação de professores se dá na relação de aprender com o outro, nas trocas sobre a própria prática. A voz do estudante é um desejo, nascido da biografia pessoal e da história sedimentada; é a necessidade de construir-se e afirmar-se em uma linguagem capaz de construir a vida privada e conferir-lhe um significado, assim como de legitimar e confirmar a própria existência no mundo (GIROUX; MCLAREN, 2008, p. 137). Da mesma forma como a reflexão crítica sobre sua experiência deve ser o foco do currículo na escola, os cursos de formação de professores precisam tomar esta diretiva como instrumento e método de transformação: “as escolas são instituições históricas e culturais que sempre incorporaram interesses ideológicos e políticos” (GIROUX; MCLAREN, 2008, p. 142), desvendar estes interesses e a ação política que ali se pratica é fundamental para uma formação crítica do professor. Resumo Currículo - aula 15 - Implicações entre a didática e o currículo – Andréa R. fetzner Didática significa “a arte de ensinar” (Dicionário Michaelis). Ao discutirmos a didática, encontramos as questões relativas ao ensino sendo analisadas por meio da perspectiva humana (focada no desenvolvimento humano), política (questões políticas ligadas ao ensino e as conseqüências políticas do ensino) e técnica (dirigidas especificamente ao como ensinar e as técnicas de ensino). Entre os temas principais da didática encontramos (FETZNER, 2009): • o processo de ensino-aprendizagem e sua relação com o contexto global da educação contemporânea; • a aula como sistema complexo de significados, de relações e de intercâmbios; • o processo didático na ação docente: ensinar-aprender, pesquisar, avaliar. As discussões do campo da didática contribuem com as discussões do campo do currículo: as diferentes ênfases da didática assemelham-se a diferentes perspectivas curriculares estudadas, os desafios dos dois campos são convergentes e, fundamentalmente, não há ensino sem conhecimento e não há conhecimento sem processo de conhecer (do qual o ensino é parte constituinte). A didática é um campo de conhecimento que se dedica a estudar as questões ligadas ao processo de ensinar. No Brasil, este campo foi marcado por diferentes ênfases em diferentes momentos históricos: a predominância das ideias do humanismo moderno (1945-1960); a afirmação da dimensão técnica do ensino (1960-1975) e a afirmação da dimensão política (1975- 1990). Sua compreensão atual e seus desafios implicam no reconhecimento de que há uma multidimensionalidade na didática, as dimensões: humana, técnica e política se complementam. Comente esta frase de Moreira: “O ensino se efetiva com base em um currículo e esse só se materializa no momento do ensino” (1998, p. 34). O currículo, ao tratar dos conteúdos do ensino, trata não apenas da listagem de conteúdos que uma escola se propõe a ensinar, mas de um conjunto de conteúdos morais, éticos, estéticos, políticos, culturais e sociais que circulam pela escola. Estas aprendizagens escolares realizam-se não apenas pelo estudo de textos ou realização de exercícios, mas também pela linguagem que constrói, nas pessoas e com elas, imagens sobre si, sobre o outro, sobre a sociedade e sobre a cultura. Estas aprendizagens também ensinam valores (para o bem ou para o mal): ensinam se trabalhar em grupo é bom ou não, se ouvir os outros é importante ou não, se os conhecimentos são verdades absolutas ou precisam ser constantemente questionados, por exemplo. A didática, por sua vez, preocupa-se com os elementos presentes neste processo de conhecimento, do ponto de vista do ensino: as questões subjetivas da formação humana, as questões político-sociais e as questões técnicas. Na frase de Moreira (1998), podemos perceber que não é possível pensar a didática sem o currículo e não é possível pensar o currículo sem as questões didáticas. No decorrer desta aula percebemos, inclusive, o quanto os debates, as preocupações e os desafios entre estes dois campos são semelhantes e se complementam. Focando na frase de Moreira podemos dizer que não há ensino sem um conhecimento e não há conhecimento sem o processo de conhecer. TEXTO :QUEM ESCONDEU O CURRÍCULO OCULTO? Embora não constitua propriamente uma teoria, a noção de “currículo oculto” exerceu uma forte e estranha atração em quase todas as perspectivas críticas iniciais de currículo, A noção de currículo oculto estava implícita, por exemplo, na análise que Bowles e Gentis fizeram da escola capitalista americana. Aqui, através do “principio da correspondência, eram as relações sociais na escola, mais do que conteúdo explicito que eram responsáveis pela socialização de crianças e jovens nas normas e atitudes necessárias para uma boa adaptação às exigências do trabalho capitalista. Mesmo que não diretamente relacionada à escola, a noção de ideologia desenvolvida por Althusser na segunda parte do seu famoso ensaio, A ideologia e os aparelhos ideológicos de estado, apontava, de certa forma, para uma noção que tinha características similares às que eram atribuídas ao “currículo oculto”. Como lembramos, Althusser fornecia uma definição de ideologia que destacava sua dimensão prática, material. A ideologia, nessa definição, expressava-se mais através de rituais, gestos e práticas corporais do que através de manifestações verbais. “Aprendia-se” a ideologia através dessas práticas: uma definição que se aproxima bastante da definição de currículo oculto. Na teorização de Bernstein, por exemplo, é através da estrutura do currículo e da pedagogia que se aprendem os códigos de classe. Mas é claro que o conceito de currículo oculto se estendeu para muito além desses exemplos, sendo utilizado por praticamente toda perspectiva crítica de currículo em seu período inicial. Apesar dessa utilização crítica, o conceito tem sua origem no campo mais conservador da sociologia funcionalista. O conceito foi talvez utilizado pela primeira vez por Philip Jackson, em 1968, no livro Life in classrooms. Nas palavrasde Jackson, “os grandes grupos, a utilização do elogio e do poder que se combinam para dar um sabor distinto à vida de sala de aula coletivamente formam um currículo oculto, que cada estudante (e cada professor) deve dominar se quiser se dar bem na escola”. Cabeira e Robert Dreeben, num livro intitulado On what is learned in school, ampliar e desenvolver essa definição funcionalista de “currículo”. Esses autores funcionalistas já destacavam a determinação estrutural do currículo oculto. Eram as características estruturais da sala de aula e da situação de ensino, mais do que seu conteúdo explícito, que “ensinavam” certas coisas: as relações de autoridade, a organização espacial, a distribuição do tempo, os padrões de recompensa e castigo. O que distingue a utilização funcional do conceito daquela feita pelas perspectivas críticas seria, essencialmente, a desejabilidade ou não dos comportamentos que eram ensinados, de forma implícita, através do currículo oculto. Nessa visão, os comportamentos assim ensinados eram funcionalmente necessários para o bom funcionamento da sociedade e, portanto, desejáveis. Na análise de Dreeben, por exemplo, a escola, através do tratamento impessoal que, em contraste com a família, ela proporciona, ensina a noção de universalismo necessária ao perfeito funcionamento das sociedades “avançadas”. Em direção contrária, nas análises críticas, as atitudes e comportamentos transmitidos através do currículo oculto são vistos como indesejáveis, com uma distorção dos genuínos objetivos da educação, na medida em que moldam as crianças e jovens para se adaptar às injustas estruturas da sociedade capitalista. O exemplo mais claro é talvez o da análise de Bowles e Gentis. Aqui, a escola, através da correspondência entre as relações sociais que ela enfatiza e as relações sociais predominantes no local do trabalho, ensina às crianças e jovens de classe subordinadas como se conformar às exigências de seu papel subalterno nas relações sociais de produção. Mas o que é afinal, o currículo oculto? O currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de forma implícita, para aprendizagens sociais relevantes. Precisamos especificar melhor, pois, quais são esses aspectos e quais são essas aprendizagens. Em outras palavras, precisamos saber “o que” se aprende no currículo oculto e através de quais meios. Para a perspectiva crítica, o que se aprende no currículo oculto são fundamentalmente atitudes, comportamentos, valores e orientação que permitem que a criança e jovens se ajustem de forma mais convenientes às estruturas e às pautas de funcionamento, consideradas injustas e antidemocráticas e, portanto, indesejáveis, da sociedade capitalista. Entre outras coisas, o currículo oculto ensina, em geral, o conformismo, a obediência, o individualismo. Em particular, as crianças das classes operárias aprendem as atitudes próprias ao seu papel de subordinação, enquanto as crianças das classes proprietárias aprendem os traços sociais apropriados ao se papel de dominação. Numa perspectiva mais ampla, aprendem-se, através do currículo oculto, atitudes e valores próprios de outras esfera sócias, como, por exemplo, aqueles ligados a nacionalidade, Mais recentemente, nas análises que consideram também as dimensões do gênero, da sexualidade ou da raça, aprende-se, no currículo oculto, como o homem e ao mulher, como ser heterossexual ou homossexual, bem como a identificação com uma determinada raça ou etnia. Agora, quais são os elementos que, no ambiente escolar, contribuem para essas aprendizagens? Como já vimos uma das fontes do currículo oculto é constituída pelas relações sociais da escola: as relações entre professores e alunos, entre a administração e os alunos, entre alunos e alunos, A organização do espaço escolar é outro dos componentes estruturais através dos quais as crianças e jovens aprendem certos comportamentos sociais: espaço rigidamente organizado da sala de aula tradicional ensina certas coisas; o espaço frouxamente estruturado da sala de aula mais aberta ensina outro tipo de coisa. Algo similar ocorre com o ensino do tempo, a divisão do tempo em unidade, o controle do tempo, a divisão do tempo em unidade discreta, um tempo para cada tarefa, etc. O currículo oculto ensina, ainda, através de rituais, regras, regulamentos,normas. Aprende-se também através das diversas divisões e categorizações explícitas ou implícitas próprias a exigência escolar: entre os mais “capazes” e os menos “capazes” entre meninos e meninas, entre um currículo acadêmico e um currículo profissional. Finalmente, é importante saber o que fazer com um currículo oculto quando encontramos um. Na teorização critica a noção de currículo oculto implica como já vimos, na possibilidade de termos um momento de iluminação e lucidez, no qual, identificamos uma determinada situação como constituindo uma instância do currículo oculto. A idéia é que uma análise baseada nesse conceito permite nos tornarmos conscientes de algumas coisas que até então estava oculta em nossa consciência. A coisa toda consiste claro, em desocultar o currículo oculto. Parte de sua eficácia reside precisamente nessa sua natureza oculta. O que está implícito na noção de currículo oculto é a ideia de que se conseguirmos desocultá-lo, ele se tornará menos eficaz, ele deixar de ter os efeitos que tem pela única razão de ser oculto. Supostamente, é essa consciência que vai permitir alguma possibilidade de mudança. Tornar-se consciente do currículo oculto significa, de alguma forma, desarmá-lo. Obviamente, o conceito de “currículo oculto” cumpriu um papel importante no desenvolvimento de uma perspectiva crítica sobre currículo. Ele expressa uma operação fundamental da análise sociológica, que consiste em descrever os processos sociais que moldam nossa subjetividade como que por detrás de nossas costas, sem nosso conhecimento consciente. Ele condensa uma preocupação sociológica permanente com os processos “invisíveis, com os processos que estão ocultos na compreensão comum que temos da vida cotidiana”. Nisso reside, talvez, precisamente sua atração. A noção de “currículo oculto” constituía, assim, um instrumento analítico de penetração na opacidade da vida cotidiana da sala de aula. Ele como que tornava repentinamente transparente aquilo que normalmente aparecia como opaco. O conceito tornou-se, entretanto crescentemente desgastado, o que, talvez, explique esse declínio na análise educacional crítica. Houve provavelmente certa trivialização do conceito. Alguma análise limitava-se a “caçar” instâncias do currículo oculto por toda parte, num esforço de catalogação, esquecendo-se de suas conexões com processo e relações sociais mais amplos. Por outro lado, a ideia de “currículo oculto” estava associada a um estruturamento que iria ser progressivamente questionado pelas perspectivas críticas. Se as características estruturais do currículo oculto eram tão determinantes, não havia muito que fazer para transformá-lo. O particípio passado-”oculto”- se adjetivava a palavra “currículo indicava que o ato de ocultação era resultado de uma ação impessoal, abstrata, estrutural. Ninguém, precisamente era responsável por ter escondido o currículo oculto. O que tinha constituído sua força acabara por decretar se enfraquecimento como um conceito importante da teorização crítica sobre o currículo. Finalmente, numa era neoliberal deafirmação explicita da subjetividade dos valores do capitalismo, não existe mais muita coisa oculta no currículo. Com a ascensão neoliberal, o currículo tornou-se assumidamente capitalista. DOCUMENTOS DE IDENTIDADE Osvaldo Mariotto Cerezer Professor Departamento de História – UNEMAT Correio eletrônico: omcerezer@hotmail.com SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias docurrículo. 2002. 2 ed. Belo Horizonte, Autêntica. A obra intitulada Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo, de Tomaz Tadeu da Silva, (2002) faz uma importante análise sobre as teorias do currículo, desde sua origem até as teorias pós-criticas, e a contribuição destas nos estudos sobre o currículo e suas implicações na formação da subjetividade e identidade dos sujeitos. As teorias do currículo procuram justificar a escolha de determinados conhecimentos e saberes em detrimento de outros, considerados menos importantes. Para a teoria tradicional, o currículo deveria conceber uma escola que funcionasse de forma semelhante a qualquer empresa comercial ou industrial. Sua ênfase estava voltada para a eficiência, produtividade, organização e desenvolvimento. O currículo deve ser essencialmente técnico e a educação vista como um processo de moldagem. Na década de 1960 surgem as teorias críticas que questionam o status quo visto como responsável pelas injustiças sociais e procura construir uma análise que permita conhecer não como se faz o currículo, mas compreender o que o currículo faz. Seguindo Althusser, a escola é compreendida como aparelho ideológico do Estado, que produz e dissemina a ideologia dominante através, principalmente, dos conteúdos. Bowles e Gintis dão ênfase à aprendizagem por meio da vivência e das relações sociais na escola que irão repercutir na formação de atitudes necessárias no mercado de trabalho capitalista. Bourdieu e Passeron desenvolvem o conceito de “reprodução” e “capital cultural”, onde a cultura dominante incorpora, introjeta e internaliza determinados valores dominantes através do currículo escolar. Na década de 1970, o movimento de reconceItualização critica o currículo por considerá-lo tecnocrático. Este se limitou às questões fenomenológicas, hermenêuticas e autobiográficas de crítica aos currículos tradicionais. Na concepção fenomenológica o currículo é concebido como um lugar de experiência e como local de interrogação e questionamento da experiência. A hermenêutica contesta a existência de um significado único e determinado e defende a idéia de interpretação múltipla dos textos não só escritos, mas qualquer conjunto de significado. Na autobiografia, o currículo é entendido de forma ampla, como experiência vivida. Aqui se entrelaçam o conhecimento escolar, as histórias de vida e o desenvolvimento intelectual e profissional, permitindo a transformação do próprio eu. Para Michael Apple, o currículo representa, de forma hegemônica, as estruturas econômicas e sociais mais amplas. Assim, o currículo não é neutro, desinteressado. O conhecimento por ele corporificado é um conhecimento particular. Importa saber qual conhecimento é considerado verdadeiro. A reprodução social não se dá de forma tranquila, há sempre um processo de contestação, conflito, resistência. Henry Giroux concebe o currículo como política cultural, sustentando que o mesmo não transmite apenas fatos e conhecimentos objetivos, mas também constrói significados e valores sociais e culturais. Vê o currículo por meio dos conceitos de emancipação e libertação. Paulo Freire critica o currículo existente através do conceito de “educação bancária”. Nesse contexto, o currículo tradicional está afastado da situação existencial das pessoas que fazem parte do processo de conhecer. O currículo deve conceber a experiência dos educandos como a fonte primária para temas significativos ou geradores. Sua teoria é contestada na década de 1980 por Dermeval Saviani na pedagogia histórico-crítica ou pedagogia crítico social dos conteúdos. A educação só será política quando esta permitir às classes dominadas se apropriarem dos conhecimentos transmitidos como instrumento cultural que permitirá uma luta política mais ampla. A crítica de Saviani à pedagogia libertadora de Paulo Freire está na ênfase dada por esta aos métodos e não à aquisição do conhecimento. Ao analisar as influências da “nova sociologia da educação” sobre os estudos curriculares, Tomaz Tadeu da Silva salienta que a preocupação da mesma estava voltada para as questões de relação entre currículo e poder, entre a organização do conhecimento e a distribuição do poder. O currículo é visto como uma “construção social”. Basil Bernstein analisa o currículo a partir de duas distinções fundamentais: o currículo tipo coleção e o currículo integrado. Para o primeiro, as áreas e os campos do conhecimento são organizados de forma isolada. No segundo, há uma diminuição das distinções entre as áreas do conhecimento. A classificação determina o que é legítimo ou ilegítimo incluir no currículo. A classificação para Bernstein é uma questão de poder. O autor, ao abordar o currículo oculto, analisa-o como sendo aquele que, embora não faça parte do currículo escolar, encontra-se presente nas escolas através de aspectos pertencentes ao ambiente escolar e que influenciam na aprendizagem dos alunos. Na visão crítica, o currículo oculto forma atitudes, comportamentos, valores, orientações etc., que permitem o ajustamento dos sujeitos às estruturas da sociedade capitalista. Na perspectiva das abordagens sobre diferença e identidade, o currículo multiculturalista se apresenta como uma possibilidade de abordagem e inclusão dos grupos raciais e étnicos, pois representa um importante instrumento de luta política. A análise crítica divide o currículo multiculturalista entre as concepções pós-estruturalista e materialista. Para a primeira, a diferença é um processo linguístico e discursivo. Para o materialismo de inspiração marxista, os processos institucionais, econômicos e estruturais, fortalecem a discriminação e desigualdades baseadas na diferença cultural. Importa compreender como as diferenças são produzidas através das relações de desigualdade. Para obter a igualdade, é necessário uma modificação substancial do currículo existente. As perspectivas críticas sobre relações de gênero e pedagogia feminista passaram a ser questionadas por não levarem em consideração a questão de gênero e da raça no processo de produção e reprodução das desigualdades. Nesse contexto, o currículo refletia e reproduzia uma sociedade masculina. A pedagogia feminista passa a desenvolver formas de educação que levassem em consideração os valores feministas, para contrapor-se à pedagogia tradicional de valorização do masculino. O currículo é visto como um artefato de gênero, pois corporifica e ao mesmo tempo produz relações de gênero. Em relação ao currículo como narrativa étnica e racial, a questão central consistia em compreender e analisar os fatores que levavam ao fracasso escolar as crianças e jovens pertencentesa grupos étnicos e raciais minoritários. Na perspectiva critica, o currículo lidaria com a questão da diferença como uma questão histórica e política, pois não importa apenas celebrar a diferença e a diversidade, mas questioná-la. Para a teoria que, a identidade sexual, assim como a de gênero, é uma construção social. Para ela, a identidade é sempre uma relação dependente da identidade do outro. Não existe identidade sem significação, assim como não existe identidade sem poder. A teoria que pretende questionar os processos discursivos e institucionais, as estruturas de significação sobre o que é correto ou incorreto, o que é moral ou imoral, o que é normal ou anormal. O movimento pós-moderno toma como referência social a transição entre a modernidade iniciada com o Renascimento e Iluminismo e a pós modernidade iniciada na metade do século XX. Questiona as pretensões totalizantes de saber do pensamento moderno. Nesse contexto, o pensamento moderno prioriza as grandes narrativas, vistas como vontade de domínio e controle dos modernos. Nesta perspectiva, a pós modernidade questiona as noções de razão e racionalidade. Duvida do progresso, nem sempre visto como algo desejável e benigno. Critica o sujeito racional, livre, autônomo, centrado e soberano da modernidade. Para o pós-modernismo, o sujeito não é o centro da ação social. Ele não pensa, fala e produz: ele é pensado, falado e produzido. Fundamentado em Foucault, Derrida entre outros, o pósestruturalismo coloca sua ênfase na indeterminação e na incerteza sobre o conhecimento. Destaca o processo pelo qual algo é considerado verdade, ou seja, como algo se tornou verdade. Seguindo Derrida, o pós-estruturalismo questionaria as concepções de masculino/feminino; heterossexual/homossexual; branco/negro; científico/não cientifico dos conhecimentos que constituem o currículo. Já a teoria pós-colonial dá ênfase ao hibridismo, mestiçagem, entendendo a cultura nos espaços coloniais e pós-coloniais como uma complexa relação de poder onde ambas, dominadora e dominada são modificadas. Com as teorias criticas e pós-criticas, não podemos mais ver o currículo como algo inocente, desinteressado.
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